segunda-feira, 30 de abril de 2018

O SANTO DE DOIS CORPOS


Autobiografia de Um Iogue – Paramahansa Yogananda (1893-1952). Capítulo 3. O SANTO DE DOIS CORPOS. PAPAI, SE EU PROMETER VOLTAR PARA CASA DE LIVRE e espontânea vontade, poderei fazer uma excursão a Benares? Meu pai raramente punha obstáculos ao meu acentuado amor por viagens. Permitiu-me, ainda menino, visitar muitas cidades e lugares de peregrinação. Em geral, um ou dois amigos me acompanhavam, viajávamos confortavelmente com passes de primeira classe, fornecidos por papai. Sua posição de alto funcionário na ferrovia era bastante satisfatória para os nômades da família. Papai prometeu estudar meu pedido. No dia seguinte, chamou-me e deu-me uma passagem de ida e volta de Bareilly a Benares, algumas notas de rupia e duas cartas. Tenho um negócio a propor a um amigo em Benares, Kedar Nath Babu. Infelizmente perdi seu endereço, mas acredito que você poderá lhe entregar esta carta por intermédio de nosso amigo em comum. Swami Pranabananda. Esse Swami, que é meu condiscípulo, alcançou elevada estatura espiritual. A companhia dele lhe será benéfica; esta segunda carta lhe servirá de apresentação. Piscando um olho, papai acrescentou: Lembre-se, nada de fugir de casa novamente! Parti com o entusiasmo de meus doze anos (embora a idade nunca tenha diminuído meu prazer em ver novas paisagens e rostos desconhecidos). Ao chegar a Benares me dirigi imediatamente à residência do Swami. A porta de entrada estava aberta; subi a um quarto, longo como um corredor, no segundo andar. Um homem robusto, usando apenas uma tanga, estava sentado em posição de lótus, numa plataforma pouco acima do chão. Sua cabeça tinha sido raspada e a face sem rugas, barbeada; um sorriso de beatitude pairava em seus lábios. Para banir meu pensamento de estar sendo um intruso, cumprimentou-me como a um velho amigo. Baba anand (bem-aventurança para o meu querido). Suas boas-vindas foram expressas calorosamente, com voz infantil. Ajoelhei-me e toquei-lhe os pés. O senhor é Swami Pranabananda? Ele moveu a cabeça afirmativamente. Você é o filho de Bhagabati? Suas palavras foram ditas antes que eu tivesse tempo de retirar do bolso a carta de papai. Espantado, estendi-lhe a carta de apresentação, que agora parecia supérflua. Naturalmente localizarei Kedar Nath Babu para você. O santo de novo me surpreendeu por sua clarividência. Passou os olhos pela carta e fez algumas referências afetuosas a meu pai. Sabe, estou desfrutando duas aposentadorias. Uma, por recomendação de seu pai, para quem já trabalhei na ferrovia. Outra, por recomendação de meu Pai Celestial, para quem terminei conscientemente meus deveres terrenos nesta vida. Achei muito obscura esta última frase. Senhor, que tipo de aposentadoria recebe do Pai Celestial? Ele atira dinheiro no seu colo? O Swami riu. Refiro-me a uma aposentadoria de paz insondável, recompensa por muitos anos de meditação profunda. Agora não anseio mais por dinheiro. A satisfação de minhas escassas necessidades materiais está sobejamente garantida. No futuro você entenderá o significado de uma segunda aposentadoria. Terminando a conversa de repente, o santo imobilizou-se, sério. Um ar de esfinge o envolveu. A princípio, seus olhos brilharam como se observassem algo interessante, depois se tornaram opacos. Seu mutismo deixou-me desconcertado; ele ainda não havia dito como eu poderia encontrar o amigo de papai. Um tanto inquieto, circunvaguei o olhar pelo quarto vazio; exceto por nós, estava deserto. Meus olhos errantes pousaram em suas sandálias de madeira, que estavam sob o estrado. Senhorzinho (1), não se preocupe. O homem que gostaria de ver estará aqui em meia hora – O iogue estava lendo meu pensamento, um feito não muito difícil naquele momento!  Novamente ele se interiorizou num silêncio impenetrável. Quando meu relógio indicou a passagem de trinta minutos, o Swami saiu de seu silêncio. Acho que Kedar Nath Babu está se aproximando da porta – disse ele. Ouvi alguém subindo as escadas. Um misto de incompreensão e espanto surgiu em mim; meus pensamentos voavam, confusos. Como é possível que o amigo de meu pai tenha sido chamado aqui sem o auxílio de um mensageiro? Desde que cheguei, o Swami só falou comigo! Sem cerimônia, abandonei o quarto e desci a escada. A meio caminho encontrei um homem magro, de pele clara e de média estatura. Parecia estar com pressa. O senhor é Kedar Nath Babu? A agitação dava colorido à minha voz. Sim. E você não é o filho de Bhagabati que está esperando por mim? Ele sorriu amigavelmente. Senhor, como lhe ocorreu vir aqui? Eu sentia frustração e ressentimento por não poder explicar sua presença. Hoje tudo é misterioso! Há menos de uma hora, eu estava saindo do banho no rio Ganges quando Swami Pranabananda se aproximou. Não tenho a menor ideia de como soube que eu me achava ali àquela hora. Ele me disse: O filho de Bhagabati está à sua espera em meu apartamento. Pode vir comigo? Concordei alegremente. Caminhamos lado a lado, mas o estranho é que o Swami, com suas sandálias de madeira, tomou a dianteira, apesar de eu estar calçando estes sapatos resistentes. Quanto tempo levará para chegar à minha casa? Pranabananda parou de súbito para fazer-me esta pergunta. Cerca de meia hora. Ele me olhou enigmaticamente. Tenho outra coisa para fazer agora, vou deixa-lo para trás. Nós nos encontraremos em minha casa, onde o filho de Bhagabati e eu estaremos à sua espera. Antes que eu pudesse responder, ele passou por mim velozmente e desapareceu entre a multidão. Vim para cá o mais depressa possível. Esta explicação apenas aumentou meu assombro. Perguntei há quanto tempo ele conhecia o Swami. Nós nos encontramos algumas vezes no ano passado, mas não recentemente. Foi com prazer que o revi no ghat de banhos esta manhã. Não posso crer no que ouço! Estarei ficando louco? O senhor encontrou Pranabananda numa visão ou realmente o viu, tocou-lhe a mão e escutou o ruído de seus passos? Não sei onde está querendo chegar! Ele ficou rubro de indignação. Não estou mentindo. Não pode compreender que só por intermédio do Swami eu poderia ter sabido que você me esperava aqui? Pois eu lhe asseguro que esse homem, Swami Pra nabanada, não se afastou de minha vista um só instante desde que entrei aqui há uma hora. Contei-lhe toda a história, repetindo a conversa que tivera com o Swami. Ele arregalou os olhos. Estamos vivendo nesta era materialista ou estamos sonhando? Nunca esperei testemunhar tal milagre em minha vida! Julguei que o Swami era apenas um homem comum e agora descubro que pode materializar um corpo extra e agir com ele. Entramos juntos no quarto do santo. Kedar Nath Babu apontou com o dedo para o calçado sob o estrado. Olhe, são as mesmas sandálias que ele usava no ghat – segredou-me. E vestia apenas uma tanga, exatamente como agora. Quando o visitante se inclinou diante dele, o santo voltou-se para mim com um sorriso divertido. Por que se espanta com tudo isso? A sutil unidade do mundo dos fenômenos não se acha oculta aos verdadeiros iogues. Eu vejo e converso instantaneamente com meus discípulos na distante Calcutá. Eles também podem transcender à vontade qualquer obstáculo de matéria densa. Foi provavelmente para avivar o ardor espiritual em meu jovem peito que o Swami condescendeu em falar-me de seus poderes de rádio e televisão astrais (2). Mas, em vez de entusiasmo, senti apenas terror. Talvez porque eu estivesse destinado a empreender minha busca divina sob a orientação de determinado guru – Sri Yukteswar, a quem ainda não havia encontrado – não me senti disposto a aceitar Pranabananda como meu instrutor. Olhei-o com desconfiança, conjecturando se era ele ou seu segundo corpo o que eu tinha à minha frente. O mestre procurou dissipar minha inquietude lançando-me um olhar de alento espiritual e dizendo algumas palavras inspiradoras sobre seu guru. Lahiri Mahasaya foi o maior iogue que conheci. Ele era a própria Divindade revestida de carne. Se um disciípulo, refleti, pode materializar uma forma carnal extra à vontade, que milagres não estarão ao alcance de seu mestre? Vou lhe dar uma ideia do quanto é inestimável a ajuda de um guru. Eu costumava meditar com outro discípulo durante oito horas, todas as noites. Tínhamos de trabalhar no escritório da ferrovia durante o dia. Eu desejava dedicar todo o meu tempo a Deus, e tinha dificuldade em cumprir meus deveres diurnos. Durante oito anos perseverei, meditando metade da noite. Obtive maravilhosos resultados, tremendas percepções espirituais me iluminaram a mente. Mas sempre um véu delgado persistia entre mim e o Infinito. Mesmo fazendo esforços sobre humanos, a união irrevogável e final me era negada. Certa noite, fiz uma visita a Lahiri Mahasaya e supliquei sua divina intercessão. Continuei a importuná-lo a noite toda. Angélico guru, minha angústia é tanta que não posso mais suportar a vida sem ver o Bem-amado Supremo face a face. Que posso fazer? Você precisa meditar mais profundamente. Estou apelando a Ti, ó Deus meu Mestre! Vejo-te materializado à minha frente em corpo físico, abençoa-me para que te possa perceber em teu aspecto infinito! Lahiri Maharasaya estendeu a mão num gesto afável: Agora você pode ir e meditar. Intercedi por você junto a Brahma (3). Em estado de elevação incomensurável, voltei para casa. Ao meditar, naquela mesma noite, alcancei o ardente Ideal de minha vida. Agora desfruto incessantemente da aposentadoria espiritual. Desde aquele dia o Criador Beatífico nunca mais ficou oculto de meus olhos por trás do véu da ilusão. A face de Pranabananda irradiava luz divina. A paz de um outro mundo penetrou em meu coração: todo o medo voara para longe. O santo fez ainda outra confidência: Alguns meses depois voltei a visitar Lahiri Mahasaya e tentei agradecer por me haver concedido a dádiva infinita. Na mesma ocasião mencionei outro problema. Guru divino, não posso mais trabalhar no escritório. Por favor, liberte-me. Braham me mantém constantemente inebriado. Peça sua aposentadoria à Estrada de Ferro. Que razão invocarei, se tenho poucos anos de serviço? Diga o que sente. No dia seguinte fiz o requerimento. O médico procurou saber que fundamento havia para a solicitação prematura. Durante o trabalho experimento uma sensação avassaladora subindo pela espinha dorsal, permeando meu corpo inteiro e me incapacitando para o cumprimento dos deveres (4). Sem mais perguntas, o médico me fez alta recomendação para a aposentadoria, que recebi sem demora. Sei que a vontade divina de Lahiri Mahasaya operou através do médico e dos chefes da ferrovia, seu pai inclusive. Eles obedeceram automaticamente à direção espiritual do grande guru e me deixaram livre para uma vida de ininterrupta comunhão com o Bem-amado. Depois dessa extraordinária revelação, Swami Pranabananda mergulhou num de seus longos silêncios. Quando me despedi, tocando-lhe os pés com reverência, ele me deu sua bênção. Sua vida pertence à senda da renúncia e da yoga. Uma dia ainda o verei juntamente com seu pai. Os anos trouxeram a confirmação destas duas previsões (5). Kedar Nath Babu caminhava a meu lado na escuridão crescente. Entreguei-lhe a carta de meu pai e meu companheiro a leu sob um lampião na rua. Seu pai sugere que eu aceite um emprego no escritório da ferrovia em Calcutá – Índia. Que agradável é a perspectiva de ter pelo menos uma das aposentadorias de que goza Swami Pranabananda! Mas é impossível; não posso sair de Benares. Infelizmente, ainda não tenho dois corpos! REFERÊNCIAS: (1) Alguns santos indianos usavam a expressão Choto Mahasaya ao se dirigirem a mim. Ela significa “senhorzinho” – little sir. (2) A ciência física está, por seus próprios métodos, confirmando a validade de leis descobertas pelos iogues por meio da ciência mental. Por exemplo, na Universidade de Roma – Itália, em 26 de novembro de 1934, foi demonstrado que o homem possui poderes de clarividência. O doutor Giuseppe Calligaris, professor de neuro psicologia, comprimiu certas partes do corpo de um indivíduo, que descreveu minuciosamente pessoas e objetos situados atrás de uma parede. O doutor Calligaris disse aos outros professores que quando certas áreas de pele são estimuladas a pessoas adquire percepção extra sensorial, tornando-se capaz de ver objetos que, de uma maneira, não poderia perceber. Para fazer o indivíduo discernir objetos situados atrás de uma parede, o doutor Calligaris comprimiu um ponto no lado direito do tórax  durante quinze minutos. Afirmou o doutor Calligaris que quando certos pontos do corpo são estimulados as pessoas podem ver objetos a qualquer distância, mesmo no caso de nunca terem visto tais objetos antes. (3). Deus em seu aspecto de Criador, da raiz sânscrita Brih, expandir. Quando o poema BRAHMA, de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), foi publicado no Atlântic Mountly em 1857, a maioria dos leitores escandalizou-se. Emerson riu ironicamente: Digam Jeová em lugar de Brahma e não sentirão perplexidade alguma. (4). Em meditação profunda, a primeira experiência do Espírito é percebida no altar da espinha dorsal e depois no cérebro. Uma torrente de bem-aventurança domina o iogue, mas ele aprende a controlar suas manifestações exteriores. Na época de nosso encontro, Pranabananda era, de fato, um mestre plenamente iluminado. Mas os últimos anos de sua vida profissional haviam ocorrido muitos antes, quando ele ainda não se estabelecera irrevogavelmente em nirbikalpa samadi. Nesse perfeito e imutável estado de consciência, o iogue não encontra dificuldade em desempenhar seus deveres mundanos. Depois que se aposentou, Pranabananda escreveu Pranah Gita, profundo comentário sobre o Bhagavad Gita, publicado em híndi e bengali (línguas hindus). O poder de aparecer em mais de um corpo é um siddhi (poder iogue) mencionado nos Yoga Sutras de Patanjali. É o fenômeno da bi locação, registrado na vida de muitos santos através dos séculos. A. P. Schimberg, em The Story of Therese Neumann, descreve  diversas ocasiões em que essa santa cristã apareceu a pessoas distantes que necessitavam de sua ajuda e com elas conversou. Livro Autobiografia de Um Iogue – Parahamsa Yogananda. Abraço. Davi  


segunda-feira, 16 de abril de 2018

ISRAEL - 70 ANOS.


