sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

ACORDANDO PARA O SEU MUNDO

 

Budismo. www.budavirtual.com.br. Texto de Pena Chodron. Tradução Fábio Valgas. ACORDANDO PARA O SEU MUNDO. Um dos meus assuntos favoritos de contemplação é a seguinte questão: “Desde que a morte é certa, mas a hora da morte é incerta, qual é a coisa mais importante?” Você sabe que irá morrer, mas você realmente não sabe quanto tempo tem para despertar do seu casulo de padrões habituais. Você não sabe quanto tempo lhe resta para cumprir com o potencial do seu nascimento humano precioso. Dado isso, qual é a coisa mais importante? Em todos os dias da sua vida, em todas as manhãs da sua vida, você poderia se perguntar: “Enquanto eu sigo por esse dia, qual é a coisa mais importante? Qual é o melhor uso desse dia?” Na minha idade, é meio assustador quando eu me deito a noite e olho para como foi o dia, e parece que eu passei por ele num estalar de dedos. Aquilo foi um dia inteiro? O que eu fiz com ele? Eu me movi minimamente em direção a ser mais compassiva, amorosa e cuidadosa – para ser totalmente desperta? Minha mente está mais aberta? O que eu realmente fiz? Eu sinto como há tão pouco tempo e o quão importante é a maneira como nós o gastamos. Qual é o melhor uso de cada dia de nossas vidas? Num dia bastante curto, cada um de nós se tornaria mais são, mais compassivo, mais suave, mais em contato com a qualidade onírica da realidade. Ou nós poderíamos enterrar estas qualidades mais profundamente e entrar em contato com a mente sólida, retirando-se ainda mais para dentro de nossos próprios casulos. Toda vez que um padrão habitual se fortalece, toda vez que nos sentimos tomados pelo piloto automático, nós poderíamos ver isso como uma oportunidade de queimar o carma negativo. Ao invés de ver isso como um problema, nós poderíamos vê-lo como um amadurecimento do carma, que nos dá a oportunidade de queimá-lo, ou ao menos de enfraquecer nossas propensões cármicas. Mas isso é difícil de ser feito. Quando percebemos que estamos fisgados, que estamos no piloto automático, o que fazemos a seguir? Isso é uma questão central para o praticante. Uma das maneiras mais eficientes para trabalhar com aquele momento em que você vê a tempestade de tendências habituais se formando é a prática de pausar, ou criar um espaço. Podemos parar e tomar três respirações conscientes e, assim, o mundo tem uma chance de se abrir para nós dentro desse espaço. Nós podemos permitir o espaço dentro do nosso estado mental. Antes de eu falar mais a respeito de pausar conscientemente e criar um espaço, pode ser útil apreciar o espaço que já existe em nosso ambiente. A mente desperta existe nos nossos arredores – no ar e no vento, no mar, na terra, nos animais –, mas com que frequência estamos de fato em contato com isso? Estamos tirando as nossas cabeças para fora dos nossos casulos por tempo suficiente para verdadeiramente prová-la, ter experiencia, deixá-la mudar alguma coisa em nós, deixá-la penetrar na maneira usual com que olhamos para as coisas? Se você reserva algum tempo para praticar meditação formalmente, talvez cedo, pela manhã, há muito silêncio e espaço. A prática da meditação em si é uma maneira de criar espaços. Toda vez que você percebe que está pensando e deixa seus pensamentos irem, você está criando um espaço. Toda vez que a expiração está saindo, você está criando um espaço. Talvez você não experiencie isso sempre dessa forma, mas a instrução básica da meditação é desenhada para ser cheia de espaços. Se você não preenche o seu tempo de prática com a mente discursiva, com suas preocupações e obsessões e esse tipo de coisa, você tem tempo para experienciar as bênçãos do seu entorno. Você pode somente sentar-se lá, quieta. Assim, talvez o silêncio nasça em você, e a sacralidade do espaço irá penetrar. Ou talvez não. Talvez você já esteja tomado pelo trabalho que tem pra hoje, pelos projetos que não terminou do dia anterior. Talvez você se preocupe com algo que precisa ser feito, ou que não foi feito, ou com uma carta que acabou de receber. Talvez você esteja tomado por uma mente atarefada, tomado por hesitação ou medo, depressão ou desencorajamento. Em outras palavras, você foi para o seu casulo. Para todos nós, a experiência dos nossos embaraços difere a cada dia. Mesmo assim, se você se conecta com as bênçãos do seu entorno – a quietude, a mágica e o poder – talvez esse sentimento possa permanecer com você e você possa ir para o seu dia com ele. O que quer que você esteja fazendo, a mágica, a sacralidade, a expansividade, a quietude, permanecem com você. Quando você está em contato com esse ambiente mais amplo, isso pode cortar através da sua mentalidade de casulo. Por outro lado, eu sei, por experiência pessoal, o quão forte a mente habitual pode ser. A mente discursiva, a mente atarefada, preocupada, tomada, desorientada, é poderosa. Isso é mais uma razão para fazer a coisa mais importante – perceber, a quão poderosa é a oportunidade de cada dia, e o quão fácil é desperdiçá-la. Se você não permite que a sua mente se abra e conecte-se com onde você está, com o imediatismo da sua experiência, você poderia se tornar facilmente submergido. Você poderia estar completamente tomado e distraído pelos detalhes da sua vida, do momento em que você se levanta da cama pela manhã até cair no sono, quando anoitece. Você se torna tão tomado pelo conteúdo