quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

BUDISMO E A DOUTRINA DO CORAÇÃO


Budismo. www.maisbelashistoriasbudistas.com.br BUDISMO E A DOUTRINA DO CORAÇÃO. Texto de Greg Martin (1984-  ). Como foi criado o mundo, em outras palavras, o universo? Esta interrogação tem mantido perplexos aos seres humanos através de todos os tempos. A mitologia, a ciência e a religião nasceram dessa permanente busca. Os dez primeiros capítulos da Bíblia, Gênesis 1-10 formam a pedra angular das três principais tradições religiosas do ocidente, judaísmo, cristianismo e islamismo. Eles nos relatam a história da Criação. Deus criou o universo e tudo o que nele existe, incluindo a terra, o céu, a luz, as plantas e os animais, em seis dias, descansando no sétimo dia. Ele criou o primeiro homem, Adão, soprando a alma ao pó para depois dar-lhe como morada o Jardim do Éden. Deus criou a primeira mulher, Eva, da costela de Adão, para proporcionar-lhe uma companheira. Enganada por uma serpente, Eva desobedeceu às ordens dadas por Deus ao comer a maçã da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ao mesmo tempo, ela convence Adão para que faça o mesmo. O castigo infringido por Deus a condena ao alumbramento com dor e à servidão ao marido. Deus expulsa ambos do Jardim. Transcorreram várias gerações e Deus não estava feliz com os resultados de sua criação, particularmente porque a maldade imperava no mundo. Disse-lhe a Noé que construísse uma grande embarcação, e colocasse nela casais de todos os animais que habitavam a terra e a sua família. Depois provocou uma grande inundação que exterminou todos os seres vivos da face da terra. Após 150 dias as águas se retiraram e a embarcação de Noé ficou depositada no topo do Monte Ararat. Um novo começo se inicia para a humanidade a partir dos descendentes de Noé. Estes são os pontos básicos da história da criação, tal como a relata o livro do Gênesis. Deus é o criador original de tudo o que existe ex nihilo (criado do nada). Em épocas anteriores esta história era aceita como um fato inquestionável e como a palavra divina e irrefutável de Deus. Hoje em dia há os que ainda professam esta crença. A captura e deportação do povo judeu à Babilônia por parte de Nabucodonosor no ano 587 AC, onde permaneceram por cinquenta anos (duas gerações), colocou o povo judeu em contato direto e de maneira frequente com as influências do oriente revelada nos hindus, persas e babilônicos. Durante este período, no seu exílio o povo judeu entrou em contato com mitos e lendas do oriente, particularmente da Índia e do Irã, convertendo-se os mesmos em parte da tradição judaica. Dentro destes encontram-se os mitos da criação e a ideia tomada dos ensinamentos do zoroastrismo, particularmente a profecia de um redentor ou salvador. A história da criação não é original dos cristãos, ou dos judeus. Os elementos chaves datam de fontes anteriores ao Antigo Testamento e provêm de áreas geográficas, tais como a Índia, o Oriente Médio, e Grécia. A criação do universo, o mundo e os primeiros seres humanos, partindo do conceito de uno que depois se converte em dois, são temas comuns em algumas das tradições mais antigas. As origens do mito do dilúvio são, também mais antigas. Referências aos mesmos se encontram nos textos da escritura cuneiforme dos sumérios ao redor dos anos 2000 – 1750 AC. Todos os elementos essenciais a respeito da história sobre a criação do mundo encontram-se em fontes pagãs de maior antiguidade. A ideia da criação ex nihilo nem sempre foi parte da doutrina cristã. A comunidade dos primeiros cristãos não tinha uma posição monolítica a esse respeito. Não foi senão até o dia 20 de maio do ano 325 no Conselho de Niceia que esta doutrina, tornou-se oficial sob a supervisão do imperador romano Constantino. É interessante notar que as famosas palavras de abertura do Evangelho de João nos dão um ponto de partida ligeiramente diferente a respeito da criação: “No início existia o Verbo, o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. “Verbo” é uma tradução do grego logos, e refere-se a um princípio integrador (lei) que cria a ordem no cosmos. A semelhança com o conceito budista do Dharma, o que nós denominamos Lei Mística, é surpreendente. Tanto o oriente como o ocidente, compartilham histórias mitológicas sobre a criação. Porém, por volta de 1500, quando os pensadores da Reforma questionavam a veracidade destas histórias, os muçulmanos estudavam que o paraíso e o inferno eram assuntos internos a cada indivíduo, os cabalistas advertiam aos seus discípulos a não tomar a mitologia de maneira literal; porém, a maioria dos cristãos ainda insisti que o narrado nesta história ajustava-se aos fatos reais, ou seja, eram certos e verdadeiros em todos seus detalhes e aspectos. Desta forma, inicia-se o longo conflito entre o cristianismo e a ciência, ou com maior precisão, o conflito entre dois pontos de vista científicos, separados por 6000 anos, uma data de 4000 AC e o outro de 2000 DC. A interpretação literal do mito da criação em qualquer religião ou cultura tem a desafortunada consequência de obrigar às pessoas a escolher entre o coração que anseia acreditar, e o cérebro, que vê que o argumento não é consistente com a observação objetiva dos fenômenos. Os mitos sobre a criação no oriente, ainda quanto um tanto similares na superfície (a final de contas, são a fonte de onde emanam os mitos do ocidente), porém, são essencial e fundamentalmente diferentes dos do ocidente, num aspecto importante. Os primeiros, geralmente não apresentam distinção entre Deus e o ser humano. O divino encontra “aqui dentro”. No ocidente, porém, de acordo com a Bíblia, o Criador é diferente, separado e “lá fora”, dando-se, assim, o caso de que existe uma brecha intransponível entre ambos. O Budismo, porém, tem como intenção ajudar aos fiéis a realizar a vivência de sua identidade original na própria vida, aquela identidade que é una com a força criativa, ou Lei Mística. Dentro do cristianismo, a igualdade com o Criador não é possível. O cristianismo tem como propósito restaurar a relação com este “outro” ser absoluto. Qual é o ponto de vista budista a respeito de nossas origens? As antigas tradições da Índia indicam que os budistas entendiam que o universo era ordenado por ciclos recorrentes de mundos que se manifestavam e desapareciam. Cada ciclo tinha seu término em dilúvio ou fogo. Estes ciclos de formações e destruições de mundos duravam bilhões de anos e ocorriam em todo o universo. Das cinzas ou lodo que resultavam da destruição, um novo ciclo nascia. Este ciclo não tem início nem fim. Mundos e universos eram criados e destruídos como parte de um ciclo interminável de nascimento e morte que operava em escala cósmica. Para os budistas, então, não existe uma criação no sentido da história bíblica. O universo se formou quando as condições necessárias se deram, baseadas na lei de causa e efeito inerente na própria natureza do universo. Da mesma forma como surge, desaparece. Mas não há uma causa original, como não há um final. O universo é infinito, sem limites de tempo e espaço. “O universo em si mesmo é um ser vital que contém o potencial da vida que desenvolve de diferentes formas; é, portanto, definido como a entidade de vida mais grandiosa”. Os cosmólogos, hoje em dia, postulam a teoria de um universo dinâmico, em fluxo constante. Onde, num ponto, o universo parece ter nascido da causa do “big bang” original e encontra-se em constante expansão, em tanto que, em outro ponto parece encontrar-se num processo de contração e extinção. Mas o universo em si não tem começo ou fim. Este ponto está de acordo com a perspectiva budista.  A Lei Mística é o nome que damos a esta lei de causalidade subjacente que opera eternamente através do universo inteiro. Quando as condições são propícias, surgem planetas. Quando as condições são adequadas, a vida evolui. O oceano gera ondas. O universo gera vida. A vida evolui para o despertar e a iluminação. O potencial para a vida, para a vida iluminada, existe na própria essência do universo, é uma lei mística natural. Dado que o ritmo universal apoia a vida, podemos descrever a natureza do universo como benevolente. Há os que dão, a esta capacidade inerente criadora para construir o mundo, ao potencial de gerar o universo, o nome de Deus; nós o chamamos Lei Mística de Nam myoho rengue kyo.  Abraços. Davi.http://www.maisbelashistoriasbudistas.com.br.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

RENUNCIAR NÃO É SUFICIENTE


Bhagavad Gita – A Ciência Suprema. www.vrinda.vaisnava.hu/vrindastudio. Compilado por Swami B. A. Paramadvaiti e Sripad Atulananda Acharya. RENUNCIAR NÃO É SUFICIENTE. ATUAR COM Capítulo Três. DEVOÇÃO TRANSCENDENTAL NOS CONDUZ À LIBERAÇÃO 1. Arjuna disse: Ó Krishna! (Ó Janardana! Ó Keshava)! Por que me impele a participar nesta guerra horrível se considera que a inteligência é melhor que o trabalho lucrativo? 2. Minha inteligência está confusa por Suas instruções ambíguas. Assim por favor, diga-me de forma definitiva, o que é melhor para mim. 3. O bem-aventurado Senhor disse: Ó impecável Arjuna! Já expliquei que há duas classes de pessoas que compreendem o eu. Algumas se inclinam a compreendê-lo mediante a especulação filosófica empírica, e outros se inclinam a conhecê-lo mediante o trabalho devocional. 4. A pessoa não pode se liberar da reação simplesmente por se abster do trabalho, nem pode alcançar a perfeição unicamente pela renúncia. 5. Todas pessoas estão irremediavelmente forçadas a atuar conforme os impulsos nascidos das modalidades da natureza material; portanto, ninguém pode se abster de fazer algo, nem sequer por um momento. 6. Aquele que restringe os sentidos e os órgãos da ação, mas cuja mente mora nos objetos dos sentidos, certamente engana a si mesmo e é chamado farsante. 7. Por outro lado, aquele que controla os sentidos com a mente e ocupa sem apego seus órgãos ativos em trabalhos devocionais, é muito superior. 8. Execute seu dever prescrito, pois a ação é melhor que a inação. Sem o trabalho, a pessoa nem sequer pode manter seu corpo físico. TODO SACRIFÍCIO DEVE SER OFERECIDO A VISHNU 9. O trabalho deve ser executado como um sacrifício a Deus (Vishnu), de outro modo, o trabalho ata a pessoa a este mundo material. Portanto, ó Arjuna (filho de Kunti), execute seus deveres prescritos para a satisfação dele, e dessa forma, sempre permanecerá desapegado e livre do cativeiro. Meditação: O trabalho lucrativo prende o ser condicionado. Todas as atividades materiais estão motivadas pelo conceito de "eu" e "meu". Devemos aprender a trabalhar com consciência divina. O trabalho para ajudar a missão de Sri Cheitanya Mahaprabhu (1486-1534) não é um trabalho egoísta, não é para o próprio benefício. Como é um trabalho para Deus mesmo, os únicos beneficiados são os seres condicionados. Trabalhar para esta causa, sem interesse pessoal e sob as ordens do mestre espiritual, pode nos liberar do cativeiro material. Muitas pessoas pensam que os devotos de Krishna trabalham para seus interesses egoístas de forma oculta, mas este verso esclarece que aquele que trabalha para si mesmo, não pode ser uma pessoa avançada, ainda que vista o hábito de renunciante. 