Autobiografia
de Um Iogue – Paramahansa Yogananda (1893-1952). Capítulo 3. O SANTO DE DOIS
CORPOS. PAPAI, SE EU PROMETER VOLTAR PARA CASA DE LIVRE e espontânea vontade,
poderei fazer uma excursão a Benares? Meu pai raramente punha obstáculos ao meu
acentuado amor por viagens. Permitiu-me, ainda menino, visitar muitas cidades e
lugares de peregrinação. Em geral, um ou dois amigos me acompanhavam,
viajávamos confortavelmente com passes de primeira classe, fornecidos por
papai. Sua posição de alto funcionário na ferrovia era bastante satisfatória
para os nômades da família. Papai prometeu estudar meu pedido. No dia seguinte,
chamou-me e deu-me uma passagem de ida e volta de Bareilly a Benares, algumas
notas de rupia e duas cartas. Tenho um negócio a propor a um amigo em Benares,
Kedar Nath Babu. Infelizmente perdi seu endereço, mas acredito que você poderá
lhe entregar esta carta por intermédio de nosso amigo em comum. Swami
Pranabananda. Esse Swami, que é meu condiscípulo, alcançou elevada estatura
espiritual. A companhia dele lhe será benéfica; esta segunda carta lhe servirá
de apresentação. Piscando um olho, papai acrescentou: Lembre-se, nada de fugir
de casa novamente! Parti com o entusiasmo de meus doze anos (embora a idade
nunca tenha diminuído meu prazer em ver novas paisagens e rostos
desconhecidos). Ao chegar a Benares me dirigi imediatamente à residência do
Swami. A porta de entrada estava aberta; subi a um quarto, longo como um
corredor, no segundo andar. Um homem robusto, usando apenas uma tanga, estava
sentado em posição de lótus, numa plataforma pouco acima do chão. Sua cabeça
tinha sido raspada e a face sem rugas, barbeada; um sorriso de beatitude
pairava em seus lábios. Para banir meu pensamento de estar sendo um intruso,
cumprimentou-me como a um velho amigo. Baba anand (bem-aventurança para o meu
querido). Suas boas-vindas foram expressas calorosamente, com voz infantil.
Ajoelhei-me e toquei-lhe os pés. O senhor é Swami Pranabananda? Ele moveu a
cabeça afirmativamente. Você é o filho de Bhagabati? Suas palavras foram ditas
antes que eu tivesse tempo de retirar do bolso a carta de papai. Espantado,
estendi-lhe a carta de apresentação, que agora parecia supérflua. Naturalmente
localizarei Kedar Nath Babu para você. O santo de novo me surpreendeu por sua
clarividência. Passou os olhos pela carta e fez algumas referências afetuosas a
meu pai. Sabe, estou desfrutando duas aposentadorias. Uma, por recomendação de
seu pai, para quem já trabalhei na ferrovia. Outra, por recomendação de meu Pai
Celestial, para quem terminei conscientemente meus deveres terrenos nesta vida.
Achei muito obscura esta última frase. Senhor, que tipo de aposentadoria recebe
do Pai Celestial? Ele atira dinheiro no seu colo? O Swami riu. Refiro-me a uma
aposentadoria de paz insondável, recompensa por muitos anos de meditação
profunda. Agora não anseio mais por dinheiro. A satisfação de minhas escassas
necessidades materiais está sobejamente garantida. No futuro você entenderá o
significado de uma segunda aposentadoria. Terminando a conversa de repente, o
santo imobilizou-se, sério. Um ar de esfinge o envolveu. A princípio, seus
olhos brilharam como se observassem algo interessante, depois se tornaram
opacos. Seu mutismo deixou-me desconcertado; ele ainda não havia dito como eu
poderia encontrar o amigo de papai. Um tanto inquieto, circunvaguei o olhar
pelo quarto vazio; exceto por nós, estava deserto. Meus olhos errantes pousaram
em suas sandálias de madeira, que estavam sob o estrado. Senhorzinho (1), não
se preocupe. O homem que gostaria de ver estará aqui em meia hora – O iogue
estava lendo meu pensamento, um feito não muito difícil naquele momento! Novamente ele se interiorizou num silêncio
impenetrável. Quando meu relógio indicou a passagem de trinta minutos, o Swami
saiu de seu silêncio. Acho que Kedar Nath Babu está se aproximando da porta –
disse ele. Ouvi alguém subindo as escadas. Um misto de incompreensão e espanto
surgiu em mim; meus pensamentos voavam, confusos. Como é possível que o amigo
de meu pai tenha sido chamado aqui sem o auxílio de um mensageiro? Desde que
cheguei, o Swami só falou comigo! Sem cerimônia, abandonei o quarto e desci a
escada. A meio caminho encontrei um homem magro, de pele clara e de média
estatura. Parecia estar com pressa. O senhor é Kedar Nath Babu? A agitação dava
colorido à minha voz. Sim. E você não é o filho de Bhagabati que está esperando
por mim? Ele sorriu amigavelmente. Senhor, como lhe ocorreu vir aqui? Eu sentia
frustração e ressentimento por não poder explicar sua presença. Hoje tudo é
misterioso! Há menos de uma hora, eu estava saindo do banho no rio Ganges
quando Swami Pranabananda se aproximou. Não tenho a menor ideia de como soube
que eu me achava ali àquela hora. Ele me disse: O filho de Bhagabati está à sua
espera em meu apartamento. Pode vir comigo? Concordei alegremente. Caminhamos
lado a lado, mas o estranho é que o Swami, com suas sandálias de madeira, tomou
a dianteira, apesar de eu estar calçando estes sapatos resistentes. Quanto
tempo levará para chegar à minha casa? Pranabananda parou de súbito para
fazer-me esta pergunta. Cerca de meia hora. Ele me olhou enigmaticamente. Tenho
outra coisa para fazer agora, vou deixa-lo para trás. Nós nos encontraremos em
minha casa, onde o filho de Bhagabati e eu estaremos à sua espera. Antes que eu
pudesse responder, ele passou por mim velozmente e desapareceu entre a
multidão. Vim para cá o mais depressa possível. Esta explicação apenas aumentou
meu assombro. Perguntei há quanto tempo ele conhecia o Swami. Nós nos
encontramos algumas vezes no ano passado, mas não recentemente. Foi com prazer
que o revi no ghat de banhos esta manhã. Não posso crer no que ouço! Estarei
ficando louco? O senhor encontrou Pranabananda numa visão ou realmente o viu,
tocou-lhe a mão e escutou o ruído de seus passos? Não sei onde está querendo
chegar! Ele ficou rubro de indignação. Não estou mentindo. Não pode compreender
que só por intermédio do Swami eu poderia ter sabido que você me esperava aqui?
Pois eu lhe asseguro que esse homem, Swami Pra nabanada, não se afastou de
minha vista um só instante desde que entrei aqui há uma hora. Contei-lhe toda a
história, repetindo a conversa que tivera com o Swami. Ele arregalou os olhos.
Estamos vivendo nesta era materialista ou estamos sonhando? Nunca esperei
testemunhar tal milagre em minha vida! Julguei que o Swami era apenas um homem
comum e agora descubro que pode materializar um corpo extra e agir com ele.
Entramos juntos no quarto do santo. Kedar Nath Babu apontou com o dedo para o
calçado sob o estrado. Olhe, são as mesmas sandálias que ele usava no ghat –
segredou-me. E vestia apenas uma tanga, exatamente como agora. Quando o
visitante se inclinou diante dele, o santo voltou-se para mim com um sorriso
divertido. Por que se espanta com tudo isso? A sutil unidade do mundo dos
fenômenos não se acha oculta aos verdadeiros iogues. Eu vejo e converso
instantaneamente com meus discípulos na distante Calcutá. Eles também podem
transcender à vontade qualquer obstáculo de matéria densa. Foi provavelmente
para avivar o ardor espiritual em meu jovem peito que o Swami condescendeu em
falar-me de seus poderes de rádio e televisão astrais (2). Mas, em vez de
entusiasmo, senti apenas terror. Talvez porque eu estivesse destinado a
empreender minha busca divina sob a orientação de determinado guru – Sri
Yukteswar, a quem ainda não havia encontrado – não me senti disposto a aceitar
Pranabananda como meu instrutor. Olhei-o com desconfiança, conjecturando se era
ele ou seu segundo corpo o que eu tinha à minha frente. O mestre procurou
dissipar minha inquietude lançando-me um olhar de alento espiritual e dizendo
algumas palavras inspiradoras sobre seu guru. Lahiri Mahasaya foi o maior iogue
que conheci. Ele era a própria Divindade revestida de carne. Se um disciípulo,
refleti, pode materializar uma forma carnal extra à vontade, que milagres não
estarão ao alcance de seu mestre? Vou lhe dar uma ideia do quanto é inestimável
a ajuda de um guru. Eu costumava meditar com outro discípulo durante oito
horas, todas as noites. Tínhamos de trabalhar no escritório da ferrovia durante
o dia. Eu desejava dedicar todo o meu tempo a Deus, e tinha dificuldade em
cumprir meus deveres diurnos. Durante oito anos perseverei, meditando metade da
noite. Obtive maravilhosos resultados, tremendas percepções espirituais me
iluminaram a mente. Mas sempre um véu delgado persistia entre mim e o Infinito.
Mesmo fazendo esforços sobre humanos, a união irrevogável e final me era
negada. Certa noite, fiz uma visita a Lahiri Mahasaya e supliquei sua divina
intercessão. Continuei a importuná-lo a noite toda. Angélico guru, minha
angústia é tanta que não posso mais suportar a vida sem ver o Bem-amado Supremo
face a face. Que posso fazer? Você precisa meditar mais profundamente. Estou
apelando a Ti, ó Deus meu Mestre! Vejo-te materializado à minha frente em corpo
físico, abençoa-me para que te possa perceber em teu aspecto infinito! Lahiri
Maharasaya estendeu a mão num gesto afável: Agora você pode ir e meditar.
Intercedi por você junto a Brahma (3). Em estado de elevação incomensurável,
voltei para casa. Ao meditar, naquela mesma noite, alcancei o ardente Ideal de
minha vida. Agora desfruto incessantemente da aposentadoria espiritual. Desde
aquele dia o Criador Beatífico nunca mais ficou oculto de meus olhos por trás
do véu da ilusão. A face de Pranabananda irradiava luz divina. A paz de um outro
mundo penetrou em meu coração: todo o medo voara para longe. O santo fez ainda
outra confidência: Alguns meses depois voltei a visitar Lahiri Mahasaya e
tentei agradecer por me haver concedido a dádiva infinita. Na mesma ocasião
mencionei outro problema. Guru divino, não posso mais trabalhar no escritório.
Por favor, liberte-me. Braham me mantém constantemente inebriado. Peça sua
aposentadoria à Estrada de Ferro. Que razão invocarei, se tenho poucos anos de
serviço? Diga o que sente. No dia seguinte fiz o requerimento. O médico
procurou saber que fundamento havia para a solicitação prematura. Durante o
trabalho experimento uma sensação avassaladora subindo pela espinha dorsal,
permeando meu corpo inteiro e me incapacitando para o cumprimento dos deveres
(4). Sem mais perguntas, o médico me fez alta recomendação para a
aposentadoria, que recebi sem demora. Sei que a vontade divina de Lahiri
Mahasaya operou através do médico e dos chefes da ferrovia, seu pai inclusive.
Eles obedeceram automaticamente à direção espiritual do grande guru e me
deixaram livre para uma vida de ininterrupta comunhão com o Bem-amado. Depois
dessa extraordinária revelação, Swami Pranabananda mergulhou num de seus longos
silêncios. Quando me despedi, tocando-lhe os pés com reverência, ele me deu sua
bênção. Sua vida pertence à senda da renúncia e da yoga. Uma dia ainda o verei
juntamente com seu pai. Os anos trouxeram a confirmação destas duas previsões
(5). Kedar Nath Babu caminhava a meu lado na escuridão crescente. Entreguei-lhe
a carta de meu pai e meu companheiro a leu sob um lampião na rua. Seu pai
sugere que eu aceite um emprego no escritório da ferrovia em Calcutá – Índia.
Que agradável é a perspectiva de ter pelo menos uma das aposentadorias de que
goza Swami Pranabananda! Mas é impossível; não posso sair de Benares.
Infelizmente, ainda não tenho dois corpos! REFERÊNCIAS: (1) Alguns santos
indianos usavam a expressão Choto Mahasaya ao se dirigirem a mim. Ela significa
“senhorzinho” – little sir. (2) A ciência física está, por seus próprios
métodos, confirmando a validade de leis descobertas pelos iogues por meio da
ciência mental. Por exemplo, na Universidade de Roma – Itália, em 26 de
novembro de 1934, foi demonstrado que o homem possui poderes de clarividência.
O doutor Giuseppe Calligaris, professor de neuro psicologia, comprimiu certas
partes do corpo de um indivíduo, que descreveu minuciosamente pessoas e objetos
situados atrás de uma parede. O doutor Calligaris disse aos outros professores
que quando certas áreas de pele são estimuladas a pessoas adquire percepção
extra sensorial, tornando-se capaz de ver objetos que, de uma maneira, não
poderia perceber. Para fazer o indivíduo discernir objetos situados atrás de
uma parede, o doutor Calligaris comprimiu um ponto no lado direito do
tórax durante quinze minutos. Afirmou o
doutor Calligaris que quando certos pontos do corpo são estimulados as pessoas
podem ver objetos a qualquer distância, mesmo no caso de nunca terem visto tais
objetos antes. (3). Deus em seu aspecto de Criador, da raiz sânscrita Brih,
expandir. Quando o poema BRAHMA, de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), foi
publicado no Atlântic Mountly em 1857, a maioria dos leitores escandalizou-se.
Emerson riu ironicamente: Digam Jeová em lugar de Brahma e não sentirão perplexidade
alguma. (4). Em meditação profunda, a primeira experiência do Espírito é
percebida no altar da espinha dorsal e depois no cérebro. Uma torrente de
bem-aventurança domina o iogue, mas ele aprende a controlar suas manifestações
exteriores. Na época de nosso encontro, Pranabananda era, de fato, um mestre
plenamente iluminado. Mas os últimos anos de sua vida profissional haviam
ocorrido muitos antes, quando ele ainda não se estabelecera irrevogavelmente em
nirbikalpa samadi. Nesse perfeito e imutável estado de consciência, o iogue não
encontra dificuldade em desempenhar seus deveres mundanos. Depois que se
aposentou, Pranabananda escreveu Pranah Gita, profundo comentário sobre o
Bhagavad Gita, publicado em híndi e bengali (línguas hindus). O poder de aparecer
em mais de um corpo é um siddhi (poder iogue) mencionado nos Yoga Sutras de
Patanjali. É o fenômeno da bi locação, registrado na vida de muitos santos
através dos séculos. A. P. Schimberg, em The Story of Therese Neumann, descreve diversas ocasiões em que essa santa cristã
apareceu a pessoas distantes que necessitavam de sua ajuda e com elas
conversou. Livro Autobiografia de Um Iogue – Parahamsa Yogananda. Abraço.
Davi
segunda-feira, 30 de abril de 2018
segunda-feira, 16 de abril de 2018
ISRAEL - 70 ANOS.