da sua vida, pelas minúcias que criam cada dia, se torna tão auto absorto no grande projeto que você tem para fazer que as bênçãos, a mágica, a quietude e a vastidão lhe escapam. Você nunca emerge do seu casulo, a não ser por quando há um barulho que é tão alto que você não consegue evitar de notá-lo, ou alguma coisa te choca, ou captura o seu olhar. Então, por um momento, você põe a cabeça para fora e percebe “Uau! Olha esse céu! Olha aquele esquilo! Olha, aquela pessoa!” O grande professor tibetano do século XIV, Longchenpa (1308-1363), falou sobre o nosso foco desnecessário e sem sentido nos detalhes, nos tornando tão apanhados que não conseguimos ver aquilo que está na frente do nosso nariz. Ele fala que esse foco inútil se estende momento a momento, criando um contínuo, e, assim, dias, meses e até mesmo vidas inteiras se passam. Você gasta todo o seu tempo apenas pensando sobre as coisas, distraindo a si mesmo com a sua própria mente, completamente perdido em pensamentos? Eu mesma conheço esse hábito muito bem. Se trata do dilema humano. É aquilo que o Buda reconheceu e que todos os professores que viveram desde então reconheceram. É em frente a isso que nós estamos. “Sim, mas…”, nós dizemos. Sim, mas eu tenho um trabalho a fazer, existe um prazo, existe uma infinidade de e-mails com os quais eu preciso lidar, eu tenho que cozinhar e limpar e tenho meus afazeres. Como nós deveríamos lidar com tudo aquilo que temos para fazer em um dia, uma semana, um mês, sem perdermos a preciosa oportunidade de experienciar quem nós realmente somos? Nós temos não somente uma vida humana preciosa, mas essa vida humana preciosa é feita de momentos humanos preciosos. Como nós os gastamos é muito importante. Sim, nós temos trabalhos a fazer; nós não ficamos apenas sentados por aí meditando o dia inteiro, mesmo dentro de um centro de retiros. Nós possuímos a real essência das relações – a maneira como vivemos juntos, como nos esfregamos uns nos outros. Encarar as dificuldades sozinhos, afastando-se das pessoas que achamos estarem nos distraindo, não resolve nada. Parte do nosso carma, parte do nosso dilema, é aprender a trabalhar com os sentimentos que as relações nos trazem. Elas também provêm as oportunidades para se fazer a coisa mais importante. Se você passou a manhã perdido em pensamentos, preocupando-se sobre o que precisa fazer no fim da tarde, já trabalhando em cada lacuna que consegue encontrar, você perdeu várias oportunidades e não é nem a hora do almoço ainda. Mas se a manhã foi caracterizada por ao menos alguma espacialidade, alguma abertura na sua mente e no seu coração, alguma lacuna na sua maneira usual de ser arrastado, cedo ou tarde isso irá começar a penetrar no resto do seu dia. Se você não tem se acostumado à experiência da abertura, se você não adquiriu nenhum sabor disso, então não há nenhuma chance de que a tarde seja influenciada por isso. Por outro lado, se você deu uma chance à abertura, não importa se você está meditando, trabalhando no computador ou fazendo comida, a mágica estará lá para você, permeando sua vida. Como eu disse, nossos hábitos são poderosos, então uma certa disciplina é necessária para dar o passo para fora de nossos casulos e para recebermos a mágica dos nossos arredores. A prática de pausar – a prática de tomar três respirações conscientes a qualquer momento quando notamos que estamos empacados – é uma simples. Porém, poderosa prática que cada um de nós pode fazer a qualquer momento. A prática de pausar pode transformar cada dia de nossas vidas. Ela cria uma porta aberta para a sacralidade do lugar em que você se encontra. A vastidão, a quietude e a mágica do lugar irão alvorecer sobre você se você permitir que a sua mente relaxe e largue por apenas algumas respirações a narrativa em que você tem trabalhado com tanto esforço para manter. Se você pausa por tempo suficiente, você pode se reconectar com o exato lugar onde você está, com o imediatismo da sua experiência. Quando você está acordando pela manhã e ainda nem se levantou da cama, mesmo que esteja atrasado, você poderia apenas observar e soltar a narrativa e tomar três respirações conscientes. Apenas esteja onde você está! Quando você está lavando o rosto, ou fazendo café ou chá, ou escovando os dentes, apenas crie uma lacuna na sua mente discursiva. Tome três respirações conscientes. Apenas pause. Deixe que se torne um contraste com relação a estar todo preso. Deixe que seja como estourar uma bolha. Deixe que seja apenas um momento no tempo, e aí siga em frente. Você está a caminho de fazer o que quer que seja preciso ser feito nesse dia. Talvez você esteja no seu carro ou no ônibus, ou de pé em uma fila. Mas você ainda pode criar aquela lacuna por meio de tomar três respirações conscientes e estar exatamente ali, com o imediatismo da sua experiência. Exatamente ali, com o que quer que você esteja vendo, com o que quer que você esteja fazendo, com o que quer que você esteja sentindo. Outra maneira poderosa de fazer a prática do pausar é simplesmente escutar por um momento. Ao invés da visão como sendo a percepção sensorial predominante, deixe que o som, que o escutar seja o sentido predominante de percepção. É uma forma muito poderosa de cortarmos através da nossa maneira convencional de olhar para o mundo. A qualquer momento, você pode apenas parar e ouvir imediatamente. Não importa qual som em particular você