10. No princípio da criação, o Senhor de todas as criaturas manifestou gerações de homens e semideuses junto com sacrifícios para Vishnu, e os abençoou ao dizer: "Sejam felizes com este sacrifício, porque sua realização proporcionará a vocês todas as coisas desejáveis". Meditação: Srila Prabhupada (1896-1918) nos ensina: Esta criação material, feita pelo Senhor das criaturas (Vishnu), é uma oportunidade que se oferece aos seres vivos para regressar ao lar, regressar a Deus. Todos os seres vivos dentro da criação material estão condicionados pela natureza material, devido ao esquecimento de sua relação com Krishna, a Suprema Personalidade de Deus. Os princípios védicos são para nos ajudar a compreender essa relação eterna, tal como se estabelece no Bhagavad-gita: "Eu sou o que deve ser conhecido em todo conteúdo dos Vedas". 11. Os semideuses satisfeitos com os sacrifícios, também os satisfarão. Dessa forma, com a nutrição recíproca, reinará a máxima prosperidade para todos. 12. Os semideuses que estão a cargo das diversas necessidades da vida, ao estarem satisfeitos com a execução do sacrifício, abastecem os seres vivos com tudo o que necessitam. Mas aquele que aproveita esses dons sem oferecê-los de volta aos semideuses, certamente é um ladrão. Meditação: De acordo com os Vedas, os semideuses são assistentes da Suprema Personalidade de Deus para os assuntos materiais. Eles provêm luz, água, ar, etc., sempre sob a ordem de Krishna. Na Antiguidade se ofereciam sacrifícios aos semideuses como agradecimento pelos bens recebidos, mas isso não é necessário se a pessoa agradece a Krishna, que é o Supremo Controlador e raiz do universo. 13. Os devotos do Senhor se liberam de toda classe de pecados porque comem alimentos que se oferece primeiro em sacrifício. Os demais, que preparam alimentos para o seu próprio prazer dos sentidos, na verdade comem somente pecados. Meditação: Este é um verso muito importante do Bhagavad-gita que marca um regulamento diário na vida dos devotos do Senhor. Eles, antes de comer, oferecem seus alimentos com amor e devoção a Deus. O alimento é aceito por Krishna e se espiritualiza, assim se torna um agente purificador para quem o come. Assim o mesmo fato de comer se torna uma meditação, uma ajuda em nosso avanço espiritual. Quem pelo contrário não faz isso, come somente pecado, pois só quer saber de aproveitar separadamente de Deus. 14. Todos os corpos vivos subsistem de grãos alimentícios, que se produzem das chuvas. As chuvas se produzem pela execução de sacrifício, e o sacrifício nasce dos deveres prescritos. Meditação: Neste verso, Krishna resolve a maior parte do problema econômico do mundo. Se as pessoas fazem sacrifícios, haverá chuva, e a chuva fará crescer cereais suficientes, frutas e verduras para todos. O sacrifício nasce do dever prescrito. Esse dever é social e espiritual. A pessoa deve cumprir seus deveres sociais de forma honesta e constante. Nosso dever espiritual, especialmente nesta era, é o de cantar os santos nomes de Krishna: Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna, Krishna, Hare Hare, Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare, e servir ao Senhor na companhia dos devotos. Dessa forma, pela satisfação do Senhor Supremo, a humanidade poderá gozar abundantemente de todos os bens desejáveis sem nenhuma ansiedade. 21. Nos Vedas se prescrevem atividades reguladas, e os Vedas se manifestam diretamente da Suprema Personalidade de Deus. Em consequência, a transcendência toda-penetrante se situa eternamente nos atos de sacrifício. 16. Meu querido Arjuna, a pessoa que não segue o sistema de sacrifício prescrito nos Vedas, leva na verdade uma vida de pecado, porque aquele que se deleita unicamente nos sentidos, vive em vão. 17. No entanto, não há dever para aquele que se deleita no eu, que está iluminado no eu, que se regozija e que, plenamente saciado, se satisfaz unicamente no eu. Meditação: Srila Prabhupada diz: O Supremo é, para os devotos, a Personalidade de Deus, e para os impersonalistas é a liberação. Portanto, uma pessoa que atua para Krishna, ou seja, em consciência de Krishna, sob uma guia adequada e sem apego ao resultado do trabalho, certamente progride até a meta suprema da vida. Arjuna recebeu a ordem de lutar na batalha de Kurukshetra pelo interesse de Krishna, pois Krishna queria que ele lutasse. Ser uma pessoa boa ou uma pessoa não violenta é um apego pessoal, mas atuar pelo Supremo é atuar sem apego ao resultado. Essa é a ação perfeita do grau mais elevado que recomenda Sri Krishna, a Suprema Personalidade de Deus. Os rituais védicos, tais como os sacrifícios prescritos, são levados a cabo para purificar as atividades ímpias realizadas com o fim da satisfação pessoal. Mas a atividade em consciência de Krishna é transcendental às reações do trabalho bom ou mau. Uma pessoa em consciência de Krishna não tem apego pelo resultado, senão que atua unicamente para Krishna. Ela se ocupa em todo tipo de atividades, mas está completamente desapegada. 18. A pessoa auto realizada não tem nenhum propósito para satisfazer enquanto desempenha seus deveres prescritos, nem tem algum motivo para deixar de executar tal trabalho, nem tem necessidade de depender de nenhum outro ser vivo. 19. Portanto, a pessoa deve atuar como uma questão de dever, sem se apegar aos frutos das atividades, porque se trabalhar sem apego, a pessoa alcança o Supremo. Meditação: Antes de tudo temos que investigar qual é nosso dever. Isso aprendemos de Krishna no Bhagavad-gita, e é servi-Lo, e dedicar o resultado de nossas atividades a Ele. Ao avançar mais, a pessoa poderá encontrar o mestre espiritual que o guiará na consciência de Krishna e indicará deveres mais específicos. OS LÍDERES DEVEM ATUAR SEMPRE COMO UM EXEMPLO PARA OS DEMAIS 20. Inclusive reis como Janaka e outros alcançaram a etapa da perfeição mediante a execução dos deveres prescritos. Portanto, deve executar seu trabalho unicamente para educar as pessoas em geral. 21. As pessoas comuns seguem os passos de um grande homem, qualquer que seja a ação que este execute, e quaisquer que sejam as normas que ele estabeleça mediante seus atos exemplares, serão seguidas por todo mundo. 22. Ó Arjuna! Não há trabalho prescrito para Mim dentro dos três sistemas planetários. Nem necessito nada, nem tenho que obter nada; ainda assim, Eu Me ocupo no trabalho. 23. Pois se Eu não Me ocupasse no trabalho, ó Arjuna (Partha), certamente todas pessoas seguiriam meus passos. 24. Se Eu deixasse de trabalhar, então todos estes mundos iriam à ruína. Eu também seria a causa de população não desejada e, por conseguinte, destruiria a paz de todos os seres conscientes. Meditação: Krishna se faz diretamente responsável se os seres vivos se desviam. Por isso, o Senhor descende e corrige a sociedade quando há um descuido geral dos princípios reguladores. Krishna, junto dos Vedas e de Seus devotos, prescreve regras e regulamentos mediante os quais a população pode progredir de forma automática, pacífica e organizada na vida espiritual. 25. Assim como os ignorantes executam seus deveres com apego aos resultados, de forma similar, os sábios devem atuar também, mas sem apego, a fim de conduzir as pessoas pelo caminho correto. 26. Os sábios não devem perturbar a mente dos ignorantes que estão apegados à ação lucrativa. Não se deve incitá-los a se abster do trabalho, senão a trabalhar com espírito de devoção. 27. Por estar sob a influência dos três modos da natureza material, o ser vivo confuso se crê o executor das atividades, que na realidade são levadas a cabo pela natureza. Meditação: Os três modos da natureza material serão explicados em detalhes nos capítulos posteriores, como Quatorze e Dezoito. Os três modos são bondade, paixão e ignorância. Os seres vivos condicionados estão sempre subjugados por estes modos. Também devemos entender que nossas atividades estão muito condicionadas pelos arranjos da natureza material e por vontade do Senhor Supremo; portanto, não devemos nos orgulhar se sair algo bem, nem nos desesperar se sair algo mal. Ao atuar sempre com boa fé, sob as sábias instruções de Krishna, a pessoa deve tratar de satisfazê-Lo, sem se apegar ao resultado nem nunca se desanimar. 28. Ó Arjuna de braços poderosos! Aquele que conhece a Verdade Absoluta não se ocupa nem nos sentidos, nem na satisfação desses, pois conhece bem a diferença entre o trabalho devocional e o trabalho pelos resultados lucrativos. 29. Os ignorantes, iludidos pelos modos da natureza material, se ocupam totalmente em atividades materiais e se apegam. Mas os sábios não devem perturbá-los, ainda que esses compromissos sejam inferiores devido à falta de conhecimento da parte dos executores. 30. Portanto, ó Arjuna, entregue-Me todas suas ações, com sua mente absorta em Mim, sem desejo de ganho, livre de egoísmo e letargia, lute. 31. Aqueles que executam seus deveres de acordo com Minhas ordens e que seguem estes ensinamentos fielmente, sem inveja, se liberam do cativeiro das ações lucrativas. 32. Mas aqueles que devido à inveja fazem caso omisso destes ensinamentos e não os praticam regularmente, devem ser considerados desprovidos de todo conhecimento, enganados e condenados à ignorância e ao cativeiro. 33. Mesmo a pessoa com conhecimento atua de acordo com sua própria natureza pois cada qual segue sua natureza de acordo as três modalidades adquiridas. Que pode se alcançar com a repressão? 34. Os seres corporificados sentem atração e repulsão pelos objetos dos sentidos, mas não se deve cair sob o controle dos sentidos e dos objetos dos sentidos, pois eles são obstáculos no caminho da auto realização. 35. É muito melhor executar os próprios deveres prescritos, ainda que seja de forma defeituosa, do que executar o dever de outro. É preferível a destruição enquanto se executa os deveres próprios, que se ocupar nos deveres alheios, já que é perigoso seguir o caminho de outro. A LUXÚRIA, O GRANDE INIMIGO DO MUNDO. 36. Arjuna disse: Ó Krishna (descendente de Vrisni)! O que faz a pessoa cometer atos pecaminosos, ainda que involuntariamente, como se fosse obrigada pela força? 37. O bem-aventurado Senhor disse: É unicamente a luxúria, Arjuna, que nasce do contato com as modalidades materiais da paixão. Esta luxúria logo se transforma em ira, devora tudo e constitui o inimigo pecaminoso deste mundo. 38. Assim como a fumaça encobre o fogo, ou como o pó encobre um espelho, ou como o ventre encobre o embrião, de forma similar, o ser vivo é encoberto por diferentes graus desta luxúria. 