Judaísmo. www.morasha.com.br. Texto do jornalista e escritor Zevi Ghivelder. Queiram os historiadores ou não; queiram os acadêmicos ou não; queiram os cientistas políticos, analistas, jornalistas e intelectuais ou não; queiram os antissemitas ou não; queiram os antissionistas ou não, mas o ressurgimento de um Estado Judeu em sua terra de origem foi um dos mais extraordinários acontecimentos históricos de todos os tempos. O parágrafo acima não é uma calorosa exaltação em busca de aplauso, mas o rigor de uma sóbria verdade. Agora, quando o Estado Israel celebra os primeiros 70 anos de sua soberania, identificado com judeus mundo afora, deve-se tecer uma importante consideração. De todos os países que foram criados no planeta depois da 2ª Guerra Mundial, nenhum deles, nenhum mesmo, com pouco mais ou pouco menos de 70 anos de existência, alcançou como Israel um nível tão elevado na economia, na infraestrutura civil e militar, em múltiplas ciências, na tecnologia e na informática, nas artes e na cultura, na igualdade de gêneros, no bem-estar social e na prática da democracia. Conforme se procede em toda sólida construção, a recriação do Estado Judeu contou com fundações e pilares, sendo estes constituídos por ações individuais e coletivas. A primeira fundação para o erguimento da morada ancestral do povo judeu foi fixada em agosto de 1897 quando da realização do Primeiro Congresso Mundial Sionista, na Suíça, sob a liderança de Theodor Herzl (1860-1904). A segunda fundação corresponde à emissão pelo império britânico da Declaração Balfour (1917), de mais de cem anos atrás. Trata-se de uma carta elevada à condição de documento, tanto assertiva quanto evasiva, mas que causou impacto por dar legitimidade ao incipiente movimento sionista e, assim, promover a sua inserção no cenário internacional. Por isso até hoje suscita polêmicas, quase sempre redundantes. A terceira fundação se assentou na declaração também centenária, da partilha da antiga Palestina, em 1947, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Mas, nessa crucial etapa ocorreu uma ainda irreparável fissura. Os países árabes rejeitaram a resolução. Impediram que os palestinos residentes no território que lhes caberia criassem seu próprio estado independente e, dessa maneira, deram origem ao conflito que há 70 anos perdura entre eles e Israel. Nos pilares individuais avulta um homem excepcional e inigualável: Eliezer Ben Yehuda (1858-1922). Nascido Eliezer Perelman, na Lituânia, em 1858, ele foi o artífice do renascimento do idioma hebraico, naquele tempo restrito aos rituais litúrgicos. Sionista ardente desde a juventude, formulou um conceito tão simples quanto imbatível: se o sionismo de fato viesse a resultar numa nova nação judaica, era imperativo que incorporasse à sua ideologia um novo idioma, ou seja, o hebraico, antigo idioma dos patriarcas, profetas e reis do povo de Israel. Com vinte anos de idade, Ben Yehuda foi para Paris com a finalidade de estudar medicina. Porém, contraiu tuberculose e foi obrigado a abandonar a faculdade, ao mesmo tempo em que se juntou a um grupo de jovens sionistas. Ao lado deles e junto com a mulher partiu para a antiga Palestina em 1881. Instalou-se em Jerusalém e em sua casa só se falava hebraico. Seu filho, mais tarde o escritor Itamar Ben Avi (1882-1943), foi a primeira criança daquela época a ter o hebraico como idioma materno, fora poucos descendentes de antigas gerações de judeus que jamais emigraram da Terra Santa. Ao lado de outros intelectuais, Ben Yehuda fundou uma sociedade chamada Tehiat Israel (Renascimento de Israel) cujo ideário tinha uma consistente visão do futuro para a nova nação: expansão das atividades agrícolas, expansão da população produtiva, criação de raízes literárias a partir do ressurgimento do idioma hebraico, estímulo às pesquisas científicas e uma postura política tão nacional quanto universal. Ele começou a trabalhar na elaboração de um dicionário hebraico, mas foi expulso de Jerusalém pelas autoridades turcas, como um “inimigo nacional”, ao eclodir a 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Passou um  ano nos Estados Unidos e regressou à Palestina em 1919. Participou, então, da criação da Academia da Língua Hebraica destinada a formular palavras em hebraico que se adaptassem às modernidades do cotidiano. No ano seguinte avistou-se com Sir Herbert Samuel (1870-1963), Alto Comissário britânico para a Palestina, convencendo-o de que a Palestina deveria adotar três línguas oficiais: inglês, árabe e hebraico. Essa proposta consumou-se num decreto dois anos depois. Nesse tempo Ben Yehuda trabalhava dezoito horas por dia em seu “Dicionário de Hebraico Antigo e Moderno” que foi concluído por sua viúva e seus filhos, sendo publicado em 1959 com um total de 17 volumes. No prefácio do dicionário, escreveu: “É como se os céus se tivessem subitamente aberto; uma luz brilhou perante meus olhos e uma poderosa voz interior me disse que haveria uma nova língua numa nova pátria”. Sua obsessão frutificou após cerca de 30 anos, chegando ao ápice de Shmuel Yossef Agnon (1888-1970), escritor no idioma hebraico, ter sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1966. Eliezer Ben Yehuda faleceu no dia 16 de dezembro de 1922, em Jerusalém. Um dos pilares coletivos da recriação de Israel tem como protagonista o ishuv, ou seja, os judeus que se radicaram em Eretz Israel (Terra de Israel) ou ali nasceram durante a ocupação otomana ou no Mandato Britânico, e antigos residentes. Um relatório publicado pela autoridade imperial inglesa, datado de 1922, é da maior relevância: “Durante as últimas duas ou três gerações os judeus criaram uma comunidade composta por 80 mil habitantes, dos quais um quarto se dedica às atividades agrícolas. Esta comunidade tem suas próprias instituições: uma assembleia que trata dos assuntos internos; conselhos eleitos em quase todas as cidades; um Rabino Chefe incumbido das questões religiosas junto com conselhos rabínicos regionais; um órgão controlador das escolas; os negócios são conduzidos no idioma hebraico; há veículos de imprensa no mesmo idioma e um intenso movimento  intelectual. A atividade econômica desta comunidade é crescente”. O ishuv se dividia informalmente em duas entidades que atuavam em conjunto. De um lado, os responsáveis eleitos para a administração pública com a tarefa de preservar e ampliar a ordem social e econômica. De outro, a Organização Sionista inserida no âmbito da Agência Judaica, oficialmente reconhecida pelos mandatários como a única representante dos judeus da Palestina. Ambas tinham como objetivo o renascimento da nação judaica. Na verdade, naquela quadra dos acontecimentos, os judeus já sedimentavam a estrutura de um país mesmo sem possuir um país. O ishuv se configurava como uma democracia parlamentar, abrigando uma assembleia nacional eleita para um mandato de quatro anos. Essa eleição estendeu o direito de voto às mulheres, uma raridade no mundo da segunda década do século 20. Havia também um poder executivo e um sistema judiciário. Este surpreendente cenário de organização social e econômica continha radicais controvérsias políticas que, de forma esquemática, podem ser rotuladas como esquerda, centro e direita, a par de um bloco religioso. Essas controvérsias permaneceram até a recriação de Israel e se desenvolvem até os dias atuais nos mesmos formatos e intensidade. Dentre os legados do ishuv,um dos mais importantes é a fundação, em 1920, da Histadrut, a Federação dos Trabalhadores Judeus da Palestina, depois dos Trabalhadores de Israel. Com quase cem anos de idade é uma das organizações sindicais mais bem-sucedidas do mundo em função da abrangência de suas atividades. Outro pilar coletivo muito importante corresponde à equipe de agentes do ishuv que ocupou diversos aposentos de um hotel situado no número 60 da rua 14 Leste, em Nova York. Era um grupo de rapazes empenhados na tarefa de comprar armas e munições para o estado que seria criado. Contido, tratava-se uma operação secreta, obrigada a despistar o FBI, porque a legislação americana aceitava vender equipamentos excedentes da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), porém proibia que fossem destinados a quaisquer outros países. Entre sustos sofridos por causa da vigilância das autoridades americanas e missões bem finalizadas, a ação desses agentes do “Hotel 14”, conforme chamavam seu quartel-general, foi fundamental para abastecer o futuro exército de Israel. A par do que ocorria em Nova York, um homem extraordinário, chamado Al (Adolf) Schwimmer (1917-2011), agia na Califórnia. Nascido no Brooklyn, Nova York, em 1917, foi piloto da Força Aérea dos Estados Unidos durante a 2ª Guerra Mundial. Judeu convicto, procurou por iniciativa própria o pessoal do “Hotel 14”. Custou a ganhar a confiança dos agentes até conseguir convencê-los de que o novo país não teria chance alguma de combater os árabes se não contasse com um mínimo de capacidade militar no ar. Foi mandado para a Califórnia onde, após artimanhas e superando complicadas burocracias, comprou antigos aviões de diversos portes. Em seguida, recrutou um grupo de pilotos judeus, também veteranos de guerra, e cumpriu a proeza, contrariando as leis americanas, de fazê-los voar primeiro para o México, uma escala no Panamá, outra escala e reabastecimento no aeroporto de Natal, no Brasil, novos reabastecimentos na África e na Europa, até concluir a viagem em Lidda, perto de Tel Aviv. A ação de Schwimmer resultou nos primórdios da Força Aérea de Israel, que cumpriu missões decisivas para assegurar a vitória judaica na Guerra da Independência, com destaque para uma delas, em julho de 1948, quando os pilotos de Schwimmer dizimaram uma coluna de blindados egípcios que se aproximava de Tel Aviv. AlSchwimmer regressou para os Estados Unidos no ano seguinte. Foi acusado como transgressor do Ato de Neutralidade Americano, por ter contrabandeado aeronaves para fora do país. Teve cassado seu direito de voto, dos benefícios como veterano de guerra e condenado a pagar uma multa de 10 mil dólares, mas sem pena de prisão. Sugeriram-lhe que tudo seria relevado se pedisse um perdão oficial ao presidente. Ele se recusou. Disse que, como judeu, ajudar a criação do Estado de Israel era uma obrigação moral; quanto ao contrabando, argumentou que se tratava de uma desobediência civil também baseada em princípios morais. Em 1950, voltou para Israel atendendo a um chamado de Ben Gurion que o incumbiu de instalara Israel Aerospace Ind  ustries (Indústrias Aeroespaciais de Israel), até hoje uma referência mundial nessa modalidade. Schwimmer foi o diretor-executivo desta empresa durante meio século e, nos anos 1980, atuou como conselheiro industrial e de tecnologia do primeiro-ministro Shimon Peres de quem se tornou íntimo amigo. Em 2001, recebeu um perdão oficial do presidente Bill Clinton (1946-  ) e, em 2006, o prestigioso Prêmio Israel. Faleceu em 2011, aos 94 anos de idade, em sua residência em Ramat Gan. Se a expressão “pai da pátria” deixar seu conceito abstrato e buscar um exemplo concreto, há de encontrá-lo de sobra na figura de Al Schwimmer. No dia 13 de maio de 1948, David Ben Gurion (1886-1973) estava reunido em Tel Aviv com seu Estado Maior, o Conselho responsável pelos destinos do futuro país. Seus integrantes estavam acabrunhados por causa do massacre sofrido pela população judaica da localidade de Etzion. Ben Gurion, entretanto, foi enfático: “A catástrofe de Etzion não me abala. Eu já esperava derrotas e receio que ainda enfrentaremos maiores dificuldades. Tudo mudará quando conseguirmos derrotar a maior parte da Legião Árabe. É pelas armas que resolveremos todos os problemas”. Parecia um exagero, mas aquelas palavras empolgaram o Conselho, pessimista em face da evidente fragilidade da força militar com que contavam. Em seguida surgiram indagações cruciais. Onde e como proclamar a independência? No