ouve; você simplesmente cria uma lacuna ao escutá-lo atentamente. A qualquer momento você poderia apenas ouvir. A qualquer momento, você poderia pôr a sua atenção toda no imediatismo da sua experiência. Você poderia olhar para sua mão a descansar na sua perna, ou sentir suas nádegas sentadas no sofá ou na cadeira. Você poderia apenas estar aqui. Ao invés de não estar aqui, ao invés de estar absorto pelos pensamentos, planejamentos e preocupações, interrompido do poder e da mágica do momento, você poderia estar aqui. Quando você sai para uma caminhada, pause frequentemente – pare e ouça. Pare e tome três respirações conscientes. Como especificamente você cria essa lacuna na verdade não importa. Apenas encontre uma forma de pontuar a sua vida com esses momentos livres de pensamento. Não é necessário que sejam minutos livres de pensamento, basta que sejam não mais que uma respiração, que um segundo. Pontue, crie lacunas. Assim que o fizer, você perceberá o quão grande é o céu, o quão grande é a sua mente. Quando você está trabalhando é tão fácil consumir-se, particularmente por computadores. Eles possuem um modo de te hipnotizar, mas você poderia ter um alarme no seu computador que te lembra de criar uma lacuna. Não importa o quão desafiador seja o seu trabalho, não importa o quanto ele esteja te apanhando, apenas continue pausando, continue permitindo alguma lacuna. Quando você é fisgado por seus padrões habituais, não veja isso como um grande problema; permita uma lacuna. Quando você está completamente enrolado com alguma coisa e você pausa, uma inteligência natural dá um clique e você tem uma sensação da coisa certa a ser feita. Isso faz parte da mágica: nossa própria inteligência natural está sempre lá para nos informar, contanto que permitamos a lacuna. Enquanto estivermos no piloto automático, ditado pelas nossas mentes e nossas emoções, não há inteligência. É uma corrida dos ratos. Quer nós estejamos num centro de retiros ou em Wall Street, ele se torna o lugar mais atarefado, mais emaranhado do mundo. Pause, conecte-se com o imediatismo da sua experiência, conecte-se com as bênçãos; libere-se do casulo do auto envolvimento, falando consigo mesmo o tempo todo, completamente obcecado. Permita uma lacuna, lacuna, lacuna. Apenas faça isso, de novo e de novo e de novo; permita a si próprio o espaço para perceber quem você é. Perceba o quão grande a sua mente é; perceba o quão grande é o espaço que nunca foi embora, mas que você tem ignorado. Encontre uma maneira de diminuir a velocidade. Encontre uma maneira de relaxar. Encontre uma maneira de relaxar a sua mente e faça isso muitas e muitas vezes, continuamente ao longo do dia, não apenas quando você está fisgado, mas o tempo todo. Na sua raiz, estar pego pelo pensamento discursivo, continuamente auto envolvido com planos discursivos, preocupações e assim por diante, se trata de apego a nós mesmos. É a manifestação superficial do apego ao ego. Então qual é a coisa mais importante a ser feita a cada dia? Com cada manhã, cada tarde, cada anoitecer? É deixar uma lacuna. Não importa se você está praticando meditação ou se está trabalhando, há uma continuidade por detrás. Essas lacunas, essas pontuações, são como abrir buracos em nuvens, abrir buracos no casulo. E estas lacunas podem estender-se para que elas possam permear a sua vida inteira, para que então a continuidade não seja mais a continuidade do pensamento discursivo, mas sim, uma lacuna contínua. Mas antes que sejamos arrastados pela ideia de lacuna contínua, sejamos realistas a respeito de onde nós realmente estamos. Primeiro, precisamos lembrar a nós mesmos sobre qual é a coisa mais importante. Depois, precisamos aprender como equilibrar isso com o fato de que temos trabalhos a fazer, o que pode fazer com que fiquemos submersos nos detalhes das nossas vidas e tomados pelo casulo dos nossos padrões durante o dia todo. Então, encontre maneiras de criar a lacuna frequentemente, recorrentemente, continuamente. Dessa forma, você permite a si mesmo o espaço para conectar-se com o céu e o oceano e os pássaros e a terra, e com as bênçãos do mundo sagrado. Dê a si mesmo a chance de sair do seu casulo. www.budavirtual.com.br. Abraço. Davi

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

APRESENTAÇÃO III

 

Religião Afro-brasileira. Candomblé. Livro O Candomblé da Bahia. Rito Nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018). Capítulo I. APRESENTAÇÃO III. Se este o perde e outra pessoa o usa, não terá nenhum poder para esta, pois não foi posto em participação, nem direta, nem indireta, com a cabeça dela. Vê-se, pois, que a cerimônia da lavagem nada tem de dramático nem de pitoresco. Atenção, porém. É de importância capital para o indivíduo que a ela se submete, pois daí por diante fica ligado a um mundo diferente. Não gozará mais da liberdade que antes possuía, está preso a toda uma cadeia de obrigações negativas ou positivas, de encargos e de deveres. Não poderá mais comer certos alimentos, os que são eho (tabu) para seu deus; não poderá ter relações sexuais no dia da semana dedicado à divindade; finalmente, compromete-se tacitamente a participar do ciclo de despesas do candomblé. Uma primeira ruptura se produziu, o homem se destacou da civilização profana, brasileira, para se integrar na civilização africana. Os Orixá detêm agora poder sobre ele; se violar os tabus, se não desempenhar