39. Assim a consciência pura do ser vivo está coberta por seu inimigo eterno, na forma da luxúria, que nunca se satisfaz e arde como o fogo. 40. Os sentidos, a mente e a inteligência são os lugares onde se situa a luxúria, que cobre o verdadeiro conhecimento do ser vivo e o confunde. 41. Portanto, ó Arjuna, o melhor dos Bharatas! Refreie desde o princípio esse grande símbolo do pecado (a luxúria) mediante a regulação dos sentidos, e mate esse destruidor do conhecimento e da auto realização. 42. Os sentidos de trabalho são superiores à matéria inerte, a mente é superior aos sentidos, a inteligência é ainda mais elevada que a mente; e ela (a alma), é superior inclusive à inteligência. 43. Dessa maneira, sabendo-se transcendental aos sentidos, à mente e à inteligência materiais, a pessoa deve controlar o eu inferior por meio do eu superior, e assim, mediante a força espiritual, conquistar esse insaciável inimigo conhecido como luxúria. Meditação: Srila Prabhupada nos instrui: Este Terceiro Capítulo do Bhagavad-gita dirige conclusivamente à consciência de Krishna, ao se conhecer a si mesmo como servente eterno da Suprema Personalidade de Deus, sem considerar o vazio impessoal como o fim último. Na existência material, a pessoa certamente está sob a influência da luxúria e o desejo de dominar os recursos da natureza material. Os desejos de assenhorear-se e de gratificar os sentidos são os piores inimigos do ser condicionado; mas graças ao poder da consciência de Krishna, a pessoa pode controlar os sentidos materiais, a mente e a inteligência. Não se pode abandonar repentinamente o trabalho e os deveres prescritos, mas com desenvolvimento gradual da consciência de Krishna, a pessoa pode se situar em uma posição transcendental sem estar influenciada pela mente nem pelos sentidos materiais; e pode desenvolver uma inteligência firme e encaminhada para a própria identidade pura. Essa é a conclusão do presente capítulo. Na etapa imatura desta existência, nem as especulações filosóficas, nem as tentativas artificiais para controlar os sentidos mediante a suposta prática das posturas de yoga, poderão ajudar uma pessoa na vida espiritual. Tal pessoa deve treinar a consciência de Krishna com o uso de uma inteligência superior. www.vrinda.vaisnava.hu/vrindastudio. Abraço. Davi

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

KAMA LOKA


Teosofia. www.verdademundial.com.br. O OCEANO DA TEOSOFIA – O KAMA LOKA. Tendo passado por todo o campo da evolução das coisas e seres de uma maneira geral, vamos considerar agora os estados do homem após a morte do corpo e antes do nascimento. Isso nos traz de imediato as seguintes questões: Há algum paraíso ou inferno, e onde eles ficam? Eles são lugares ou estados? Há um ponto no espaço onde eles possam ser encontrados e para os quais nós vamos, ou de onde nós viemos? Também devemos retomar o assunto do quarto princípio da constituição humana, aquele princípio chamado Kama em sânscrito, e Paixões ou Desejos nos idiomas ocidentais. Tendo em mente o que foi dito sobre aquele princípio, e também o ensinamento a respeito do corpo astral e da Luz Astral [1] será mais fácil entender o que é ensinado sobre os dois estados, anterior e posterior à morte. Em ordem cronológica, nós vamos para o kama-loka – ou o plano do desejo – logo após a morte do corpo, e mais tarde os princípios mais elevados, que formam o homem real, entram no estado de devachan. Depois de tratar do kama-loka, será mais fácil estudar a questão do devachan. O sopro deixa o corpo e dizemos que o homem está morto, mas isso é apenas o começo da morte; ela prossegue em outros planos. Quando a estrutura física está fria e os olhos fechados, todas as forças do corpo e da mente se lançam através do cérebro, e através de uma série de imagens toda a vida recém-terminada é impressa indelevelmente no homem interior; não apenas em linhas gerais, mas até o mínimo detalhe, e mesmo no caso de impressões minúsculas e passageiras. Nesse momento, embora todas as indicações levem o médico a declarar o óbito, e embora do ponto de vista prático externo a pessoa já esteja morta, o homem real está ocupado em seu cérebro, e só depois do trabalho ali ser concluído é que a pessoa se vai. Quando esse trabalho solene está terminado, o corpo astral se destaca do físico, e a energia vital tendo partido, os quatro princípios remanescentes [2] ficam no plano de kama-loka. A separação natural dos princípios, trazida pela morte, divide o homem total em três partes: Primeiro, o corpo visível com todos os seus elementos deixados para posterior desintegração no plano terrestre, onde tudo que o compõe será a seu tempo dissolvido nos diferentes aspectos da natureza. Segundo, o Kama rupa, constituído do corpo astral e das paixões e desejos, que também começa logo a se desintegrar no plano astral. Terceiro, a tríade superior, Atma-Buddhi-Manas, o homem real. Ele não está morto, mas agora está fora das condições terrestres, desprovido de corpo, e começa a funcionar no devachan apenas como mente. Ele fica então coberto por uma veste muito etérea, que irá abandonar quando tiver chegado a hora de retornar à terra. O kama-loka ou o lugar dos desejos é a região astral que permeia e rodeia a terra. Como lugar, ele está acima, dentro e em volta da terra. Sua extensão vai até uma distância mensurável da terra, mas as leis habituais que agem aqui não agem lá, e as entidades lá não estão sob as mesmas condições de espaço e tempo em que nós estamos.  Como um estado, ele é metafísico, embora esta metafísica se relacione com o plano astral. É chamado de plano do desejo porque se relaciona com o quarto princípio, e nele a força dominante é o desejo destituído de inteligência manásica e divorciado dela. É uma esfera astral intermediária entre a vida terrena e a celeste. Sem sombra de dúvida, esta é a origem da teoria cristã do purgatório, onde a alma passa por punições pelo mal feito, e do qual ela pode ser liberada pela oração e outras cerimônias e oferendas. O fato subjacente a essa superstição é que a alma pode ficar detida em kama-loka pela força de algum enorme desejo insatisfeito, sem poder se livrar das vestimentas astrais e kâmicas até que o desejo seja satisfeito por alguém na terra, ou pela alma em si. Mas se a pessoa tinha a mente pura e altas aspirações, a separação dos princípios naquele plano é completada logo, permitindo que a tríade superior siga para o devachan.  Como este plano é feito apenas de esfera astral, ele partilha da natureza da matéria astral que é essencialmente terrestre e maldosa. Nela todas as forças agem sem a direção da alma ou da consciência no sentido superior.  Este astral é o esgoto, por assim dizer, da grande fornalha da vida, que a natureza provê para lançamento dos elementos que não terão lugar no devachan, e por essa razão deve ter vários estágios, cada um dos quais foi observado pelos antigos. Esses estágios são conhecidos em sânscrito como lokas ou lugares, em um sentido metafísico. A vida humana é muito variada, e para cada uma das suas potencialidades é dado um lugar apropriado após a morte, o que faz de kama-loka uma esfera infinitamente variada. Na vida, algumas das diferenças entre os homens são modificadas e algumas são inibidas por uma similaridade de corpo e de hereditariedade, mas em kama-loka todas as paixões e  desejos ocultos são liberados em consequência da ausência de corpo, e por essa razão o estado é imensamente mais diversificado do que no plano da vida. Não apenas é necessário enfrentar as diferenças e variedades naturais, mas também aquelas causadas pelo tipo de morte, sobre o que algo deve ser dito. E todas essas divisões são apenas o resultado natural dos pensamentos durante a vida e dos últimos pensamentos de cada pessoa que morre na terra. Está além do alcance deste trabalho entrar na descrição de todos esses estágios, já que volumes inteiros seriam necessários para descrevê-los, e, ainda assim, poucos entenderiam. Lidar com o Kama-loka nos obriga a lidar também com o quarto princípio na classificação da constituição do homem, e cria um conflito com as ideias e a educação modernas quanto ao tema de desejos e paixões. Em geral se supõe que os desejos e as paixões são tendências inerentes ao indivíduo. O tema tem uma aparência irreal e nebulosa para o estudante comum. Mas de acordo com esse sistema filosófico, elas não são apenas inerentes ao indivíduo, nem são devidas ao corpo em si.  Enquanto o homem está vivendo no mundo, os desejos e as paixões – o princípio kama – não têm vida separada do homem astral e interior. Eles estão, por assim dizer, distribuídos por todo o seu Ser. Mas como eles se unem ao corpo astral depois da morte, desta maneira formando uma entidade com seu prazo próprio de vida embora sem alma [3], questões muito importantes surgem. Durante a vida mortal, os desejos e paixões são guiados pela mente e pela alma; após a morte eles funcionam sem a direção do antigo mestre. Enquanto vivemos, somos responsáveis por eles e por seus efeitos, e quando deixamos essa vida ainda somos responsáveis, embora eles continuem a trabalhar e a provocar efeitos nos outros enquanto durarem nas condições que descrevi, e sem o nosso comando direto. Nisso é vista a continuidade da responsabilidade. Eles são uma parte dos skandhas [4] – bem conhecidos na filosofia oriental – que são os agregados formadores do homem. O corpo inclui um conjunto de skandhas, o homem astral outro, o princípio kama é outro conjunto, e ainda outros se referem a outras partes. Em kama estão aqueles realmente ativos e importantes, que controlam os renascimentos e levam a todas as variedades de vida e circunstâncias a cada renascimento. Eles são formados no dia-a-dia de acordo com a lei segundo a qual todo pensamento se combina instantaneamente com uma das forças elementais da natureza, tornando-se nesta medida uma entidade que irá durar de acordo com a força do pensamento com que deixa o cérebro, e todos eles estão inseparavelmente conectados com o ser que os produziu. Não há modo de escapar; tudo o que podemos fazer é ter pensamentos de boa qualidade, pois mesmo os maiores Mestres não estão excluídos dessa lei, mas eles “povoam sua corrente no espaço” com entidades potentes apenas para o bem. Em kama-loka, essa massa de desejos e pensamentos existe de modo muito definido até o término de sua desintegração, e então os remanescentes consistem da essência desses skandhas, conectados, é claro, com o ser que os teve e que os produziu. Eles não podem ser apagados, assim como não se pode desmanchar o universo. Então se diz que eles permanecem até que o ser saia do devachan. Quando isso ocorre, eles são levados imediatamente até o ser, pela lei da atração.  