palco e plateia do Teatro Habima ou no Museu de Tel Aviv? Alguém disse que embora o Habima fosse maior, o local oferecia pouco sigilo e pouca segurança. Optou-se pelo Museu. Mas, qual seria o nome do país? Como seria redigida a declaração de independência? Alguns membros do Conselho propuseram Estado Judeu. Outros, simplesmente Sion. Até que houve consenso: Israel. Seguiu-se outro debate: como incluir as fronteiras do novo país na declaração, já que estas ainda estavam indefinidas? Mais uma vez prevaleceu a voz de Ben Gurion: “Leiam a declaração de independência dos Estados Unidos. Verão que nela não há uma só alusão a fronteiras territoriais. Depois que derrotarmos os árabes poderemos precisar nossas fronteiras”. Na votação referente à questão das fronteiras, cinco conselheiros foram contra a definição, quatro a favor e quatro se abstiveram. A reunião terminou de madrugada, ficando decidido que um pequeno grupo, liderado por Moshe Sharret (1894-1965), se encarregaria de redigir a declaração. Neste mesmo dia 13 de maio, enquanto os mandatários ingleses fechavam suas bagagens para uma viagem sem retorno, a população de TelAviv era uma só ansiedade por conta das expectativas desdobradas nas semanas recentes e sem saber como, quando e aonde começariam os preparativos para o histórico evento da proclamação da independência. Sabia-se, tão somente, que aconteceria assim que o último militar inglês deixasse o porto de Haifa. Havia um grande sentimento de pressa por causa de um prazo fatal: o Shabat (sábado sagrado) no entardecer do dia seguinte. Os convites para a cerimônia começaram a ser distribuídos por mensageiros na manhã do dia 14, sendo endereçados a entidades e instituições, sem menção a pessoas: “Temos a honra de convidá-lo para assistir à cerimônia da declaração de Independência que será realizada no dia 5 de Yiar de 5708 (14 de maio de 1948), às 16 horas, no salão do Museu de Tel Aviv, Boulevard Rothschild, número 16. Pedimos que mantenha em sigilo o conteúdo deste convite quanto à hora e ao local. Os convidados deverão estar no Museu às três e meia da tarde. Atenciosamente, o Secretariado. Este convite é pessoal. Traje: social escuro”. O secretariado era na verdade um só secretário, Zeev Sharef (1904-1984), diretor administrativo da Agência Judaica. Em condições normais o convite deveria ser assinado por Ben Gurion, mas o tempo era exíguo. Ben Gurion não gostou do texto que lhe foi submetido pelo grupo de Sharret. Achou que aquele primeiro rascunho se perdia em excessos de diplomacia e ele preferia algo mais contundente, mais conciso e mais objetivo. Fez as alterações que julgou necessárias e mandou o texto para Zeev Sharef, recomendando que fosse feito um bom número de cópias para serem posteriormente entregues à mídia. Mas, não era possível guardar um segredo de tal magnitude. Os jornais matutinos do dia 14 publicaram que a Kol Israel, emissora oficial de rádio, transmitiria a sessão da independência ao vivo, às quatro da tarde. A polícia começou a isolar a cercania do Museu uma hora antes. Isto serviu para atrair a curiosidade da população que ali logo começou a se aglomerar. De manhã cedo, Sharef havia convocado o designer Abraham Rifkind que, dois anos antes, tinha preparado um salão na Basiléia para a realização do 22o Congresso Mundial Sionista. Rifkind revelou numa entrevista, anos depois, que a sua primeira ideia era que a declaração fosse escrita num rolo de pergaminho, tal como a Torá. Para isso buscou um escriba na comunidade ortodoxa de B’nei Barak, mas este declinou, dizendo que não daria tempo de terminar até as quatro da tarde porque cada vez que escrevesse o nome de D’usseria obrigado a cumprir o ritual de se levantar e lavar as mãos. Em seguida, Rifkind chamou um artista plástico seu amigo, deu-lhe uma sofrida quantia em dinheiro, para que ele comprasse os materiais e elaborasse adereços condizentes com a solenidade que aconteceria no salão do Museu. Recomendou que o amigo não comprasse tudo numa só loja, para não levantar suspeitas. No Museu os funcionários foram dispensados com ordem para regressarem às 15 horas, sem terem a menor noção do que iria acontecer. No salão, o artista contratado trabalhava com um carpinteiro, um pintor e também decorador, uma costureira e uma faxineira para polir o assoalho. De início, mandou fazer bandeiras de diversos tamanhos. Eram panos brancos com duas linhas paralelas em azul e, no meio, uma estrela de David da mesma cor. Não eram bandeiras oficiais porque a verdadeira só foi adotada pelo governo em outubro do mesmo ano. Aquelas ali confeccionadas se destinavam a cobrir esculturas e pinturas com nus artísticos, pouco apropriados para o local e para a ocasião. Enquanto isso, Rifkind procurava um pergaminho no qual seria escrita a declaração e uma fotografia de Herzl que deveria ser colocada acima da mesa principal. Encontrou numa loja da Rua Dizengoff, onde encontrou um papel sintético, tipo pergaminho, que parecia genuíno e deu-se ao preciosismo de levá-lo para análise no Instituto de Padrões. Só sossegou quando lhe garantiram que o papel poderia durar alguns séculos. Obteve fotografias em tamanho pequeno de Herzl e a maior de todas, em bom estado, carecia no seu entender de imponência. Assim, mandou fazer uma grande molduranegra de modo a aumentar a percepção visual da fotografia. O pergaminho contendo o texto da declaração estava nas mãos de Sharef no escritório da entidade Keren Kayemet, em Tel Aviv, de onde ele providenciava táxis para os líderes sionistas que deveriam comparecer à cerimônia. Só se esqueceu dele mesmo e da mulher que o acompanhava. Os dois ficaram isolados no meio de uma rua e sem a menor chance de obter uma condução. Aflito, procurou um policial e pediu-lhe que parasse um táxi. Um motorista obedeceu, mas se recusou a transportar o casal: “Desculpe, mas eu tenho que estar em casa às quatro horas para ouvir no rádio a declaração da Independência”. Ao que Sharef respondeu: “Se você não nos levar até o Museu não vai ouvir nada porque a declaração está aqui comigo”. O taxista partiu em disparada e, como sempre, nessas horas os contratempos se acumulam. Por causa do excesso de velocidade, um policial mandou o táxi parar e já ia aplicar a multa quando Sharef se deu conta da poderosa realidade que Eretz Israel estava vivendo naquele momento: “Os ingleses foram embora e aqui ainda não há um governo. Quem vai cobrar essa multa”?. Pouco antes das quatro da tarde, dezenas de automóveis começaram a afluir ao Museu, com prioridade para os signatários da declaração, entregue por Sharef a Ben Gurion, o último a chegar, acompanhado da mulher, Paula. Mostrava impetuoso vigor a caminho de 62 aos de idade, a serem completados em outubro. Foi saudado por aplausos das pessoas junto ao Museu. Por causa do sol forte e dos flashes dos fotógrafos, Paula tropeçou na escada e caiu, machucando a vista. Por isso passou todo o tempo da cerimônia com um copo de água gelada na mão e nele mergulhando um lenço que, em seguida, levava ao olho direito. Às 16 horas em ponto, Ben Gurion começou a ler a declaração. Foram 17 minutos no decorrer dos quais leu 979 palavras no idioma hebraico. Em seguida, chamou o rabino Yehuda Fishman, de 74 anos, trazido de Jerusalém para Tel Aviv, num pequeno avião, porque a estrada entre as duas cidades já estava bloqueada pelo exército da Jordânia. O rabino recitou, embargado pela emoção: “Bendito seja D’us, Rei do Universo, que nos manteve, nos conduziu e nos trouxe até este dia”. Finda a oração, Ben Gurion anunciou o primeiro decreto que seria emitido pelo novo país: estava anulado o White Paper, o documento de 1939 que impedia a entrada de judeus na sua própria terra. Tinha acabado de renascer, com plena soberania, o Estado de Israel, pátria dos judeus. As manifestações de júbilo exalavam por todo o país, mas Ben Gurion sequer sorria. Avaliava o débil potencial militar de que a nova nação dispunha e cedia ao pessimismo. À noite, em casa, disse para Paula: “Sou um consternado entre os exultantes”. Em seus 70 anos de vida, entre conflitos menores e nem por isso desprezíveis, Israel enfrentou duas grandes guerras que traumatizaram o país: a dos Seis Dias, em 1967, e a do Yom Kipur, em 1973. Sobre a Guerra dos Seis Dias circulam dezenas de livros e milhares de ensaios, entrevistas e reportagens. Há uma corrente de analistas, jornalistas e escritores que sustentam que este conflito mudou o perfil sociológico do país, na medida em que os israelenses tomados pela euforia da vitória em três frentes de batalhas e em tão pouco tempo, passaram a se superestimar e até mesmo a cultivar arrogância. É pouca verdade. Cheguei a Israel no sétimo dia da guerra, no primeiro voo que partiu de Paris para Tel Aviv. Presenciei, sim, grandes manifestações de alegria dos soldados que voltavam para suas casas nos mais diversos veículos militares. Vi bandeiras de Israel ornamentando fachadas, janelas e varandas em Tel Aviv e Jerusalém. Porém, também vi os jornais com dezenas de páginas de anúncios fúnebres, nos quais mulheres choravam as mortes de maridos, pais choravam as mortes de filhos e filhos choravam  as mortes de pais. Vi, também, o país inteiro angustiado com o pidion shvuim, o resgate dos prisioneiros de guerra. O povo judeu de Israel não havia perdido seu senso de humanidade e solidariedade. Fiz a cobertura jornalística da Guerra do Yom Kipur, que praticamente acompanhei desde o início, tendo permanecido, então, 40 dias em Israel. Como Ariel Sharon, general de carreira e depois primeiro-ministro, ainda é uma personalidade controvertida, as paixões ideológicas, tanto dentro como fora de Israel, relutam em conferir-lhe o papel vital que ele desempenhou naquele conflito. Não é exagero afirmar que Sharon salvou Israel de uma catástrofe, quando atravessou com suas tropas o canal de Suez e se posicionou na direção do Cairo depois de capturar a cidade egípcia de Suez. Aquele foi o momento de maior perigo vivido pelo Estado de Israel desde a sua fundação. A propósito da travessia do canal de Suez, tomei conhecimento dessa audaciosa manobra militar através do porta-voz do exército com o qual mantinha bom relacionamento. Ele me disse que não divulgaria a notícia de imediato porque ainda lhe faltavam dados mais precisos e deu-me um conselho: “Vá até o Hospital Hadassah, em Jerusalém, para onde foram levados soldados feridos na travessia. Conversando com eles, você terá uma boa ideia de como tudo aconteceu”. Na mesma hora rumei para o Hadassah, onde fui recebido pelo diretor de relações públicas que me abriu todas as portas para as entrevistas que precisava fazer. Eu já estava para ir embora, por volta de seis horas da tarde, com pressa para escrever a matéria, quando aquele funcionário me parou: “Espere um pouco porque o Danny Kaye está vindo aqui para entreter os soldados”. O grande comediante e astro do cinema chegou visivelmente cansado porque já tinha estado em outros hospitais, de norte a sul do país, cumprindo a missão voluntária de levantar o moral dos militares fora de combate. Minha adolescência tinha sido enriquecida pelos filmes estrelados por Danny Kaye (verdadeiro nome Daniel Kaminsky nascido no Brooklyn em 1911) e foi emocionado que apertei sua mão. Passei a percorrer o hospital ao seu lado. Ele parava junto a um leito onde havia um soldado ferido e dizia: “Vou falar com teu médico para te mandar para casa depois de amanhã”. Ou então, para outro: “Quando você tirar essa bandagem da cara vai ficar irresistível”. Até que paramos junto a um leito no qual estava deitado um rapaz de uns vinte anos, sem o braço direito e sem a metade da perna esquerda. No primeiro momento, era uma visão tão dolorosa, que o Danny Kaye não soube o que dizer. Foi o jovem quem falou: “Danny Kaye, que grande surpresa! Você é um artista que eu adoro! Desculpe, mas sou obrigado a lhe dar a mão esquerda”. www.morasha.com.br. Abraço. Davi