suas novas obrigações, o deus que em parte já reina na sua cabeça pode puni-lo por meio de uma série de infelicidades, doenças, desgraças familiares, que irão se acumulando se não fizer caso dos primeiros avisos. O colar, com o decorrer do tempo, pode perder sua força e neste caso urge proceder a nova lavagem. Porém, para tal, não há datas marcadas, pois, a decadência da virtude das contas varia de acordo com as circunstâncias. b) O bori. Esta cerimônia foi descrita, mais ou menos minuciosamente, por Manuel Querino (1851-1923) e por Pierre Verger (1902-1996) na Bahia, por René Ribeiro no Recife; são encontrados também alguns detalhes na reportagem de Henry Georges Clouzot (1907-1977). Isto tudo nos permite não perder tempo com a descrição do ritual e ir imediatamente ao que é mais importante. O nome popular que designa esta cerimônia mostra bem tanto a função quanto o que tem de essencial: "dar de comer à cabeça". A pessoa que a faz realizar senta-se numa esteira recoberta de pano branco, com o torso nu e uma simples toalha nos ombros. O sacerdote, igualmente vestido de branco para a circunstância, consulta primeiramente os oubis para conhecer a vontade dos deuses. Se estes aceitaram a cerimônia, começará por recitar, "em língua", as fórmulas consagradas, pedindo a bênção dos Orixá e das almas dos antepassados; tritura entre os dentes uma noz de oubi e por três vezes cospe o conteúdo no rosto do paciente. Enquanto os assistentes entoam cânticos apropriados, diversos alimentos são preparados: parte será oferecida ao Orixá "dono da cabeça", outra aos mortos, outra será disposta sobre a cabeça de quem faz realizar o bori, e a última enfim será cozida para a refeição final. E, o que é ainda mais importante, sacrifica-se um galo; seu sangue rega, além da pedra do santo, a cabeça, o peito, os pés e as mãos do fiel. O animal foi morto arrancando-lhe violentamente a cabeça; o pescoço, ainda sacudido por movimentos espasmódicos e do qual o sangue jorra, é aproximado da boca do paciente que por três vezes, estirando a língua, o lambe. A cerimônia termina por nova consulta aos oubi, a fim de saber se os deuses estão satisfeitos e aceitam o ritual celebrado, sendo então consumida a parte das oferendas que foi cozida. O paciente, com o rosto, as mãos e os pés ainda sujos do sangue do sacrifício, que lhe coagulou sobre a pele, deve ficar a noite toda no terreiro, conservando na cabeça pequena parte dos alimentos para que o Orixá tenha tempo de comê-los. O bori (contração de obori) pode corresponder a diversos fins. "Tem por objetivo (...) obter saúde", diz Manuel Querino. E René Ribeiro, depois de ter definido o ori como sendo o próprio espírito do homem, acrescenta: "Sua fragilidade é motivo da maior preocupação, ritos como o dar comida à cabeça (...) tomando-se periodicamente necessários para que o indivíduo não se ressinta das possessões repetidas, como ainda possa oferecer a necessária resistência à ação de influências mágicas ou de entidades malévolas. Estes dois textos se completam, pois a doença a que Manuel Querino alude não é senão um sinal do enfraquecimento do ori, o resultado de "influências mágicas ou de entidades malévolas". No entanto, este mesmo autor, falando mais adiante do rito de iniciação, faz observação importante para nós: "Há pessoas que, apesar de pertencerem à seita, todavia não se querem prestar a dançar e a cantar de público, na ocasião em que o santo chega inesperadamente. Nesse caso, evita-se a manifestação, não completando o trabalho; restringe-se a cerimônia com a supressão da raspagem da cabeça, e não se espargindo sobre ela o effun. Isto é, no fundo a iniciação destes adeptos se limita ao bori e à educação religiosa. A oferta alimentar à cabeça, na medida em que efetivamente fortifica o ori, pode ter virtude profilática ou curativa. Por outro lado, na medida em que, por intermédio do sangue, liga a pedra do Orixá e o indivíduo, do mesmo modo que, por intermédio do alimento sagrado, se realiza uma ligação entre o deus, os mortos, os membros presentes do candomblé e a pessoa que põe em prática o bori, - promove, de maneira mais forte ainda do que a simples lavagem das contas, a incorporação do fiel à civilização africana. Constitui, em suma, a incorporação daqueles que serão servidores da seita, sem jamais manifestarem fenômenos de possessão. A lavagem das contas pode se reduzir ao simples banho de ervas sagradas, sem efusão de sangue, enquanto o bori requer o sacrifício de um "animal de duas patas"; a ligação entre a pedra divina e o indivíduo é, por conseguinte, neste caso, infinitamente mais estreita. Mas o sangue de um "animal de duas patas" tem menos força do que o de um "animal de quatro patas", e por isso esta participação é menos adiantada do que aquela que se estabelece com o rito de iniciação. No bori, o sangue que corre sobre a pedra, sobre o colar (se for feita a lavagem das contas ao mesmo tempo que a cerimônia de "dar comida a cabeça", como na descrição de Verger) é o mesmo lambido no pescoço da ave sacrificada, e a participação se opera, pois, simultaneamente. A lavagem das contas, ao contrário, pode se fazer sem a participação daquele que as usará (o qual não merece conhecer ainda os "segredos" da seita), efetuando-se a lavagem da cabeça ou do corpo um ou mais dias depois. Ora, este afastamento no tempo, na medida em que se realiza, manifesta ligação menor entre a