Eles servem como base ou germe, e a partir deles o ser constrói um novo conjunto de skandhas para a próxima vida. O kama-loka é, portanto, diferente do plano terreno porque nele a massa de paixões e desejos está descontrolada e sem direção. Mas ao mesmo tempo a vida terrestre é também um kama-loka, já que é largamente governada pelo princípio kama, e assim o será até o dia distante em que no curso da evolução, as raças dos homens terão desenvolvido o quinto e o sexto princípios, limitando desta forma  kama à sua própria esfera e livrando a vida terrestre da sua dominação. Os restos do homem astral em kama-loka são apenas uma casca desprovida de mente e de alma, sem consciência e também incapaz de agir, a menos que seja vivificada por forças externas.  A casca tem algo que se parece com uma consciência animal ou automática, apenas por causa da sua associação muito recente com um Eu humano. Pois de acordo com o princípio exposto em outro capítulo, todo átomo que vai integrar um homem tem uma memória própria, a qual é capaz de durar um período de tempo proporcional à força dada a ele. No caso de uma pessoa muito material e bruta, ou egoísta, a força dura mais do que em qualquer outra, e assim nesse caso a consciência automática será mais definida e desorientadora para alguém que, por não ter conhecimento, se envolve com necromancia.  Sua porção puramente astral contém e carrega o registro de tudo que se passou perante a pessoa enquanto viva, pois uma das funções da substância astral é absorver todas as cenas, quadros e impressões de todos os pensamentos, para retê-los, e lançá-los adiante por reflexo, quando as condições o permitirem. Essa casca astral, deixada para trás por todo homem ao morrer, seria uma ameaça a todos os homens, não fosse desprovida, em todos os casos − exceto em um que deverá ser mencionado − dos princípios superiores, que são os diretores. Mas como os elementos que servem de guia já estão separados da casca, ela tremula e flutua de um lugar ao outro sem qualquer vontade própria, mas governada apenas pelas atrações dos campos astrais e magnéticos. É possível ao homem real – chamado de “espírito” por alguns – comunicar-se conosco imediatamente após a morte, por uns poucos breves instantes; mas, quando estes passaram, a alma nada mais tem a ver com a terra até reencarnar. O que pode influenciar e de fato influencia o médium e o sensitivo a partir dessa esfera são as Cascas que descrevi. Sem alma e sem consciência, elas não são, em sentido algum, os espíritos dos nossos mortos. Elas são os trajes jogados fora pelo homem interior, a porção grosseiramente terrena descartada no voo para o devachan, e sempre foram consideradas pelos antigos como demônios – nossos demônios pessoais – porque são essencialmente astrais, terrenas e passionais. Seria estranho, de fato, se uma tal Casca, depois de ser por tanto tempo o veículo do verdadeiro homem na terra, não retivesse uma memória e consciência automáticas.  Se vemos o corpo decapitado de uma rã ou de um galo se movendo e atuando por um tempo com uma inteligência aparente, por que então não seria possível para a forma astral, mais fina e sutil, agir e mover-se com um grau muito maior de aparente direcionamento mental? Na esfera de kama-loka − como, de fato, também em todas as partes do globo e do sistema solar − estão os elementais, ou forças da natureza. Eles são inumeráveis e seus tipos são quase infinitos, uma vez que são, em certo sentido, os nervos da natureza. Cada classe tem seu próprio trabalho tal como o tem cada coisa ou elemento natural. Assim como o fogo queima e a água rola para baixo e não para cima de acordo com a lei geral, assim também os elementais agem sob a lei, mas como eles estão mais acima na escala do que a água e o fogo brutos, suas ações parecem guiadas por uma mente. Alguns deles têm uma relação especial com as operações mentais e com as ações dos órgãos astrais, quer estejam ligados ou não a um corpo. Quando um médium forma o canal, e também por outros processos, esses elementais fazem uma conexão artificial com a casca da pessoa morta, ajudados pelo fluido nervoso do médium e dos outros que estão por perto. Assim a casca é galvanizada para que tenha uma vida artificial. Através do médium, é feita uma conexão com as forças físicas e psíquicas de todos os presentes.  As impressões antigas do corpo astral projetam suas imagens sobre a mente do médium, e as antigas paixões são atiçadas. Várias mensagens e relatos são então obtidos daí, mas nenhum deles é original, nenhum é do espírito. Por sua estranheza, e em consequência da ignorância daqueles que se envolvem nesse campo, isso é encarado como obra do espírito, mas tudo vem dos vivos, quando não é uma mera coleta, na luz astral, de imagens do que aconteceu no passado. Em certos casos a serem mencionados, há uma inteligência trabalhando que é total e intensamente ruim, à qual todo médium está sujeito, e isso explica por que tantos deles sucumbiram ao mal, como têm confessado. Uma classificação simples dessas cascas que visitam os médiuns será como se segue: (1) As cascas de pessoas recentemente falecidas, cujo local de sepultamento não está muito longe. As cascas desse tipo são bem coesas e correspondem à vida e ao pensamento do antigo dono. Uma pessoa boa, não-materialista e espiritualizada deixa uma casca que logo se desintegrará. A casca de uma pessoa bruta, má, egoísta e materialista será pesada, consistente e duradoura, e isso ocorre com todas as variedades. (2)  As cascas de pessoas que morreram longe do lugar onde o médium está. O lapso de tempo permite que escapem das cercanias de seus antigos corpos, e ao mesmo tempo traz um grau maior de desintegração, que corresponde no plano astral ao que é a putrefação no físico. Estas cascas são vagas, sombrias, incoerentes; respondem apenas brevemente a estímulos psíquicos, e são dispersas por qualquer corrente magnética. Elas são galvanizadas momentaneamente pelas correntes astrais do médium e daquelas pessoas presentes que eram relacionadas com o falecido. (3) Remanescentes puramente sombrios, aos quais mal se pode atribuir um local. Não há uma palavra nos idiomas ocidentais para descrevê-los, embora sejam fatos reais nessa esfera. Pode-se dizer que são o mero molde ou impressão deixada na substância astral pela casca anteriormente coesa e há muito desintegrada. Tais cascas estão, por conseguinte, tão próximas de serem fictícias que quase merecem essa designação. Como fotografias sombrias, elas são ampliadas, embelezadas e lhes é dada uma vida imaginária pelos pensamentos, desejos, esperanças e ideações do médium e dos assistentes da sessão. (4) Entidades definidas, consistentes, almas humanas desprovidas de vínculo espiritual, tendendo agora ao pior estado de todos, avitchi, onde a aniquilação da personalidade é o fim. Tais seres são conhecidos como magos negros. Tendo concentrado a consciência no princípio kama, preservaram o intelecto, divorciaram-se do espírito, e são os únicos seres condenados que conhecemos. Em vida, tiveram corpos humanos e alcançaram seu estado terrível através de vidas em que persistiram na maldade pela maldade. Alguns seres, já condenados a se tornarem o que é descrito aqui, estão hoje entre nós na terra. Estas não são cascas comuns, pois centraram toda a sua força em kama, jogaram fora qualquer fagulha de bom pensamento ou aspiração e têm completo domínio da esfera astral. Eu coloco tais seres na classificação de Cascas porque o são, no sentido de que estão condenados à desintegração consciente, enquanto as outras terão o mesmo fim apenas mecanicamente. Estas cascas podem durar, e duram de fato ao longo de muitos séculos, satisfazendo seus apetites através de qualquer sensitivo de quem possam se apoderar, e onde o mau pensamento lhes abra uma brecha.   Eles presidem quase todas as sessões espíritas, adotando nomes importantes e assumindo o comando de modo a manter o controle e continuar a ilusão do médium, assim se habilitando a ter um canal conveniente para seus próprios objetivos maldosos. De fato, usando as cascas dos suicidas, ou daqueles pobres coitados que morrem sob as penas da lei, ou dos bêbados e dos glutões, esses magos negros que vivem no mundo astral se apoderam do campo da mediunidade e são capazes de invadir a esfera de qualquer médium, por melhor que ele seja. A porta, uma vez aberta, está aberta para todos. Esse tipo de Casca perdeu o manas superior, e não só na luta após a morte, mas também na vida. A porção inferior de manas, que deveria ter sido elevada a uma excelência divina, foi arrancada do seu senhor e agora dá inteligência a essa entidade, que é desprovida de espírito mas tem a possibilidade de sofrer, e o fará quando seu dia final chegar. No estado de kama-loka, os suicidas e aqueles que são subitamente expulsos da vida por acidente ou assassinato, legal ou ilegal, passam um período quase igual à duração da vida que teriam se não tivesse ocorrido a sua interrupção súbita. Estes não estão realmente mortos. Para haver uma morte normal, deve estar presente um fator não reconhecido pela ciência médica. Os princípios do ser, conforme descritos nos capítulos anteriores, têm seus próprios prazos de coesão. Quando chega o seu final natural, eles se separam uns dos outros de acordo com suas próprias leis. Isso envolve o grande tema das forças coesivas no indivíduo humano, o que necessitaria um livro à parte.  Devo me contentar, portanto, com a afirmação de que essa lei de coesão atua nos princípios humanos.  Antes daquele fim natural, os princípios são incapazes de se separar. Obviamente, a destruição normal das forças coesivas não pode ser conseguida por processos mecânicos, exceto no que diz respeito ao corpo físico. Assim, um suicida, ou um indivíduo morto por acidente ou assassinado por outro homem −  ou por imposição da lei humana − não chegou ao término natural das forças de coesão que unem os seus outros elementos constituintes, e é lançado ao estado de kama-loka apenas parcialmente morto. Lá os princípios remanescentes têm que esperar até que o fim natural da vida seja alcançado, seja isso um mês ou sessenta anos. Mas os graus de kama-loka atendem as muitas variedades de cascas mencionadas acima. Algumas passam o período em grande sofrimento; outras, em um tipo de sono com sonhos, cada uma de acordo com a responsabilidade moral. Os criminosos executados são em geral lançados para fora da vida cheios de ódio e vingança, sofrendo uma penalidade na qual eles não reconhecem justiça. Eles ficam sempre reencenando no kama-loka o seu crime, seu julgamento, sua execução e sua vingança. E sempre que podem ter contato com uma pessoa viva sensitiva, médium ou não, tentam injetar pensamentos de assassinato e outros crimes no cérebro do infeliz. O fato de que eles obtêm sucesso em tais tentativas é conhecido pelos estudantes mais sérios de Teosofia. Agora nos aproximamos do tema do devachan. Depois de certo tempo no kama-loka, o indivíduo saudável alcança um estado de inconsciência que precede a mudança para o próximo estado. É como o nascimento para a vida, após um período de escuridão e sono pesado. Ele então acorda para a felicidade do devachan. [5] NOTAS: [1] Veja os capítulos anteriores da presente obra. (NT) [2] “Quatro princípios remanescentes”. Esta é a correção de um erro. No original em inglês, lemos, certamente por um erro de revisão, “cinco princípios remanescentes”. Ocorre que há sete princípios, e o terceiro princípio, linga-sharira, é inseparável do segundo princípio, prana, morrendo junto com ele e com o corpo físico. Nas Cartas dos Mahatmas, lemos: “Quando o homem morre os seus segundo e terceiro princípios morrem com ele; a tríade inferior desaparece, e o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo princípios formam o quaternário sobrevivente.” A afirmação está na resposta 5 da Carta 68, em “Cartas dos Mahatmas para Alfred  Percy Sinnett (1840-1921)”, Ed. Teosófica, Brasília, vol. 1, primeiras linhas da p. 302.  Confirmando este fato, nas próximas frases W. Q. Judge não menciona como sobrevivente o terceiro princípio, linga-sharira.  (NT) [3] A “ausência de alma” ocorre porque o foco central de consciência elevou-se em direção ao Devachan. Esta Casca abandonada pode ser chamada de “Elementário”.  Ela vagueia algum tempo antes de desfazer-se. Veja a resposta 5, na Carta 68, de “Cartas dos Mahatmas”, obra citada. (NT) [4] Skandhas – registros cármicos. (NT) [5] O próximo capítulo de “O Oceano da Teosofia” é dedicado ao Devachan – o “plano  sagrado”  em que a alma vive entre uma encarnação e outra. (NT). www.verdademundial.com.br. Abraço. Davi