sexta-feira, 13 de abril de 2018

O CORAÇÃO DE UMA IMAGEM DE PEDRA.


Amigos do Mosaico.
Por motivo de viagem (16 a 29/4) não poderei fazer as pesquisas para as postagens no blog. Será meu (Hamadan, Yom Kipur, Kumbh Mela) descanso espiritual. Espero voltar as atividades, se Deus assim o permitir, a partir de 30 de abril. Que a Imaculada Conceição Maria, Nossa Senhora – Mãe Divina, Mestra e Rainha do Universo continue abençoando os leitores, fazendo-os evoluir pela Senda Espiritual. “Até que todos cheguemos a unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, a medida da estatura completa de Cristo”. Que possamos nos esforçar para imitar os homens perfeitos como: Krishna, Muhammad, Massiach, Buda, Shantideva, Shankara, Abravam, Moshe, Jesus, Ishaqu, Yaqub, Dawud, São Francisco de Assis, Santa Tereza D’ávila, São João da Cruz, Isa, Yusuf, Shu’aib, Ayyub e tantos outros mestres e santos que alcançaram o samadhy (iluminação, despertar) divino.

Autobiografia de Um Iogue – Paramahansa Yogananda (1893-1952). Capítulo 22. O CORAÇÃO DE UMA IMAGEM DE PEDRA. COMO LEAL ESPOSA HINDU, não quero me queixar de meu marido. Mas gostaria muito que ele mudasse suas opiniões materialistas. Ele tem prazer em ridicularizar os retratos dos santos em minha sala de meditação. Querido irmão, tenho muita fé em sua ajuda. Fará isso? Suplicante, minha irmã mais velha, Roma, olhava para mim. Eu estava fazendo uma breve visita à sua casa em Calcutá – Índia, situada na Girish Vidyaratna Lane. Seu apelo me comoveu porque, na infância, Roma exercera profunda influência espiritual sobre mim e amorosamente tentara preencher o vazio deixado no círculo familiar com a morte de mamãe. Amada irmã, certamente farei tudo o que puder. Sorri, ansioso por afastar a tristeza visível em sua face, em contraste com sua expressão habitualmente tranquila e alegre. Roma e eu oramos silenciosamente por alguns momentos, em busca de orientação. Fazia um ano que minha irmã havia pedido que a iniciasse em KRYA YOGA, na qual estava fazendo progressos notáveis. Tive uma inspiração. Amanhã – eu disse – vou ao templo de Kali em Dakshineswar. Por favor, venha comigo e convença seu marido a nos acompanhar. Sinto que nas vibrações daquele santo lugar a Divina Mãe lhe tocará o coração. Mas não revele o motivo pelo qual queremos que ele vá conosco. Minha irmã concordou, cheia de esperança. Muito cedo, na manhã seguinte, tive a satisfação de encontrar Roma e seu marido prontos para a viagem. Enquanto nossa carruagem rangia ao longo da Upper Circular Road para Dakshineswar, meu cunhado, Satish Chandra Bose, divertia-se escarnecendo do valor dos gurus. Notei que Roma chorava silenciosamente. Alegre-se, irmã! – murmurei. Não dê a seu marido a satisfação de acreditar que levamos a sério suas zombarias. Mukunda, como pode admirar impostores desprezíveis? Dizia Satish. A própria aparência de um sadhu é repugnante: ou é magro como um esqueleto, ou tão profanamente gordo como um elefante! Eu me sacudi de tanto rir, reação que aborreceu Satish. Ele se fechou em silêncio, mal-humorado. Quando nossa carruagem entrou nos jardins do templo de Dakshineswar, ele sorriu sarcasticamente. Esta excursão, suponho, seria um plano para me converte? Como eu lhe desse as costas sem responder, ele segurou meu braço. Jovem senhor Monge, disse – não se esqueça de tomar as devidas providências com as autoridades do templo para que nos forneçam o almoço. Satish desejava poupar-se de qualquer conversa com sacerdotes. Agora vou meditar. Não se preocupe com o almoço – retruquei secamente. A Mãe Divina cuidará dele. Não confio na Mãe Divina para me fazer nada. Mas o torno responsável por minha comida. O tom de Satish era ameaçador. Caminhei sozinho para o pórtico fronteiro ao grande templo de Kali (Deus sob o aspecto de Mãe Natureza). Escolhendo um lugar na sombra junto a uma das colunas, sentei-me na postura de lótus. Embora fossem apenas sete horas da manhã, o sol em breve seria insuportável. O mundo foi-se distanciando à medida que eu me absorvia em devoção. Minha mente concentrou-se na Deusa Kali. Sua estátua neste templo de Dakshineswar fora objeto de especial adoração por parte do grande mestre Sri Ramakrishna Paramahansa (1836-1886). Em resposta a seus ansiosos apelos, a imagem de pedra frequentemente assumia forma viva e conversava com ele. Silenciosa Mãe de pedra – rezei. Tu te encheste de vida pela súplica de teu amado devoto Ramakrishna, por que não atendes também aos lamentos e súplicas deste filho teu? Minha aspiração fervorosa foi aumentando ilimitadamente, acompanhada de uma paz divina. Apesar disso, transcorridas cinco horas sem que a Deusa que eu interiormente visualizava respondesse, senti-me um pouco desanimado. Às vezes, a demora em atender as orações é uma prova a que Deus nos submete. Ele, porém, mais cedo ou mais tarde se apresenta, assumindo a forma adorada pelo devoto persistente. Um cristão devoto vê Jesus; um hindu vê Krishna ou a Deusa Kali. Ou então uma Luz que se expande, se a adoração assumir aspecto impessoal. Abri com relutância os olhos e vi que as portas do templo estavam sendo fechadas por um sacerdote, de acordo com o costume, ao meio-dia. Levantei-me de um isolado lugar no pórtico e fui para o pátio. A superfície de pedra era um braseiro no sol a pino, meus pés descalços foram dolorosamente queimados. Mãe Divina – protestei silenciosamente – Tu não vieste a mim em visão e agora estás escondida no templo, por trás de portas fechadas. Eu queria oferecer-te uma oração especial, hoje, em nome de meu cunhado. Minha petição interna foi instantaneamente deferida. Primeiro, uma deliciosa onda refrescante passou por minhas costas e foi até a sola dos pés, eliminando todo o desconforto. Então, para minha surpresa, o templo ampliou-se prodigiosamente. Sua grande porta abriu-se devagar, revelando a imagem de pedra da Deusa Kali. Pouco a pouco a estátua transformou-se numa forma viva, acenando-me sorridente em saudação, envolvendo-me, emocionado, em alegria indescritível. A respiração foi retirada de meus pulmões, como se extraída por uma seringa mística; meu corpo tornou-se muito quieto, embora não inerte. Em êxtase, minha consciência se expandiu. Eu podia ver claramente vários quilômetros pra além do rio Ganges, à minha esquerda, e distinguia por trás do templo os arredores completos de Dakshineswar. As paredes de todos os edifícios bruxuleavam, transparentes; através delas, em áreas distantes, observei pessoas indo e vindo. Embora não respirasse e meu corpo se mantivesse em estado de estranha quietude, eu podia mover mãos e pés livremente. Durante vários minutos experimentei fechar e abrir os olhos; em qualquer caso, via distintamente o panorama inteiro de Dakshineswar. A visão espiritual, como raios X, penetra toda a matéria; o olho divino tem o centro em toda parte e a circunferência em parte nenhuma. De pé, no pátio ensolarado, mais uma vez percebi que, ao cessar o homem de ser um filho pródigo de Deus, de absorver-se num mundo físico de sonho, inconsistente como bolha de sabão, ele herda novamente seu reino eterno. Se o escapismo é uma necessidade do homem, apertado em sua estreita personalidade, pode qualquer outra fuga comparar-se com esta para a onipresença? Em minha sagrada experiência em Darkshineswar, os únicos objetos extraordinariamente aumentados eram o templo e a forma de Deusa. Tudo o mais apareceu em suas dimensões normais, embora cada objeto estivesse envolto num halo de tênue luz – branca, azul e matizes pastel do arco-íris. Meu corpo parecia de substância etérea, pronto para levitar. Tendo consciência perfeita do ambiente que me cercava, olhava à minha volta e dava alguns passos sem perturbar a continuidade da beatífica visão. Subitamente vislumbrei, atrás do templo, meu cunhado sentado sob os galhos espinhosos de uma árvore sagrada bel. Sem nenhum esforço, podia discernir o curso de seus pensamentos. Sua mente, um pouco elevada pela santa influência de Dakshineswar, ainda se entregava a reflexões pouco amáveis sobre mim. Voltei-me diretamente para a graciosa forma da Deusa. Mãe Divina – orei – não podes modificar espiritualmente o esposo de minha irmã? A bela imagem, até então silenciosa, finalmente falou: Teu desejo será concedido! Olhei, feliz, para Satish. Apesar de instintivamente consciente de que algum poder espiritual estaria em operação, ele se levantou, ressentido, de seu lugar no chão. Eu o vi correr por trás do templo, aproximou-se de mim, sacudindo o punho. A visão que tudo englobava desapareceu. Não pude mais ver a gloriosa Deusa; o templo perdeu sua transparência e retomou às dimensões comuns. De novo meu corpo se derretia sob os raios violentos do sol. Saltei para o abrigo do pórtico, onde Satish, furioso, me perseguiu. Consultei meu relógio. Era uma hora da tarde; a visão divina durara sessenta minutos (uma hora). Seu tonto – exclamou meu cunhado – ficou aí sentado, de pernas cruzadas e de olhos vesgos, durante horas. Caminhei de um lado para outro, observando-o. Onde está nossa comida? Agora o templo está fechado; você não comunicou nossa presença às autoridades; é tarde demais para providenciar nosso almoço! A exaltação espiritual que eu sentira com a presença da Deusa continuava comigo. Exclamei: A Mãe Divina nos alimentará! De uma vez por todas – gritou Satish – gostaria de ver sua Mãe Divina nos dar comida aqui, sem combinação prévia! Assim que pronunciou essas palavras, um sacerdote do templo atravessou o pátio e veio até nós. Filho, disse-me, estive observando seu rosto serenamente iluminado durante horas de meditação. Vi a chegada de seu grupo, pela manhã, e senti o desejo de guardar bastante comida para seu almoço. É contra as regras do templo alimentar àqueles que não fizeram um pedido antecipado, mas abri uma exceção para você. Agradeci e olhei diretamente nos olho de Satish. Ele corou de emoção, abaixando o olhar em mudo arrependimento. Quando nos serviram uma lauta refeição, que incluía mangas fora da estação, reparei que o apetite de meu cunhado era escasso. Ele estava confuso, profundamente mergulhado num oceano de pensamentos. Na viagem de volta para Calcutá, Satish, com expressão mais suave, às vezes me dirigia um olhar de súplica. Todavia, desde que o sacerdote aparecera e nos convidara para o almoço, como em resposta a seu desafio, Satish não havia dito uma só palavra. Na tarde seguinte, fui fazer uma visita à minha irmã. Ela me saudou muito afetuosamente. Querido irmão – exclamou – que milagre! Ontem à noite meu esposo chorou abertamente diante de mim. Amada Devi (1), disse ele, sinto-me feliz, mais do que é possível expressar, porque o plano reformador de seu irmão operou uma transformação. Vou desfazer todo o mal que já fiz a você. A partir desta noite usaremos nosso grande dormitório unicamente como lugar de adoração; sua saleta de meditação será nosso quarto de dormir. Lamento sinceramente ter ridicularizado o seu irmão. Pela vergonhosa maneira como eu vinha agindo, vou me punir não falando com Mukund até haver progredido no caminho espiritual. Daqui por diante buscarei profundamente a Mãe Divina; algum dia, sem dúvida, hei de encontrá-la! Anos mais tarde em 1936, visitei Satish em Nova Delhi, capital da Índia. Fiquei incrivelmente feliz ao perceber que ele estava muito adiantado em auto realização e que fora abençoado e que fora abençoado com uma visão da Mãe Divina. Durante minha estada em sua casa, notei que Satish passava secretamente a maior parte das noites em meditação profunda, embora sofresse de grave moléstia e trabalhasse durante o dia em seu escritório. Veio-me o pensamento de que a vida de meu cunhado não seria longa. Roma deve ter lido meu pensamento. Querido irmão, disse ela, estou com saúde e meu marido está doente. Contudo, desejo que você saiba: como dedicada esposa hindu, serei a primeira a morrer (2). Logo partirei. Surpreendido por suas palavras de mau presságio, senti, entretanto, seu ferrão de verdade. Eu estava nos Estados Unidos quando minha irmã faleceu, cerca de 18 meses depois de sua previsão. Meu irmão mais jovem, Bishnu, deu-me posteriormente os detalhes. Roma e Satish estavam em Calcutá no dia da morte de nossa irmã – contou-me Bishnu. Naquela manhã, ela vestiu seus trajes nupciais. Por que esta roupa especial? Perguntou Satish. Este meu último dia de serviço para você na Terra, respondeu Roma. Pouco depois, teve um ataque cardíaco. Como seu filho corresse para buscar auxílio, ela disse: Filho, não me deixe. É inútil, terei partido antes que o médico chegue. Dez minutos mais tarde, segurando os pés de seu esposo, em reverência, Roma abandonou conscientemente o corpo, feliz e sem sofrimento. Satish isolou-se muito, depois da morte de sua esposa, continuou Bishnu. Um dia, ele e eu olhávamos uma fotografia em que Roma sorria. Por que sorri? Satish exclamou repentinamente, como se sua esposa estivesse presente. Pensa que foi esperta em ir antes de mim. Provarei que não pode permanecer muito tempo longe de mim: logo estarei com você. Naquela época, apesar de Satish ter se restabelecido inteiramente de sua doença e gozar de excelente saúde, morreu sem causa aparente pouco depois de seu estranho comentário diante da foto. Assim, profeticamente, ambos se foram, minha amada irmã Roma e seu esposo Satish – transformado, em Dakshineswar, de um homem mundano como tantos outros, num santo silencioso. REFERÊNCIA: (1). Deusa: literalmente, “a que brilha”, da raiz do verbo sânscrito div, brilhar. (2). Uma esposa indiana acredita ser sinal de desenvolvimento espiritual morrer antes de seu marido, como prova dos leais serviços a ele prestados, ou seja, “morrer servindo”. Livro Autobiografia de Um Iogue – Paramahansa Yogananda. Abraço. Davi   

quinta-feira, 12 de abril de 2018

OS QUATRO GUARDIÃES - UM ESTUDO TALMÚDICO.