pessoa e a realidade sobrenatural. Assim também, o indivíduo que dá comida à cabeça nada mais faz do que lamber o sangue pondo a língua de fora; mas a inicianda, como veremos, enfia o pescoço do galo no fundo da boca para engolir o sangue do "animal de duas patas", e, quanto ao sangue do “animal de quatro patas", recebe-o por um pequeno orifício praticado no alto do crânio. O bori, então, ocupa realmente posição intermediária no sistema que entrelaça homens e divindades, colocado entre a lavagem das contas, de um lado, e do outro, a iniciação propriamente dita. Uma vez que se trata da religião afro-brasileira, tão rica em rituais complexos, não se deve esquecer que o bori compreenderá ou não determinados elementos segundo o fim para o qual tende. Seja fortificar unicamente o espírito, seja ao mesmo tempo colocar a pessoa em associação mais estreita com o mundo dos candomblés. De qualquer modo, porém, o social nada mais faz do que inscrever, no domínio das relações interpessoais, as leis da vida mística. Os graus de participação ao grupo nada mais fazem do que seguir os da participação do homem ao seu Orixá. As variações da solidariedade social não são enfim mais do que o reflexo e a consequência das variações da solidariedade estabelecida entre a pessoa e o mundo dos deuses. Eis porque a posição do fiel na seita muda de acordo com a força do vínculo que o une a ela. O que, entre parêntesis, explica porque a união do sangue de um "animal de duas patas", sendo mais vigorosa, exige que o espírito do indivíduo seja fortalecido primeiramente, para depois poder suportá-la impunemente (e daí os dois aspectos complementares do bori). Por fim, a coerência da sociedade religiosa, das formas e dos processos de relação entre os membros dela, a participação maior ou menor destes membros ao tesouro de representações coletivas, os tipos de cooperação, dependem, em última análise, das ligações religiosas preestabelecidas entre os candidatos à vida do candomblé e as divindades. Não é a morfologia social que domina e explica a religião, corno queria Durkheim, mas ao contrário é o aspecto místico que domina o social. A iniciação. A lavagem das costas e o bori são partes obrigatórias da iniciação, pois a participação mais íntima à vida do candomblé exige forçosamente, primeiro, a passagem pelos graus intermediários. Além disso, a filha de santo iniciada deverá trazer sempre consigo seu colar; é preciso, portanto, prepará-lo. Por outro lado, os ritos de iniciação são extremamente dramáticos e não deixam de apresentar perigos para os indivíduos que a eles se entregam, por suscitarem forças misteriosas e poderosas; de onde a necessidade de fortificar a cabeça, a fim de que possa impunemente suportar o desencadeamento destas forças; como rito profilático e não simplesmente como incorporação, o bori é também necessário. Mas se a lavagem das contas e o "dar comida à cabeça" fazem parte da sequência cerimonial da iniciação, naturalmente esta é infinitamente mais rica, mais complexa, uma vez que, por meio dela, a incorporação ao candomblé se toma ainda mais estreita. Henry Georges Clouzot (1907-1977) parece pensar que a iniciação tem por fim dar origem ao êxtase. No entanto, escreve ele, se a possessão não é efetivamente senão uma crise histérica, por que existiria na Bahia, e somente na Bahia, tal proporção de doentes? O ponto central da iniciação consistiria, pois, em administrar ervas especiais que agem como drogas sobre as candidatas, reduzindo-as a um estado de atordoamento, mantendo-as então sob uma espécie de dominação hipnótica e estabelecendo-lhes no espírito, quando estão nesse estado de desagregação mental, uma associação entre o desencadear de certas músicas e o transe; associação que é tanto mais forte quanto é obra de sugestão, e a sugestão continua a operar quando o indivíduo retorna do estado hipnótico ao estado de vigília. Sua conclusão é, no entanto, mais flexível, pois leva em consideração ainda o fato de certas candidatas serem possuídas por um "santo bruto" antes de terem sofrido as provas iniciatórias: "Creio que as provas a que são submetidas as iaos constituem tratamento para certas neuroses, mas tratamento especial pois, eliminando crises agudas, mantém essas mesmas neuroses fixando suas manifestações em certas formas. Por exemplo: a epiléptica que entrou na camarinha acompanhando as filhas de santo. Suas crises se espaçaram imediatamente, desaparecendo no fim de 15 dias (...). Em lugar de se abandonar "às convulsões, aliviava-se (ou punha fim à inibição) entrando em estado de santidade". Clouzot já aqui reconhece que a iniciação, em vez de procurar destruir o indivíduo para torná-lo sugestionável, e assim sujeito às crises de possessão, tem muito mais por objetivo controlar estas crises. No entanto, encara ainda o controle através da medicina psiquiátrica. Dever-se-á encarar necessariamente as centenas de filhas e filhos de santo que vivem na Bahia como outros tantos epilépticos, histéricos, paranoicos, numa palavra, neuróticos - embora nosso autor pareça de início rejeitar esta hipótese? Não negamos que a explicação de Clouzot seja válida para alguns casos. Mas o transe de possessão tem caráter antes sociológico do que patológico; Jean Melville Herskovits (1895-1963) observa com muita razão, não devemos esquecer que este transe é fenômeno ''normal" para certas civilizações como as da África Negra, imposto