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

SUCOT - AS NUVENS DE GLÓRIA E AS QUATRO ESPÉCIES


Judaísmo. www.morasha.com.br. SUCOT – AS NUVENS DE GLÓRIA E AS QUATRO ESPÉCIES. Sucot, festa de sete dias que se inicia no dia 15 do mês judaico de Tishrei, celebra a proteção que D’us ofereceu ao Povo Judeu durante sua jornada de 40 anos a caminho da Terra Prometida. Em nossas orações, nos referimos a Sucot como Zman Simchateinu – “Época de nosso júbilo” – porque o tema da festa é o amor Divino por nós e Sua preocupação com nosso bem-estar. O nome dessa festividade, Sucot, literalmente significa “cabanas”. Alguns comentaristas explicam que a Torá nos ordena habitar nas Sucot durante a festividade para relembrar as tendas nas quais o Povo Judeu habitou durante os longos 40 anos em que viveram no deserto, e que lhes deu abrigo e proteção. Outros afirmam que as cabanas nas quais habitamos durante a festa de Sucot simbolizam as milagrosas Ananei HaKavod, as Nuvens de Glória, que conduziram, abrigaram e protegeram os Filhos de Israel durante aqueles anos. Quer o nome Sucot se refira às tendas, quer às Nuvens de Glória ou a ambas, trata-se de uma festa que recorda a proteção e o abrigo provido por D’us ao Povo Judeu no Deserto de Sinai. O Gaon de Vilna (1720-1797) pergunta: se o tema de Sucot é a celebração da proteção de D’us aos judeus após o Êxodo do Egito, por que razão essa festa cai no mês de Tishrei e não em Nissan – mês em que celebramos Pessach? E ele responde que se Sucot comemora as Nuvens de Glória – uma visão aceita por Rashi em seu comentário no Chumash –, a data de 15 de Tishrei para o início da festividade está correta. E explica: ainda que as Nuvens da Glória tenham acompanhado o Povo Judeu na saída do Egito, elas desapareceram após o pecado do Bezerro de Ouro. Somente quando D’us concordou em novamente residir em meio ao Povo Judeu e se iniciou o trabalho da construção do Mishkan, o Tabernáculo, as Nuvens voltaram. A cronologia dos eventos é a seguinte: em Yom Kipur, dia 10 de Tishrei, D’us perdoou nosso povo pelo pecado do Bezerro de Ouro e concordou em voltar Sua Presença ao nosso meio, no deserto. Naquele mesmo dia, Moshé desceu do Monte Sinai trazendo as Segundas Tábuas e informou ao povo sobre a ordem de construir o Mishkan. No dia seguinte, dia 11 de Tishrei, Moshé ordenou ao Povo Judeu que trouxesse os materiais para a construção do Tabernáculo. Eles o fizeram durante os dois dias seguintes (v. Êxodo 36:3). No 14o dia de Tishrei, Moshé disse ao povo que não mais trouxesse material para o Mishkan. E finalmente, em 15 de Tishrei, começaram a construir o Tabernáculo. Foi então que as Nuvens de Glória retornaram. Como Sucot também celebra as Nuvens de Glória que abrigaram nosso povo no Deserto do Sinai, faz todo o sentido que essa festa se inicie em 15 de Tishrei – data em que esse abrigo Divino sobrenatural voltou a proteger o Povo Judeu, permanecendo com eles durante sua longa jornada pelo deserto. As Quatro Espécies – Arbaat HaMinim. Os dois mandamentos principais da festa de Sucot são habitar na Sucá e segurar as Quatro Espécies. O Midrash encontra muitos simbolismos no mandamento das Quatro Espécies. Um deles é o seguinte: o Etrog (cidra amarela ou citrus medica) se parece ao coração; o Lulav (folha de palmeira), à coluna vertebral; o Hadass (murta), aos olhos; e o Aravá (ramo de salgueiro), aos lábios. Ao utilizar as Quatro Espécies em conjunto, estamos simbolizando a necessidade que temos de fazer bom uso de nossas faculdades a serviço de D’us. Lulav. Midrash compara o Lulav à coluna vertebral devido a seu comprimento e formato. Chama a atenção o fato de que a bênção que recitamos ao cumprir o mandamento das Quatro Espécies apenas mencione o Lulav. Não mencionamos nenhuma das outras três espécies nessa bênção. Isso indica que, de certa forma, o Lulav é a espécie destacada. O Lulav lembra a coluna vertebral, tão importante para o corpo humano já que sem ela, cérebro e corpo não se poderiam comunicar. A coluna é o caminho para os impulsos do corpo ao cérebro e vice-versa. Junto com o cérebro, a coluna vertebral controla as funções do corpo humano, inclusive seu movimento e comportamento. O Lulav nos transmite várias lições. Uma delas é a importância de um relacionamento saudável entre o cérebro e o restante do corpo. Nossos Sábios ensinam que se o ser humano deseja ser justo e íntegro e viver uma vida com moralidade e propósito, sua mente deve comandar seu corpo. A racionalidade deve prevalecer sobre nossos instintos e impulsos. A sabedoria deve ditar nosso comportamento. Hadass. As folhas do Hadass, a murta, se parecem com o olho humano. Essa espécie nos ensina o quão importante é ver os outros com um olhar bondoso e generoso. As obras sagradas do Judaísmo usam o olho como metáfora para descrever as percepções humanas, os sentimentos e desejos em relação aos demais. Por exemplo, o Ayin HaRá, o “olho gordo”, é um famoso conceito que denota inveja e ciúme, e que, como ensina o Talmud, é um fenômeno real – veículo de poder espiritual que pode afetar a vida de outras pessoas. Por outro lado, ter um “olhar bondoso” significa desejar o bem dos demais e julgá-los favoravelmente. Muitas pessoas de boa índole podem ser dominadas por sentimentos de ciúmes, inveja e ressentimento ou mágoa. O Ayin HaRá, infelizmente, é um fenômeno comum entre os seres humanos. Além do mais, temos a tendência de julgar erroneamente aqueles de quem não gostamos. É comum não darmos aos outros o benefício da dúvida. Quem não combate a inveja e o ciúme e é rápido em julgar os demais deve ter em mente que a energia espiritual negativa se volta contra quem a carrega. O Talmud ensina que os Céus julgam as pessoas da mesma forma como esta pessoa julga os demais. Quem julga os outros favoravelmente é julgado também favoravelmente pelos Céus; e o oposto também é verdadeiro. De forma semelhante, o Baal Shem Tov, mestre da Cabalá e fundador do Movimento Chassídico, ensinava que “um suspiro emitido em virtude da dor de um outro rompe todas as barreiras impenetráveis dos acusadores celestiais. E quando a pessoa se alegra com o júbilo de seu amigo e o abençoa, ela é tão querida a D’us e por Ele aceita como as preces de Rabi Yishmael, o Sumo Sacerdote, no Kodesh HaKodashim”. Em outras palavras: o Altíssimo está mais aberto às preces daqueles que sentem a dor de outras pessoas e se alegram com a felicidade e o sucesso delas. Aravá. As folhas alongadas do Aravá se parecem com os lábios. Os ramos do salgueiro nos transmitem um dos mais sábios ensinamentos do mais sábio dentre os homens, o Rei Salomão, que escreveu em seus Provérbios: “A vida e a morte estão sob o poder da língua (...)”. (Provérbios 18:21). Nossos Sábios ensinam que uma das razões para a Torá usar a metáfora da fala para descrever a Criação Divina do Universo é mostrar que as palavras podem construir mundos. No entanto, podem também os destruir. Uma ou outra palavra errada, mesmo se dita, por vezes, de forma descuidada, pode destruir um casamento, uma antiga amizade, o bom nome de uma pessoa e a reputação e solidez de uma empresa. Palavras maldosas já destruíram muitas esperanças, sonhos e vidas. Palavras maldosas já resultaram em guerras e genocídios. Ensina o Talmud que não há pecado maior do que o de Lashon HaRá – “a má língua”. Aos olhos da Torá, assassinar um caráter ou assassinar uma pessoa são atos que guardam incrível semelhança. Por outro lado, palavras que expressam sabedoria e bondade têm o poder de erguer vidas e mundos – criando novas realidades. Uma palavra animadora pode curar um coração ferido e restaurar uma alma desprovida de esperança; pode instilar fé e coragem; pode levar a pessoa a seguir seus sonhos e realizar grandes feitos; pode restaurar relacionamentos rompidos e construir novos. Não surpreende o fato de que alguns dos principais mandamentos do Judaísmo sejam cumpridos com palavras: a leitura e o estudo da Torá e a recitação de orações e bênçãos, para citar apenas alguns. O Aravá nos ensina que devemos escolher com muito cuidado nossas palavras. A pena é de fato muito mais potente do que a espada – assim como o são as palavras que saem de nossos lábios. Etrog. A Torá se refere ao Etrog, a cidra amarela, como um belo fruto. Entre as Quatro Espécies, é o que mais atrai por sua aparência. Por seu formato, esse fruto simboliza o coração. O Etrog nos ensina que a beleza verdadeira está no coração. Muitas pessoas possuem forte coluna vertebral (Lulav) – são sábias e de conduta reta; um olhar bondoso (Hadass) – não guardam rancor, inveja ou ciúme dos demais; e bons lábios (Aravá) – não falam mal dos outros. Mas, apesar disso, não têm coração. Não fazem mal a ninguém, mas tampouco fazem o bem. Não guardam ódio ou falam mal dos outros, mas não se preocupam com ninguém. Falta-lhes amor, calor humano e compaixão. O Etrog é o fruto da beleza porque não há nada mais atrativo no ser humano do que um bom coração. Bem verdade, o amor não cura todos os males e as boas intenções não substituem a sabedoria. Mas se em nosso mundo houvesse mais corações bondosos, viveríamos em um lugar bem mais bonito. No Pirkei Avot, cujas palavras deveriam ser gravadas no coração e na mente de todo judeu, ecoa o seguinte ensinamento atemporal: “(Rabi Yochanan) disse a (seus alunos): Procurem saber qual o melhor traço de caráter que a pessoa deve possuir. Respondeu Rabi Eliezer: Um olhar bondoso. Disse Rabi Joshua: Ser um bom amigo. Disse Rabi Yossi: Ser um bom vizinho. Disse Rabi Shimon: Ser alguém que se preocupa com o resultado de suas ações. Disse Rabi Elazar: Ter um bom coração. (Rabi Yochanan) lhes respondeu: Prefiro as palavras de Elazar, filho de Arach, às vossas, pois suas palavras incluem todas as vossas” (Avot 2:10). www.morasha.com.br. Abraço. Davi