Judaísmo. www.morasha.com.br.
Texto do jornalista e escritor Zevi Ghivelder. Queiram os
historiadores ou não; queiram os acadêmicos ou não; queiram os cientistas
políticos, analistas, jornalistas e intelectuais ou não; queiram os
antissemitas ou não; queiram os antissionistas ou não, mas o ressurgimento de
um Estado Judeu em sua terra de origem foi um dos mais extraordinários
acontecimentos históricos de todos os tempos. O parágrafo acima não é uma
calorosa exaltação em busca de aplauso, mas o rigor de uma sóbria verdade.
Agora, quando o Estado Israel celebra os primeiros 70 anos de sua soberania,
identificado com judeus mundo afora, deve-se tecer uma importante consideração.
De todos os países que foram criados no planeta depois da 2ª Guerra Mundial,
nenhum deles, nenhum mesmo, com pouco mais ou pouco menos de 70 anos de
existência, alcançou como Israel um nível tão elevado na economia, na
infraestrutura civil e militar, em múltiplas ciências, na tecnologia e na
informática, nas artes e na cultura, na igualdade de gêneros, no bem-estar
social e na prática da democracia. Conforme se procede em toda sólida
construção, a recriação do Estado Judeu contou com fundações e pilares, sendo
estes constituídos por ações individuais e coletivas. A primeira fundação para
o erguimento da morada ancestral do povo judeu foi fixada em agosto de 1897
quando da realização do Primeiro Congresso Mundial Sionista, na Suíça, sob a
liderança de Theodor Herzl (1860-1904). A segunda fundação
corresponde à emissão pelo império britânico da Declaração Balfour (1917), de
mais de cem anos atrás. Trata-se de uma carta elevada à condição de documento,
tanto assertiva quanto evasiva, mas que causou impacto por dar legitimidade ao
incipiente movimento sionista e, assim, promover a sua inserção no cenário
internacional. Por isso até hoje suscita polêmicas, quase sempre redundantes. A
terceira fundação se assentou na declaração também centenária, da partilha da
antiga Palestina, em 1947, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Mas, nessa
crucial etapa ocorreu uma ainda irreparável fissura. Os países árabes
rejeitaram a resolução. Impediram que os palestinos residentes no território
que lhes caberia criassem seu próprio estado independente e, dessa maneira,
deram origem ao conflito que há 70 anos perdura entre eles e Israel. Nos
pilares individuais avulta um homem excepcional e inigualável: Eliezer
Ben Yehuda (1858-1922). Nascido Eliezer Perelman, na Lituânia,
em 1858, ele foi o artífice do renascimento do idioma hebraico, naquele tempo
restrito aos rituais litúrgicos. Sionista ardente desde a juventude, formulou
um conceito tão simples quanto imbatível: se o sionismo de fato viesse a
resultar numa nova nação judaica, era imperativo que incorporasse à sua
ideologia um novo idioma, ou seja, o hebraico, antigo idioma dos patriarcas,
profetas e reis do povo de Israel. Com vinte anos de idade,
Ben Yehuda foi para Paris com a finalidade de estudar medicina.
Porém, contraiu tuberculose e foi obrigado a abandonar a faculdade, ao mesmo
tempo em que se juntou a um grupo de jovens sionistas. Ao lado deles e junto
com a mulher partiu para a antiga Palestina em 1881. Instalou-se em Jerusalém e
em sua casa só se falava hebraico. Seu filho, mais tarde o escritor Itamar
Ben Avi (1882-1943), foi a primeira criança daquela época a ter o
hebraico como idioma materno, fora poucos descendentes de antigas gerações de
judeus que jamais emigraram da Terra Santa. Ao lado de outros intelectuais,
Ben Yehuda fundou uma sociedade chamada Tehiat Israel (Renascimento
de Israel) cujo ideário tinha uma consistente visão do futuro para a nova
nação: expansão das atividades agrícolas, expansão da população produtiva,
criação de raízes literárias a partir do ressurgimento do idioma hebraico,
estímulo às pesquisas científicas e uma postura política tão nacional quanto
universal. Ele começou a trabalhar na elaboração de um dicionário hebraico, mas
foi expulso de Jerusalém pelas autoridades turcas, como um “inimigo nacional”,
ao eclodir a 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Passou um ano nos Estados
Unidos e regressou à Palestina em 1919. Participou, então, da criação da
Academia da Língua Hebraica destinada a formular palavras em hebraico que se
adaptassem às modernidades do cotidiano. No ano seguinte avistou-se com Sir
Herbert Samuel (1870-1963), Alto Comissário britânico para a Palestina,
convencendo-o de que a Palestina deveria adotar três línguas oficiais: inglês,
árabe e hebraico. Essa proposta consumou-se num decreto dois anos depois. Nesse
tempo Ben Yehuda trabalhava dezoito horas por dia em seu “Dicionário
de Hebraico Antigo e Moderno” que foi concluído por sua viúva e seus filhos,
sendo publicado em 1959 com um total de 17 volumes. No prefácio do dicionário,
escreveu: “É como se os céus se tivessem subitamente aberto; uma luz brilhou
perante meus olhos e uma poderosa voz interior me disse que haveria uma nova
língua numa nova pátria”. Sua obsessão frutificou após cerca de 30 anos,
chegando ao ápice de Shmuel Yossef Agnon (1888-1970), escritor no idioma
hebraico, ter sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1966. Eliezer
Ben Yehuda faleceu no dia 16 de dezembro de 1922, em Jerusalém. Um
dos pilares coletivos da recriação de Israel tem como protagonista o ishuv,
ou seja, os judeus que se radicaram em Eretz Israel (Terra
de Israel) ou ali nasceram durante a ocupação otomana ou no Mandato Britânico,
e antigos residentes. Um relatório publicado pela autoridade imperial inglesa,
datado de 1922, é da maior relevância: “Durante as últimas duas ou três
gerações os judeus criaram uma comunidade composta por 80 mil habitantes, dos
quais um quarto se dedica às atividades agrícolas. Esta comunidade tem suas
próprias instituições: uma assembleia que trata dos assuntos internos;
conselhos eleitos em quase todas as cidades; um Rabino Chefe incumbido das
questões religiosas junto com conselhos rabínicos regionais; um órgão
controlador das escolas; os negócios são conduzidos no idioma hebraico; há
veículos de imprensa no mesmo idioma e um intenso movimento intelectual.
A atividade econômica desta comunidade é crescente”. O ishuv se
dividia informalmente em duas entidades que atuavam em conjunto. De um lado, os
responsáveis eleitos para a administração pública com a tarefa de preservar e
ampliar a ordem social e econômica. De outro, a Organização Sionista inserida
no âmbito da Agência Judaica, oficialmente reconhecida pelos mandatários como a
única representante dos judeus da Palestina. Ambas tinham como objetivo o
renascimento da nação judaica. Na verdade, naquela quadra dos acontecimentos,
os judeus já sedimentavam a estrutura de um país mesmo sem possuir um país.
O ishuv se configurava como uma democracia parlamentar,
abrigando uma assembleia nacional eleita para um mandato de quatro anos. Essa
eleição estendeu o direito de voto às mulheres, uma raridade no mundo da
segunda década do século 20. Havia também um poder executivo e um sistema
judiciário. Este surpreendente cenário de organização social e econômica
continha radicais controvérsias políticas que, de forma esquemática, podem ser
rotuladas como esquerda, centro e direita, a par de um bloco religioso. Essas
controvérsias permaneceram até a recriação de Israel e se desenvolvem até os
dias atuais nos mesmos formatos e intensidade. Dentre os legados do ishuv,um dos
mais importantes é a fundação, em 1920, da Histadrut, a
Federação dos Trabalhadores Judeus da Palestina, depois dos Trabalhadores de
Israel. Com quase cem anos de idade é uma das organizações sindicais mais
bem-sucedidas do mundo em função da abrangência de suas atividades. Outro
pilar coletivo muito importante corresponde à equipe de agentes do ishuv que
ocupou diversos aposentos de um hotel situado no número 60 da rua 14 Leste, em
Nova York. Era um grupo de rapazes empenhados na tarefa de comprar armas e
munições para o estado que seria criado. Contido, tratava-se uma operação
secreta, obrigada a despistar o FBI, porque a legislação americana aceitava
vender equipamentos excedentes da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), porém proibia
que fossem destinados a quaisquer outros países. Entre sustos sofridos por
causa da vigilância das autoridades americanas e missões bem finalizadas, a
ação desses agentes do “Hotel 14”, conforme chamavam seu quartel-general, foi
fundamental para abastecer o futuro exército de Israel. A par do que ocorria em
Nova York, um homem extraordinário, chamado Al
(Adolf) Schwimmer (1917-2011), agia na Califórnia. Nascido no
Brooklyn, Nova York, em 1917, foi piloto da Força Aérea dos Estados Unidos
durante a 2ª Guerra Mundial. Judeu convicto, procurou por iniciativa própria o
pessoal do “Hotel 14”. Custou a ganhar a confiança dos agentes até conseguir
convencê-los de que o novo país não teria chance alguma de combater os árabes
se não contasse com um mínimo de capacidade militar no ar. Foi mandado para a
Califórnia onde, após artimanhas e superando complicadas burocracias, comprou
antigos aviões de diversos portes. Em seguida, recrutou um grupo de pilotos
judeus, também veteranos de guerra, e cumpriu a proeza, contrariando as leis
americanas, de fazê-los voar primeiro para o México, uma escala no Panamá, outra
escala e reabastecimento no aeroporto de Natal, no Brasil, novos
reabastecimentos na África e na Europa, até concluir a viagem em Lidda,
perto de Tel Aviv. A ação de Schwimmer resultou nos
primórdios da Força Aérea de Israel, que cumpriu missões decisivas para
assegurar a vitória judaica na Guerra da Independência, com destaque para uma
delas, em julho de 1948, quando os pilotos de Schwimmer dizimaram uma
coluna de blindados egípcios que se aproximava de Tel Aviv.
AlSchwimmer regressou para os Estados Unidos no ano seguinte. Foi acusado
como transgressor do Ato de Neutralidade Americano, por ter contrabandeado
aeronaves para fora do país. Teve cassado seu direito de voto, dos benefícios
como veterano de guerra e condenado a pagar uma multa de 10 mil dólares, mas
sem pena de prisão. Sugeriram-lhe que tudo seria relevado se pedisse um perdão
oficial ao presidente. Ele se recusou. Disse que, como judeu, ajudar a criação
do Estado de Israel era uma obrigação moral; quanto ao contrabando, argumentou
que se tratava de uma desobediência civil também baseada em princípios morais.
Em 1950, voltou para Israel atendendo a um chamado de Ben Gurion que
o incumbiu de instalara Israel Aerospace Ind ustries (Indústrias
Aeroespaciais de Israel), até hoje uma referência mundial nessa
modalidade. Schwimmer foi o diretor-executivo desta empresa durante
meio século e, nos anos 1980, atuou como conselheiro industrial e de tecnologia
do primeiro-ministro Shimon Peres de quem se tornou íntimo amigo. Em 2001,
recebeu um perdão oficial do presidente Bill Clinton (1946- ) e, em
2006, o prestigioso Prêmio Israel. Faleceu em 2011, aos 94 anos de idade, em
sua residência em Ramat Gan. Se a expressão “pai da pátria” deixar
seu conceito abstrato e buscar um exemplo concreto, há de encontrá-lo de sobra
na figura de Al Schwimmer. No dia 13 de maio de 1948, David
Ben Gurion (1886-1973) estava reunido em Tel Aviv com
seu Estado Maior, o Conselho responsável pelos destinos do futuro país. Seus
integrantes estavam acabrunhados por causa do massacre sofrido pela população
judaica da localidade de Etzion. Ben Gurion, entretanto, foi
enfático: “A catástrofe de Etzion não me abala. Eu já esperava
derrotas e receio que ainda enfrentaremos maiores dificuldades. Tudo mudará
quando conseguirmos derrotar a maior parte da Legião Árabe. É pelas armas que
resolveremos todos os problemas”. Parecia um exagero, mas aquelas palavras
empolgaram o Conselho, pessimista em face da evidente fragilidade da força
militar com que contavam. Em seguida surgiram indagações cruciais. Onde e como
proclamar a independência? No palco e plateia do Teatro Habima ou no
Museu de Tel Aviv? Alguém disse que embora o Habima fosse
maior, o local oferecia pouco sigilo e pouca segurança. Optou-se pelo Museu.
Mas, qual seria o nome do país? Como seria redigida a declaração de
independência? Alguns membros do Conselho propuseram Estado Judeu. Outros,
simplesmente Sion. Até que houve consenso: Israel. Seguiu-se outro debate:
como incluir as fronteiras do novo país na declaração, já que estas ainda
estavam indefinidas? Mais uma vez prevaleceu a voz de Ben Gurion: “Leiam a
declaração de independência dos Estados Unidos. Verão que nela não há uma só
alusão a fronteiras territoriais. Depois que derrotarmos os árabes poderemos
precisar nossas fronteiras”. Na votação referente à questão das fronteiras,
cinco conselheiros foram contra a definição, quatro a favor e quatro se
abstiveram. A reunião terminou de madrugada, ficando decidido que um pequeno
grupo, liderado por Moshe Sharret (1894-1965), se encarregaria
de redigir a declaração. Neste mesmo dia 13 de maio, enquanto os mandatários
ingleses fechavam suas bagagens para uma viagem sem retorno, a população
de TelAviv era uma só ansiedade por conta das expectativas
desdobradas nas semanas recentes e sem saber como, quando e aonde começariam os
preparativos para o histórico evento da proclamação da independência. Sabia-se,
tão somente, que aconteceria assim que o último militar inglês deixasse o porto
de Haifa. Havia um grande sentimento de pressa por causa de um prazo
fatal: o Shabat (sábado sagrado) no entardecer do dia
seguinte. Os convites para a cerimônia começaram a ser distribuídos por
mensageiros na manhã do dia 14, sendo endereçados a entidades e instituições,
sem menção a pessoas: “Temos a honra de convidá-lo para assistir à cerimônia da
declaração de Independência que será realizada no dia 5 de Yiar de
5708 (14 de maio de 1948), às 16 horas, no salão do Museu
de Tel Aviv, Boulevard Rothschild, número 16. Pedimos que
mantenha em sigilo o conteúdo deste convite quanto à hora e ao local. Os
convidados deverão estar no Museu às três e meia da tarde. Atenciosamente, o
Secretariado. Este convite é pessoal. Traje: social escuro”. O secretariado era
na verdade um só secretário, Zeev Sharef (1904-1984), diretor
administrativo da Agência Judaica. Em condições normais o convite deveria ser
assinado por Ben Gurion, mas o tempo era exíguo. Ben Gurion não
gostou do texto que lhe foi submetido pelo grupo de Sharret. Achou que
aquele primeiro rascunho se perdia em excessos de diplomacia e ele preferia
algo mais contundente, mais conciso e mais objetivo. Fez as
alterações que julgou necessárias e mandou o texto para Zeev Sharef,
recomendando que fosse feito um bom número de cópias para serem posteriormente
entregues à mídia. Mas, não era possível guardar um segredo de tal magnitude.