pelo meio e constituindo uma espécie de adaptação social a certos ideais coletivos. É preciso estudar o cerimonial da iniciação sem nenhum etnocentrismo, sem escolher entre os elementos constitutivos aqueles que nos parecem os mais importantes ou os mais explicativos, mas também, por outro lado, sem negligenciar nenhum dos aspectos da questão: o controle da vida mística, a associação do indivíduo com seu Orixá, a incorporação de um novo membro na confraria religiosa, a morte e a ressurreição do candidato. Todos os que descreveram a iniciação na Bahia, dão como início da cerimônia a entrada do candidato ou candidata no santuário em que vai daí por diante viver muitos meses, de três a doze conforme o candomblé. Somente Pierre Verger (1902-1996), referindo-se à África, introduz na sequência o cerimonial da morte e da ressurreição do indivíduo. Quando alguém é possuído por um "santo bruto" e desaba finalmente no chão, deve ser transportado para o aposento em que o babalorixá vai "matar o santo", isto é, fazer o paciente retomar ao estado normal. A queda ao solo corresponde à morte da personalidade antiga e o rito de "matar o santo", à ressurreição; o ser que renasce não é mais, naturalmente, a personalidade antiga e sim um novo "eu" daí por diante divinizado. Todavia, embora a vontade do Orixá de montar este ou aquele indivíduo, transformando-o em seu cavalo, se manifeste muitas vezes desta maneira patética (já demos atrás alguns exemplos), pode-se na Bahia vir a ser filho ou filha de santo sem passar pelo estado preliminar de "santo bruto". Quando, por exemplo, descobrimos uma pedra de forma estranha, podemos reconhecer nela o apelo ainda misterioso de uma divindade; é o caso de Olympia, cuja história nos conta Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). A doença pode igualmente ser um sinal; conhecemos certo filho de Omolú que se iniciou depois de ter apanhado varíola. Algumas filhas de santo são, por sua vez, desde cedo designadas pelos pais para fazerem parte da confraria, sem que tenham manifestado em seu comportamento qualquer propensão a cair em transe. Nestes casos, morte e ressurreição só terão lugar depois da entrada no santuário, e então sob a forma de uma verificação, de uma espécie de teste para saber se o Orixá está realmente de acordo com a continuação do cerimonial. Tanto na lavagem das contas quanto no bori, por meio do banho de ervas ou pelo sangue, era a cabeça colocada em comunicação com a pedra da divindade, mas esta era uma pedra do pegi, uma pedra já "feita". Na iniciação, ao contrário, é preciso preparar nova pedra que será a pedra particular da iniciada, aquela de que terá de cuidar durante o resto da vida e à qual dá de comer. Daí a frase de Nina Rodrigues: "A feitura do santo compreende duas operações distintas, mas que se completam, a preparação de fetiche e a iniciação ou consagração do seu possuidor". Realmente, se, para facilitar a descrição, podemos separar os dois rituais, ambos são, todavia, mais do que complementares, ligados que estão de modo inextricável. Isto porque, como dissemos, a incorporação do indivíduo à vida do candomblé é consequência da sua ligação com um Orixá, e porque a força do Oríxá está em sua pedra. O que se pode afirmar é que esta preparação e, segundo a expressão de Nina Rodrigues, esta colocação do "fetiche" e da cabeça em participação, têm lugar no próprio começo do cerimonial de iniciação, no decorrer das primeiras etapas. Começa-se, naturalmente, - e esta é a função de babalaô, pela consulta aos búzios divinatórios, para saber qual o santo que reclama como sua candidata. Uma vez conhecido o nome do Orixá, então tem lugar a entrada no santuário. Vai então a candidata, nas trevas em geral luminosas das noites tropicais, tomar banho na fonte sagrada; põe de lado as velhas vestes antes de entrar n'água, envergando novas roupas à saída. Assim fica simbolizada, pelo banho lustral e pela mudança de trajes, a passagem da vida profana à vida mística. Regressando ao santuário, é solenemente recebida pelos dignitários da seita, que a fazem sentar num banco ou cadeira que nunca tenha servido, constituindo isto, de certo modo, um rito de entronização. Prepara-se a pedra. "A preparação ou lavagem do fetiche é coisa bem complicada em que o pai de terreiro põe toda a sua ciência, toda a sua perícia. A pedra do raio de Xangô, por exemplo, deve ser colocada num banho de azeite de dendê, de ervas sagradas; a de Yemanjá, em mel, farinha de milho, etc. Em seguida, esta pedra será colocada em contato com o indivíduo e com o colar que ele usará. Antes de mergulhar mais profundamente no dédalo do ritual, celebra-se um bori para fortificar a cabeça, tornando-a capaz de suportar sem perigo as crises repetidas e prolongadas que vão se suceder. Além disso, se necessário, outras "dar de comida à cabeça" terão lugar em seguida. O bori, além de tornar a pessoa apta a continuar sem perigo a iniciação, liga também mais estreitamente, como já mostramos, a pedra, o santo, o candidato e o grupo social que constitui o candomblé. É preciso acrescentar que esta pedra não será esquecida no decorrer dos rituais; uma parte dos alimentos, dos animais sacrificados, do sangue derramado, lhe será oferecida, de modo que a fabricação da pedra, ou como se diz a "fixação" de Orixá na pedra, segue passo a passo todas as etapas da "fixação" paralela do Orixá na cabeça do iniciado. A respeito de cerimônias proibidas aos olhos profanos, tudo o que se pode afirmar é que os dois movimentos são simultâneos, a pedra entrando no pegi ao mesmo tempo que o indivíduo entra na seita; as duas incorporações coexistem e traduzem a mesma participação, do objeto e de seu possuidor, com uma realidade sobrenatural idêntica. O babala6 pode às vezes se enganar ao consultar a sorte; a verdade é que tal só acontece raramente. Conheci apenas um caso controvertido, o de uma filha de Exú; era, porém, a filha que se sentia descontente com seu "Santo", e pretendia ser filha de Ogun; o babalorixá que a tinha feito não cessava, ao contrário, de afirmar que S (...) era mesmo filha de Exú. Em todo o caso, logo da primeira vez, não se pode nunca ter certeza de que o babalaô não se enganou. Trata-se de erro muito grave, pois o verdadeiro Orixá a que pertence o cavalo não deixaria efetivamente de manifestar seu descontentamento, vendo os sacrifícios, os alimentos, irem a outro que não a ele; para se vingar, lançaria doenças, azares, contra o cavalo em questão: justamente porque S (...) se sentia doente é que acreditava que tinha sido "malfeito”. Para evitar estes casos de reconhecimento errado, que obrigariam o indivíduo a praticar duas operações caras e difíceis, a de "tirar o santo" da cabeça e em seguida colocar outro, realiza-se, nos primeiros estágios da iniciação, toda uma série de ritos de "confirmação". Livro O Candomblé da Bahia. Rito Nagô. Abraço. Davi.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

APRESENTAÇÃO II

 

Religião Afro-brasileira. Candomblé. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018). Capítulo I. APRESENTAÇÃO II. Universidade de São Paulo – USP. Em seguida, "a cabeça, os intestinos, as asas e as patas são cozidas no azeite de dendê, com camarões e cebolas, mas sem sal", e este prato é depositado, juntamente com outros alimentos, diante dos tambores, onde ficarão um dia inteiro para que tenham tempo suficiente para "comer". Compreende-se por que razão os instrumentos apresentam algo de divino, que impede sejam vendidos ou emprestados sem cerimônias especiais de dessacralização ou de consagração, interessando-nos saber que somente por meio da música fazem baixar os deuses na carne dos fiéis. Eis porque, uma vez terminado o padê de Exú, a cerimônia prossegue com o toque musical dos tambores que, sozinhos, sem acompanhamento de cânticos nem de danças, falam aos Orixá e pedem lhes que venham da África para o Brasil. Em geral, os etnógrafos não têm prestado muita atenção a este diálogo preliminar dos tambores e das divindades. Creio que seu estudo revelaria a existência, na Bahia, de fenômenos análogos aos que Fernando Ortiz tão bem analisou para Cuba, onde, como se sabe, a religião é igual, isto é, yoruba. Mas não são apenas os três tambores que têm o poder de evocar a vinda dos Orixá; os agidavi também, isto é, as varetas com as quais são batidos e que, antes de serem utilizados, dormiram "junto dos deuses", no santuário, para se impregnarem de força sagrada; ou, mais exatamente sem dúvida, para entrarem em correspondência com os Orixá. O agôgô (corruptela de akoko, que quer dizer tempo, hora, em língua yoruba), sino simples ou duplo, algumas vezes mero pedaço de metal batido por outro pedaço de metal, desempenha também papel importante no candomblé. Quando as possessões estão custando para se produzir, sacerdote ou sacerdotisas agitam o aja junto ao ouvido das filhas de santo que dançam e não é raro que, importunada por esse ruído agudo e alucinante, a divindade se decida a montar em seu cavalo. Infelizmente, não sabemos se este último instrumento de música sofre uma preparação religiosa análoga à dos tambores ou dos simples agidavi. As danças preliminares. Em seguida são chamados os deuses, numa certa ordem que varia de candomblé para candomblé, mas que, por ocasião das festas públicas, são muitas vezes a mesma em santuários determinados. Esta ordem é conhecida como xiré: começa obrigatoriamente por Exu para terminar por Oxalá, que é o Senhor do céu e o mais elevado dos Orixá. Mas com exceção do primeiro e do último termo do xiré, reina a maior variedade na ordem dos termos intermediários; quando muito poder-se-ia dizer que, nas manifestações, muitas vezes se começa pelas divindades mais jovens ou mais violentas, como Ogun, para ir progressivamente para as mais velhas ou as mais calmas. Cada divindade recebe um mínimo de três cânticos; e ainda me lembro do protesto dos fiéis, uma noite em que não sei por que razão um dos seus deuses só recebeu dois, em lugar dos três cânticos regulamentares. O número de três não é, porém, senão um mínimo; pode-se cantar quantidade maior de cânticos. Nos candomblés bantos, as palavras são geralmente portuguesas, mas nos candomblés yoruba ou dahomeanos, os cânticos são "na língua", isto é, em africano, o idioma variando naturalmente de acordo com a origem étnica da "nação" egba, fon, etc. Para empregar um termo wagneriano, constituem, juntamente com os ritmos sonoros dos tambores que os acompanham outros tantos, motivos destinados a atrair os Orixá. Os cânticos, todavia, não são apenas cantados, são também dançados", pois constituem a evocação de certos episódios da história dos deuses, são fragmentos de mitos, e o mito deve ser representado ao mesmo tempo que falado para adquirir todo o poder evocador. Ao gesto juntando-se à palavra, a