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A DOUTRINA DAS PENAS ETERNAS


Espiritismo. www.febnet.org.br. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. Capítulo 6. A DOUTRINA DAS PENAS ETERNAS. Origem da doutrina das penas eternas. Argumentos a favor das penas eternas. Impossibilidade material das penas eternas. A doutrina das penas eternas fez sua época. O profeta bíblico Ezequiel contra a eternidade das penas e o pecado original. Origem da doutrina das penas eternas 1. A crença na eternidade das penas perde terreno dia a dia, de modo que, sem ser profeta, pode prever-se o fim próximo. Tais e de tal ordem poderosos e peremptórios têm sido os argumentos a ela opostos, que nos parece quase supérfluo ocuparmo-nos de tal doutrina de ora em diante, deixando que por si mesma se extinga. Não se pode contestar, porém, que, apesar de caduca, ainda constitui o baluarte dos adversários das ideias novas, o ponto que defendem com mais obstinação, convictos aliás da vulnerabilidade que ela apresenta, e não menos convictos das consequências dessa queda. Por este lado, a questão merece sério exame. 2. A doutrina das penas eternas teve sua razão de ser, como a do inferno material, enquanto o temor podia constituir um freio para os homens pouco adiantados intelectual e moralmente. Na impossibilidade de apreenderem as nuanças tantas vezes delicadas do bem e do mal, bem como o valor relativo das atenuantes e agravantes, os homens não se impressionariam, então, a não ser pouco ou mesmo nada com a ideia das penas morais. Tampouco compreenderiam a temporalidade dessas penas e a justiça decorrente das suas gradações e proporções. 3. Quanto mais próximo do estado primitivo, mais material é o homem. O senso moral é o que de mais tardio nele se desenvolve, razão pela qual também não pode fazer de Deus, dos seus atributos e da vida futura, senão uma ideia muito imperfeita e vaga. Assimilando-o à sua própria natureza, Deus não passa para ele de um soberano absoluto, tanto mais terrível quanto invisível, como um rei despótico que, fechado no seu palácio, jamais se mostrasse aos súditos. Deus só é então poderoso pela força material, porque eles não compreendem o poder espiritual. Só o concebem armado com o raio, ou no meio de relâmpagos e tempestades, semeando de passagem a destruição, a ruína, semelhantemente aos guerreiros invencíveis. Um Deus de mansuetude e cordura não seria um Deus, porém um ser fraco e sem meios de se fazer obedecer. A vingança implacável, os castigos terríveis, eternos, nada tinham de incompatíveis com a ideia que se fazia de Deus, não lhes repugnavam à razão. Implacável também ele, homem, nos seus ressentimentos, cruel para os inimigos e inexorável para os vencidos, Deus, que lhe era superior, deveria ser ainda mais terrível. Para tais homens eram precisas crenças religiosas assimiladas à sua natureza rústica. Uma religião toda espiritual, toda amor e caridade não podia aliar-se à brutalidade dos costumes e das paixões. Não censuremos, pois, a Moisés sua legislação draconiana, apenas bastante para conter o povo indócil, nem o haver feito de Deus um Deus vingativo. A época assim o exigia, essa época em que a doutrina de Jesus não encontraria eco e até se anularia. 4. À medida que o Espírito se desenvolvia, o véu material ia-se dissipando pouco a pouco, e os homens habilitavam-se a compreender as coisas espirituais. Mas isso não aconteceu senão lenta e gradualmente. Por ocasião de sua vinda, já Jesus pôde proclamar um Deus clemente, falando do seu reino, não deste mundo, e acrescentando: «Amai-vos uns aos outros e fazei bem aos que vos odeiam” (Lucas 6,27), ao passo que os antigos diziam: “olho por olho, dente por dente”. Ora, quais eram os homens que viviam no tempo de Jesus? Seriam almas novamente criadas e encarnadas? Mas se assim fosse, Deus teria criado para o tempo de Jesus almas mais adiantadas que para o tempo de Moisés? E daí o que teria decorrido para estas últimas? Consumir-se-iam por toda a eternidade no embrutecimento? O mais comezinho bom senso repele essa suposição. Não; essas almas eram as mesmas que viviam sob o império das leis mosaicas e que tinham adquirido, em várias existências, o desenvolvimento suficiente à compreensão de uma doutrina mais elevada, assim como hoje mais adiantadas se encontram para receber um ensino ainda mais completo. 5. O Cristo não pôde, no entanto, revelar aos seus contemporâneos todos os mistérios do futuro. Ele próprio o disse: Muitas outras coisas vos diriam se estivésseis em estado de as compreender, e eis por que vos falo em parábolas. Sobretudo no que diz respeito à moral, isto é, aos deveres do homem, foi o Cristo muito explícito porque, tocando na corda sensível da vida material, sabia fazer-se compreender; quanto a outros pontos, limitou-se a semear sob a forma alegórica os germens que deveriam ser desenvolvidos mais tarde. A doutrina das penas e recompensas futuras pertence a esta última ordem de ideias. Sobretudo, em relação às penas, Ele não poderia romper bruscamente com as ideias preconcebidas. Vindo traçar aos homens novos deveres, substituir o ódio e a vingança pelo amor do próximo e pela caridade, o egoísmo pela abnegação, era já muito; além disso, não podia racionalmente enfraquecer o temor do castigo reservado aos prevaricadores, sem enfraquecer ao mesmo tempo a ideia do dever. Se o Cristo prometia o reino dos Céus aos bons, esse reino estaria interdito aos maus, e para onde iriam eles? Ademais, seria necessária a inversão da natureza para que inteligências ainda muito rudimentares pudessem ser impressionadas de feição a identificarem-se com a vida espiritual, levando-se em conta a circunstância de Jesus se dirigir ao povo, à parte menos esclarecida da sociedade, que não podia prescindir de imagens de alguma sorte palpáveis, e não de ideias sutis. Eis a razão por que Jesus não entrou em minúcias supérfluas a este respeito; nessa época não era preciso mais do que opor uma punição à recompensa. 6. Se Jesus ameaçou os culpados com o fogo eterno, também os ameaçou de serem lançados na Geena. Ora, que vem a ser a Geena? Nada mais nada menos que um lugar nos arredores de Jerusalém, um monturo onde se despejavam as imundícies da cidade. Dever-se-ia interpretar isso também ao pé da letra? Entretanto era uma dessas figuras enérgicas de que Ele se servia para impressionar as massas. O mesmo se dá com o fogo eterno. E se tal não fora o seu pensar, Jesus estaria em contradição, exaltando a clemência e misericórdia de Deus, pois clemência e inexorabilidade são sentimentos antagônicos, que se anulam. Desconhecer-se-ia, pois, o sentido das palavras de Jesus, atribuindo-lhes a sanção do dogma das penas eternas, quando todo o seu ensino proclamou a mansidão do Criador. No Pai-nosso Jesus nos ensina a dizer: “Perdoai-nos, Senhor, as nossas faltas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Lucas 11,4; Mateus 6,12). Pois se o culpado não devesse esperar algum perdão, inútil seria pedi-lo. Esse perdão é, porém, incondicional? É uma remissão pura e simples da pena em que se incorre? Não; a medida desse perdão subordina-se ao modo pelo qual se haja perdoado, o que equivale dizer que não seremos perdoados desde que não perdoemos. Deus, fazendo do esquecimento das ofensas uma condição absoluta, não podia exigir do homem fraco o que Ele, onipotente, não fizesse. O Pai Nosso é um protesto cotidiano contra a eterna vingança de Deus. 7. Para homens que só possuíam da espiritualidade da alma uma ideia confusa, o fogo material nada tinha de improcedente, mesmo porque já participava da crença pagã, quase universalmente propagada. Igualmente a eternidade das penas nada tinha que pudesse repugnar a homens desde muitos séculos submetidos à legislação do terrível Jeová. No pensamento de Jesus o fogo eterno não podia passar, portanto, de simples figura, pouco lhe importando fosse essa figura interpretada à letra, desde que ela servisse de freio às paixões humanas. Sabia Ele ademais que o tempo e o progresso se incumbiriam de explicar o sentido alegórico, mesmo porque, segundo a sua predição, o Espírito de Verdade viria esclarecer aos homens todas as coisas. O caráter essencial das penas irrevogáveis é a ineficácia do arrependimento, e Jesus nunca disse que o arrependimento não mereceria a graça do Pai. Ao contrário, sempre que se lhe deparou ensejo, Ele falou de um Deus clemente, misericordioso, solícito em receber o filho pródigo que voltasse ao lar paterno; inflexível, sim, para o pecador obstinado, porém, pronto sempre a trocar o castigo pelo perdão do culpado sinceramente arrependido. Este não é, por certo, o traço de um Deus sem piedade. Também convém assinalar que Jesus nunca pronunciou contra quem quer que fosse, mesmo contra os maiores culpados, a condenação irremissível. 8. Todas as religiões primitivas, revestindo o caráter dos povos, tiveram deuses guerreiros que combatiam à frente dos exércitos. O Jeová dos hebreus facultava-lhes mil modos de exterminar os inimigos; recompensava-os com a vitória ou punia-nos com a derrota. Tal ideia a respeito de Deus levava a honrá-lo ou apaziguá-lo com sangue de animais ou de homens, e daí os sacrifícios sangrentos que representavam papel tão saliente em todas as religiões da Antiguidade. Os judeus tinham abolido os sacrifícios humanos; os cristãos, apesar dos ensinamentos do Cristo, por muito tempo julgaram honrar o Criador votando, aos milhares, às chamas e às torturas, os que denominavam hereges, o que constituía sob outra forma verdadeiros sacrifícios humanos, pois que os promoviam para a maior glória de Deus, e com acompanhamento de cerimônias religiosas. Hoje, ainda invocam o Deus dos exércitos antes do combate, glorificam-no após a vitória, e quantas vezes por causas as mais injustas e anticristãs. 