Judaismo. www.morasha.com.br. Texto do Rabi Menachen Mendel, Likutei Sichot, Mishpatim (volume 31,17). OS QUATRO GUARDIÃES: UM ESTUDO TALMÚDICO. Na porção de Mishpatim, no Livro de Shemot (Êxodo), a Torá apresenta as leis dos Quatro Shomrim – os Quatro Guardiães. O Shomer é aquele que é responsável por guardar a propriedade de outro. A Torá menciona sucintamente as leis dos Quatro Guardiães, ao passo que um dos Tratados do Talmud BavliBava Metzia, discute e elucida: “São quatro os guardiães: o não remunerado, o mutuário, o remunerado e o locatário. O guardião não remunerado jura (sua inocência) e é completamente isento, desobrigado. O mutuário paga integralmente. O guardião remunerado e o locatário juram e ficam isentos de culpa pelo animal que quebrou a perna ou morreu, mas eles pagam se o animal for perdido ou roubado” (MishnáBava Metzia 93a).
Neste artigo, explicaremos as leis básicas dos Quatro Guardiães. Nosso propósito é introduzir nossos leitores ao estudo do Talmud. Após discutirmos as leis dos Quatro Guardiães, exploraremos sua dimensão mística. SHOEL, O MUTUÁRIO OU TOMADOR. No grupo dos quatro guardiães, o Shoel, o mutuário, assume o nível mais alto de responsabilidade pela propriedade de terceiros a seu cargo. Isso é compreensível: o mutuário recebe algo que pertence a um terceiro, em seu próprio benefício, sem pagar ou retribuir por isso. A Torá espera que ele devolva o que tomou emprestado – um objeto (ou animal) – intacto e sem danos. Se, enquanto estiver sob sua guarda, a propriedade tomada por empréstimo for danificada, perdida ou arruinada, o tomador deve substituí-la ou compensar pelo seu valor. Não importa a forma pela qual a propriedade foi danificada ou perdida. Também é irrelevante se estava ao alcance do tomador evitar essa perda ou dano. Ainda que o dano ou perda tenha sido causado por um raio ou terremoto, cabe ao tomador reembolsar ao proprietário pela perda. Exemplificando: Suponhamos que um homem de nome Shimon peça emprestado a seu vizinho Reuven o carro deste último por uma semana. O vizinho concorda com o pedido. Shimon toma o carro emprestado, mas não paga nada a Reuven pelo empréstimo. Se o carro for danificado, roubado, perdido ou destruído enquanto estiver sob a guarda de Shimon, este deverá reembolsar Reuven integralmente pela perda. Como Shimon é o tomador, ele tem que pagar por qualquer infortúnio com o carro, mesmo se ele for isento de culpa no ocorrido. (Em certas circunstâncias, a Torá isenta o tomador de responsabilidade. Estas leis, no entanto, estão fora do escopo deste trabalho). SOCHER, O LOCATÁRIO. O locatário é semelhante ao tomador, com uma diferença óbvia e significativa: ele paga pelo uso da propriedade de outrem. Suponhamos que Shimon tenha pedido emprestado o carro de Reuven, com a condição de pagar uma taxa de aluguel. O que ocorre se o carro for danificado ou destruído enquanto estiver sob a responsabilidade de Shimon? Como ele alugou o carro – pagando por seu uso –, a situação não é idêntica à descrita acima, em que o empréstimo tinha sido gratuito. Neste caso, Shimon é um locatário, não um tomador. No Talmud, dois de seus maiores Sábios – Rabi Yehudá (135-217) e Rabi Meir (o Ba’al Haness) – discordam sobre o grau de responsabilidade do Socher, o locatário. De acordo com Rabi Yehudá, a Torá iguala o locatário com o guardião não remunerado (cujas leis de responsabilidade veremos abaixo): o locatário é responsável apenas se tiver agido com negligência. Rabi Meir discorda. Em sua opinião, o grau de responsabilidade do locatário é o mesmo que o do guardião remunerado, que, como veremos adiante, é responsável pelo que o Talmud considera “danos evitáveis” – roubo e perda. O veredicto – a Halachá – segue a opinião de Rabi Meir. SHOMER SACHAR, O GUARDIÃO REMUNERADO. Na opinião de Rabi Meir, o grau de responsabilidade do locatário é o mesmo que o do guardião remunerado. Quem é o guardião remunerado? Ao contrário do locatário, ele não paga pelo uso da propriedade de terceiro mas sim, recebe pagamento por cuidar da propriedade. Nos dois cenários acima descritos, Shimon queria tomar emprestado o carro de Reuven. Se ele tomar emprestado o carro sem pagar por isso, ele é um tomador; se ele pagar pelo empréstimo, ele é um locatário. Consideremos, agora, uma situação diferente: Shimon não tem interesse no carro de Reuven – ele não quer pedi-lo emprestado nem alugar. É Reuven que pede que Shimono guarde. Talvez ele esteja saindo de férias e quer que alguém cuide de seu carro enquanto ele estiver fora. Se Shimon concordar em tomar conta do carro de Reuven, mas cobrar para fazê-lo, ele é um guardião remunerado. A Lei da Torá reza que um guardião remunerado assume uma medida significativa de responsabilidade pela propriedade a seu cargo. Afinal, ele está sendo pago para cuidar da propriedade de terceiros. A Torá considera o guardião remunerado responsável pelo que considera “danos evitáveis”, como roubo e perda. Contudo, a Torá não o mantém responsável pelo que considera “danos não evitáveis” – roubo à mão armada e eventos que estão fora de seu controle, como os desastres naturais. Dissemos acima que o grau de responsabilidade de um locatário é o mesmo que o do guardião remunerado. Isso significa que este último é responsável, também, pelos danos evitáveis; no entanto, não é responsável por danos não evitáveis. Uma vez compreendida a lei do guardião remunerado, podemos agora voltar para o caso do locatário. Se Shimon aluga o carro de Reuven, e o carro é roubado ou perdido, Shimon deve reembolsar totalmente Reuven pela perda. Mas, se bandidos armados roubarem o carro ou este for destruído ou danificado por um desastre natural, Shimon não terá que reembolsar Reuven pela perda de seu carro. SHOMER CHINAM, O GUARDIÃO NÃO REMUNERADO. O guardião não remunerado cuida da propriedade de terceiros como um favor e não recebe pagamento ou recompensa por fazê-lo. Suponhamos que Shimon concorde em tomar conta do carro de Reuven, mas se recuse a aceitar pagamento. Ele está fazendo um favor a Reuven. Ele ajuda os demais e não crê que devamos praticar atos de bondade esperando algo em troca. O que ocorre se o carro de Reuven for danificado ou destruído enquanto estiver sob a guarda de Shimon? Pela lei da Torá, como Shimon é um guardião não remunerado – ele está cuidando da propriedade de terceiros como um favor, sem receber pagamento ou recompensa por isso –, é mínima a sua responsabilidade em caso de infortúnio. O Talmud ensina que contanto que ele tenha dado uma atenção razoável ao objeto sob sua guarda, ele afirma, sob juramento, não ter sido negligente e é absolvido de qualquer responsabilidade pelo infortúnio. Na qualidade de guardião não remunerado, Shimon não tem que reembolsar Reuven, proprietário do carro, por perda ou roubo; mas a Torá o declara responsável pelos danos no caso de ter sido negligente ou descuidado. Afinal, ele concordou em tomar conta do carro de Reuven – algo que poderia ter-se recusado a fazer. Por exemplo, Shimon não pode estacionar o carro de Reuven num local perigoso, sem travar as portas, deixando a chave no motor. Se agir com negligência e, por esse motivo, a propriedade sob sua guarda for danificada, perdida ou roubada, terá de recompensar o proprietário por perdas e danos. OS QUATRO GUARDIÃES DO MUNDO. Um dos princípios fundamentais do Judaísmo é que cada versículo e palavra da Torá contém infinitas camadas de significados. O mesmo é válido para o Talmud. Não se trata apenas de uma enciclopédia sagrada de leis, discussões, análises e relatos. Cada uma de suas passagens e ensinamentos contém ensinamentos profundos e esotéricos. As leis relativas aos Quatro Guardiães são relevantes e atemporais, mas como veremos, também possuem uma dimensão mística. O Shelah HaKadosh (1565-1630), Rabi Yeshaya HaLevi Horowitz (1555-1630), autor do clássico Shnei Luchot HaBrit, escreve que “Assim como existem os quatro guardiães entre o homem e seu semelhante, eles também existem entre o homem e D’us, Bendito é Ele”. Vejamos, agora, como as leis dos Quatro Guardiães se aplicam ao nosso relacionamento com D’us. O TOMADOR. Muitas pessoas estão interessadas em tomar e receber, mas não em dar. Para elas, o mundo gira em torno delas próprias – seus prazeres, seus desejos e suas conveniências. Seu propósito na vida é desfrutar do mundo ao máximo sem ter que pagar por isso. O profeta Isaías assim descreve a filosofia de vida de tais pessoas: “(...). Eis que há alegria e regozijo, e são abatidos gado e ovelhas, carne é consumida e vinho é bebido, enquanto dizem; ‘Comei e bebei, porque amanhã morreremos’! ” (Isaías 22,13). A maioria daqueles que apenas se preocupam consigo próprios não se sentem agradecidos a D’us pelo que recebem, pois do contrário teriam menos liberdade de fazer o que quisessem, quando quisessem. As pessoas cujo único interesse na vida é aquilo que os beneficia e dá prazer, desfrutam deste mundo de D’us e de sua fartura, mas negam sua existência ou o ignoram. Mesmo se reconhecem que este mundo a D’us pertence, elas não têm interesse em relacionar-se com Ele. “A vida é minha”, dizem a D’us, “e farei com ela o que bem entender”. Vivem como um dos Quatro Guardiães, o tomador: sótomam – de D’us e de Seu Mundo –, mas não pagam nem retribuem de alguma maneira. Segundo as leis dos Quatro Guardiães, como D’us Se relaciona com tais pessoas? Vejamos as leis referentes ao grau de responsabilidade do tomador: ele é totalmente responsável pelos danos e perdas, mesmo se não tiver culpa pelo ocorrido. Praticamente, isso significa que como o “tomador” tomou a seu encargo a sua vida e se fechou completamente a D’us, ele assume total responsabilidade por tudo o que lhe acontecer. Se ele tiver perdas ou danos em sua vida, ele terá que assumir a responsabilidade pelos mesmos. Se um trovão, um furacão ou um terremoto o atingir – literal ou figurativamente –, é problema e responsabilidade totalmente seu, e o único culpado é ele mesmo. D’us dá livre arbítrio a todos nós, mas cada um de nós tem que aprender a viver com as suas escolhas. Se escolhermos ser o tomador – tomando e recebendo, sem dar nada em troca –, os Céus nos tratarão de acordo a isso. Como o tomador escolhe ser dono exclusivo de seu destino, quando os problemas baterem à sua porta, ele não terá ninguém a quem recorrer, mas a si próprio. Como ele optou pela total independência – como ele não crê em nenhuma forma de reciprocidade –, ele será totalmente responsável por danos e perdas, mesmo se estes surgirem do nada e ocorrerem por culpa de terceiros. Ele não terá ninguém com quem compartilhar a perda. Ele expulsou D’us de sua vida quando tudo lhe sorria. Quando as coisas desandarem, ele terá que arcar sozinho com tudo. A geração que pereceu no dilúvio de Noé personifica o tomador. A Torá nos relata que à exceção de Noé, toda aquela geração era egoísta e corrupta; envolvia-se em roubo e violência, e praticava atos imorais. Não tinham respeito algum por D’us, por seu mundo nem pelos outros seres humanos. Para eles, a vida era para divertir-se e não pensavam duas vezes antes de usar de desonestidade, violência ou imoralidade para obter o que desejavam. Sabemos bem como termina a história. Veio o dilúvio e matou todos. Como aquela geração tinha afastado D’us de sua vida, pereceram todos e eles eram os únicos culpados. Mais ninguém. Eram todos tomadores, e, como ensina o Talmud, um tomador é responsável por todos os danos e perdas – mesmo se estes forem consequência de desastres naturais – como foi o Dilúvio. O LOCATÁRIO. Contrariamente ao tomador, o locatário está disposto a pagar o preço pelo uso da propriedade de um terceiro. Quando se trata do relacionamento entre o homem e o Todo Poderoso, o locatário é aquele que, como o tomador, quer desfrutar do mundo Divino, mas, contrariamente a ele, o locatário percebe que terá que pagar o seu preço. O dilema enfrentado pelo locatário é saber o preço que terá que pagar para desfrutar deste mundo de D’us. Algumas pessoas querem pagar um pouco, mas não muito. Talvez o preço que queiram pagar é jejuar em Yom Kipur. Outros acreditam que D’us espera um pouco mais. Para estes, o preço a pagar talvez inclua ir à sinagoga algumas vezes por ano, ouvir o Shofar em Rosh Hashaná e participar em um Seder de Pessach. Outros, ainda, acreditam que D’us espera ainda mais, mas talvez seja suficiente eles irem à sinagoga em todas as festas e nas sextas-feiras à noite para cantar Lechá Dodi junto com a congregação. Como o tomador, a preocupação de vida do locatário é seu bem-estar. Ele está no centro de seu universo pessoal. Ele cumpre os mandamentos Divinos com o mesmo sentimento com que as pessoas pagam seus impostos – ele os vê como um mal inevitável que ele preferia não ter que cumprir. Na Torá, Noé simboliza o locatário. Comparado a seus contemporâneos que personificam o tomador, Noé era um homem justo, íntegro. Contudo, a bem da verdade, ele não se importava muito com o mundo de D’us. Quando o Todo Poderoso lhe ordena construir uma arca, ele o faz para salvar a si e aos seus – e não se empenha em salvar os outros. Quando D’us lhe ordena cuidar dos animais na Arca, ele o faz porque percebe que essa tarefa difícil era o preço que ele teria que pagar por viver e desfrutar do mundo de D’us. Em outras palavras, a construção da Arca e o cuidado dos animais é o aluguel que ele deveria pagar ao Proprietário. Noé não é tomador, mas ele é meramente um locatário. Ele não se importa se D’us destruir o Seu mundo e todos os seus contemporâneos morrerem, desde que ele e sua família estejam a salvo. Seu relacionamento com D’us é quase “comercial”: O Senhor me deixa viver no Seu mundo e eu cumprirei Suas ordens. Qual a lei do locatário? Ele é responsável pelos “danos evitáveis” – roubo e perda. Éisento de responsabilidade apenas pelos“danos inevitáveis” – eventos que estão além de seu controle, como os desastres naturais. Como Noé era um locatário, não um tomador, no tocante a D’us, ele não pereceu em um desastre natural – o Dilúvio. No entanto, como ele é nada mais do que um locatário, quando ele emerge da Arca e vê um mundo em escombros, D’us não ouve seu grito nem sua reclamação sobre toda a morte e destruição que ele testemunha. Afinal, Noé é um locatário, e como tal, é responsável pelos danos evitáveis. A Torá chama o Dilúvio de “as Águas de Noé”, porque ele partilha da responsabilidade por uma perda que ele poderia ter evitado. Talvez ele pudesse ter influenciado a sua geração a se arrepender. Se ele tivesse cuidado um pouco mais do mundo de D’us, talvez tivesse conseguido evitar a destruição da humanidade. O GUARDIÃO REMUNERADO. A Lei Judaica, como ensina Rabi Meir no Talmud, determina que a responsabilidade do guardião remunerado é idêntica à do locatário. No relacionamento pessoal com D’us, a diferença entre o locatário e o guardião remunerado é que o primeiro quer desfrutar deste mundo de D’us, mas aceita pagar por isso, ao passo que o guardião remunerado aceita ajudar a tomar conta do mundo, mas exige que D’us lhe pague por seus serviços. A lei da responsabilidade é a mesma para o locatário e para o guardião remunerado porque, em ambos os casos, há um tipo de relacionamento comercial forjado entre eles e D’us. O locatário tem que calcular o preço que deve pagar a D’us pelo privilégio de desfrutar de Seu mundo, ao passo que o guardião remunerado tenta avaliar o escopo de suas obrigações, bem como quanto ele espera que D’us lhe pague pelos serviços que prestará. Alguns esperam que D’us lhes recompense neste mundo, enquanto outros no Mundo Vindouro, e outros, ainda, em ambos os mundos. Alguns guardiães pagos até se dispõem a cumprir todos os mandamentos Divinos, mas eles cobrarão d’Ele um altíssimo preço para fazê-lo. Se D’us irá concordar com um acordo desses ou não, é outra história (...). Recordemos a lei do guardião remunerado. O Talmud ensina que, como o locatário, ele também é responsável por danos evitáveis – roubo e perda. Ele só está isento de responsabilidade por danos inevitáveis. Isso significa que alguém que assume o papel de guardião remunerado é responsável por transgressões evitáveis – pecados de comissão (roubo) e pecados de omissão (perda). Como o ser humano que personifica o guardião remunerado tem um relacionamento tipo “olho por olho, dente por dente” com D’us, a Corte Celestial tem o direito de constantemente escrutinizá-lo e responsabilizá-lo por todos os danos evitáveis. Se violar o “contrato” de alguma maneira, ele terá que pagar multa ou penalidade pela quebra de contrato. Um exemplo de um guardião remunerado foi o primeiro ser humano, Adão. Conta-nos a Torá: “E o Eterno, D’us, tomou o homem e o pôs no Jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gênese 2,15). Adão foi o paradigma do guardião remunerado: ele tinha que trabalhar no Jardim do Éden e cuidá-lo, e como pagamento por seus serviços, ele podia aproveitar de tudo o que o Jardim tinha para oferecer – à exceção do fruto da Árvore Proibida. Infelizmente, Adão e Eva não foram guardiães remunerados confiáveis – eles não cumpriram a sua parte no acordo porque a Serpente lhes prometeu um pagamento ainda melhor do que o oferecido por D’us. A Serpente – personificação do Yetzer haRá, Inclinação para o Mal, mestre das mentiras e da enganação – não cumpriu sua promessa. Como Adão e Eva eram guardiães remunerados, eles eram responsáveis por perda e roubo, ou seja, tomaram e consumiram o fruto proibido, proscrito por D’us (roubo), e foram enganados (perda) pela Serpente. Ambos os danos evitáveis. Poderiam ter ignorado a Serpente e sua oferta tentadora. Poderiam ter optado pornãocomer o fruto proibido. Consequentemente, como guardiães remunerados, foram responsáveis pela quebra do contrato. E D’us os expulsou do Jardim do Éden. O GUARDIÃO NÃO REMUNERADO. O Guardião não remunerado é singular. Contrariamente aos outros três guardiães, ele não está interessado em receber, mas apenas em dar. Em seu relacionamento com D’us, ele não pensa em si próprio, mas apenas em cumprir a Vontade de seu Mestre, e o faz sem esperar qualquer recompensa, material ou espiritual, que seja. Maimônides (1135-1204) descreve tais seres humanos: “Aquele que serve a D’us por puro amor altruísta – ele estuda a Torá e cumpre as Mitzvot e anda nos caminhos da sabedoria — não por temer o mal (castigo), e não para herdar o bem (recompensa). Mas ele age de acordo com a verdade apenas por ser a verdade. No fim, o bem virá ao seu encontro. Essa virtude é enorme e grandiosa, e nem todos os sábios a merecem, e esse é o nível alcançado por Avraham, nosso Patriarca, a quem D’us chamou de ‘Aquele que Me ama’, porque ele serviu a D’us unicamente por amor” (Leis do Arrependimento, 102). Tais pessoas são raras, mas existem. Elas fazem o que é certo, bom e virtuoso simples e exclusivamente por ser a maneira correta de se viver. Como ensina Maimônides, nosso patriarca Avraham, o primeiro judeu, é o paradigma do guardião não remunerado. Ele servia a D’us por amor, e estava disposto a fazer o que o Altíssimo dele exigisse, independentemente de quão difícil ou tortuoso. Avraham dedicou sua vida a executar a Vontade Divina. Consequentemente, desfrutou de um nível extremamente elevado de Graça Divina. Recordemo-nos da lei do guardião não remunerado: ele é isento de qualquer responsabilidade, exceto em caso de negligência. Como ele não espera pagamento ou recompensa por seu serviço a D’us, os Céus o tratam com grande compaixão, pois a Corte Celestial percebe que quaisquer erros que ele possa cometer são totalmente não intencionais. Transgressões e pecados não são parte de sua realidade. Ele pode até cometer erros – que podem ser perdas e danos não intencionais –, mas recebe perdão pelos mesmos, porque ele trabalha incessantemente em favor de D’us sem esperar nada em troca. No entanto, a Torá determina que o guardião não remunerado é responsável em caso de negligência. Isso significa que mesmo esse guardião não pode agir irresponsavelmente. O Talmud nos ensina que “não dependemos de milagres”. Ser um guardião não remunerado – e, portanto, desfrutar do cuidado e graça Divinas – não significa que a pessoa pode pular pela janela e esperar que a Divina Providência a salve. Mesmo os guardiães não remunerados não podem negligenciar sua saúde, seu trabalho e seu sustento, nem sua segurança pessoal. Se agir com negligência e irresponsabilidade, ele será responsável por danos e destruição, como determina a lei do guardião não remunerado. Mesmo um ser humano realmente justo e íntegro, que serve a D’us por amor e vive para cumprir Sua Vontade, deve viver com cuidado e responsabilidade. OS QUATRO GUARDIÃES E O LIVRE ARBÍTRIO.  Um dos princípios fundamentais da Torá é que D’us atribui o livre arbítrio aos seres humanos. Todos podem escolher como viver e como se relacionar com D’us e com o Seu mundo. Podemos optar por ser tomadores, locatários, guardiães remunerados ou guardiães não remunerados, e a Divina Providência retribuirá conforme nossas opções. Contudo, ter livre arbítrio também significa que temos o poder de transitar de uma categoria a outra de guardiães. Mesmo aquele que é um tomador pode dar uma meia-volta de 180 graus em sua vida e se tornar um guardião não remunerado. Os três Patriarcas – Avraham (Abrahão), Itzhak (Isaque) e Yaacov (Jacó) – foram paradigmas do guardião não remunerado. A Cabalá se refere a eles como as “rodas da Carruagem Divina”. Assim como as rodas de uma carruagem não possuem vontade própria, e apenas seguem as ordens de seu condutor, também os três Patriarcas viveram apenas para cumprir as determinações do Condutor do Universo e cumprir Sua Vontade. Amavam a D’us e O serviam com todo o seu coração e com toda a sua alma. Como todos nós, judeus, somos não apenas os descendentes, mas também a personificação de nossos três Patriarcas, cada um de nós tem o potencial de ser um guardião não remunerado. Trata-se do caminho mais nobre que um ser humano pode percorrer em sua vida: servir a D’us por amor e buscar a verdade apenas por ser verdadeira, e a virtude, apenas pela virtude. www.morasha.com.br. Abraço. Davi