Os jornais matutinos do dia 14 publicaram que a Kol Israel, emissora
oficial de rádio, transmitiria a sessão da independência ao vivo, às quatro da
tarde. A polícia começou a isolar a cercania do Museu uma hora antes. Isto
serviu para atrair a curiosidade da população que ali logo começou a se
aglomerar. De manhã cedo, Sharef havia convocado o designer
Abraham Rifkind que, dois anos antes, tinha preparado um salão na Basiléia
para a realização do 22o Congresso Mundial
Sionista. Rifkind revelou numa entrevista, anos depois, que a sua
primeira ideia era que a declaração fosse escrita num rolo de pergaminho, tal
como a Torá. Para isso buscou um escriba na comunidade ortodoxa de B’nei Barak,
mas este declinou, dizendo que não daria tempo de terminar até as quatro da
tarde porque cada vez que escrevesse o nome de D’usseria obrigado a cumprir o
ritual de se levantar e lavar as mãos. Em seguida, Rifkind chamou um
artista plástico seu amigo, deu-lhe uma sofrida quantia em dinheiro, para que
ele comprasse os materiais e elaborasse adereços condizentes com a solenidade
que aconteceria no salão do Museu. Recomendou que o amigo não comprasse tudo
numa só loja, para não levantar suspeitas. No Museu os funcionários foram
dispensados com ordem para regressarem às 15 horas, sem terem a menor noção do
que iria acontecer. No salão, o artista contratado trabalhava com um
carpinteiro, um pintor e também decorador, uma costureira e uma faxineira para
polir o assoalho. De início, mandou fazer bandeiras de diversos tamanhos. Eram
panos brancos com duas linhas paralelas em azul e, no meio, uma estrela de
David da mesma cor. Não eram bandeiras oficiais porque a verdadeira só foi
adotada pelo governo em outubro do mesmo ano. Aquelas ali confeccionadas se
destinavam a cobrir esculturas e pinturas com nus artísticos, pouco apropriados
para o local e para a ocasião. Enquanto isso, Rifkind procurava um
pergaminho no qual seria escrita a declaração e uma fotografia
de Herzl que deveria ser colocada acima da mesa principal. Encontrou
numa loja da Rua Dizengoff, onde encontrou um papel sintético, tipo
pergaminho, que parecia genuíno e deu-se ao preciosismo de levá-lo para análise
no Instituto de Padrões. Só sossegou quando lhe garantiram que o papel poderia
durar alguns séculos. Obteve fotografias em tamanho pequeno
de Herzl e a maior de todas, em bom estado, carecia no seu entender
de imponência. Assim, mandou fazer uma grande molduranegra de modo a
aumentar a percepção visual da fotografia. O pergaminho contendo o texto da
declaração estava nas mãos de Sharef no escritório da
entidade Keren Kayemet, em Tel Aviv, de onde ele
providenciava táxis para os líderes sionistas que deveriam comparecer à cerimônia.
Só se esqueceu dele mesmo e da mulher que o acompanhava. Os dois ficaram
isolados no meio de uma rua e sem a menor chance de obter uma condução. Aflito,
procurou um policial e pediu-lhe que parasse um táxi. Um motorista obedeceu,
mas se recusou a transportar o casal: “Desculpe, mas eu tenho que estar em casa
às quatro horas para ouvir no rádio a declaração da Independência”. Ao
que Sharef respondeu: “Se você não nos levar até o Museu não vai
ouvir nada porque a declaração está aqui comigo”. O taxista partiu em disparada
e, como sempre, nessas horas os contratempos se acumulam. Por causa do excesso
de velocidade, um policial mandou o táxi parar e já ia aplicar a multa
quando Sharef se deu conta da poderosa realidade que Eretz Israel estava
vivendo naquele momento: “Os ingleses foram embora e aqui ainda não há um
governo. Quem vai cobrar essa multa”?. Pouco antes das quatro da tarde, dezenas
de automóveis começaram a afluir ao Museu, com prioridade para os signatários
da declaração, entregue por Sharef a Ben Gurion, o último a
chegar, acompanhado da mulher, Paula. Mostrava impetuoso vigor a caminho de 62
aos de idade, a serem completados em outubro. Foi saudado por aplausos das
pessoas junto ao Museu. Por causa do sol forte e dos flashes dos
fotógrafos, Paula tropeçou na escada e caiu, machucando a vista. Por isso
passou todo o tempo da cerimônia com um copo de água gelada na mão e nele
mergulhando um lenço que, em seguida, levava ao olho direito. Às 16 horas em
ponto, Ben Gurion começou a ler a declaração. Foram 17 minutos no
decorrer dos quais leu 979 palavras no idioma hebraico. Em seguida, chamou o
rabino Yehuda Fishman, de 74 anos, trazido de Jerusalém
para Tel Aviv, num pequeno avião, porque a estrada entre as duas
cidades já estava bloqueada pelo exército da Jordânia. O rabino recitou,
embargado pela emoção: “Bendito seja D’us, Rei do Universo, que nos manteve,
nos conduziu e nos trouxe até este dia”. Finda a oração,
Ben Gurion anunciou o primeiro decreto que seria emitido pelo novo
país: estava anulado o White Paper, o documento de 1939 que
impedia a entrada de judeus na sua própria terra. Tinha acabado de renascer,
com plena soberania, o Estado de Israel, pátria dos judeus. As manifestações de
júbilo exalavam por todo o país, mas Ben Gurion sequer sorria.
Avaliava o débil potencial militar de que a nova nação dispunha e cedia ao
pessimismo. À noite, em casa, disse para Paula: “Sou um consternado entre os
exultantes”. Em seus 70 anos de vida, entre conflitos menores e nem por isso
desprezíveis, Israel enfrentou duas grandes guerras que traumatizaram o país: a
dos Seis Dias, em 1967, e a do Yom Kipur, em 1973. Sobre a
Guerra dos Seis Dias circulam dezenas de livros e milhares de ensaios,
entrevistas e reportagens. Há uma corrente de analistas, jornalistas e
escritores que sustentam que este conflito mudou o perfil sociológico do país,
na medida em que os israelenses tomados pela euforia da vitória em três frentes
de batalhas e em tão pouco tempo, passaram a se superestimar e até mesmo a
cultivar arrogância. É pouca verdade. Cheguei a Israel no sétimo dia da guerra,
no primeiro voo que partiu de Paris para Tel Aviv. Presenciei, sim,
grandes manifestações de alegria dos soldados que voltavam para suas casas nos
mais diversos veículos militares. Vi bandeiras de Israel ornamentando fachadas,
janelas e varandas em Tel Aviv e Jerusalém. Porém, também vi os
jornais com dezenas de páginas de anúncios fúnebres, nos quais mulheres
choravam as mortes de maridos, pais choravam as mortes de filhos e filhos
choravam as mortes de pais. Vi, também, o país inteiro angustiado com
o pidion shvuim, o resgate dos prisioneiros de guerra. O povo
judeu de Israel não havia perdido seu senso de humanidade e solidariedade. Fiz
a cobertura jornalística da Guerra do Yom Kipur, que praticamente
acompanhei desde o início, tendo permanecido, então, 40 dias em Israel. Como
Ariel Sharon, general de carreira e depois primeiro-ministro, ainda é uma
personalidade controvertida, as paixões ideológicas, tanto dentro como fora de
Israel, relutam em conferir-lhe o papel vital que ele desempenhou naquele
conflito. Não é exagero afirmar que Sharon salvou Israel de uma catástrofe,
quando atravessou com suas tropas o canal de Suez e se posicionou na direção do
Cairo depois de capturar a cidade egípcia de Suez. Aquele foi o momento de
maior perigo vivido pelo Estado de Israel desde a sua fundação. A propósito da
travessia do canal de Suez, tomei conhecimento dessa audaciosa manobra militar
através do porta-voz do exército com o qual mantinha bom relacionamento. Ele me
disse que não divulgaria a notícia de imediato porque ainda lhe faltavam dados
mais precisos e deu-me um conselho: “Vá até o Hospital Hadassah, em
Jerusalém, para onde foram levados soldados feridos na travessia. Conversando
com eles, você terá uma boa ideia de como tudo aconteceu”. Na mesma hora rumei
para o Hadassah, onde fui recebido pelo diretor de relações públicas que
me abriu todas as portas para as entrevistas que precisava fazer. Eu já estava
para ir embora, por volta de seis horas da tarde, com pressa para escrever a
matéria, quando aquele funcionário me parou: “Espere um pouco porque o
Danny Kaye está vindo aqui para entreter os soldados”. O grande
comediante e astro do cinema chegou visivelmente cansado porque já tinha estado
em outros hospitais, de norte a sul do país, cumprindo a missão voluntária de
levantar o moral dos militares fora de combate. Minha adolescência tinha sido
enriquecida pelos filmes estrelados por Danny Kaye (verdadeiro nome
Daniel Kaminsky nascido no Brooklyn em 1911) e foi emocionado que apertei
sua mão. Passei a percorrer o hospital ao seu lado. Ele parava junto a um leito
onde havia um soldado ferido e dizia: “Vou falar com teu médico para te mandar
para casa depois de amanhã”. Ou então, para outro: “Quando você tirar essa
bandagem da cara vai ficar irresistível”. Até que paramos junto a um leito no
qual estava deitado um rapaz de uns vinte anos, sem o braço direito e sem a
metade da perna esquerda. No primeiro momento, era uma visão tão dolorosa, que
o Danny Kaye não soube o que dizer. Foi o jovem quem falou:
“Danny Kaye, que grande surpresa! Você é um artista que eu adoro!
Desculpe, mas sou obrigado a lhe dar a mão esquerda”. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
sexta-feira, 13 de abril de 2018
O CORAÇÃO DE UMA IMAGEM DE PEDRA.
Amigos
do Mosaico.
Por
motivo de viagem (16 a 29/4) não poderei fazer as pesquisas para as postagens
no blog. Será meu (Hamadan, Yom Kipur, Kumbh Mela) descanso espiritual. Espero
voltar as atividades, se Deus assim o permitir, a partir de 30 de abril. Que a
Imaculada Conceição Maria, Nossa Senhora – Mãe Divina, Mestra e Rainha do
Universo continue abençoando os leitores, fazendo-os evoluir pela Senda
Espiritual. “Até que todos cheguemos a unidade da fé, e ao conhecimento do
Filho de Deus, a homem perfeito, a medida da estatura completa de Cristo”. Que possamos nos esforçar para imitar os homens perfeitos como: Krishna, Muhammad, Massiach, Buda, Shantideva, Shankara, Abravam, Moshe, Jesus,
Ishaqu, Yaqub, Dawud, São Francisco de Assis, Santa Tereza D’ávila, São João da
Cruz, Isa, Yusuf, Shu’aib, Ayyub e tantos outros mestres e santos que
alcançaram o samadhy (iluminação, despertar) divino.
Autobiografia
de Um Iogue – Paramahansa Yogananda (1893-1952). Capítulo 22. O CORAÇÃO DE UMA
IMAGEM DE PEDRA. COMO LEAL ESPOSA HINDU, não quero me queixar de meu marido.
Mas gostaria muito que ele mudasse suas opiniões materialistas. Ele tem prazer
em ridicularizar os retratos dos santos em minha sala de meditação. Querido
irmão, tenho muita fé em sua ajuda. Fará isso? Suplicante, minha irmã mais
velha, Roma, olhava para mim. Eu estava fazendo uma breve visita à sua casa em
Calcutá – Índia, situada na Girish Vidyaratna Lane. Seu apelo me comoveu
porque, na infância, Roma exercera profunda influência espiritual sobre mim e
amorosamente tentara preencher o vazio deixado no círculo familiar com a morte
de mamãe. Amada irmã, certamente farei tudo o que puder. Sorri, ansioso por
afastar a tristeza visível em sua face, em contraste com sua expressão
habitualmente tranquila e alegre. Roma e eu oramos silenciosamente por alguns
momentos, em busca de orientação. Fazia um ano que minha irmã havia pedido que
a iniciasse em KRYA YOGA, na qual estava fazendo progressos notáveis. Tive uma
inspiração. Amanhã – eu disse – vou ao templo de Kali em Dakshineswar. Por
favor, venha comigo e convença seu marido a nos acompanhar. Sinto que nas
vibrações daquele santo lugar a Divina Mãe lhe tocará o coração. Mas não revele
o motivo pelo qual queremos que ele vá conosco. Minha irmã concordou, cheia de
esperança. Muito cedo, na manhã seguinte, tive a satisfação de encontrar Roma e
seu marido prontos para a viagem. Enquanto nossa carruagem rangia ao longo da
Upper Circular Road para Dakshineswar, meu cunhado, Satish Chandra Bose,
divertia-se escarnecendo do valor dos gurus. Notei que Roma chorava
silenciosamente. Alegre-se, irmã! – murmurei. Não dê a seu marido a satisfação
de acreditar que levamos a sério suas zombarias. Mukunda, como pode admirar
impostores desprezíveis? Dizia Satish. A própria aparência de um sadhu é
repugnante: ou é magro como um esqueleto, ou tão profanamente gordo como um
elefante! Eu me sacudi de tanto rir, reação que aborreceu Satish. Ele se fechou
em silêncio, mal-humorado. Quando nossa carruagem entrou nos jardins do templo
de Dakshineswar, ele sorriu sarcasticamente. Esta excursão, suponho, seria um
plano para me converte? Como eu lhe desse as costas sem responder, ele segurou
meu braço. Jovem senhor Monge, disse – não se esqueça de tomar as devidas
providências com as autoridades do templo para que nos forneçam o almoço.
Satish desejava poupar-se de qualquer conversa com sacerdotes. Agora vou
meditar. Não se preocupe com o almoço – retruquei secamente. A Mãe Divina
cuidará dele. Não confio na Mãe Divina para me fazer nada. Mas o torno
responsável por minha comida. O tom de Satish era ameaçador. Caminhei sozinho
para o pórtico fronteiro ao grande templo de Kali (Deus sob o aspecto de Mãe
Natureza). Escolhendo um lugar na sombra junto a uma das colunas, sentei-me na
postura de lótus. Embora fossem apenas sete horas da manhã, o sol em breve
seria insuportável. O mundo foi-se distanciando à medida que eu me absorvia em
devoção. Minha mente concentrou-se na Deusa Kali. Sua estátua neste templo de
Dakshineswar fora objeto de especial adoração por parte do grande mestre Sri
Ramakrishna Paramahansa (1836-1886). Em resposta a seus ansiosos apelos, a
imagem de pedra frequentemente assumia forma viva e conversava com ele.
Silenciosa Mãe de pedra – rezei. Tu te encheste de vida pela súplica de teu
amado devoto Ramakrishna, por que não atendes também aos lamentos e súplicas
deste filho teu? Minha aspiração fervorosa foi aumentando ilimitadamente,
acompanhada de uma paz divina. Apesar disso, transcorridas cinco horas sem que
a Deusa que eu interiormente visualizava respondesse, senti-me um pouco
desanimado. Às vezes, a demora em atender as orações é uma prova a que Deus nos
submete. Ele, porém, mais cedo ou mais tarde se apresenta, assumindo a forma
adorada pelo devoto persistente. Um cristão devoto vê Jesus; um hindu vê
Krishna ou a Deusa Kali. Ou então uma Luz que se expande, se a adoração assumir
aspecto impessoal. Abri com relutância os olhos e vi que as portas do templo
estavam sendo fechadas por um sacerdote, de acordo com o costume, ao meio-dia.