9. Quão tardo é o homem em desfazer-se dos seus hábitos, prejuízos e primitivas ideias! Quarenta séculos nos separam de Moisés, e a nossa geração cristã ainda vê traços de antigos usos bárbaros, senão consagrados, ao menos aprovados pela Religião atual! Foi preciso a poderosa opinião dos não ortodoxos para acabar com as fogueiras e fazer compreender a verdadeira grandeza de Deus. À falta de fogueiras, porém, prevalecem ainda as perseguições materiais e morais, tão radicada está no homem a ideia da crueldade divina. Nutrido por sentimentos inculcados desde a infância, poderá o homem estranhar que o Deus que lhe apresentam, lisonjeado por atos bárbaros, condene a eternas torturas e veja sem piedade o sofrimento dos culpados? Sim, são filósofos, ímpios como querem alguns, que se hão escandalizado vendo o nome de Deus profanado por atos indignos dele. São eles que o mostram aos homens na Doutrina das penas eternas plenitude da sua grandeza, despojando-o de paixões e baixezas atribuídas por uma crença menos esclarecida. Neste ponto a Religião tem ganho em dignidade o que tem perdido em prestígio exterior, porque se homens há devotados à forma, maior é o número dos sinceramente religiosos pelo sentimento, pelo coração. Ao lado destes, porém, quantos não têm sido levados, sem mais reflexão, a negarem toda a Providência! O modo por que a Religião tem estacionado, em antagonismo com os progressos da razão humana, sem saber conciliá-los com as crenças, degenerou em deísmo para uns, em ceticismo absoluto para outros, sem esquecermos o panteísmo, isto é, o homem fazendo-se deus ele próprio, à falta de um mais perfeito. Argumentos a favor das penas eternas. 10. Voltemos ao dogma das penas eternas. Eis o principal argumento invocado em seu favor: “É doutrina sancionada entre os homens que a gravidade da ofensa é proporcionada à qualidade do ofendido. O crime de lesa-majestade, por exemplo, o atentado à pessoa de um soberano, sendo considerado mais grave do que o fora em relação a qualquer súdito, é, por isso mesmo, mais severamente punido. E sendo Deus muito mais que um soberano, pois é Infinito, deve ser infinita a ofensa a Ele, como infinito o respectivo castigo, isto é, eterno.” Refutação: Toda refutação é um raciocínio que deve ter seu ponto de partida, uma base sobre a qual se apoie, premissas, enfim. Tomemos essas premissas aos próprios atributos de Deus: — único, eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom, infinito em todas as perfeições. É impossível conceber Deus de outra maneira, visto como, sem a infinita perfeição, poder-se-ia conceber outro ser que lhe fosse superior. Para que seja único acima de todos os seres, faz-se mister que ninguém possa excedê-lo ou sequer igualá-lo em qualquer coisa. Logo, é necessário que seja de todo infinito. E porque são infinitos, os atributos divinos não sofrem aumento nem diminuição, sem o que não seriam infinitos e Deus perfeito tampouco. Se se tirasse a menor parcela de um só dos seus atributos, não haveria mais Deus, por isso que poderia coexistir um ser mais perfeito. O infinito de uma qualidade exclui a possibilidade da existência de outra qualidade contrária que pudesse diminuí-la ou anulá-la. Um ser infinitamente bom não pode ter a menor parcela de maldade, nem o ser infinitamente mal pode ter a menor parcela de bondade. Assim também um objeto não seria de um negro absoluto com a mais leve nuança de branco, e vice-versa. Estabelecido este ponto de partida, oporemos aos argumentos supra os seguintes: 11. Só um ser infinito pode fazer algo de infinito. O homem, finito nas virtudes, nos conhecimentos, no poderio, nas aptidões e na existência terrestre, não pode produzir senão coisas limitadas. Se o homem pudesse ser infinito no mal que faz, sê-lo-ia igualmente no bem, igualando-se, então, a Deus. Se o homem, porém, fosse infinito no bem não praticaria o mal, pois o bem absoluto é a exclusão de todo o mal. Admitindo-se que uma ofensa temporária à Divindade pudesse ser infinita, Deus, vingando-se por um castigo infinito, seria logo infinitamente vingativo; e sendo Deus infinitamente vingativo não pode ser infinitamente bom e misericordioso, visto como um destes atributos exclui o outro. Se não for infinitamente bom não é perfeito; e não sendo perfeito deixa de ser Deus. Se Deus é inexorável para o culpado que se arrepende, não é misericordioso; e se não é misericordioso, deixa de ser infinitamente bom. E por que daria Deus aos homens uma lei de perdão, se Ele próprio não perdoasse? Resultaria daí que o homem que perdoa aos seus inimigos e lhes retribui o mal com o bem, seria melhor que Deus, surdo ao arrependimento dos que o ofendem, negando-lhes por todo o sempre o mais ligeiro carinho. Achando-se em toda parte e tudo vendo, Deus deve ver também as torturas dos condenados; e se Ele se conserva insensível aos gemidos por toda a eternidade, será eternamente impiedoso; ora, sem piedade, não há bondade infinita. 12. A isto se responde que o pecador arrependido, antes da morte, tem a misericórdia de Deus, e que mesmo o maior culpado pode receber essa graça. Quanto a isto não há dúvida, e compreende-se que Deus só perdoe ao arrependido, mantendo-se inflexível para com os obstinados; mas se Ele é todo misericordioso para a alma arrependida antes da morte, por que deixará de o ser para quem se arrepende depois dela? Por Doutrina das penas eternas 69 que a eficácia do arrependimento só durante a vida, um breve instante, e não na eternidade que não tem fim? Circunscritas a um dado tempo, a bondade e Misericórdia divinas teriam limites, e Deus não seria infinitamente bom. 13. Deus é soberanamente justo. A soberana justiça não é inexorável absolutamente, nem leva a complacência ao ponto de deixar impunes todas as faltas; ao contrário, pondera rigorosamente o bem e o mal, recompensando um e punindo outro equitativa e proporcionalmente, sem se enganar jamais na aplicação. Se por uma falta passageira, resultante sempre da natureza imperfeita do homem e muitas vezes do meio em que vive, a alma pode ser castigada eternamente, sem esperança de clemência ou de perdão, não há proporção entre a falta e o castigo — não há justiça. Reconciliando-se com Deus, arrependendo-se, e pedindo para reparar o mal praticado, o culpado deve subsistir para o bem, para os bons sentimentos. Se, porém, o castigo é irrevogável, esta subsistência para o bem não frutifica, e um bem não considerado significa injustiça. Entre os homens, o condenado que se corrige tem por comutada e às vezes mesmo perdoada a sua pena; e, assim, haveria mais equidade na justiça humana que na divina. Se a pena é irrevogável, inútil será o arrependimento, e o culpado, nada tendo a esperar de sua correção, persiste no mal, de modo que Deus não só o condena a sofrer perpetuamente, mas ainda a permanecer no mal por toda a eternidade. Nisso não há nem bondade nem justiça. 14. Sendo em tudo infinito, Deus deve abranger o passado e o futuro; deve saber, ao criar uma alma, se ela virá a falir, assaz gravemente, para ser eternamente condenada. Se o não souber, a sua sabedoria deixará de ser infinita, e Ele deixará de ser Deus. Sabendo-o, cria voluntariamente uma alma desde logo votada ao eterno suplício, e, nesse caso, deixa de ser bom. Uma vez que Deus pode conferir a graça ao pecador arrependido, tirando-o do inferno, deixam de existir penas eternas, e o juízo dos homens está revogado. 15. Conseguintemente, a doutrina das penas eternas absolutas conduz à negação, ou, pelo menos, ao enfraquecimento de alguns atributos de Deus, sendo incompatível com a perfeição absoluta, donde resulta este dilema: Ou Deus é perfeito e não há penas eternas, ou há penas eternas e Deus não é perfeito. 16. Também se invoca a favor do dogma da eternidade das penas o seguinte argumento: “A recompensa conferida aos bons, sendo eterna, deve ter por corolário a eterna punição. Justo é proporcionar a punição à recompensa.” Refutação: Deus criou as almas para fazê-las felizes ou desgraçadas? Evidentemente a felicidade da criatura deve ser o fito do Criador, ou Ele não seria bom. Ela atinge a felicidade pelo próprio mérito, que, adquirido, não mais o perde. O contrário seria a sua degeneração. A felicidade eterna é, pois, a consequência da sua imortalidade. Antes, porém, de chegar à perfeição, tem lutas a sustentar, combates a travar com as más paixões. Não tendo sido criada perfeita, mas suscetível de o ser, a fim de que tenha o mérito de suas obras, a alma pode cair em faltas, que são consequentes à sua natural fraqueza. E se por esta fraqueza fora eternamente punida, era caso de perguntar por que não a criou Deus mais forte? A punição é antes uma advertência do mal já praticado, devendo ter por fim reconduzi-la ao bom caminho. Se a pena fosse irremissível, o desejo de melhorar seria supérfluo; nem o fim da criação seria alcançado, porquanto haveria seres predestinados à felicidade ou à desgraça. Se uma alma se arrepende, pode regenerar-se, e podendo regenerar-se pode aspirar à felicidade. E Deus seria justo se lhe recusasse os respectivos meios? Sendo o bem o fim supremo da Criação, a felicidade, que é o seu prêmio, deve ser eterna; e o castigo, como meio de alcançá-la, temporário. A noção mais comezinha da justiça humana prescreve que se não pode castigar perpetuamente quem se mostra desejoso de praticar o bem. 17. Um último argumento a favor das penas eternas é este: “O temor das penas eternas é um freio; anulado este, o homem, por nada temer, entregar-se-ia a todos os excessos.” Refutação: Esse raciocínio procederia se a temporalidade das penas importasse, de fato, na supressão de toda sanção penal. A felicidade ou infelicidade futura é consequência rigorosa da Justiça de Deus, pois a identidade de condições para o bom e para o mau seria a negação dessa justiça. E não sendo eterno, nem por isso o castigo deixa de ser temeroso, e tanto maior será o temor quanto maior a convicção. Esta, por sua vez, tanto mais profunda será, quanto mais racional a procedência do castigo. Uma penalidade, em que se não crê, não pode ser um freio, e a eternidade das penas está nesse caso. A crença nessa penalidade, já o afirmamos, teve a sua utilidade, a sua razão de ser em dada época; hoje, não somente deixa de impressionar os ânimos, mas até produz descrentes. Antes de a preconizar como necessidade, fora mister demonstrar a sua realidade. Seria preciso, além disso, inferir a sua eficácia relativamente aos que a preconizam e se esforçam por demonstrá-la. E, desgraçadamente, entre esses, muitos provam pelos atos que nada temem das penas eternas. Assim, impotente para reprimir os próprios, que império poderá exercer sobre os descrentes e refratários? Impossibilidade material das penas eternas 18. Até aqui, só temos combatido o dogma das penas eternas com o raciocínio. Demonstremo-lo agora em contradição com os fatos positivos que observamos, provando-lhe a impossibilidade. Por este dogma a sorte das almas, irrevogavelmente fixada depois da morte, é, como tal, um travão definitivo aplicado ao progresso. Ora, a alma progride ou não? Eis a questão: Se progride, a eternidade das penas é impossível. E poder-se-á duvidar desse progresso, vendo a variedade enorme de aptidões morais e intelectuais existentes sobre a Terra, desde o selvagem ao homem civilizado, aferindo a diferença apresentada por um povo de um a outro século? Se se admite não ser das mesmas almas, é força admitir que Deus criou almas em todos os graus de adiantamento, segundo os tempos e lugares, favorecendo umas e destinando outras à perpétua inferioridade — o que seria incompatível com a justiça, que, aliás, deve ser igual para todas as criaturas. 