quarta-feira, 11 de abril de 2018

AS CASAS ASTROLÓGICAS 2 E 8, 3 E 9


Astrologia. Texto de Ricardo Lindemann. www.ricardolindemann@uol.com.br. Livro A Ciência da Astrologia e as Escolas de Mistério. Capítulo 13. AS CASAS ASTROLÓGICAS 2 E 8, 3 E 9. Lembrando que as CASA ASTROLÓGICAS estão relacionadas como o movimento de rotação da Terra, e que especificamente a partir da LINHA DO HORIZONTE, temos abaixo do HORIZONTE ORIENTAL as CASAS 1, 2,3 até o NADIR, que corresponde à cúspide ou início da CASA 4, depois a 5 e a 6 até novamente chegar ao HORIZONTE OCIDENTAL em cima do qual temos a 7, a 8 e à 9 até o ZÊNITE. Correspondendo ao Meio do Céu ou cúspide, que é onde inicia a CASA 10, seguidas pela 11 e 12, aproximadamente, em divisões de 30º cada uma, variando ligeiramente de um sistema de domificação para o outro. Veremos que os PLANETAS que caem nestas regiões têm uma profunda influência no MAPA ASTRAL do indivíduo. Podemos observar que o SOL do indivíduo cairá na CASA 1, se ele nascer aproximadamente entre 4 e 6 horas da madrugada. A CASA 1 é a CASA do brilho pessoal, é a CASA DO CORPO e da personalidade, e costuma caracterizar um temperamento muito radiante, carismático, centrado em si mesmo. Pode também estimular o desenvolvimento de atividades na área física, como por exemplo a profissão de personal trainer, ou mesmo de atleta. Podemos também encontrar um temperamento mais exuberante, com relação ao seu carisma, como um político, ou até uma modelo. Basicamente, veste-se de um certo ar de comando, tem presença radiante e um alto astral, mas é geralmente muito centrado em si mesmo e se os ângulos forem afligidos pode apresentar um certo traço de egocentrismo. O caso oposto, como nós vimos no capítulo anterior, apenas para revisão da ideia, seria a CASA 7 que, por exemplo, o SOL ocupa, aproximadamente, entre as 16 e as 18 horas. E, portanto, se a pessoa nasceu nesse horário é muito provável que ela tenha o SOL na CASA 7. Teremos um tipo mais pacificador, um tipo que sabe criar associações, que evita constrangimentos, que sabe ser diplomático, que tem o dom ou um certo grau de comunicação conciliatória. Estes tipos com o SOL na CASA 1 e na CASA 7 são de alguma forma complementares, porque quando a pessoa está centrada em si mesma, ela dá menos atenção para o outro, quando ela está mais centrada no outro ela esquece às vezes de si mesma. Uma mulher muito voltada para o marido pode esquecer de cuidar do seu próprio corpo, ou quando é muito voltada para si mesma, pode esquecer do marido. Então, a dificuldade de equilibrar os dois polos, quando a pessoa se dedica muito a si mesma, dedica-se menos ao companheiro e vice-versa. Porém, apesar da dificuldade, a busca desse equilíbrio é a essência do PRINCÍPIO DA POLARIDADE. Ora, evidentemente, outros PLANETAS poderão cair também na PRIMEIRA CASA e sobre isso existe toda uma pesquisa de Michel Gauquelin (1928-1991), tanto referente à CASA 1 e a CASA 12 quanto às CASAS 9 e 10. Tais PLANETAS são definidores, frequentemente, da carreira profissional do indivíduo. Com relação à CASA 2, lembraríamos que se a CASA 1 é a CASA DO EU, nós dizíamos que a CASA 2 é a CASA DO “MEU” e, por extensão, nós temos a ideia de propriedade, de domínio, de posse, de uso como expressão do SER. Envolve, portanto, aquele motivo que dá um sentido à posse, é aquele aspecto de exteriorização de uma missão no SENTIDO DA VIDA que representa o propósito do SER. Na medida em que dá sentido ao TER, em função daquela atividade que a pessoa exerce. O exemplo que nós podemos dar é: Qual é a necessidade de uma grande enciclopédia para quem só faz um trabalho braçal? Ou também qual a necessidade de pás e picaretas para uma pessoa que só faz um trabalho intelectual? Temos aí extremos de situações em que a posse do utensílio, seja um livro ou seja uma ferramenta, deixam de ser necessárias para um ou para outro. Assim, se algo não está sendo utilizado, a posse carece um pouco de sentido, particularmente se consideramos que outra pessoa poderá estar realmente necessitada desta posse, e vice-versa. Portanto, segundo Platão (428-347), o que justifica a posse é justamente o uso, e o que justifica o uso é a vocação, é a atividade que tem a ver com o estágio de desenvolvimento da ALMA, como nós vamos encontrar em A República, uma das suas magnas obras. Ora, talvez seja bom lembrar que há uma correspondência entre as DOZE CASA e os DOZE SIGNOS. Então, ÁRIES representa o SIGNO que tem analogia com a CASA 1 e rege a cabeça. TOURO rege o pescoço, a tireoide e a capacidade de acumular peso no corpo, porque ela é a glândula mestra que rege o nosso metabolismo. Assim também a CASA 2 tem a ideia de acumular uma reserva de riquezas para dias talvez não tão prósperos, aquela ideia bíblica das sete vacas gordas ou dos sete anos favoráveis, das quais se deve guardar para as sete vacas magras ou para os sete anos desfavoráveis. TOURO incorpora muito essa ideia de acumular a riqueza, como uma espécie de intenção de preservar a VIDA. E neste sentido, fala-se que, enquanto A CASA 1 é a CASA DO EU ou do corpo, a CASA 2 é a CASA DO “Meu” ou do dinheiro. Num sentido geral, todas as acumulações, sejam físicas ou até psicológicas, que trazem saúde e acumulam em condições de preservar a VIDA e, portanto, não só necessariamente a questão estritamente material está, assim, relacionada à ideia da CASA 2. Assim com o CORPO tem necessidades básicas, também tem posses que lhe são próprias e necessárias, roupas a gente pode emprestar até certo ponto. Contudo nem sempre servem em todo mundo, a escova de dente, por exemplo, é uma das posses mais difíceis de emprestar; então, pela própria consequência da dimensão do corpo, existem algumas posses que dificilmente são transferíveis. Neste sentido, nós encontramos na ASTROLOGIA ressonância com a resposta clássica de Platão, ou seja, pelo sentido da genuína posse individual como uma extensão DO EU. Por outro lado, quando a posse vira uma prótese da personalidade, como o carro novo servindo para esconder às vezes as condições psicológicas difíceis do seu motorista. Quando a personalidade não está bem trabalhada e quer impressionar pelo dinheiro, aí esse substitutivo é destruidor. Neste caso, ao invés da posse se justificar pelo uso, ela vira uma compensação, uma espécie de pretensão, até de exaltação da personalidade e, portanto, nós encontramos uma área conflitiva no sentido da posse. Infelizmente na civilização globalizante do capitalismo selvagem essas deformações às vezes acontecem e parecem até ser incentivadas, e depois, obviamente, não deveria nos surpreender por que as pessoas ficam tão apegadas à materialidade. Por outro lado, o oposto da CASA 2 é a CASA 8, que é a CASA DA MORTE. Sabemos que no momento da morte nós somos obrigados a nos desapegar das nossas coisas. Dizia Jiddu Khrisnamurti (1895-1986) que o MEDO da MORTE não é exatamente o medo do desconhecido. Tendo em vista que muitas vezes o desconhecido é até atraente e desperta nossa curiosidade, masque o MEDO da MORTE está associado à perda do conhecimento, ao qual nós estamos apegados. Portanto, se houvesse DESAPEGO, não haveria MEDO da MORTE. A CASA 8 corresponde ao SIGNO DE ESCORPIÃO, que segundo a lenda, se não injetar o veneno no adversário, injetá-lo-á em si mesmo, por isso todas as lutas de ESCORPIÃO são de VIDA ou MORTE. Assim, a CASA 8 também caracteriza todas as preocupações com o além, com o post-mortem e também com sua regeneração ou ressurreição espiritual, se eu puder assim colocar. Como a viam também os antigos egípcios, que ao invés de usar exatamente o ESCORPIÃO como símbolo do OITAVA SOGNO, usavam a águia que voa mais alto olhando diretamente para o SOL. Então, a CASA 8 tem sido chamada a CASA DA MORTE e da REGENERAÇAO e representa o uso das posses coletivas. Portanto, também apresenta as heranças, porque o que não fica conosco tampouco deveria ser desperdiçado, e terá que passar para alguma outra pessoa. No momento DA MORTE, as posses que eram minhas necessariamente serão repassadas para outra pessoa. A ideia de HERANÇA está também associada a administração do coletivo. Por isso se a CASA 7 é a CASA DO “TU”, ou do CASAMENTO e das associações, a CASA 8 seria a CASA DO “NOSSO”, porque é a posse coletiva, é a posse da associação. Ela está, portanto, caracterizada por conceder às pessoas que nascem sob sua influência, por exemplo, com o SOL na CASA 8, certos dons administrativos. Tal posição corresponderá, pelo HORÁRIO DE NASCIMENTO, ao intervalo entre as 14 e as 16 horas, aproximadamente. A CASA 8 está relacionada ao interesse pela tradição ou herança cultural, mas de alguma forma com o saber administrar, saber lidar com as heranças e com as posses coletivas. Além disso, é preciso saber lidar com as proibições da CASA 8, que está ligada à morte e às proibições dos tabus, bem como às limitações que muitas vezes surgem até por superstição do que acontecerá após a MORTE, isso ou aquilo. Relacionado à CASA 8 temos também as oportunidades coletivas, que o rito social das heranças culturais oferece, uma herança de costumes, e não apenas a herança financeira. Frequentemente, filhos que têm o SOL na CASA 8 são, de alguma forma, uma herança viva das culturas daquela família, ou puxam mais alguma tradição dos pais ou sua profissão. Por outro lado, é muito comum o SOL na CASA 8 favorecer as pessoas que querem levar alguma luz sobre o ambiente da MORTE, levar o SOL à CASA DA MORTE. E, portanto, não é incomum ver essas pessoas ligadas a profissões que lidam com situações terminais, como por exemplo um médico. Também as pessoas que lidam com os tabus e as limitações da mente humana, e aí nós encontramos os psiquiatras, os psicólogos. Além disso, as atividades da CASA 8 podem ser de natureza religiosa, ética ou assumem a administração do rito social e da herança cultural nessa área. A CASA 8 pode ainda estar relacionada à ideia da passagem de um certo tipo de poder, seja de natureza sexual, seja de natureza financeira, pois o ESCORPIÃO rege esses dois assuntos no ZODÍACO. AS CASAS são, eu volto a lembrar, a materialização do conceito abstrato dos DOZE TEMPERAMENTOS HUMANOS SIDERAIS, ou mesmo tropicais nos DOZE SIGNOS DO ZODÍACO, quando correspondem nas regiões da Terra, a partir da Linha do Horizonte e da Vertical do Lugar, elas se materializam nas CASA que correspondem as áreas da vida humana. É importante perceber que todo o processo da MORTE é um processo de renascimento num outro plano, numa outra dimensão, que os antigos alquimistas chamavam de ASTRAL ou BRILHANTE, porque, para os que tem a clarividência, tudo ali era radiante como uma estrela. As pessoas que têm o SOL na CASA 8, são geralmente muito interessadas pelo além-túmulo, pela questão parapsicológica, pela questão do post-mortem, e não é incomum que elas dediquem grande parte da sua VIDA a isso. Nós vamos encontrar também advogados e outros, que trabalham na questão das heranças e do encaminhamento dos bens. Todas essas áreas de atividade estão, de alguma forma, associadas à CASA 8, e estão relacionadas como OITAVO SIGNO, mas é pelo ângulo que o PLANETA faz com a Linha do Horizonte e, portanto, não pelo MÊS DO NASCIMENTO, mas pela HORA, que essa influência se faz sentir. Eu costumo insistir neste ponto porque as pessoas nem sempre percebem a importância da HORA NO HORÓSCOPO. A palavra HORÓSCOPO vem de HORA. Em grego HORÓSCOPO é a observação da HORA, como telescópio é a observação do distante, microscópio é observação do pequeno, do radical SCOPEIN que quer dizer observar. Assim, nó temos justamente uma sucessão natural, sendo as CASA 2 e a CASA 8 chamadas de SUCEDENTES. Passaremos agora a uma análise de DUAS CASAS CADENTES, que são a CASA 3 e a CASA 9. A CASA 3 está associada basicamente ao SIGNO DE GÊMEOS, é uma CASA de teste, bem como a CASA 9, por isso elas são chamadas CADENTES, porque o seu teste pode produzir uma queda. A CASA 3 representa o primeiro limite na expansão da personalidade. Se a personalidade, de alguma maneira, está assim associada ao EU do CORPO FÍSICO por identificação, e depois ao sentido de MEU na CASA das posses, quando chega a CASA 3, que é a chamada DOS IRMÃOS e do convívio com a vizinhança e com o meio ambiente. Então, é evidente que ela terá que enfrentar o desafio de aprender a dividir ou compartilhar com os irmãos as suas posses, como, por exemplo, um brinquedo. Lembro-me aqui da minha esposa que nasceu numa família de quatro irmãos. Ela era a mais velha e tinha que dividir a bicicleta que era um só. Então, seja a bola, a bicicleta, a boneca, de alguma forma a pessoa é obrigada a ter um limite. Refiro-me, portanto, a esse sentido de que a vizinhança e o meio ambiente trazem limitações ou desafios e que exigem uma adaptação por meio de um conhecimento empírico (que se baseia na experiência ou dela resulta). A CASA 3 está associada, dessa forma, a aprender a caminhar, a aprender a lei da gravidade, a aprender a lidar com as limitações do meio ambiente, no sentido até de subir numa árvore sem cair. No início da VIDA, esse conhecimento da TERCEIRA CASA é totalmente prático, e é por isso associado à ideia do ensino primário, menos abstrato. As pessoas que têm o SOL na CASA 3, por exemplo, são as que nasceram aproximadamente entre a meia-noite e as duas horas da madrugada. São pessoas que, normalmente, têm uma capacidade de ensinar, de comunicar, e não é incomum que se tornem professores. Gostam de conhecer as regras do jogo no desafio da VIDA e desenvolvem rapidamente o sistema nervoso e uma inteligência rápida. No convívio com o meio ambiente, adaptam-se facilmente às leis da natureza, no seu sentido mais empírico no início, e depois, às regras sociais de comunicação e, portanto, a todo um sentido mais pragmático de convívio com a vizinhança. A CASA 3 é por isso relacionada também com as leis do meio ambiente, com o ensino e a aprendizagem dessas leis, seja na escola propriamente dita, seja na ESCOLA DA VIDA com uma percepção de limites da expressão do CORPO no meio ambiente. A CASA 3 está ainda de certa forma relacionada àquele processo de desenvolvimento que começa com o impulso original do ideal do SER na CASA 1, que se expressa como “TER” na CASA 2. Mas precisa se ajustar e adaptar-se às leis da NATUREZA, do meio ambiente e do relacionamento com os irmãos e a vizinhança, temas próprios da CASA 3. Esta CASA 3 é uma CASA de relacionamento e contato pessoal direto, de experiências de cooperação com os outros, como o exemplo de uma criança, que assim pela primeira vez enfrenta o desafio de sair da esfera de sua casa e vai almoçar na casa do vizinho. Ou de conhecer os costumes da casa do primo, ainda esteja num pequeno círculo social. Não é um grande círculo de relacionamento social, como nós vamos encontrar na CASA 7 e principalmente na 11, e as CASA que correspondem aos SIGNOS DE AR são CASAS DE relacionamentos. A CASA 3, a 7 e a 9 correspondem aos SIGNOS DE GÊMEOS, LIBRA e AQUÁRIO, respectivamente. Portanto, a CASA 3 ser refere a relacionamentos com um ambiente relativamente mais restrito e está associada à ideia de pequenas viagens ou pequenos deslocamento. Observemos, também, as condições da CASA 9, que é oposta da 3. O SOL, por exemplo, ocuparia a CASA 9 se a pessoa nascesse aproximadamente entre o meio-dia e as 14 horas. A posição dos outros PLANETAS nós teríamos que calcular personalizadamente. O MAPA ASTRAL NATAL ou o HORÓSCOPO é calculado a partir da HORA DO NASCIMENTO DO INDIVÍDUO, considerando também a DATA COMPLETA, a cidade em que a pessoa nasceu. Pois nós precisamos da coordenada da Linha do Horizonte, e esse é um trabalho até certo ponto artesanal, um jornal, por exemplo, não poderia fazê-lo, porque tem que ser feito individualmente, principalmente a sua interpretação. Dessa forma, a interpretação da CASA 9 está associada a um conhecimento do coletivo, ela vai além daqueles tabus da CASA 8, ela vai além daquelas preocupações com o que se pode ou não fazer em VIDA e suas consequências após a MORTE. A CASA 9 vai questionar a busca do significado na VIDA, na filosofia, na religião, portanto ela busca o significado e a abstração das coisas. Ela está relacionada com o meio ambiente coletivo e o seu conhecimento enquanto tradição e no auto confronto com outras culturas e por isso associada às grandes viagens. Desta forma, as pessoas que têm o SOL ou outros PLANETAS importantes na NONA CASA gostam de viajar, seja fisicamente para confrontar outras culturas realmente distantes. E portanto, estamos falando em viagens de grandes distâncias, seja mentalmente pelo estudo das características e pensamento de outras culturas. A CASA 9 leva o indivíduo a fazer uma reavaliação do escopo mental, ele terá que abstrair os costumes de uma cultura e de outra e fazer uma reavaliação dos valores da relação com o ambiente coletivo. Assim, esta CASA está relacionada a longas viagens ou contatos com outras culturas, e à síntese de diversos dados em relação ao significado da VIDA e do COSMO. É a CASA que vem depois da CASA DA MORTE, e então  CASA 9 é chamada de a CASA DA RELIGIÃO e da FILOSOFIA, porque ela tenta investigar o significado da VIDA e o que está além, de um ponto de vista racional e filosófico, como é próprio do NONO SIGNO que é chamado SAGITÁRIO. SAGITÁRIO é o arqueiro e, no seu simbolismo, é um CENTAURO, um quadrúpede da cintura para baixo. Ele é o animal humano que busca o divino, que com a flecha tenta transcender a sua própria condição humana, embora da cintura para baixo ainda seja um animal quadrúpede. Ele é assim projetado a buscar o que está além. O SAGITÁRIO aponta para o centro da galáxia, e nesse sentido caracteriza essa busca do significado, do sentido de atingir o alvo num nível mais abstrato e filosófico. Assim, a CASA 9 que corresponde ao SAGITÁRIO se contrapõe a CASA 3, onde a busca do conhecimento é mais restrita à percepção de limites empíricos. Então, nós vamos verificar que a CASA 9 está associada a busca de um significado mais transcendente, está associada, portanto, à Universidade, ao conhecimento abstrato, ao conhecimento da mente superior, ou do ensino superior. Portanto, ela preocupa-se com a preparação de um código ideal de ética, de um código de costumes associado a uma compreensão do sentido da vida. Assim, Immanuel Kant (1724-1804), por exemplo, definiu o imperativo categórico, que nós somente deveríamos fazer as coisas que fôssemos capazes de aceitar que todos os outros também fizessem. Pode=se notar, na CASA 9, essa ideia de abstrair de uma cultura específica e buscar fazer uma LEI UNIVERSAL, é uma característica legislativa, por assim dizer, do idealismo desta CASA. A CASA que busca o significado da VIDA, chamada, assim, de CASA DA FILOSOFIA, da RELIGIÃO, ou das grandes viagens. Se a pessoa tiver diversos PLANETAS nesta CASA, ou que seja pelo menos o SOL, ela será mais focada nessa vocação específica do pensamento abstrato, filosófico, ou de organização de grandes estruturas. Por outro lado, a CASA 3 oportuniza um contato mais pessoal e aquela comunicação mais imediata, que favorece mais o professor, talvez, do ensino mais simples. Enquanto na CASA 9 nós temos o ensino mais rebuscado, mais relacionado a uma pesquisa mais intelectualizada na abstração. Os interesses  da CASA 3 que são empíricos (baseado na experiência e observação) e locais, são o conhecimento pelo nível de expressão da personalidade na sua infância, na relação com os irmãos, com o meio ambiente e a vizinhança. Outro conhecimento, vamos dizer, intercultural de diferentes tradições culturais e religiosas, e mesmo de outros continentes, representa a CASA 9. Esses dois conhecimentos, o empírico e o abstrato filosófico, são complementares, e o indivíduo precisa também encontrar o seu ponto de equilíbrio e convergência entre esses dois extremos. Livro A Ciência da Astrologia e as Escolas de Mistérios. Abraço. Davi

terça-feira, 10 de abril de 2018

A CAMINHO


Marabharata. Recontado por Khrisna Dharma. Capítulo Cinco. A CAMINHO - FAZENDO, REPENTINAMENTE, CARIDADES em grandes quantidades, os Kauravas ganharam os favores do povo. Também prepararam várias cerimônias de concessão de reconhecimento e títulos de honra a vários líderes cidadãos. Gradualmente, popularidade deles cresceu. Quando se aproximava a data do festival de Varanavata, Dritarastra fez com que alguns de seus ministros elogiassem a cidade na presença dos pândavas. Obedecendo ao rei, eles mencionaram a beleza do lugar, o clima ameno e o maravilhoso festival que logo seria celebrado. Os jovens pândavas se sentiram atraídos. Vendo que assim reagiam, Dritarastra lhes disse: Tenho ouvido muitos comentários fabulosos sobre Varanavata e suas inúmeras atrações. Normalmente, nós enviamos uma delegação para nos representar no festival, e pensei que, este ano, vocês cinco gostariam de ir. Serão umas férias muito agradáveis. Iudistira imediatamente entendeu o que estava acontecendo. Já notara como os kauravas estavam tentando obter a simpatia do povo com favores e caridades, e agora compreendia por quê. Para ele, era óbvio que algum plano malicioso estava a caminho, mas o príncipe sabia que não poderia fazer grande coisa, pois ele e seus irmãos não estavam numa posição favorável. O rei era simplesmente uma peça nos esquemas de Duriodhana, mas tinha controle sobre o tesouro, o exército e os ministros. Assim, seria inútil e talvez até perigoso confrontá-lo. Escondendo os sentimentos, Iudistira respondeu: Então que assim seja. Acho que vamos nos divertir em Varanavata. Duriodhana extasiou-se quando soube que os pandavas tinham concordado em partir e falou secretamente com um confidente próximo, chamado Purochana, instruindo-o a que fosse para Varanavata logo. Construa uma casa de materiais altamente inflamáveis, mas que pareça perfeitamente norma. Instale os pandavas lá e, quando estiverem bem estabelecidos e abrirem a guarda (...). Duriodhana fez um sinal que indicava fogo. Purochana sorriu e entendeu, ao que Duriodhana complementou: Este mundo e toda a sua riqueza estão sob o meu comando. Você não vai sentir falta de nada. Agora vá e cumpra minhas ordens. Dependo totalmente de você. Purochana juntou alguns artesãos de confiança e logo seguiu para Vara navata. Poucos dias mais tarde, os pandavas se preparavam para partir também. Despediram-se dos anciãos e dos cidadãos tristes, que não queriam que eles viajassem. Apesar dos recentes feitos de caridade dos Kauravas, os gentis pandavas ainda eram os que o povo amava mais profundamente. Muitas pessoas suspeitavam de algum atentado da parte dos kauravas. Enquanto os pandavas subiam em seus carros para partir. Duriodhana ficou ao lado dos irmãos, acenando adeus. Ó filhos de Pandu, que os deuses possam abençoá-los no seu caminho. Que nenhum perigo se aproxime de vocês. E os pandavas, junto com a mãe, saíram da cidade, acompanhados por uma grande multidão. Os cidadãos imploravam aos irmãos que ficassem em Hastinapura, censurando Dritarastra por enviá-los naquela viagem. Mas Iudistira parou o carro, logo depois dos portões da cidade, e se dirigiu ao povo com estas palavras: Caros amigos, Dritarastra é o rei. É nosso pai, preceptor e superior. Temos que obedecer às suas ordens sem questionar. Essa é a lei eterna dada por Deus. Voltem agora para suas casas. Quando chegar a hora, vocês poderão nos oferecer seu apoio. O povo regressou à cidade, hesitante, mas Vidura se aproximou para falar com Iudistira. E lhe falou numa linguagem que só mesmo os dois poderiam compreender. Por meio de seus espiões, o ministro chegara a saber do plano de Duriodhana. Entretanto, da mesma forma que Iudistira, não achava sábio se opor abertamente ao rei. Pegando o braço de Iudistira, sussurrando, disse: O fogo não pode atingir aquele que se esconde num buraco ou no meio da floresta. Mesmo oprimido por inimigos, aquele que domina seus próprios sentidos nunca será vencido. Na verdade, chegará a governar o mundo. Iudistira assentiu, demonstrando que entendera. O ministro kuru, então, abençoou os irmãos e se despediu deles e de Kunti. Quando já estavam a alguma distância da cidade, Iudistira contou à mãe e aos irmãos o que Vidrua lhe tinha dito: Ele confirmou minhas suspeitas. É claro que Duriodhana maquinou um plano para nos matar de alguma forma, aparentemente pelo fogo. Nossos tio nos deu uma pista, por meio da qual poderemos escapar. Apreensivos, eles seguiram para Varanavata e lá chegaram no começo da noite. Um grande número de cidadãos saiu às ruas para saudá-los, felizes por conhecerem os famosos filhos de Pandu. A chegada foi uma festa, com milhares de pessoas dirigindo carros de todos os  tipos, sacudindo bandeiras e tocando música. Os anciãos da cidade  saudaram os irmãos e os levaram ao centro da cidade, onde conheceram Purochana. Este lhes disse que, sob as ordens do rei, estava construindo uma mansão especialmente para a estadia do rei, estava construindo uma mansão especialmente para a estadia deles na cidade. Os irmãos trocaram olhares significativos, mas não disseram. Em duas semanas a mansão ficou pronta, e Purochana lhes apresentou o grande prédio com um sorriso. Tudo foi feito para o conforto de vocês, ó príncipe. Não sentirão falta de nada, e eu mesmo morarei aqui para servi-los melhor. Quando Purochana saiu, Iudistira chegou perto de uma parede e bateu levemente. Esta casa foi totalmente construída com materiais altamente inflamáveis, disse ele aos irmãos. Vocês não sentem o cheiro de òleo e laca? Sem dúvida, o pecador Purochana pretende nos matar pelo fogo. Ele é apenas um instrumento de Duridhana. O grande sábio Vidura nos advertiu adequadamente desse perigo. Bima roncou de raiva. Então vamos logo sair daqui. Já estou farto de Duriodhana! Temos que dar um jeito nele. Iudistira balançou a cabeça. Não, ainda não está na hora. O que podemos cinco fazer contra o estado de Hastinapura, agora efetivamente sob o controle de Duriodhana por intermédio do pai de vontade frágil? iudistira também  rejeitou a sugestão de que deveriam fugir de Varanavata. Se fugirmos, Duriodhana saberá que descobrimos seu plano e enviará um monte de espiões para nos procurar e matar de qualquer forma. O melhor que podemos fazer é ficar aqui, por enquanto. Não devemos mostrar tampouco que sabemos de algo e ser especialmente cautelosos com Purochana. Se ele suspeitar que o descobrimos, fará qualquer coisa para nos destruir. Os pandavas, sempre obedientes ao irmão mais velho, concordaram. Recordando-se das palavras de Vidura, Iudistira disse: Precisamos cavar um túnel sob esta casa. Se ela pegar fogo, poderemos nos abrigar e fugir por ele. Então, Iudistira sugeriu que passassem os dias explorando as áreas circunvizinhas e, quando a oportunidade surgisse para fugirem, já conheceriam os arredores. Dois dias depois de se mudarem para a mansão, que Purochana chamou de "Casa Abençoada", um estranho chegou e quis falar com eles. Sou um mineiro experiente. Foi Vidura quem me mandou aqui, dizendo que vocês me dariam um bom trabalho. Falando na mesma linguagem discreta usada por Vidura quando ele avisara Iudistira, o mineiro lembrou-os daquele incidente. Iudistira, de início desconfiado que aquele fosse outro ttuque de Duriodhana, logo afastou a desconfiança e abraçou calorosamente o mineiro. Que bom vê-lo, senhor! Qualquer amigo de Vidrua é nosso amigo também. Iudistira contou-lhe acerca da casa e do plano de Purochana de queimá-los vivos. O mineiro disse que construiria um túnel da mansão até os bosques mais próximos. Acho que posso terminá-lo em um mês. Também acredito que Purochana vai esperar bem mais que um mês antes de atacar. Naturalmente, quer se assegurar de que vocês  fiquem completamente à vontade. Iudistira concordou, e o mineiro logo começou seu trabalho, cavando num local escondido dentro da casa. Os dias e as semanas iam e vinham, e os pandavas passavam a maior parte do tempo passeando e familiarizando-se com os bosques que cercavam a mansão. Marcaram uma estrada que saia da cidade com pedaços de pano branco, que seriam visíveis à noite. Mais de um mês se passou. Os irmãos e sua mãe pareciam estar claros e à vontade, mas estavam sempre em alerta, esperando a próxima jogada de Purochana. Um deles sempre ficava acordado à noite, atento a quaisquer sons incomuns, e as armas estava sempre  à mão. Percebendo que Purochana não suspeitava de nada e confiava que eles estavam à vontade, Iudistira disse aos irmãos, uma noite: Acho que deveríamos agir agora, antes que Purochana tenha oportunidade. Vamos nós mesmos atear fogo a esta casa, queimando aquele homem falso com ela. O túnel está pronto e já podemos escapar por ele, para que as pessoas pensem que morremos queimados. Iudistira sabia que a notícia de suas supostas mortes logo chegaria a Hastinapura. Assim, eles poderiam viajar por todo o país sem medo de ser perseguidos. Se permanecessem incógnitos, podeiam sair de Varanavata e pensar no próximo passo a ser dado. No dia seguinte, o festival foi celebrado. Kunti preparou grande quantidade de comida para distribuir aos pobres e carentes da cidade. E a Providência Divina fez com que uma mulher e seus cinco filhos chegassem à mansão. Eles comeram quanto quiseram e beram uma grande quantidade de vinho. Logo ficaram bêbados e caíram, adormecidos. Incapaz de despertá-los, os criados os deixaram onde estavam. Quando todos já tinham saído da mansão naquela noite, os pandavas se recolheram. Purochana também fora dormir no lugar de sempre, num quarto perto da porta da saída. Lá fora, caía uma tempestade, e em seus aposentos os pandavas esperavam silenciosamente que Purochana adormecesse profundamente. Então, um a um, eles entraram no túnel, colocando Kunti no meio. Bima esperou até que todos estivessem no túnel; então, pegando uma tocha, ateou fogo à casa, começando pela porta. Depois, correu para o túnel, e dentro de poucos instantes a mansão estava em chamas. Purochana não teve oportunidade de escapar, pois a casa rapidamente se tornou um inferno. Uma multidão de cidadãos, despertos no meio da noite pelos ruídos da conflagração, saiu às ruas. Quando viram a casa dos pandavas cercada de labareda, choraram e gritaram de tristeza. Depois que as chamas diminuíram, eles jogaram água no chão fumegante e entraram nas ruínas. E encontraram os corpos queimados da mulher da tribo e de seus cinco filhos. Acreditando que fossem os restos mortais de Kunti e dos pandavas, lamentaram-se por longo tempo, gritando: Ah, esta é com certeza mais uma maldade do perverso Duriodhana! Sempre invejoso dos primos generosos, ele não hesitou em destruí-los! Com certeza seu pai cego também é cúmplice desse crime; senão, como é que isso poderia ter acontecido? Os cidadãos reconheceram os materiais inflamáveis com que a casa tinha sido construída. Ajudando-os na busca no meio das cinzas, o mineiro se assegurou cuidadosamente de que o túnel não fosse encontrado. E mensageiros foram, então, enviados a Hastinapura para informar os kurus da tragédia. Capítulo Seis. A PRINCESA QUE NASCEU DO FOGO - EM HASTINAPURA, OS MENSAGEIROS DE VARANAVATA trouxeram a notícia da suposta morte dos pandavas. Dritarastra soluçava, triste. Genuinamente triste, pois sua aflição originava-se do sentimento de culpa. Ele segurava a cabeça e chorava: Hoje é que o meu querido irmão Pandu, que vivia por meio dos filhos, morrreu. Este é um dia negro para os kurus. O rei instruiu para que se fizesse uma cerimônia fúnebre. Milhares de cidadãos, chorando, entraram nas águas do rio Ganges para ofertar flores às almas que haviam partido. Lamentavam-se terrivelmente, chamando alto os nomes de Kunti e de seus filhos. Bishma se mostrou particularmente aflito, isolando-se em seus aposentos para chorar sozinho. Duriodhana e os irmãos deram ostensivas demonstrações de tristeza, lamuriando-se sem cessar, mas internamente se rejubilavam. Vidura não se mostrou muito triste, mas sabia que não podia revelar a verdade a ninguém, Até mesmo Bisma, que era favorável aos pandavas, certamente contraria ao rei que eles estavam salvos, e haveria muita perturbação e tensão em Hastinapura. Seria melhor aguardar até que o Senhor revelasse um momento mais oportuno. Os pandavas viveram um tempo em Ekachacra. Apresentando-se como brâmanes, ganhavam a vida pedindo esmolas. De dia, percorriam a aldeia coletando esmolas. Voltavam ao anoitecer e Kunti preparava a refeição, dividindo a comida em duas partes - metade para Bima e metade para todos os outros. Enquanto os pandavas viviam em Ekachacra, um brâmane viajante pernoitou na casa deles e lhes contou histórias que ouvira em suas viagens. Souberam, então, que em breve haveria uma cerimônia de swayamvara na capital do rei Drupada, na qual sua filha escolheria um marido. O brâmane descreveu a filha de Drupada, Draupadi: Essa nobre moça é de uma beleza incomparável. E não nasceu como qualquer mulher mortal. Todos os reis do mundo comparecerão ao swayamvara de Draupadi. Fascinados, os pandavas pediram ao brâmane que lhes falasse mais sobre Draupadi. Esta história começa, na verdade, com o nascimento de Drena, o brâmane respondeu, e tem suas raízes ou relacionamentos entre o grande achária e o poderoso rei Drupada. O brâmane narrou a história do desentendimento entre Drona e Drupada, que os pandavas conheciam tão bem. Eles se mantiveram em silêncio enquanto o brâmane relatava como eles tinham derrotado Drupada. Depois disso, o rei se foi, espumando de indignação. Ele queria se vingar de Drona. Compreendendo que somente outro brâmane poderoso poderia se igualar a Drona e vencê-lo, entrou na floresta para procurar um. Encontrou dois irmãos brâmanes, chamados Yaja e Upayaja. Quando lhes perguntou se poderiam fazer com que tivesse um filho que vencesse Drona, eles aceitaram fazer um sacrifício para esse fim. Drupada e sua esposa se sentaram no momento do sacrifício, observando enquanto os dois irmãos faziam as oferendas ao grande fogo. Então, ante seus olhos atônitos, um jovem surgiu no fogo. Vestido com armadura de ouro, o guerreiro resplandecente imediatamente subiu no carro e circulou por ali, gritando e brandindo o arco. Uma voz celestial anunciou que ele tinha nascido para destruir Drona, e foi-lhe dado o nome de Dristadiúmna. Logo após, uma moça também surgiu do fogo. Com a pele clara como um lótus azul, era linda como a deusa da fortuna. Seus olhos eram escuros e seus cabelos caiam em cachos negros. Emanava uma fragrância doce, tinha a cintura bem fina, seus lábios eram sensuais e seus membros delicados. Ouviu-se novamente a voz celestial: Esta  beleza divina será a melhor das mulheres. Cumprindo o propósito dos deuses, ela provocará a morte de incontáveis guerreiros. O brâmane também lhes contou que Drona, mesmo sabendo que o rapaz tinha nascido para matá-lo, o aceitara o na sua academia e lhe ensinara a ciência das armas. Quando o brâmane terminou de falar, os pandavas ficaram em silêncio. A mente deles viajava até o passado. Sabendo que seu amado guru Drona seria morto, e também escutando a descrição de Draupadi, celestialmente adorável, ficaram pasmos e sentiram que falar, naquele momento, seria supérfluo. Naquela noite, depois que se retiraram para descansar, Kunti falou aos filhos. Vendo que estavam ansiosos, disse-lhes: Nós já vivemos aqui por um longo tempo. Acho que deveríamos agora partir para o reino de Drupada, Panchala. Iudistira concordou. Tanto ele quanto seus irmãos queriam muito ir ao swayamvara de Draupadi. Mas ele se lembrou do aviso de Viasadeva: O rishi nos pediu que o esperássemos aqui até que ele voltasse. No momento em que pronunciou o nome de Viasadeva, o sábio repentinamente apareceu perto deles. Todos logo o reverenciaram, ajoelhando-se a seus pés, e ele disse: Entendi o desejo de suas mentes e vim aqui vê-los. Vocês certamente devem ir a Panchala para o swayamvara de Draupadi. O sábio também disse que Arjuna deveria participar do concurso para ganhar a mão de Draupadi. A princesa é uma noiva e tanto. Na verdade, ela está destinada a se casar com vocês. Iudistira falou: Ó rishi onisciente, iremos logo para Panchala. Viasadeva então se despediu de Kunti e dos irmãos e, no dia seguinte, eles partiram para a cidade de Drupada, Kampilia, a capital de Panchala. Caminhando pelas estradas dia e noite, iam na direção norte. Depois de três dias de viagem, chegaram ao rio Ganges. Já era noite, e andavam iluminados pela tocha que Arjuna carregava. Quando se aproximaram do rio, foram repentinamente interpelados por alguém que lhes gritou de dentro da escuridão. Alto lá! vocês não podem seguir adiante. Sou Angaraparna, um chefe gandarva que está se banhando neste rio. É durante a noite que os seres celestiais como nós usam o rio; os homens devem se banhar somente de dia. Se vocês se aproximarem mais, correrão sério perigo. Sou poderoso e não tolerarei qualquer abuso. Arjuna colocou a tocha em várias direções e finalmente viu o gandarva à sua frente, sentado num carro de ouro. Dando um passo à frente, ele riu e falou: Ó tolo, desde quando o rio Ganges pode ser fechado a qualquer pessoa e a qualquer hora? Isso é totalmente contrário aos princípios religiosos. Só mesmo uma pessoa ignorante ou sem nenhum poder acataria seu aviso. Quanto a nós, não damos a mínima para as suas palavras. Angaraparna ficou furiosos. Imediatamente pegou seu arco e atirou inúmeras flechas, que sibilavam como serpentes venenosas. Arjuna não se perturbou: aparou algumas das flechas com o escudo que tinha numa das mãos e outras com a própria tocha. Sempre rindo, falou: Ó gandarva, não tente intimidar aqueles que são os melhores nas armas. Você está desperdiçando seu tempo. Mas, por ser um ente celestial, lutarei contra você com armas celestiais. Prepare-se para receber a Agneyastra, o míssil do deus do fogo! Elevando a tocha, Arjuna recitou alguns mantras para invocar o poder da arma celestial. Então, atirou a tocha contra Angaraparna. Carregada de poder místico, a tocha explodiu contra o carro do gandarva e o reduziu a cinzas. Atônito, este caiu de cabeça no chão. Arjuna o levantou pelos cabelos, que estavam adornados com guirlandas de flores, e o levou aos pés de Iudistira. A esposa de Angaraparna, chocada, correu até Arjuna e lhe pediu,  de mãos postas, que liberasse o marido. Iudistira sorriu para Arjuna e falou: Ó herói, quem mataria um inimigo que é vencido na batalha, indefeso, de quem lhe tiram a honra e ainda por cima protegido por uma mulher? Deixe-o ir. Arjuna libertou Angaraparna: e sua esposa correu até ele e respingou água em seu rosto. O gandarva se levantou e disse a Arjuna, em voz baixa: Daqui por diante renuncio a meu orgulho, uma vez que fui humilhado por um homem. Ainda assim, considero uma sorte ter conhecido heróis como vocês, que comandam armas divinas. Vocês me devolveram a vida, e desejo lhes dar alguma coisa em troca. Angaraparna, então, concedeu a Arjuna o poder de ver qualquer coisa, assim como sua natureza essencial, que existisse no mundo. Também lhe ofereceu o poder de criar ilusões durante uma batalha. Além disso, ainda lhe darei cavalos que podem  galopar na velocidade do pensamento. Por favor, aceite estes presentes, ó homem sem pecados. Arjuna juntou as mãos e respondeu: Não posso aceitar nada em troca de sua vida. Os Vedas ordenam que não se mate uma pessoa perturbada e, além disso, meu irmão me ordenou que o libertasse. Portanto, este era o meu dever. Livro Mahabharata - Versão Comentada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.