Levantei-me de um isolado lugar no pórtico e fui para o pátio. A superfície de
pedra era um braseiro no sol a pino, meus pés descalços foram dolorosamente
queimados. Mãe Divina – protestei silenciosamente – Tu não vieste a mim em
visão e agora estás escondida no templo, por trás de portas fechadas. Eu queria
oferecer-te uma oração especial, hoje, em nome de meu cunhado. Minha petição
interna foi instantaneamente deferida. Primeiro, uma deliciosa onda refrescante
passou por minhas costas e foi até a sola dos pés, eliminando todo o
desconforto. Então, para minha surpresa, o templo ampliou-se prodigiosamente.
Sua grande porta abriu-se devagar, revelando a imagem de pedra da Deusa Kali.
Pouco a pouco a estátua transformou-se numa forma viva, acenando-me sorridente
em saudação, envolvendo-me, emocionado, em alegria indescritível. A respiração
foi retirada de meus pulmões, como se extraída por uma seringa mística; meu
corpo tornou-se muito quieto, embora não inerte. Em êxtase, minha consciência
se expandiu. Eu podia ver claramente vários quilômetros pra além do rio Ganges,
à minha esquerda, e distinguia por trás do templo os arredores completos de
Dakshineswar. As paredes de todos os edifícios bruxuleavam, transparentes;
através delas, em áreas distantes, observei pessoas indo e vindo. Embora não
respirasse e meu corpo se mantivesse em estado de estranha quietude, eu podia
mover mãos e pés livremente. Durante vários minutos experimentei fechar e abrir
os olhos; em qualquer caso, via distintamente o panorama inteiro de
Dakshineswar. A visão espiritual, como raios X, penetra toda a matéria; o olho
divino tem o centro em toda parte e a circunferência em parte nenhuma. De pé,
no pátio ensolarado, mais uma vez percebi que, ao cessar o homem de ser um
filho pródigo de Deus, de absorver-se num mundo físico de sonho, inconsistente
como bolha de sabão, ele herda novamente seu reino eterno. Se o escapismo é uma
necessidade do homem, apertado em sua estreita personalidade, pode qualquer
outra fuga comparar-se com esta para a onipresença? Em minha sagrada
experiência em Darkshineswar, os únicos objetos extraordinariamente aumentados eram
o templo e a forma de Deusa. Tudo o mais apareceu em suas dimensões normais,
embora cada objeto estivesse envolto num halo de tênue luz – branca, azul e
matizes pastel do arco-íris. Meu corpo parecia de substância etérea, pronto
para levitar. Tendo consciência perfeita do ambiente que me cercava, olhava à
minha volta e dava alguns passos sem perturbar a continuidade da beatífica
visão. Subitamente vislumbrei, atrás do templo, meu cunhado sentado sob os
galhos espinhosos de uma árvore sagrada bel. Sem nenhum esforço, podia
discernir o curso de seus pensamentos. Sua mente, um pouco elevada pela santa
influência de Dakshineswar, ainda se entregava a reflexões pouco amáveis sobre
mim. Voltei-me diretamente para a graciosa forma da Deusa. Mãe Divina – orei –
não podes modificar espiritualmente o esposo de minha irmã? A bela imagem, até
então silenciosa, finalmente falou: Teu desejo será concedido! Olhei, feliz,
para Satish. Apesar de instintivamente consciente de que algum poder espiritual
estaria em operação, ele se levantou, ressentido, de seu lugar no chão. Eu o vi
correr por trás do templo, aproximou-se de mim, sacudindo o punho. A visão que
tudo englobava desapareceu. Não pude mais ver a gloriosa Deusa; o templo perdeu
sua transparência e retomou às dimensões comuns. De novo meu corpo se derretia
sob os raios violentos do sol. Saltei para o abrigo do pórtico, onde Satish,
furioso, me perseguiu. Consultei meu relógio. Era uma hora da tarde; a visão
divina durara sessenta minutos (uma hora). Seu tonto – exclamou meu cunhado –
ficou aí sentado, de pernas cruzadas e de olhos vesgos, durante horas. Caminhei
de um lado para outro, observando-o. Onde está nossa comida? Agora o templo
está fechado; você não comunicou nossa presença às autoridades; é tarde demais
para providenciar nosso almoço! A exaltação espiritual que eu sentira com a
presença da Deusa continuava comigo. Exclamei: A Mãe Divina nos alimentará! De
uma vez por todas – gritou Satish – gostaria de ver sua Mãe Divina nos dar
comida aqui, sem combinação prévia! Assim que pronunciou essas palavras, um
sacerdote do templo atravessou o pátio e veio até nós. Filho, disse-me, estive
observando seu rosto serenamente iluminado durante horas de meditação. Vi a
chegada de seu grupo, pela manhã, e senti o desejo de guardar bastante comida
para seu almoço. É contra as regras do templo alimentar àqueles que não fizeram
um pedido antecipado, mas abri uma exceção para você. Agradeci e olhei
diretamente nos olho de Satish. Ele corou de emoção, abaixando o olhar em mudo
arrependimento. Quando nos serviram uma lauta refeição, que incluía mangas fora
da estação, reparei que o apetite de meu cunhado era escasso. Ele estava
confuso, profundamente mergulhado num oceano de pensamentos. Na viagem de volta
para Calcutá, Satish, com expressão mais suave, às vezes me dirigia um olhar de
súplica. Todavia, desde que o sacerdote aparecera e nos convidara para o
almoço, como em resposta a seu desafio, Satish não havia dito uma só palavra.
Na tarde seguinte, fui fazer uma visita à minha irmã. Ela me saudou muito
afetuosamente. Querido irmão – exclamou – que milagre! Ontem à noite meu esposo
chorou abertamente diante de mim. Amada Devi (1), disse ele, sinto-me feliz,
mais do que é possível expressar, porque o plano reformador de seu irmão operou
uma transformação. Vou desfazer todo o mal que já fiz a você. A partir desta
noite usaremos nosso grande dormitório unicamente como lugar de adoração; sua
saleta de meditação será nosso quarto de dormir. Lamento sinceramente ter
ridicularizado o seu irmão. Pela vergonhosa maneira como eu vinha agindo, vou
me punir não falando com Mukund até haver progredido no caminho espiritual.
Daqui por diante buscarei profundamente a Mãe Divina; algum dia, sem dúvida,
hei de encontrá-la! Anos mais tarde em 1936, visitei Satish em Nova Delhi,
capital da Índia. Fiquei incrivelmente feliz ao perceber que ele estava muito
adiantado em auto realização e que fora abençoado e que fora abençoado com uma
visão da Mãe Divina. Durante minha estada em sua casa, notei que Satish passava
secretamente a maior parte das noites em meditação profunda, embora sofresse de
grave moléstia e trabalhasse durante o dia em seu escritório. Veio-me o
pensamento de que a vida de meu cunhado não seria longa. Roma deve ter lido meu
pensamento. Querido irmão, disse ela, estou com saúde e meu marido está doente.
Contudo, desejo que você saiba: como dedicada esposa hindu, serei a primeira a
morrer (2). Logo partirei. Surpreendido por suas palavras de mau presságio,
senti, entretanto, seu ferrão de verdade. Eu estava nos Estados Unidos quando
minha irmã faleceu, cerca de 18 meses depois de sua previsão. Meu irmão mais
jovem, Bishnu, deu-me posteriormente os detalhes. Roma e Satish estavam em
Calcutá no dia da morte de nossa irmã – contou-me Bishnu. Naquela manhã, ela
vestiu seus trajes nupciais. Por que esta roupa especial? Perguntou Satish.
Este meu último dia de serviço para você na Terra, respondeu Roma. Pouco
depois, teve um ataque cardíaco. Como seu filho corresse para buscar auxílio,
ela disse: Filho, não me deixe. É inútil, terei partido antes que o médico
chegue. Dez minutos mais tarde, segurando os pés de seu esposo, em reverência,
Roma abandonou conscientemente o corpo, feliz e sem sofrimento. Satish
isolou-se muito, depois da morte de sua esposa, continuou Bishnu. Um dia, ele e
eu olhávamos uma fotografia em que Roma sorria. Por que sorri? Satish exclamou
repentinamente, como se sua esposa estivesse presente. Pensa que foi esperta em
ir antes de mim. Provarei que não pode permanecer muito tempo longe de mim:
logo estarei com você. Naquela época, apesar de Satish ter se restabelecido
inteiramente de sua doença e gozar de excelente saúde, morreu sem causa
aparente pouco depois de seu estranho comentário diante da foto. Assim,
profeticamente, ambos se foram, minha amada irmã Roma e seu esposo Satish –
transformado, em Dakshineswar, de um homem mundano como tantos outros, num
santo silencioso. REFERÊNCIA: (1). Deusa: literalmente, “a que brilha”, da raiz
do verbo sânscrito div, brilhar. (2). Uma esposa indiana acredita ser sinal de
desenvolvimento espiritual morrer antes de seu marido, como prova dos leais
serviços a ele prestados, ou seja, “morrer servindo”. Livro Autobiografia de Um
Iogue – Paramahansa Yogananda. Abraço. Davi
quinta-feira, 12 de abril de 2018
OS QUATRO GUARDIÃES - UM ESTUDO TALMÚDICO.
Judaismo. www.morasha.com.br.
Texto do Rabi Menachen Mendel, Likutei Sichot, Mishpatim (volume 31,17). OS
QUATRO GUARDIÃES: UM ESTUDO TALMÚDICO. Na porção de Mishpatim, no Livro de
Shemot (Êxodo), a Torá apresenta as leis dos Quatro Shomrim – os Quatro
Guardiães. O Shomer é aquele que é responsável por guardar a propriedade de
outro. A Torá menciona sucintamente as leis dos Quatro Guardiães, ao passo que
um dos Tratados do Talmud Bavli, Bava Metzia, discute e
elucida: “São quatro os guardiães: o não remunerado, o mutuário, o remunerado e
o locatário. O guardião não remunerado jura (sua inocência) e é completamente
isento, desobrigado. O mutuário paga integralmente. O guardião remunerado e o
locatário juram e ficam isentos de culpa pelo animal que quebrou a perna ou
morreu, mas eles pagam se o animal for perdido ou roubado” (Mishná, Bava
Metzia 93a).
Neste artigo, explicaremos as leis básicas dos Quatro Guardiães. Nosso
propósito é introduzir nossos leitores ao estudo do Talmud. Após discutirmos as
leis dos Quatro Guardiães, exploraremos sua dimensão mística. SHOEL, O MUTUÁRIO
OU TOMADOR. No grupo dos quatro guardiães, o Shoel, o mutuário,
assume o nível mais alto de responsabilidade pela propriedade de terceiros a
seu cargo. Isso é compreensível: o mutuário recebe algo que pertence a um
terceiro, em seu próprio benefício, sem pagar ou retribuir por isso. A Torá
espera que ele devolva o que tomou emprestado – um objeto (ou animal) – intacto
e sem danos. Se, enquanto estiver sob sua guarda, a propriedade tomada por
empréstimo for danificada, perdida ou arruinada, o tomador deve substituí-la ou
compensar pelo seu valor. Não importa a forma pela qual a propriedade foi
danificada ou perdida. Também é irrelevante se estava ao alcance do tomador
evitar essa perda ou dano. Ainda que o dano ou perda tenha sido causado por um
raio ou terremoto, cabe ao tomador reembolsar ao proprietário pela perda. Exemplificando:
Suponhamos que um homem de nome Shimon peça emprestado a seu vizinho Reuven o
carro deste último por uma semana. O vizinho concorda com o pedido. Shimon toma
o carro emprestado, mas não paga nada a Reuven pelo empréstimo. Se o carro for
danificado, roubado, perdido ou destruído enquanto estiver sob a guarda de
Shimon, este deverá reembolsar Reuven integralmente pela perda. Como Shimon é o
tomador, ele tem que pagar por qualquer infortúnio com o carro, mesmo se ele
for isento de culpa no ocorrido. (Em certas circunstâncias, a Torá isenta o
tomador de responsabilidade. Estas leis, no entanto, estão fora do escopo deste
trabalho). SOCHER, O LOCATÁRIO. O locatário é semelhante ao tomador, com
uma diferença óbvia e significativa: ele paga pelo uso da propriedade de
outrem. Suponhamos que Shimon tenha pedido emprestado o carro de Reuven, com a
condição de pagar uma taxa de aluguel. O que ocorre se o carro for danificado
ou destruído enquanto estiver sob a responsabilidade de Shimon? Como ele alugou
o carro – pagando por seu uso –, a situação não é idêntica à descrita acima, em
que o empréstimo tinha sido gratuito. Neste caso, Shimon é um locatário, não um
tomador. No Talmud, dois de seus maiores Sábios – Rabi Yehudá (135-217) e Rabi
Meir (o Ba’al Haness) – discordam sobre o grau de responsabilidade
do Socher, o locatário. De acordo com Rabi Yehudá, a Torá iguala o
locatário com o guardião não remunerado (cujas leis de responsabilidade veremos
abaixo): o locatário é responsável apenas se tiver agido com negligência. Rabi
Meir discorda. Em sua opinião, o grau de responsabilidade do locatário é o
mesmo que o do guardião remunerado, que, como veremos adiante, é responsável
pelo que o Talmud considera “danos evitáveis” – roubo e perda. O veredicto –
a Halachá – segue a opinião de Rabi Meir. SHOMER SACHAR, O
GUARDIÃO REMUNERADO. Na opinião de Rabi Meir, o grau de responsabilidade do
locatário é o mesmo que o do guardião remunerado. Quem é o guardião remunerado?
Ao contrário do locatário, ele não paga pelo uso da propriedade de terceiro mas
sim, recebe pagamento por cuidar da propriedade. Nos dois cenários acima
descritos, Shimon queria tomar emprestado o carro de Reuven. Se ele tomar
emprestado o carro sem pagar por isso, ele é um tomador; se ele pagar pelo
empréstimo, ele é um locatário. Consideremos, agora, uma situação diferente: Shimon
não tem interesse no carro de Reuven – ele não quer pedi-lo emprestado nem alugar.
É Reuven que pede que Shimono guarde. Talvez ele esteja saindo de férias e quer
que alguém cuide de seu carro enquanto ele estiver fora. Se Shimon concordar em
tomar conta do carro de Reuven, mas cobrar para fazê-lo, ele é um guardião remunerado.
A Lei da Torá reza que um guardião remunerado assume uma medida significativa
de responsabilidade pela propriedade a seu cargo. Afinal, ele está sendo pago
para cuidar da propriedade de terceiros. A Torá considera o guardião remunerado
responsável pelo que considera “danos evitáveis”, como roubo e perda. Contudo,
a Torá não o mantém responsável pelo que considera “danos não evitáveis” –
roubo à mão armada e eventos que estão fora de seu controle, como os desastres
naturais. Dissemos acima que o grau de responsabilidade de um locatário é o
mesmo que o do guardião remunerado. Isso significa que este último é
responsável, também, pelos danos evitáveis; no entanto, não é responsável por
danos não evitáveis. Uma vez compreendida a lei do guardião remunerado, podemos
agora voltar para o caso do locatário. Se Shimon aluga o carro de Reuven, e o
carro é roubado ou perdido, Shimon deve reembolsar totalmente Reuven pela
perda. Mas, se bandidos armados roubarem o carro ou este for destruído ou
danificado por um desastre natural, Shimon não terá que reembolsar Reuven pela
perda de seu carro. SHOMER CHINAM, O GUARDIÃO NÃO REMUNERADO. O guardião
não remunerado cuida da propriedade de terceiros como um favor e não recebe
pagamento ou recompensa por fazê-lo. Suponhamos que Shimon concorde em tomar
conta do carro de Reuven, mas se recuse a aceitar pagamento. Ele está fazendo
um favor a Reuven. Ele ajuda os demais e não crê que devamos praticar atos de bondade
esperando algo em troca. O que ocorre se o carro de Reuven for danificado ou
destruído enquanto estiver sob a guarda de Shimon? Pela lei da Torá, como
Shimon é um guardião não remunerado – ele está cuidando da propriedade de
terceiros como um favor, sem receber pagamento ou recompensa por isso –, é
mínima a sua responsabilidade em caso de infortúnio. O Talmud ensina que
contanto que ele tenha dado uma atenção razoável ao objeto sob sua guarda, ele
afirma, sob juramento, não ter sido negligente e é absolvido de qualquer
responsabilidade pelo infortúnio. Na qualidade de guardião não remunerado,
Shimon não tem que reembolsar Reuven, proprietário do carro, por perda ou
roubo; mas a Torá o declara responsável pelos danos no caso de ter sido
negligente ou descuidado. Afinal, ele concordou em tomar conta do carro de
Reuven – algo que poderia ter-se recusado a fazer. Por exemplo, Shimon não pode
estacionar o carro de Reuven num local perigoso, sem travar as portas, deixando
a chave no motor. Se agir com negligência e, por esse motivo, a propriedade sob
sua guarda for danificada, perdida ou roubada, terá de recompensar o
proprietário por perdas e danos. OS QUATRO GUARDIÃES DO MUNDO. Um dos
princípios fundamentais do Judaísmo é que cada versículo e palavra da Torá
contém infinitas camadas de significados. O mesmo é válido para o Talmud. Não
se trata apenas de uma enciclopédia sagrada de leis, discussões, análises e
relatos. Cada uma de suas passagens e ensinamentos contém ensinamentos
profundos e esotéricos. As leis relativas aos Quatro Guardiães são relevantes e
atemporais, mas como veremos, também possuem uma dimensão mística. O Shelah
HaKadosh (1565-1630), Rabi Yeshaya HaLevi Horowitz (1555-1630), autor
do clássico Shnei Luchot HaBrit, escreve que “Assim como existem os
quatro guardiães entre o homem e seu semelhante, eles também existem entre o
homem e D’us, Bendito é Ele”. Vejamos, agora, como as leis dos Quatro
Guardiães se aplicam ao nosso relacionamento com D’us. O TOMADOR. Muitas
pessoas estão interessadas em tomar e receber, mas não em dar. Para elas, o
mundo gira em torno delas próprias – seus prazeres, seus desejos e suas
conveniências. Seu propósito na vida é desfrutar do mundo ao máximo sem ter que
pagar por isso. O profeta Isaías assim descreve a filosofia de vida de tais
pessoas: “(...). Eis que há alegria e regozijo, e são abatidos gado e ovelhas,
carne é consumida e vinho é bebido, enquanto dizem; ‘Comei e bebei, porque
amanhã morreremos’! ” (Isaías 22,13). A maioria daqueles que apenas se
preocupam consigo próprios não se sentem agradecidos a D’us pelo que recebem,
pois do contrário teriam menos liberdade de fazer o que quisessem, quando
quisessem. As pessoas cujo único interesse na vida é aquilo que os beneficia e
dá prazer, desfrutam deste mundo de D’us e de sua fartura, mas negam sua
existência ou o ignoram. Mesmo se reconhecem que este mundo a D’us pertence,
elas não têm interesse em relacionar-se com Ele. “A vida é minha”, dizem a
D’us, “e farei com ela o que bem entender”. Vivem como um dos Quatro Guardiães,
o tomador: sótomam – de D’us e de Seu Mundo –, mas não pagam nem retribuem de
alguma maneira. Segundo as leis dos Quatro Guardiães, como D’us Se relaciona
com tais pessoas? Vejamos as leis referentes ao grau de responsabilidade do
tomador: ele é totalmente responsável pelos danos e perdas, mesmo se não tiver
culpa pelo ocorrido. Praticamente, isso significa que como o “tomador” tomou a
seu encargo a sua vida e se fechou completamente a D’us, ele assume total
responsabilidade por tudo o que lhe acontecer. Se ele tiver perdas ou danos em
sua vida, ele terá que assumir a responsabilidade pelos mesmos. Se um trovão,
um furacão ou um terremoto o atingir – literal ou figurativamente –, é problema
e responsabilidade totalmente seu, e o único culpado é ele mesmo. D’us dá livre
arbítrio a todos nós, mas cada um de nós tem que aprender a viver com as suas
escolhas. Se escolhermos ser o tomador – tomando e recebendo, sem dar nada em
troca –, os Céus nos tratarão de acordo a isso. Como o tomador escolhe ser dono
exclusivo de seu destino, quando os problemas baterem à sua porta, ele não terá
ninguém a quem recorrer, mas a si próprio. Como ele optou pela total
independência – como ele não crê em nenhuma forma de reciprocidade –, ele será
totalmente responsável por danos e perdas, mesmo se estes surgirem do nada e ocorrerem
por culpa de terceiros. Ele não terá ninguém com quem compartilhar a perda. Ele
expulsou D’us de sua vida quando tudo lhe sorria. Quando as coisas desandarem,
ele terá que arcar sozinho com tudo. A geração que pereceu no dilúvio de Noé
personifica o tomador. A Torá nos relata que à exceção de Noé, toda aquela
geração era egoísta e corrupta; envolvia-se em roubo e violência, e praticava
atos imorais. Não tinham respeito algum por D’us, por seu mundo nem pelos
outros seres humanos. Para eles, a vida era para divertir-se e não pensavam
duas vezes antes de usar de desonestidade, violência ou imoralidade para obter
o que desejavam. Sabemos bem como termina a história. Veio o dilúvio e matou
todos. Como aquela geração tinha afastado D’us de sua vida, pereceram todos e
eles eram os únicos culpados. Mais ninguém. Eram todos tomadores, e, como
ensina o Talmud, um tomador é responsável por todos os danos e perdas – mesmo
se estes forem consequência de desastres naturais – como foi o Dilúvio. O LOCATÁRIO.
Contrariamente ao tomador, o locatário está disposto a pagar o preço pelo uso
da propriedade de um terceiro. Quando se trata do relacionamento entre o homem
e o Todo Poderoso, o locatário é aquele que, como o tomador, quer desfrutar do
mundo Divino, mas, contrariamente a ele, o locatário percebe que terá que pagar
o seu preço. O dilema enfrentado pelo locatário é saber o preço que terá que
pagar para desfrutar deste mundo de D’us. Algumas pessoas querem pagar um
pouco, mas não muito. Talvez o preço que queiram pagar é jejuar em Yom
Kipur. Outros acreditam que D’us espera um pouco mais. Para estes, o preço
a pagar talvez inclua ir à sinagoga algumas vezes por ano, ouvir o Shofar em Rosh
Hashaná e participar em um Seder de Pessach. Outros,
ainda, acreditam que D’us espera ainda mais, mas talvez seja suficiente eles
irem à sinagoga em todas as festas e nas sextas-feiras à noite para
cantar Lechá Dodi junto com a congregação. Como o tomador, a
preocupação de vida do locatário é seu bem-estar. Ele está no centro de seu universo
pessoal. Ele cumpre os mandamentos Divinos com o mesmo sentimento com que as
pessoas pagam seus impostos – ele os vê como um mal inevitável que ele preferia
não ter que cumprir. Na Torá, Noé simboliza o locatário. Comparado a seus
contemporâneos que personificam o tomador, Noé era um homem justo, íntegro.
Contudo, a bem da verdade, ele não se importava muito com o mundo de D’us.
Quando o Todo Poderoso lhe ordena construir uma arca, ele o faz para salvar a
si e aos seus – e não se empenha em salvar os outros. Quando D’us lhe ordena
cuidar dos animais na Arca, ele o faz porque percebe que essa tarefa difícil
era o preço que ele teria que pagar por viver e desfrutar do mundo de D’us. Em
outras palavras, a construção da Arca e o cuidado dos animais é o aluguel que
ele deveria pagar ao Proprietário. Noé não é tomador, mas ele é meramente um
locatário. Ele não se importa se D’us destruir o Seu mundo e todos os seus
contemporâneos morrerem, desde que ele e sua família estejam a salvo. Seu
relacionamento com D’us é quase “comercial”: O Senhor me deixa viver no Seu
mundo e eu cumprirei Suas ordens. Qual a lei do locatário? Ele é responsável
pelos “danos evitáveis” – roubo e perda. Éisento de responsabilidade apenas
pelos“danos inevitáveis” – eventos que estão além de seu controle, como os
desastres naturais. Como Noé era um locatário, não um tomador, no tocante a
D’us, ele não pereceu em um desastre natural – o Dilúvio. No entanto, como ele
é nada mais do que um locatário, quando ele emerge da Arca e vê um mundo em
escombros, D’us não ouve seu grito nem sua reclamação sobre toda a morte e
destruição que ele testemunha. Afinal, Noé é um locatário, e como tal, é
responsável pelos danos evitáveis. A Torá chama o Dilúvio de “as Águas de Noé”,
porque ele partilha da responsabilidade por uma perda que ele poderia ter
evitado. Talvez ele pudesse ter influenciado a sua geração a se arrepender. Se
ele tivesse cuidado um pouco mais do mundo de D’us, talvez tivesse conseguido
evitar a destruição da humanidade. O GUARDIÃO REMUNERADO. A Lei Judaica,
como ensina Rabi Meir no Talmud, determina que a responsabilidade do guardião
remunerado é idêntica à do locatário. No relacionamento pessoal com D’us, a
diferença entre o locatário e o guardião remunerado é que o primeiro quer
desfrutar deste mundo de D’us, mas aceita pagar por isso, ao passo que o
guardião remunerado aceita ajudar a tomar conta do mundo, mas exige que D’us
lhe pague por seus serviços. A lei da responsabilidade é a mesma para o
locatário e para o guardião remunerado porque, em ambos os casos, há um tipo de
relacionamento comercial forjado entre eles e D’us. O locatário tem que
calcular o preço que deve pagar a D’us pelo privilégio de desfrutar de Seu
mundo, ao passo que o guardião remunerado tenta avaliar o escopo de suas
obrigações, bem como quanto ele espera que D’us lhe pague pelos serviços que
prestará. Alguns esperam que D’us lhes recompense neste mundo, enquanto outros
no Mundo Vindouro, e outros, ainda, em ambos os mundos. Alguns guardiães pagos
até se dispõem a cumprir todos os mandamentos Divinos, mas eles cobrarão d’Ele
um altíssimo preço para fazê-lo. Se D’us irá concordar com um acordo desses ou
não, é outra história (...). Recordemos a lei do guardião remunerado. O Talmud
ensina que, como o locatário, ele também é responsável por danos evitáveis –
roubo e perda. Ele só está isento de responsabilidade por danos inevitáveis.
Isso significa que alguém que assume o papel de guardião remunerado é
responsável por transgressões evitáveis – pecados de comissão (roubo) e pecados
de omissão (perda). Como o ser humano que personifica o guardião remunerado tem
um relacionamento tipo “olho por olho, dente por dente” com D’us, a Corte
Celestial tem o direito de constantemente escrutinizá-lo e responsabilizá-lo
por todos os danos evitáveis. Se violar o “contrato” de alguma maneira, ele
terá que pagar multa ou penalidade pela quebra de contrato. Um exemplo de um
guardião remunerado foi o primeiro ser humano, Adão. Conta-nos a Torá: “E o
Eterno, D’us, tomou o homem e o pôs no Jardim do Éden para o cultivar e o
guardar” (Gênese 2,15). Adão foi o paradigma do guardião remunerado: ele tinha
que trabalhar no Jardim do Éden e cuidá-lo, e como pagamento por seus serviços,
ele podia aproveitar de tudo o que o Jardim tinha para oferecer – à exceção do
fruto da Árvore Proibida. Infelizmente, Adão e Eva não foram guardiães
remunerados confiáveis – eles não cumpriram a sua parte no acordo porque a
Serpente lhes prometeu um pagamento ainda melhor do que o oferecido por D’us. A
Serpente – personificação do Yetzer haRá, Inclinação para o Mal,
mestre das mentiras e da enganação – não cumpriu sua promessa. Como Adão e Eva
eram guardiães remunerados, eles eram responsáveis por perda e roubo, ou seja,
tomaram e consumiram o fruto proibido, proscrito por D’us (roubo), e foram
enganados (perda) pela Serpente. Ambos os danos evitáveis. Poderiam ter
ignorado a Serpente e sua oferta tentadora. Poderiam ter optado pornãocomer o
fruto proibido. Consequentemente, como guardiães remunerados, foram
responsáveis pela quebra do contrato. E D’us os expulsou do Jardim do Éden. O
GUARDIÃO NÃO REMUNERADO. O Guardião não remunerado é singular.
Contrariamente aos outros três guardiães, ele não está interessado em receber,
mas apenas em dar. Em seu relacionamento com D’us, ele não pensa em si próprio,
mas apenas em cumprir a Vontade de seu Mestre, e o faz sem esperar qualquer
recompensa, material ou espiritual, que seja. Maimônides (1135-1204) descreve
tais seres humanos: “Aquele que serve a D’us por puro amor altruísta – ele
estuda a Torá e cumpre as Mitzvot e anda nos caminhos da
sabedoria — não por temer o mal (castigo), e não para herdar o bem (recompensa).
Mas ele age de acordo com a verdade apenas por ser a verdade. No fim, o bem
virá ao seu encontro. Essa virtude é enorme e grandiosa, e nem todos os sábios
a merecem, e esse é o nível alcançado por Avraham, nosso Patriarca, a quem D’us
chamou de ‘Aquele que Me ama’, porque ele serviu a D’us unicamente por amor”
(Leis do Arrependimento, 102). Tais pessoas são raras, mas existem. Elas fazem
o que é certo, bom e virtuoso simples e exclusivamente por ser a maneira
correta de se viver. Como ensina Maimônides, nosso patriarca Avraham, o
primeiro judeu, é o paradigma do guardião não remunerado. Ele servia a D’us por
amor, e estava disposto a fazer o que o Altíssimo dele exigisse,
independentemente de quão difícil ou tortuoso. Avraham dedicou sua vida a
executar a Vontade Divina. Consequentemente, desfrutou de um nível extremamente
elevado de Graça Divina. Recordemo-nos da lei do guardião não remunerado: ele é
isento de qualquer responsabilidade, exceto em caso de negligência. Como ele
não espera pagamento ou recompensa por seu serviço a D’us, os Céus o tratam com
grande compaixão, pois a Corte Celestial percebe que quaisquer erros que ele
possa cometer são totalmente não intencionais. Transgressões e pecados não são
parte de sua realidade. Ele pode até cometer erros – que podem ser perdas e
danos não intencionais –, mas recebe perdão pelos mesmos, porque ele trabalha
incessantemente em favor de D’us sem esperar nada em troca. No entanto, a Torá
determina que o guardião não remunerado é responsável em caso de negligência.
Isso significa que mesmo esse guardião não pode agir irresponsavelmente. O
Talmud nos ensina que “não dependemos de milagres”. Ser um guardião não
remunerado – e, portanto, desfrutar do cuidado e graça Divinas – não significa
que a pessoa pode pular pela janela e esperar que a Divina Providência a salve.
Mesmo os guardiães não remunerados não podem negligenciar sua saúde, seu
trabalho e seu sustento, nem sua segurança pessoal. Se agir com negligência e
irresponsabilidade, ele será responsável por danos e destruição, como determina
a lei do guardião não remunerado. Mesmo um ser humano realmente justo e
íntegro, que serve a D’us por amor e vive para cumprir Sua Vontade, deve viver
com cuidado e responsabilidade. OS QUATRO GUARDIÃES E O LIVRE ARBÍTRIO. Um dos princípios fundamentais da Torá é que
D’us atribui o livre arbítrio aos seres humanos. Todos podem escolher como
viver e como se relacionar com D’us e com o Seu mundo. Podemos optar por ser
tomadores, locatários, guardiães remunerados ou guardiães não remunerados, e a
Divina Providência retribuirá conforme nossas opções. Contudo, ter livre arbítrio
também significa que temos o poder de transitar de uma categoria a outra de
guardiães. Mesmo aquele que é um tomador pode dar uma meia-volta de 180 graus
em sua vida e se tornar um guardião não remunerado. Os três Patriarcas –
Avraham (Abrahão), Itzhak (Isaque) e Yaacov (Jacó) – foram paradigmas do
guardião não remunerado. A Cabalá se refere a eles como as “rodas da Carruagem
Divina”. Assim como as rodas de uma carruagem não possuem vontade própria, e
apenas seguem as ordens de seu condutor, também os três Patriarcas viveram apenas
para cumprir as determinações do Condutor do Universo e cumprir Sua Vontade.
Amavam a D’us e O serviam com todo o seu coração e com toda a sua alma. Como
todos nós, judeus, somos não apenas os descendentes, mas também a
personificação de nossos três Patriarcas, cada um de nós tem o potencial de ser
um guardião não remunerado. Trata-se do caminho mais nobre que um ser humano
pode percorrer em sua vida: servir a D’us por amor e buscar a verdade apenas
por ser verdadeira, e a virtude, apenas pela virtude. www.morasha.com.br. Abraço. Davi
quarta-feira, 11 de abril de 2018
AS CASAS ASTROLÓGICAS 2 E 8, 3 E 9
Astrologia.
Texto de Ricardo Lindemann. www.ricardolindemann@uol.com.br.
Livro A Ciência da Astrologia e as Escolas de Mistério. Capítulo 13. AS CASAS
ASTROLÓGICAS 2 E 8, 3 E 9. Lembrando que as CASA ASTROLÓGICAS estão
relacionadas como o movimento de rotação da Terra, e que especificamente a
partir da LINHA DO HORIZONTE, temos abaixo do HORIZONTE ORIENTAL as CASAS 1,
2,3 até o NADIR, que corresponde à cúspide ou início da CASA 4, depois a 5 e a
6 até novamente chegar ao HORIZONTE OCIDENTAL em cima do qual temos a 7, a 8 e
à 9 até o ZÊNITE. Correspondendo ao Meio do Céu ou cúspide, que é onde inicia a
CASA 10, seguidas pela 11 e 12, aproximadamente, em divisões de 30º cada uma,
variando ligeiramente de um sistema de domificação para o outro. Veremos que os
PLANETAS que caem nestas regiões têm uma profunda influência no MAPA ASTRAL do
indivíduo. Podemos observar que o SOL do indivíduo cairá na CASA 1, se ele
nascer aproximadamente entre 4 e 6 horas da madrugada. A CASA 1 é a CASA do
brilho pessoal, é a CASA DO CORPO e da personalidade, e costuma caracterizar um
temperamento muito radiante, carismático, centrado em si mesmo. Pode também
estimular o desenvolvimento de atividades na área física, como por exemplo a
profissão de personal trainer, ou mesmo de atleta. Podemos também encontrar um
temperamento mais exuberante, com relação ao seu carisma, como um político, ou
até uma modelo. Basicamente, veste-se de um certo ar de comando, tem presença
radiante e um alto astral, mas é geralmente muito centrado em si mesmo e se os
ângulos forem afligidos pode apresentar um certo traço de egocentrismo. O caso
oposto, como nós vimos no capítulo anterior, apenas para revisão da ideia,
seria a CASA 7 que, por exemplo, o SOL ocupa, aproximadamente, entre as 16 e as
18 horas. E, portanto, se a pessoa nasceu nesse horário é muito provável que
ela tenha o SOL na CASA 7. Teremos um tipo mais pacificador, um tipo que sabe
criar associações, que evita constrangimentos, que sabe ser diplomático, que
tem o dom ou um certo grau de comunicação conciliatória. Estes tipos com o SOL
na CASA 1 e na CASA 7 são de alguma forma complementares, porque quando a
pessoa está centrada em si mesma, ela dá menos atenção para o outro, quando ela
está mais centrada no outro ela esquece às vezes de si mesma. Uma mulher muito
voltada para o marido pode esquecer de cuidar do seu próprio corpo, ou quando é
muito voltada para si mesma, pode esquecer do marido. Então, a dificuldade de
equilibrar os dois polos, quando a pessoa se dedica muito a si mesma, dedica-se
menos ao companheiro e vice-versa. Porém, apesar da dificuldade, a busca desse
equilíbrio é a essência do PRINCÍPIO DA POLARIDADE. Ora, evidentemente, outros
PLANETAS poderão cair também na PRIMEIRA CASA e sobre isso existe toda uma
pesquisa de Michel Gauquelin (1928-1991), tanto referente à CASA 1 e a CASA 12
quanto às CASAS 9 e 10. Tais PLANETAS são definidores, frequentemente, da
carreira profissional do indivíduo. Com relação à CASA 2, lembraríamos que se a
CASA 1 é a CASA DO EU, nós dizíamos que a CASA 2 é a CASA DO “MEU” e, por
extensão, nós temos a ideia de propriedade, de domínio, de posse, de uso como
expressão do SER. Envolve, portanto, aquele motivo que dá um sentido à posse, é
aquele aspecto de exteriorização de uma missão no SENTIDO DA VIDA que
representa o propósito do SER. Na medida em que dá sentido ao TER, em função
daquela atividade que a pessoa exerce. O exemplo que nós podemos dar é: Qual é
a necessidade de uma grande enciclopédia para quem só faz um trabalho braçal?
Ou também qual a necessidade de pás e picaretas para uma pessoa que só faz um
trabalho intelectual? Temos aí extremos de situações em que a posse do
utensílio, seja um livro ou seja uma ferramenta, deixam de ser necessárias para
um ou para outro. Assim, se algo não está sendo utilizado, a posse carece um
pouco de sentido, particularmente se consideramos que outra pessoa poderá estar
realmente necessitada desta posse, e vice-versa. Portanto, segundo Platão
(428-347), o que justifica a posse é justamente o uso, e o que justifica o uso
é a vocação, é a atividade que tem a ver com o estágio de desenvolvimento da
ALMA, como nós vamos encontrar em A República, uma das suas magnas obras. Ora,
talvez seja bom lembrar que há uma correspondência entre as DOZE CASA e os DOZE
SIGNOS. Então, ÁRIES representa o SIGNO que tem analogia com a CASA 1 e rege a
cabeça. TOURO rege o pescoço, a tireoide e a capacidade de acumular peso no
corpo, porque ela é a glândula mestra que rege o nosso metabolismo. Assim
também a CASA 2 tem a ideia de acumular uma reserva de riquezas para dias
talvez não tão prósperos, aquela ideia bíblica das sete vacas gordas ou dos
sete anos favoráveis, das quais se deve guardar para as sete vacas magras ou
para os sete anos desfavoráveis. TOURO incorpora muito essa ideia de acumular a
riqueza, como uma espécie de intenção de preservar a VIDA. E neste sentido,
fala-se que, enquanto A CASA 1 é a CASA DO EU ou do corpo, a CASA 2 é a CASA DO
“Meu” ou do dinheiro. Num sentido geral, todas as acumulações, sejam físicas ou
até psicológicas, que trazem saúde e acumulam em condições de preservar a VIDA e,
portanto, não só necessariamente a questão estritamente material está, assim,
relacionada à ideia da CASA 2. Assim com o CORPO tem necessidades básicas,
também tem posses que lhe são próprias e necessárias, roupas a gente pode
emprestar até certo ponto. Contudo nem sempre servem em todo mundo, a escova de
dente, por exemplo, é uma das posses mais difíceis de emprestar; então, pela
própria consequência da dimensão do corpo, existem algumas posses que
dificilmente são transferíveis. Neste sentido, nós encontramos na ASTROLOGIA
ressonância com a resposta clássica de Platão, ou seja, pelo sentido da genuína
posse individual como uma extensão DO EU. Por outro lado, quando a posse vira
uma prótese da personalidade, como o carro novo servindo para esconder às vezes
as condições psicológicas difíceis do seu motorista. Quando a personalidade não
está bem trabalhada e quer impressionar pelo dinheiro, aí esse substitutivo é
destruidor. Neste caso, ao invés da posse se justificar pelo uso, ela vira uma
compensação, uma espécie de pretensão, até de exaltação da personalidade e,
portanto, nós encontramos uma área conflitiva no sentido da posse. Infelizmente
na civilização globalizante do capitalismo selvagem essas deformações às vezes
acontecem e parecem até ser incentivadas, e depois, obviamente, não deveria nos
surpreender por que as pessoas ficam tão apegadas à materialidade. Por outro
lado, o oposto da CASA 2 é a CASA 8, que é a CASA DA MORTE. Sabemos que no
momento da morte nós somos obrigados a nos desapegar das nossas coisas. Dizia
Jiddu Khrisnamurti (1895-1986) que o MEDO da MORTE não é exatamente o medo do
desconhecido. Tendo em vista que muitas vezes o desconhecido é até atraente e
desperta nossa curiosidade, masque o MEDO da MORTE está associado à perda do
conhecimento, ao qual nós estamos apegados. Portanto, se houvesse DESAPEGO, não
haveria MEDO da MORTE. A CASA 8 corresponde ao SIGNO DE ESCORPIÃO, que segundo
a lenda, se não injetar o veneno no adversário, injetá-lo-á em si mesmo, por
isso todas as lutas de ESCORPIÃO são de VIDA ou MORTE. Assim, a CASA 8 também
caracteriza todas as preocupações com o além, com o post-mortem e também com
sua regeneração ou ressurreição espiritual, se eu puder assim colocar. Como a
viam também os antigos egípcios, que ao invés de usar exatamente o ESCORPIÃO
como símbolo do OITAVA SOGNO, usavam a águia que voa mais alto olhando
diretamente para o SOL. Então, a CASA 8 tem sido chamada a CASA DA MORTE e da
REGENERAÇAO e representa o uso das posses coletivas. Portanto, também apresenta
as heranças, porque o que não fica conosco tampouco deveria ser desperdiçado, e
terá que passar para alguma outra pessoa. No momento DA MORTE, as posses que
eram minhas necessariamente serão repassadas para outra pessoa. A ideia de
HERANÇA está também associada a administração do coletivo. Por isso se a CASA 7
é a CASA DO “TU”, ou do CASAMENTO e das associações, a CASA 8 seria a CASA DO
“NOSSO”, porque é a posse coletiva, é a posse da associação. Ela está,
portanto, caracterizada por conceder às pessoas que nascem sob sua influência,
por exemplo, com o SOL na CASA 8, certos dons administrativos. Tal posição
corresponderá, pelo HORÁRIO DE NASCIMENTO, ao intervalo entre as 14 e as 16
horas, aproximadamente. A CASA 8 está relacionada ao interesse pela tradição ou
herança cultural, mas de alguma forma com o saber administrar, saber lidar com
as heranças e com as posses coletivas. Além disso, é preciso saber lidar com as
proibições da CASA 8, que está ligada à morte e às proibições dos tabus, bem
como às limitações que muitas vezes surgem até por superstição do que
acontecerá após a MORTE, isso ou aquilo. Relacionado à CASA 8 temos também as
oportunidades coletivas, que o rito social das heranças culturais oferece, uma
herança de costumes, e não apenas a herança financeira. Frequentemente, filhos
que têm o SOL na CASA 8 são, de alguma forma, uma herança viva das culturas
daquela família, ou puxam mais alguma tradição dos pais ou sua profissão. Por
outro lado, é muito comum o SOL na CASA 8 favorecer as pessoas que querem levar
alguma luz sobre o ambiente da MORTE, levar o SOL à CASA DA MORTE. E, portanto,
não é incomum ver essas pessoas ligadas a profissões que lidam com situações
terminais, como por exemplo um médico. Também as pessoas que lidam com os tabus
e as limitações da mente humana, e aí nós encontramos os psiquiatras, os
psicólogos. Além disso, as atividades da CASA 8 podem ser de natureza
religiosa, ética ou assumem a administração do rito social e da herança
cultural nessa área. A CASA 8 pode ainda estar relacionada à ideia da passagem
de um certo tipo de poder, seja de natureza sexual, seja de natureza
financeira, pois o ESCORPIÃO rege esses dois assuntos no ZODÍACO. AS CASAS são,
eu volto a lembrar, a materialização do conceito abstrato dos DOZE TEMPERAMENTOS
HUMANOS SIDERAIS, ou mesmo tropicais nos DOZE SIGNOS DO ZODÍACO, quando
correspondem nas regiões da Terra, a partir da Linha do Horizonte e da Vertical
do Lugar, elas se materializam nas CASA que correspondem as áreas da vida
humana. É importante perceber que todo o processo da MORTE é um processo de
renascimento num outro plano, numa outra dimensão, que os antigos alquimistas
chamavam de ASTRAL ou BRILHANTE, porque, para os que tem a clarividência, tudo
ali era radiante como uma estrela. As pessoas que têm o SOL na CASA 8, são
geralmente muito interessadas pelo além-túmulo, pela questão parapsicológica,
pela questão do post-mortem, e não é incomum que elas dediquem grande parte da
sua VIDA a isso. Nós vamos encontrar também advogados e outros, que trabalham
na questão das heranças e do encaminhamento dos bens. Todas essas áreas de
atividade estão, de alguma forma, associadas à CASA 8, e estão relacionadas
como OITAVO SIGNO, mas é pelo ângulo que o PLANETA faz com a Linha do Horizonte
e, portanto, não pelo MÊS DO NASCIMENTO, mas pela HORA, que essa influência se
faz sentir. Eu costumo insistir neste ponto porque as pessoas nem sempre
percebem a importância da HORA NO HORÓSCOPO. A palavra HORÓSCOPO vem de HORA.
Em grego HORÓSCOPO é a observação da HORA, como telescópio é a observação do
distante, microscópio é observação do pequeno, do radical SCOPEIN que quer
dizer observar. Assim, nó temos justamente uma sucessão natural, sendo as CASA
2 e a CASA 8 chamadas de SUCEDENTES. Passaremos agora a uma análise de DUAS
CASAS CADENTES, que são a CASA 3 e a CASA 9. A CASA 3 está associada
basicamente ao SIGNO DE GÊMEOS, é uma CASA de teste, bem como a CASA 9, por
isso elas são chamadas CADENTES, porque o seu teste pode produzir uma queda. A
CASA 3 representa o primeiro limite na expansão da personalidade. Se a
personalidade, de alguma maneira, está assim associada ao EU do CORPO FÍSICO
por identificação, e depois ao sentido de MEU na CASA das posses, quando chega
a CASA 3, que é a chamada DOS IRMÃOS e do convívio com a vizinhança e com o
meio ambiente. Então, é evidente que ela terá que enfrentar o desafio de
aprender a dividir ou compartilhar com os irmãos as suas posses, como, por
exemplo, um brinquedo. Lembro-me aqui da minha esposa que nasceu numa família
de quatro irmãos. Ela era a mais velha e tinha que dividir a bicicleta que era
um só. Então, seja a bola, a bicicleta, a boneca, de alguma forma a pessoa é
obrigada a ter um limite. Refiro-me, portanto, a esse sentido de que a
vizinhança e o meio ambiente trazem limitações ou desafios e que exigem uma
adaptação por meio de um conhecimento empírico (que se baseia na experiência ou
dela resulta). A CASA 3 está associada, dessa forma, a aprender a caminhar, a
aprender a lei da gravidade, a aprender a lidar com as limitações do meio
ambiente, no sentido até de subir numa árvore sem cair. No início da VIDA, esse
conhecimento da TERCEIRA CASA é totalmente prático, e é por isso associado à
ideia do ensino primário, menos abstrato. As pessoas que têm o SOL na CASA 3,
por exemplo, são as que nasceram aproximadamente entre a meia-noite e as duas
horas da madrugada. São pessoas que, normalmente, têm uma capacidade de
ensinar, de comunicar, e não é incomum que se tornem professores. Gostam de
conhecer as regras do jogo no desafio da VIDA e desenvolvem rapidamente o
sistema nervoso e uma inteligência rápida. No convívio com o meio ambiente,
adaptam-se facilmente às leis da natureza, no seu sentido mais empírico no
início, e depois, às regras sociais de comunicação e, portanto, a todo um
sentido mais pragmático de convívio com a vizinhança. A CASA 3 é por isso
relacionada também com as leis do meio ambiente, com o ensino e a aprendizagem
dessas leis, seja na escola propriamente dita, seja na ESCOLA DA VIDA com uma
percepção de limites da expressão do CORPO no meio ambiente. A CASA 3 está
ainda de certa forma relacionada àquele processo de desenvolvimento que começa
com o impulso original do ideal do SER na CASA 1, que se expressa como “TER” na
CASA 2. Mas precisa se ajustar e adaptar-se às leis da NATUREZA, do meio
ambiente e do relacionamento com os irmãos e a vizinhança, temas próprios da
CASA 3. Esta CASA 3 é uma CASA de relacionamento e contato pessoal direto, de
experiências de cooperação com os outros, como o exemplo de uma criança, que
assim pela primeira vez enfrenta o desafio de sair da esfera de sua casa e vai
almoçar na casa do vizinho. Ou de conhecer os costumes da casa do primo, ainda
esteja num pequeno círculo social. Não é um grande círculo de relacionamento
social, como nós vamos encontrar na CASA 7 e principalmente na 11, e as CASA
que correspondem aos SIGNOS DE AR são CASAS DE relacionamentos. A CASA 3, a 7 e
a 9 correspondem aos SIGNOS DE GÊMEOS, LIBRA e AQUÁRIO, respectivamente.
Portanto, a CASA 3 ser refere a relacionamentos com um ambiente relativamente
mais restrito e está associada à ideia de pequenas viagens ou pequenos
deslocamento. Observemos, também, as condições da CASA 9, que é oposta da 3. O
SOL, por exemplo, ocuparia a CASA 9 se a pessoa nascesse aproximadamente entre
o meio-dia e as 14 horas. A posição dos outros PLANETAS nós teríamos que
calcular personalizadamente. O MAPA ASTRAL NATAL ou o HORÓSCOPO é calculado a
partir da HORA DO NASCIMENTO DO INDIVÍDUO, considerando também a DATA COMPLETA,
a cidade em que a pessoa nasceu. Pois nós precisamos da coordenada da Linha do
Horizonte, e esse é um trabalho até certo ponto artesanal, um jornal, por
exemplo, não poderia fazê-lo, porque tem que ser feito individualmente,
principalmente a sua interpretação. Dessa forma, a interpretação da CASA 9 está
associada a um conhecimento do coletivo, ela vai além daqueles tabus da CASA 8,
ela vai além daquelas preocupações com o que se pode ou não fazer em VIDA e
suas consequências após a MORTE. A CASA 9 vai questionar a busca do significado
na VIDA, na filosofia, na religião, portanto ela busca o significado e a
abstração das coisas. Ela está relacionada com o meio ambiente coletivo e o seu
conhecimento enquanto tradição e no auto confronto com outras culturas e por
isso associada às grandes viagens. Desta forma, as pessoas que têm o SOL ou
outros PLANETAS importantes na NONA CASA gostam de viajar, seja fisicamente
para confrontar outras culturas realmente distantes. E portanto, estamos
falando em viagens de grandes distâncias, seja mentalmente pelo estudo das
características e pensamento de outras culturas. A CASA 9 leva o indivíduo a
fazer uma reavaliação do escopo mental, ele terá que abstrair os costumes de
uma cultura e de outra e fazer uma reavaliação dos valores da relação com o
ambiente coletivo. Assim, esta CASA está relacionada a longas viagens ou
contatos com outras culturas, e à síntese de diversos dados em relação ao
significado da VIDA e do COSMO. É a CASA que vem depois da CASA DA MORTE, e
então CASA 9 é chamada de a CASA DA
RELIGIÃO e da FILOSOFIA, porque ela tenta investigar o significado da VIDA e o
que está além, de um ponto de vista racional e filosófico, como é próprio do
NONO SIGNO que é chamado SAGITÁRIO. SAGITÁRIO é o arqueiro e, no seu
simbolismo, é um CENTAURO, um quadrúpede da cintura para baixo. Ele é o animal
humano que busca o divino, que com a flecha tenta transcender a sua própria
condição humana, embora da cintura para baixo ainda seja um animal quadrúpede.
Ele é assim projetado a buscar o que está além. O SAGITÁRIO aponta para o
centro da galáxia, e nesse sentido caracteriza essa busca do significado, do
sentido de atingir o alvo num nível mais abstrato e filosófico. Assim, a CASA 9
que corresponde ao SAGITÁRIO se contrapõe a CASA 3, onde a busca do
conhecimento é mais restrita à percepção de limites empíricos. Então, nós vamos
verificar que a CASA 9 está associada a busca de um significado mais
transcendente, está associada, portanto, à Universidade, ao conhecimento
abstrato, ao conhecimento da mente superior, ou do ensino superior. Portanto,
ela preocupa-se com a preparação de um código ideal de ética, de um código de
costumes associado a uma compreensão do sentido da vida. Assim, Immanuel Kant
(1724-1804), por exemplo, definiu o imperativo categórico, que nós somente
deveríamos fazer as coisas que fôssemos capazes de aceitar que todos os outros
também fizessem. Pode=se notar, na CASA 9, essa ideia de abstrair de uma
cultura específica e buscar fazer uma LEI UNIVERSAL, é uma característica
legislativa, por assim dizer, do idealismo desta CASA. A CASA que busca o
significado da VIDA, chamada, assim, de CASA DA FILOSOFIA, da RELIGIÃO, ou das
grandes viagens. Se a pessoa tiver diversos PLANETAS nesta CASA, ou que seja
pelo menos o SOL, ela será mais focada nessa vocação específica do pensamento
abstrato, filosófico, ou de organização de grandes estruturas. Por outro lado,
a CASA 3 oportuniza um contato mais pessoal e aquela comunicação mais imediata,
que favorece mais o professor, talvez, do ensino mais simples. Enquanto na CASA
9 nós temos o ensino mais rebuscado, mais relacionado a uma pesquisa mais
intelectualizada na abstração. Os interesses
da CASA 3 que são empíricos (baseado na experiência e observação) e locais,
são o conhecimento pelo nível de expressão da personalidade na sua infância, na
relação com os irmãos, com o meio ambiente e a vizinhança. Outro conhecimento,
vamos dizer, intercultural de diferentes tradições culturais e religiosas, e
mesmo de outros continentes, representa a CASA 9. Esses dois conhecimentos, o
empírico e o abstrato filosófico, são complementares, e o indivíduo precisa
também encontrar o seu ponto de equilíbrio e convergência entre esses dois
extremos. Livro A Ciência da Astrologia e as Escolas de Mistérios. Abraço. Davi
terça-feira, 10 de abril de 2018
A CAMINHO
Marabharata. Recontado por Khrisna Dharma.
Capítulo Cinco. A CAMINHO - FAZENDO, REPENTINAMENTE, CARIDADES em grandes
quantidades, os Kauravas ganharam os favores do povo. Também prepararam várias
cerimônias de concessão de reconhecimento e títulos de honra a vários líderes
cidadãos. Gradualmente, popularidade deles cresceu. Quando se aproximava a data
do festival de Varanavata, Dritarastra fez com que alguns de seus ministros
elogiassem a cidade na presença dos pândavas. Obedecendo ao rei, eles
mencionaram a beleza do lugar, o clima ameno e o maravilhoso festival que logo
seria celebrado. Os jovens pândavas se sentiram atraídos. Vendo que assim
reagiam, Dritarastra lhes disse: Tenho ouvido muitos comentários fabulosos
sobre Varanavata e suas inúmeras atrações. Normalmente, nós enviamos uma
delegação para nos representar no festival, e pensei que, este ano, vocês cinco
gostariam de ir. Serão umas férias muito agradáveis. Iudistira imediatamente
entendeu o que estava acontecendo. Já notara como os kauravas estavam tentando
obter a simpatia do povo com favores e caridades, e agora compreendia por quê.
Para ele, era óbvio que algum plano malicioso estava a caminho, mas o príncipe
sabia que não poderia fazer grande coisa, pois ele e seus irmãos não estavam
numa posição favorável. O rei era simplesmente uma peça nos esquemas de
Duriodhana, mas tinha controle sobre o tesouro, o exército e os ministros.
Assim, seria inútil e talvez até perigoso confrontá-lo. Escondendo os
sentimentos, Iudistira respondeu: Então que assim seja. Acho que vamos nos
divertir em Varanavata. Duriodhana extasiou-se quando soube que os pandavas
tinham concordado em partir e falou secretamente com um confidente próximo,
chamado Purochana, instruindo-o a que fosse para Varanavata logo. Construa uma
casa de materiais altamente inflamáveis, mas que pareça perfeitamente norma.
Instale os pandavas lá e, quando estiverem bem estabelecidos e abrirem a guarda
(...). Duriodhana fez um sinal que indicava fogo. Purochana sorriu e entendeu,
ao que Duriodhana complementou: Este mundo e toda a sua riqueza estão sob o meu
comando. Você não vai sentir falta de nada. Agora vá e cumpra minhas ordens.
Dependo totalmente de você. Purochana juntou alguns artesãos de confiança e
logo seguiu para Vara navata. Poucos dias mais tarde, os pandavas se preparavam
para partir também. Despediram-se dos anciãos e dos cidadãos tristes, que não
queriam que eles viajassem. Apesar dos recentes feitos de caridade dos
Kauravas, os gentis pandavas ainda eram os que o povo amava mais profundamente.
Muitas pessoas suspeitavam de algum atentado da parte dos kauravas. Enquanto os
pandavas subiam em seus carros para partir. Duriodhana ficou ao lado dos
irmãos, acenando adeus. Ó filhos de Pandu, que os deuses possam abençoá-los no
seu caminho. Que nenhum perigo se aproxime de vocês. E os pandavas, junto com a
mãe, saíram da cidade, acompanhados por uma grande multidão. Os cidadãos
imploravam aos irmãos que ficassem em Hastinapura, censurando Dritarastra por
enviá-los naquela viagem. Mas Iudistira parou o carro, logo depois dos portões
da cidade, e se dirigiu ao povo com estas palavras: Caros amigos, Dritarastra é
o rei. É nosso pai, preceptor e superior. Temos que obedecer às suas ordens sem
questionar. Essa é a lei eterna dada por Deus. Voltem agora para suas casas.
Quando chegar a hora, vocês poderão nos oferecer seu apoio. O povo regressou à
cidade, hesitante, mas Vidura se aproximou para falar com Iudistira. E lhe
falou numa linguagem que só mesmo os dois poderiam compreender. Por meio de
seus espiões, o ministro chegara a saber do plano de Duriodhana. Entretanto, da
mesma forma que Iudistira, não achava sábio se opor abertamente ao rei. Pegando
o braço de Iudistira, sussurrando, disse: O fogo não pode atingir aquele que se
esconde num buraco ou no meio da floresta. Mesmo oprimido por inimigos, aquele
que domina seus próprios sentidos nunca será vencido. Na verdade, chegará a
governar o mundo. Iudistira assentiu, demonstrando que entendera. O ministro
kuru, então, abençoou os irmãos e se despediu deles e de Kunti. Quando já
estavam a alguma distância da cidade, Iudistira contou à mãe e aos irmãos o que
Vidrua lhe tinha dito: Ele confirmou minhas suspeitas. É claro que Duriodhana
maquinou um plano para nos matar de alguma forma, aparentemente pelo fogo.
Nossos tio nos deu uma pista, por meio da qual poderemos escapar. Apreensivos,
eles seguiram para Varanavata e lá chegaram no começo da noite. Um grande
número de cidadãos saiu às ruas para saudá-los, felizes por conhecerem os
famosos filhos de Pandu. A chegada foi uma festa, com milhares de pessoas
dirigindo carros de todos os tipos, sacudindo bandeiras e tocando música.
Os anciãos da cidade saudaram os irmãos e os levaram ao centro da cidade,
onde conheceram Purochana. Este lhes disse que, sob as ordens do rei, estava
construindo uma mansão especialmente para a estadia do rei, estava construindo
uma mansão especialmente para a estadia deles na cidade. Os irmãos trocaram
olhares significativos, mas não disseram. Em duas semanas a mansão ficou
pronta, e Purochana lhes apresentou o grande prédio com um sorriso. Tudo foi
feito para o conforto de vocês, ó príncipe. Não sentirão falta de nada, e eu
mesmo morarei aqui para servi-los melhor. Quando Purochana saiu, Iudistira
chegou perto de uma parede e bateu levemente. Esta casa foi totalmente
construída com materiais altamente inflamáveis, disse ele aos irmãos. Vocês não
sentem o cheiro de òleo e laca? Sem dúvida, o pecador Purochana pretende nos
matar pelo fogo. Ele é apenas um instrumento de Duridhana. O grande sábio
Vidura nos advertiu adequadamente desse perigo. Bima roncou de raiva. Então
vamos logo sair daqui. Já estou farto de Duriodhana! Temos que dar um jeito
nele. Iudistira balançou a cabeça. Não, ainda não está na hora. O que podemos
cinco fazer contra o estado de Hastinapura, agora efetivamente sob o controle
de Duriodhana por intermédio do pai de vontade frágil? iudistira também
rejeitou a sugestão de que deveriam fugir de Varanavata. Se fugirmos,
Duriodhana saberá que descobrimos seu plano e enviará um monte de espiões para
nos procurar e matar de qualquer forma. O melhor que podemos fazer é ficar
aqui, por enquanto. Não devemos mostrar tampouco que sabemos de algo e ser
especialmente cautelosos com Purochana. Se ele suspeitar que o descobrimos,
fará qualquer coisa para nos destruir. Os pandavas, sempre obedientes ao irmão
mais velho, concordaram. Recordando-se das palavras de Vidura, Iudistira disse:
Precisamos cavar um túnel sob esta casa. Se ela pegar fogo, poderemos nos
abrigar e fugir por ele. Então, Iudistira sugeriu que passassem os dias
explorando as áreas circunvizinhas e, quando a oportunidade surgisse para
fugirem, já conheceriam os arredores. Dois dias depois de se mudarem para a mansão,
que Purochana chamou de "Casa Abençoada", um estranho chegou e quis
falar com eles. Sou um mineiro experiente. Foi Vidura quem me mandou aqui,
dizendo que vocês me dariam um bom trabalho. Falando na mesma linguagem
discreta usada por Vidura quando ele avisara Iudistira, o mineiro lembrou-os
daquele incidente. Iudistira, de início desconfiado que aquele fosse outro
ttuque de Duriodhana, logo afastou a desconfiança e abraçou calorosamente o
mineiro. Que bom vê-lo, senhor! Qualquer amigo de Vidrua é nosso amigo também.
Iudistira contou-lhe acerca da casa e do plano de Purochana de queimá-los
vivos. O mineiro disse que construiria um túnel da mansão até os bosques mais
próximos. Acho que posso terminá-lo em um mês. Também acredito que Purochana
vai esperar bem mais que um mês antes de atacar. Naturalmente, quer se
assegurar de que vocês fiquem completamente à vontade. Iudistira
concordou, e o mineiro logo começou seu trabalho, cavando num local escondido
dentro da casa. Os dias e as semanas iam e vinham, e os pandavas passavam a
maior parte do tempo passeando e familiarizando-se com os bosques que cercavam
a mansão. Marcaram uma estrada que saia da cidade com pedaços de pano branco,
que seriam visíveis à noite. Mais de um mês se passou. Os irmãos e sua mãe
pareciam estar claros e à vontade, mas estavam sempre em alerta, esperando a
próxima jogada de Purochana. Um deles sempre ficava acordado à noite, atento a
quaisquer sons incomuns, e as armas estava sempre à mão. Percebendo que
Purochana não suspeitava de nada e confiava que eles estavam à vontade,
Iudistira disse aos irmãos, uma noite: Acho que deveríamos agir agora, antes
que Purochana tenha oportunidade. Vamos nós mesmos atear fogo a esta casa,
queimando aquele homem falso com ela. O túnel está pronto e já podemos escapar
por ele, para que as pessoas pensem que morremos queimados. Iudistira sabia que
a notícia de suas supostas mortes logo chegaria a Hastinapura. Assim, eles
poderiam viajar por todo o país sem medo de ser perseguidos. Se permanecessem incógnitos,
podeiam sair de Varanavata e pensar no próximo passo a ser dado. No dia
seguinte, o festival foi celebrado. Kunti preparou grande quantidade de comida
para distribuir aos pobres e carentes da cidade. E a Providência Divina fez com
que uma mulher e seus cinco filhos chegassem à mansão. Eles comeram quanto
quiseram e beram uma grande quantidade de vinho. Logo ficaram bêbados e caíram,
adormecidos. Incapaz de despertá-los, os criados os deixaram onde estavam.
Quando todos já tinham saído da mansão naquela noite, os pandavas se
recolheram. Purochana também fora dormir no lugar de sempre, num quarto perto
da porta da saída. Lá fora, caía uma tempestade, e em seus aposentos os
pandavas esperavam silenciosamente que Purochana adormecesse profundamente. Então,
um a um, eles entraram no túnel, colocando Kunti no meio. Bima esperou até que
todos estivessem no túnel; então, pegando uma tocha, ateou fogo à casa,
começando pela porta. Depois, correu para o túnel, e dentro de poucos instantes
a mansão estava em chamas. Purochana não teve oportunidade de escapar, pois a
casa rapidamente se tornou um inferno. Uma multidão de cidadãos, despertos no
meio da noite pelos ruídos da conflagração, saiu às ruas. Quando viram a casa
dos pandavas cercada de labareda, choraram e gritaram de tristeza. Depois que
as chamas diminuíram, eles jogaram água no chão fumegante e entraram nas
ruínas. E encontraram os corpos queimados da mulher da tribo e de seus cinco
filhos. Acreditando que fossem os restos mortais de Kunti e dos pandavas,
lamentaram-se por longo tempo, gritando: Ah, esta é com certeza mais uma
maldade do perverso Duriodhana! Sempre invejoso dos primos generosos, ele não
hesitou em destruí-los! Com certeza seu pai cego também é cúmplice desse crime;
senão, como é que isso poderia ter acontecido? Os cidadãos reconheceram os
materiais inflamáveis com que a casa tinha sido construída. Ajudando-os na
busca no meio das cinzas, o mineiro se assegurou cuidadosamente de que o túnel
não fosse encontrado. E mensageiros foram, então, enviados a Hastinapura para
informar os kurus da tragédia. Capítulo Seis. A PRINCESA QUE NASCEU DO FOGO -
EM HASTINAPURA, OS MENSAGEIROS DE VARANAVATA trouxeram a notícia da suposta
morte dos pandavas. Dritarastra soluçava, triste. Genuinamente triste, pois sua
aflição originava-se do sentimento de culpa. Ele segurava a cabeça e chorava:
Hoje é que o meu querido irmão Pandu, que vivia por meio dos filhos, morrreu.
Este é um dia negro para os kurus. O rei instruiu para que se fizesse uma
cerimônia fúnebre. Milhares de cidadãos, chorando, entraram nas águas do rio
Ganges para ofertar flores às almas que haviam partido. Lamentavam-se
terrivelmente, chamando alto os nomes de Kunti e de seus filhos. Bishma se
mostrou particularmente aflito, isolando-se em seus aposentos para chorar
sozinho. Duriodhana e os irmãos deram ostensivas demonstrações de tristeza,
lamuriando-se sem cessar, mas internamente se rejubilavam. Vidura não se
mostrou muito triste, mas sabia que não podia revelar a verdade a ninguém, Até
mesmo Bisma, que era favorável aos pandavas, certamente contraria ao rei que
eles estavam salvos, e haveria muita perturbação e tensão em Hastinapura. Seria
melhor aguardar até que o Senhor revelasse um momento mais oportuno. Os
pandavas viveram um tempo em Ekachacra. Apresentando-se como brâmanes, ganhavam
a vida pedindo esmolas. De dia, percorriam a aldeia coletando esmolas. Voltavam
ao anoitecer e Kunti preparava a refeição, dividindo a comida em duas partes -
metade para Bima e metade para todos os outros. Enquanto os pandavas viviam em
Ekachacra, um brâmane viajante pernoitou na casa deles e lhes contou histórias
que ouvira em suas viagens. Souberam, então, que em breve haveria uma cerimônia
de swayamvara na capital do rei Drupada, na qual sua filha escolheria um
marido. O brâmane descreveu a filha de Drupada, Draupadi: Essa nobre moça é de
uma beleza incomparável. E não nasceu como qualquer mulher mortal. Todos os
reis do mundo comparecerão ao swayamvara de Draupadi. Fascinados, os pandavas
pediram ao brâmane que lhes falasse mais sobre Draupadi. Esta história começa,
na verdade, com o nascimento de Drena, o brâmane respondeu, e tem suas raízes
ou relacionamentos entre o grande achária e o poderoso rei Drupada. O brâmane
narrou a história do desentendimento entre Drona e Drupada, que os pandavas
conheciam tão bem. Eles se mantiveram em silêncio enquanto o brâmane relatava
como eles tinham derrotado Drupada. Depois disso, o rei se foi, espumando de
indignação. Ele queria se vingar de Drona. Compreendendo que somente outro
brâmane poderoso poderia se igualar a Drona e vencê-lo, entrou na floresta para
procurar um. Encontrou dois irmãos brâmanes, chamados Yaja e Upayaja. Quando
lhes perguntou se poderiam fazer com que tivesse um filho que vencesse Drona,
eles aceitaram fazer um sacrifício para esse fim. Drupada e sua esposa se
sentaram no momento do sacrifício, observando enquanto os dois irmãos faziam as
oferendas ao grande fogo. Então, ante seus olhos atônitos, um jovem surgiu no
fogo. Vestido com armadura de ouro, o guerreiro resplandecente imediatamente
subiu no carro e circulou por ali, gritando e brandindo o arco. Uma voz
celestial anunciou que ele tinha nascido para destruir Drona, e foi-lhe dado o
nome de Dristadiúmna. Logo após, uma moça também surgiu do fogo. Com a pele
clara como um lótus azul, era linda como a deusa da fortuna. Seus olhos eram
escuros e seus cabelos caiam em cachos negros. Emanava uma fragrância doce,
tinha a cintura bem fina, seus lábios eram sensuais e seus membros delicados.
Ouviu-se novamente a voz celestial: Esta beleza divina será a melhor das
mulheres. Cumprindo o propósito dos deuses, ela provocará a morte de
incontáveis guerreiros. O brâmane também lhes contou que Drona, mesmo sabendo
que o rapaz tinha nascido para matá-lo, o aceitara o na sua academia e lhe
ensinara a ciência das armas. Quando o brâmane terminou de falar, os pandavas
ficaram em silêncio. A mente deles viajava até o passado. Sabendo que seu amado
guru Drona seria morto, e também escutando a descrição de Draupadi, celestialmente
adorável, ficaram pasmos e sentiram que falar, naquele momento, seria
supérfluo. Naquela noite, depois que se retiraram para descansar, Kunti falou
aos filhos. Vendo que estavam ansiosos, disse-lhes: Nós já vivemos aqui por um
longo tempo. Acho que deveríamos agora partir para o reino de Drupada,
Panchala. Iudistira concordou. Tanto ele quanto seus irmãos queriam muito ir ao
swayamvara de Draupadi. Mas ele se lembrou do aviso de Viasadeva: O rishi nos
pediu que o esperássemos aqui até que ele voltasse. No momento em que
pronunciou o nome de Viasadeva, o sábio repentinamente apareceu perto deles.
Todos logo o reverenciaram, ajoelhando-se a seus pés, e ele disse: Entendi o
desejo de suas mentes e vim aqui vê-los. Vocês certamente devem ir a Panchala
para o swayamvara de Draupadi. O sábio também disse que Arjuna deveria
participar do concurso para ganhar a mão de Draupadi. A princesa é uma noiva e
tanto. Na verdade, ela está destinada a se casar com vocês. Iudistira falou: Ó
rishi onisciente, iremos logo para Panchala. Viasadeva então se despediu de
Kunti e dos irmãos e, no dia seguinte, eles partiram para a cidade de Drupada,
Kampilia, a capital de Panchala. Caminhando pelas estradas dia e noite, iam na
direção norte. Depois de três dias de viagem, chegaram ao rio Ganges. Já era
noite, e andavam iluminados pela tocha que Arjuna carregava. Quando se
aproximaram do rio, foram repentinamente interpelados por alguém que lhes
gritou de dentro da escuridão. Alto lá! vocês não podem seguir adiante. Sou Angaraparna,
um chefe gandarva que está se banhando neste rio. É durante a noite que os
seres celestiais como nós usam o rio; os homens devem se banhar somente de dia.
Se vocês se aproximarem mais, correrão sério perigo. Sou poderoso e não
tolerarei qualquer abuso. Arjuna colocou a tocha em várias direções e
finalmente viu o gandarva à sua frente, sentado num carro de ouro. Dando um
passo à frente, ele riu e falou: Ó tolo, desde quando o rio Ganges pode ser
fechado a qualquer pessoa e a qualquer hora? Isso é totalmente contrário aos
princípios religiosos. Só mesmo uma pessoa ignorante ou sem nenhum poder
acataria seu aviso. Quanto a nós, não damos a mínima para as suas palavras.
Angaraparna ficou furiosos. Imediatamente pegou seu arco e atirou inúmeras
flechas, que sibilavam como serpentes venenosas. Arjuna não se perturbou:
aparou algumas das flechas com o escudo que tinha numa das mãos e outras com a
própria tocha. Sempre rindo, falou: Ó gandarva, não tente intimidar aqueles que
são os melhores nas armas. Você está desperdiçando seu tempo. Mas, por ser um
ente celestial, lutarei contra você com armas celestiais. Prepare-se para
receber a Agneyastra, o míssil do deus do fogo! Elevando a tocha, Arjuna
recitou alguns mantras para invocar o poder da arma celestial. Então, atirou a
tocha contra Angaraparna. Carregada de poder místico, a tocha explodiu contra o
carro do gandarva e o reduziu a cinzas. Atônito, este caiu de cabeça no chão.
Arjuna o levantou pelos cabelos, que estavam adornados com guirlandas de flores,
e o levou aos pés de Iudistira. A esposa de Angaraparna, chocada, correu até
Arjuna e lhe pediu, de mãos postas, que liberasse o marido. Iudistira
sorriu para Arjuna e falou: Ó herói, quem mataria um inimigo que é vencido na
batalha, indefeso, de quem lhe tiram a honra e ainda por cima protegido por uma
mulher? Deixe-o ir. Arjuna libertou Angaraparna: e sua esposa correu até ele e
respingou água em seu rosto. O gandarva se levantou e disse a Arjuna, em voz
baixa: Daqui por diante renuncio a meu orgulho, uma vez que fui humilhado por
um homem. Ainda assim, considero uma sorte ter conhecido heróis como vocês, que
comandam armas divinas. Vocês me devolveram a vida, e desejo lhes dar alguma
coisa em troca. Angaraparna, então, concedeu a Arjuna o poder de ver qualquer
coisa, assim como sua natureza essencial, que existisse no mundo. Também lhe
ofereceu o poder de criar ilusões durante uma batalha. Além disso, ainda lhe
darei cavalos que podem galopar na velocidade do pensamento. Por favor,
aceite estes presentes, ó homem sem pecados. Arjuna juntou as mãos e respondeu:
Não posso aceitar nada em troca de sua vida. Os Vedas ordenam que não se mate
uma pessoa perturbada e, além disso, meu irmão me ordenou que o libertasse.
Portanto, este era o meu dever. Livro Mahabharata - Versão Comentada da Maior
Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.
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