19. É incontestável que a alma atrasada moral e intelectualmente, como a dos povos bárbaros, não pode ter os mesmos elementos de felicidade, as mesmas aptidões para gozar dos esplendores do Infinito, como a alma cujas faculdades estão largamente desenvolvidas. Se, portanto, estas almas não progredirem, não podem em condições mais favoráveis gozar na eternidade senão de uma felicidade, por assim dizer, negativa. Para estar de acordo com a rigorosa justiça, chegaremos, pois, à conclusão de que as almas mais adiantadas são as atrasadas de outro tempo, com progressos posteriormente realizados. Aqui, então, atingimos a questão magna da pluralidade das existências como meio único e racional de resolver a dificuldade. Façamos abstração, porém, dessa questão e consideremos a alma sob o ponto de vista de uma única existência. 20. Figuremos um rapaz de 20 anos, desses que comumente se encontram, ignorante, viciado por índole, cético, negando-se a sua alma e a Deus, entregue à desordem e cometendo toda sorte de malvadeza. Esse rapaz encontra-se, depois, num meio favorável, melhor; trabalha, instrui-se, corrige-se gradualmente e acaba por tornar-se crente e piedoso. Eis aí um exemplo palpável do progresso da alma durante a vida, exemplo que se reproduz todos os dias. Esse homem morre em avançada idade, como um santo, e naturalmente certa se lhe torna a salvação; mas qual seria a sua sorte se um acidente lhe pusesse termo à existência, trinta ou quarenta anos mais cedo? Ele estava nas condições exigidas para ser condenado, e, se o fosse, todo o progresso se lhe tornaria impossível. E assim, segundo a doutrina das penas eternas, teremos um homem salvo somente pela circunstância de viver mais tempo, circunstância, aliás, fragilíssima, uma vez que um acidente qualquer poderia tê-la anulado fortuitamente. Desde que sua alma pôde progredir em um tempo dado, por que razão não mais poderia progredir depois da morte, se uma causa alheia à sua vontade a tivesse impedido de fazê-lo durante a vida? Por que lhe recusaria Deus os meios de regenerar-se na outra vida, concedendo-lhes nesta? Neste caso, o arrependimento veio, posto que tardio, mas se desde o momento da morte se impusesse irrevogável condenação, esse arrependimento seria infrutífero por todo o sempre, como destruídas seriam as aptidões dessa alma para o progresso, para o bem. 21. O dogma da eternidade absoluta das penas é, portanto, incompatível com o progresso das almas, ao qual opõe uma barreira insuperável. Esses dois princípios destroem-se, e a condição indeclinável da existência de um é o aniquilamento do outro. Qual dos dois existe de fato? A lei do progresso é evidente: não é uma teoria, é um fato corroborado pela experiência: é uma Lei da natureza, divina, imprescritível. E, pois, que esta lei existe inconciliável com a outra, é porque a outra não existe. Se o dogma das penas eternas existisse verdadeiramente, Santo Agostinho (354-430), Paulo e tantos outros jamais teriam visto o Céu, caso morressem antes de realizar o progresso que lhes trouxe a conversão. A esta última asserção respondem que a conversão dessas santas personagens não é um resultado do progresso da alma, porém, da graça que lhes foi concedida e de que foram tocadas. Porém, isto é simples jogo de palavras. Se esses santos praticaram o mal e depois o bem, é que melhoraram; logo, progrediram. E por que lhes teria Deus concedido como especial favor a graça de se corrigirem? Sim, por que a eles, e não a outros? Sempre, sempre a doutrina dos privilégios, incompatível com a Justiça de Deus e com seu igual amor por todas as criaturas. Segundo a Doutrina Espírita, de acordo mesmo com as palavras do Evangelho, com a lógica e com a mais rigorosa justiça, o homem só merece por suas obras, durante esta vida e depois da morte, nada devendo ao favoritismo: Deus o recompensa pelos esforços e pune pela negligência, isto por tanto tempo quanto nela persistir. 22. A crença na eternidade das penas prevaleceu salutarmente enquanto os homens não tiveram ao seu alcance a compreensão do poder moral. É o que sucede com as crianças durante certo tempo contidas pela ameaça de seres quiméricos com os quais são intimidadas; chegadas ao período do raciocínio, repelem por si mesmas essas quimeras da infância, tornando-se absurdo o querer governá-las por tais meios. Se os que as dirigem pretendessem incutir-lhes ainda a veracidade de tais fábulas, certo decairiam da sua confiança. É isso que se dá hoje com a humanidade, saindo da infância e abandonando, por assim dizer, os cueiros. O homem não é mais passivo instrumento vergado à força material, nem o ente crédulo de outrora que tudo aceitava de olhos fechados. 23. A crença é um ato de entendimento que, por isso mesmo, não pode ser imposta. Se, durante certo período da humanidade, o dogma da eternidade das penas se manteve inofensivo e benéfico mesmo, chegou o momento de tornar-se perigoso. Imposto como verdade absoluta, quando a razão o repele, ou o homem quer acreditar e procura uma crença mais racional, afastando-se dos que o professam, ou, então, descrê absolutamente de tudo. Quem quer que estude o assunto, calmamente, verá que, em nossos dias, o dogma da eternidade das penas tem feito mais ateus e materialistas do que todos os filósofos. As ideias seguem um curso incessantemente progressivo, e absurdo é querer governar os homens desviando-os desse curso; pretender contê-los, retroceder ou simplesmente parar enquanto o curso avança, é condenar e perder os homens. Seguir ou deixar de seguir essa evolução é uma questão de vida ou de morte para as religiões como para os governos. Este fatalismo é um bem ou um mal? Para os que vivem do passado, vendo-o aniquilar-se, será um mal, mas para os que vivem pelo futuro é uma lei do progresso, de Deus em suma. E contra uma Lei de Deus é inútil toda revolta, impossível a luta. Para que, pois, sustentar a todo o transe uma crença que se dissolve em desuso, fazendo mais danos que benefícios à Religião? Ah! contrista dizê-lo, mas uma questão material domina aqui a questão religiosa. Esta crença tem sido grandemente explorada pela ideia de que com dinheiro se abrem as portas do Céu, livrando das do inferno. As quantias por estes meios arrecadadas, outrora e ainda hoje, são incalculáveis, e verdadeiramente fabuloso o imposto prévio pago ao temor da eternidade. E sendo facultativo tal imposto, a renda é sempre proporcional à crença; extinta esta, improdutivo será aquele. De bom grado cede a criança o bolo a quem lhe promete afugentar o lobisomem, mas se a criança já não acreditar em lobisomens, guardará o bolo. 24. A Nova Revelação, dando noções mais sensatas da vida futura e provando que podemos, cada um de nós, promover a felicidade pelas próprias obras, deve encontrar tremenda oposição, tanto mais viva por estancar uma das mais rendosas fontes de receita. E assim tem sido, sempre que uma nova descoberta ou invento abala costumes inveterados e preestabelecidos. Quem vive de antigos e custosos costumes sempre os defendem, alegando a superioridade e excelência deles, e assim desabonam as novidades, por melhores que sejam. Acreditar-se, por exemplo, que a imprensa, apesar dos benefícios prestados à sociedade, tenha sido aclamada pela classe dos copistas? Não, certamente eles deveriam profligá-la. O mesmo se tem dado em relação a maquinismos, caminho de ferro e centenárias de outras descobertas e aplicações. Aos olhos dos incrédulos o dogma da eternidade das penas afigura-se futilidade da qual se riem; para o filósofo esse dogma tem uma gravidade social pelos abusos que acoroçoa, ao passo que o homem verdadeiramente religioso tem a dignidade da Religião interessada na destruição dos abusos que tal dogma origina, e da sua causa, enfim. Ezequiel contra a eternidade das penas e o pecado original. A quem pretenda encontrar na Bíblia a justificação da eternidade das penas, pode-se opor os textos contrários que a tal respeito não comportam ambiguidades. As seguintes palavras de Ezequiel são a mais explícita negação, não somente das penas irremissíveis, mas da responsabilidade que o pecado do pai do gênero humano acarretasse à sua raça: 1. O Senhor novamente me falou e disse: — 2. Donde vem o uso desta parábola entre vós e consagrada proverbialmente em Israel: Os pais, dizeis, comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos ficaram estragados? — 3. Por mim juro, disse o Senhor Deus, que essa parábola não passará mais entre vós, como provérbio em Israel: — 4. Pois todas as almas me pertencem; a do filho está comigo como a do pai; a alma que tiver pecado morrerá ela própria. 5. Se um homem for justo. 6. Se proceder segundo a equidade e a justiça; — 7. Se não magoar nem oprimir ninguém; se entregar ao seu devedor o penhor que este lhe houver dado; se não tomar nada do bem de outrem por violência; se dá o seu pão a quem tem fome; se veste os que estão nus; — 8. Se não se presta à usura e não percebe mais do que tem dado; se desvia sua mão da iniquidade e promove um juízo conciliatório entre dois que contendem; — 9. Se caminha segundo a pauta dos meus preceitos e observa as minhas ordens para obrar conforme a verdade, esse homem é justo e viverá mui certamente, disse o Senhor Deus. Se esse homem tem um filho que dê em ladrão, e derrame sangue, ou que cometa algumas destas faltas; — 13. Esse filho morrerá mui certamente, pois tem praticado todas essas ações detestáveis, e seu sangue permanecerá sobre a terra. 14. Se esse homem tem um filho que, vendo todos os crimes por seu pai cometidos, se aterrorize e evite imitá-lo; — 17. Este não morrerá por causa da iniquidade de seu pai, mas viverá mui certamente. — 18. Seu pai, que tinha oprimido os outros por calúnias e que tinha praticado ações criminosas no meio do seu povo, morreu por causa da sua própria iniquidade. 19. Se dizes: Por que o filho não tem suportado a iniquidade de seu pai? É porque o filho tem obrado segundo a equidade e a justiça; tem guardado todos os meus preceitos; e porque os tem praticado viverá mui certamente. 20. A alma que tem pecado morrerá ela mesma: o filho não sofrerá pela iniquidade do pai e o pai não sofrerá pela iniquidade do filho; a justiça do justo verterá sobre ele mesmo, a impiedade do ímpio verterá sobre ele. 21. Se o ímpio fez penitência de todos os pecados que tem cometido, se observou todos os meus preceitos, se obra segundo a equidade e a justiça, ele viverá certamente e não morrerá. — 22. Eu não me lembrarei mais de todas as iniquidades que ele tenha cometido; viverá nas obras de justiça que houver praticado. 23. É que Eu quero a morte do ímpio? — disse o Senhor Deus —, e não quero antes que se converta e desgarre do mau caminho que trilha? (Ezequiel 18) Dizei-lhes estas palavras: Eu juro por mim mesmo que não quero a morte do ímpio, mas que o ímpio se converta, que abandone o mau caminho e que viva. (Ezequiel 33,11). www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi