Budismo
Theravada. Texto de Hammalawa Saddhatissa (1914- ). O primeiro ponto a se
considerado, se desejarmos evitar qualquer confusão na discussão do budismo, é
que o Budha em momento algum pretende ser mais do que um ser humano. Seu
ensinamento revolve o problema do sofrimento humano e indica, ou pretende, um
caminho, que o homem deve seguir para solucionar esse problema, sem a ajuda de
qualquer força externa ou sobrenatural. Budha, significando o que é iluminado
ou desperto, foi o nome descritivo dado a um príncipe indiano, Siddharta
Gautama, após ter alcançado um estado de compreensão absoluta. É para um estado
semelhante de compreensão, e para a libertação do medo e do sofrimento que tal
compreensão traz, que a trajetória budista pretende conduzir. O budismo começou
nas províncias do Norte da Índia, e simultaneamente veio a prevalecer em toda a
Ásia. Durante vinte e cinco séculos, mesclou-se a crenças tradicionais de
muitas terras. Atualmente, existem mais de quinhentos milhões de budistas na
Índia, Nepal, Butão, China, Japão, Coréia, Tibete, Laos, Vietnam, Cambodja,
Malásia, Birmânia, Tailândia e Ceilão; e há evidência de um crescente interesse
na América e na Europa. Siddhãrta Gautama parece ter nascido em maio de 663 AC,
num dia de lua cheia, em um lugar chamado Jardim Lumbini, atual Nepal, perto
das fronteiras do Norte da Índia. Seu pai, Suddhodana, era soberano de Sãkya,
um reino situado no sopé do Himalaia. Um dos muitos nomes pelos quais Gautama
era conhecido era Sãkya Muni, o sábio dos Sãkyas. Sua mãe chamava-se Mahãmãyã.
Muitas estórias miraculosas surgiram em relação ao nascimento da criança e seu
desenvolvimento precoce. Essas estórias parecem ser um dos riscos profissionais
dos líderes religiosos. Os relatos mais simples estabelecem meramente que, após
uma infância exemplar, ele tornou-se um jovem de aspecto nobre, combinando a
destreza de um atleta com a inteligência de um erudito. Aos dezesseis anos de
idade, casou-se com sua prima, uma princesa de rara beleza chamada Yasodharã.
Treze anos mais tarde, seu filho Rãhula nasceu. A estória de como aos vinte e
nove anos de idade Siddhãrta Gautama deixou seu lar, sua jovem esposa e seu
filho recém-nascido para levar a vida de um monge errante converteu-se, através
dos tempos, em mito e lenda. Mais uma vez faremos o relato mais simples. Por
aproximadamente trinta anos, o jovem viveu uma vida protegida e provavelmente
bastante luxuosa. Sua família era rica e aparentemente culta; e ele era
incentivado a buscar quaisquer distrações físicas ou intelectuais que o
atraíssem. Gozava de todo esse conforto e segurança que dizem algumas vezes
trazer a felicidade. Contudo, de vez em quando, perturbava-se com a doença e a
miséria que via à sua volta, e começou a suspeitar de que seu modo de vida
fosse vazio. Procurou o conselho daqueles que gozavam de grande reputação de
sabedoria e descobriu apenas que estes não possuíam respostas adequadas para
suas perguntas. O caminho que Siddhãrta Gautama, em sua inquietude mental,
desejou seguir, renunciar ao mundo e viver como um asceta paupérrimo, pode
parecer dramático e talvez irresponsável nos dias de hoje. Na Índia de seis
séculos antes de Cristo, foi uma escolha extrema, mas não muito incomum. O que
faz com que o caso de Gautama seja digno de estudo não é o fato de ele ter
escolhido renunciar ao mundo, mas sim o fato de ter, em sua busca incessante da
causa e cura da angústia e tensão humanas, renunciado aos caminhos do próprio
ascetismo. No princípio sua aproximação foi bastante ortodoxa; consultava as
mais altas autoridades sacerdotais da religião bramanista, hindu, de seu povo,
embora nenhuma pudesse explicar ou instruir-lhe satisfatoriamente. Nessa época,
era costume praticar mortificação corporal a fim de obter a libertação das
doenças do corpo e da mente; consequentemente, ele também tentou esse método.
Na floresta de Uruvela, perto de Gaya, Índia, praticou as mais intensas formas
de austeridade durante seis anos, e foi finalmente trazido às beiras da morte.
De repente, deu-se conta de que, em vez de proporcionar a paz e a clareza
mental, as graves penalidades que se auto impunha haviam arruinado sua saúde e
entorpecido sua mente. Para o desagrado de seus companheiros ascetas, resolveu
rejeitar os caminhos da austeridade do mesmo modo que havia rejeitado os
caminhos da luxúria, e decidiu, em vez disso, seguir um caminho intermediário
entre os dois extremos. Após revitalizar seu corpo com alimento, sentou-se sob
uma árvore e começou a meditar. Permaneceu em estado e intensa concentração
durante toda a noite, e pela manhã havia vislumbrado duas coisas, que viriam a
ser os fundamentos de seus ensinamentos, a verdade da existência do sofrimento
e a verdade de que existe um meio de libertação, isto é, um caminho
intermediário que evita os extremos. Passou os quarenta e cinco anos restantes
de sua vida como um monge itinerante, expondo esse caminho intermediário à
todos aqueles que procuravam seus conselhos. Os ensinamentos do Budha
iniciaram-se em Benares, Índia, a cidade sagrada dos hindus, lugar para onde se
dirigiu logo após sua experiência de Iluminação. Nos limiares da cidade, no
parque dos cervos, em Sarnath, pronunciou seu primeiro discurso ou sermão,
conhecido como O Giro da Roda da Lei, no qual explicitou em termos simples a
estrutura quádrupla de seu ensinamento, geralmente traduzida como As Quatro
Nobres Verdades. São elas:
1.A
verdade da existência da infelicidade.
2.A
verdade de que há uma causa para essa infelicidade.
3.A
verdade de que a infelicidade pode cessar.
4.A
verdade do caminho que conduz ao cessamento da infelicidade.
Discorreremos
sobre alguns dos detalhes e implicações dessas quatro nobres verdades em
capítulos posteriores deste livro. O Budha, como todos os verdadeiros líderes
religiosos, ensinou que o desejo, a possessividade e a inveja são as causas de
muitos males pessoais e sociais; pregou contra a guerra e a escravidão, e
denunciou as chamadas práticas sagradas que envolviam o sacrifício de seres
humanos ou de animais. Como um mestre, dirigiu-se aos ricos e poderosos bem
como aos pobres e fracos. Desconsiderou as distinções de classe do sistema de
castas e ajudava pessoas, fossem elas bem nascidas ou não; admitia no seu grupo
de seguidores todos aqueles que escolhessem segui-lo. Apaziguava brigas entre
proprietários de terra e príncipes. Ajudava aqueles que sofriam da mente ou do
corpo a encontrarem uma cura para seus males. Não se tratava aqui de um Deus ou
ser sobrenatural; o Budha não acreditava em milagres nem procurava desviar o
curso natural dos eventos. Ao contrário, ensinava aos homens como reconhecer a
interdependência de causa e efeito, e a compreender que, para erradicar um
efeito indesejado, é necessário descobrir e erradicar a causa. O Budha advertiu
que um estado de paz poderia ser alcançado e plenamente realizado aqui, nesta
vida, não através de sacrifícios aos deuses, nem por meio de orações, mas
através de um contínuo esforço e por um desprendimento lentamente aperfeiçoado.
O budismo não é uma religião que possa ser aceita cegamente de uma vez por
todas; dever ser compreendida e constantemente questionada. O Budha disse:
Aceitai minhas palavras somente após haverdes examinado o seu sentido por vós
mesmos; não as aceiteis apenas em nome do respeito que tendes por mim. Embora
com o decorrer do tempo o budismo tenha sido, algumas vezes, afetado pela
tradição, rituais, etc, seu criador não formulou mais do que um método a ser
experimentado. A autoconfiança e a tolerância são as chaves do pensamento
budista. O Budha afirmou repetidas vezes: Vós mesmos deveis esforçar-vos, o
Budha apenas aponta o caminho. O budismo jamais poderia, portanto, ser uma fé
proselitista. Na realidade, o seguidor dos ensinamentos do Budha é exortado a
usá-los apenas como uma balsa para a travessia de um rio. Uma vez tendo
atingido o objetivo, isto é, o Nibbãna, a balsa deve ser abandonada. As últimas
palavras do Budha foram: Lute cautelosamente. Tolerar com cautela é ver o mundo
e nossos companheiros claramente, sem julgamento, inveja ou ódio. Para sermos
capazes disso, é necessário que nos conheçamos intimamente bem como a fonte de
felicidade e infelicidade existente dentro de nós. http://www.nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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