força da imitação mimética auxiliando o encantamento da palavra, os Orixá não tardam a montar em seus cavalos à medida que vão sendo chamados. Pode acontecer, porém, que a cerimônia prossiga durante muito tempo sem que haja possessões. Neste caso, os tambores fazem soar o toque adarrum, que não é acompanhado de cânticos, pois trata-se de chamar desta vez, não apenas uma, mas todas as divindades ao mesmo tempo. Seu ritmo cada vez mais rápido, cada vez mais implorante, acaba por abrir os músculos, as vísceras, as cabeças à penetração do deus que se esperou durante tanto tempo. Produzida a “crise” de possessão, as ekedy encarregadas de velar os filhos e filhas de santo, retiram-lhe o casaco se se trata de um homem, ou, em se tratando de mulher, o xale que a poderia estrangular no caso de convulsões, e antes de mais nada, os sapatos. O gesto é altamente simbólico: trata-se de despojar o indivíduo de sua personalidade brasileira para que retome à condição de africano. Os sapatos tiveram importância capital na vida do negro americano. Foram o sinal da sua libertação; quando um escravo era alforriado, seu primeiro cuidado era comprar um par de sapatos para se igualar ao branco, embora muitas vezes não os calçasse, pois, seus pés habituados a andar nus não os suportavam. Trazia-os, porém, suspensos ao pescoço pelo amarrilho, ou levava-os na mão; em casa, colocava-os bem à vista sobre um móvel, em lugar de honra. Quando o Orixá baixa, o negro é recolocado na condição de africano, de participante da vida tribal de seus pais; então pisará com seus pés nus a terra, que é também uma deusa. A violência da “crise” varia segundo as circunstâncias, o temperamento do indivíduo, a natureza do deus que o possui. No caso de certas faltas, pode mesmo tomar a forma de castigo. Se é muito violenta, o sacerdote ou sacerdotisa que dirige o culto, babalorixá ou ialorixá, coloca a mão na nuca do cavalo para acalmá-lo, ou assopra-lhe no ouvido. As ekedy então auxiliam o indivíduo, que titubeia sob o abraço divino, a sair do salão de dança para ir ou para o pegi, onde estão as pedras dos Orixa, ou para um quarto vizinho; se caiu ao chão, carregam-no como um corpo morto, ainda agitado por movimentos convulsivos. O êxtase tomará ali forma mais calma, não desaparecendo, terminando somente com os últimos cânticos. O fiel é revestido com as roupas litúrgicas de sua divindade, colocam-lhe nas mãos os objetos simbólicos da nova posição, espada de Ogum, arco de Oxossi, xaxara (membro viril) de Omolú, abébé (leque) de Oxun, paxoro (vara de ferro) de Oxalá. Cada integrante da confraria só pode receber o deus ao qual está ligado pelos ritos de iniciação. Certo número de casos excepcionais, podem, todavia, suceder, e deles diremos algumas palavras. Há alguns Orixá que não "baixam", como por exemplo Xangô Dada em Porto Alegre, ou Orunmila, na Bahia; nesse caso, a pessoa que lhe foi consagrada recebe uma divindade da mesma família; é esta a ocasião única em que é permitida a possessão por divindade diferente daquela a que se pertence de direito. Pode também acontecer que um Orixá turbulento ou ciumento monte cavalo que não é o seu, embora o caso seja muito raro (nunca assisti a nenhum). O sacerdote deve então despachá-lo imediatamente, mandá-lo embora. Exú não se encarna nunca embora por vezes tenha filhos; conhecemos pelo menos uma filha de Exu e citaram-nos nomes de outros. Mas a possessão de Exú se diferencia da dos outros Orixá pelo seu frenesi, seu caráter patológico, anormal, sua violência destruidora.Se quisermos uma comparação, é um pouco a diferença que fazem os católicos entre o êxtase divino e a possessão demoníaca. Se Exú ataca um membro do candomblé, é preciso, pois, despachá-lo também, afugentá-lo imediatamente. Mas, com exceção destes casos aberrantes que, afirmamos outra vez, são extremamente raros, a função desta parte do ritual que descrevemos tem realmente por objetivo a possessão dos homens pelos seus deuses. Por outro lado, nem todos os iniciados são possuídos. Não falamos das mulheres menstruadas, que não devem nem mesmo assistir à festa pois as divindades têm horror ao sangue catamenial; se uma delas ousa desobedecer, imediatamente os tambores o reconhecem, pois, sua simples presença perturba o toque musical. Porém as que estão grávidas ou de luto, mesmo presentes, nunca são "montadas" pelo seu Orixá. Numerosos membros de outros terreiros ou de outras seitas comparecem como visitantes ou como curiosos às cerimônias tradicionais dos grandes candomblés. Não é de bom-tom e é mesmo muito mal visto para os de fora caírem então em transe. O êxtase só é permitido no enquadramento do santuário onde foi feita a iniciação. Acontece, no entanto, às filhas de santo em visita, sentirem o apelo insistente da divindade desabrochar no íntimo; bebem então grandes copos de água gelada, que têm o poder de impedir que se produza a possessão. Um último caso pode finalmente se dar: o de pessoa não iniciada, que veio assistir às danças somente pelo prazer do espetáculo, e que bruscamente se vê presa também da crise de possessão. Diz-se neste caso que a pessoa foi atacada por um santo bruto, o que significa simplesmente que a crise não foi controlada, orientada pela coletividade. É então conduzida para o interior do santuário, a fim de ser iniciada e de se tornar uma filha de santo. Com efeito, a iniciação não tem outro objetivo senão socializar a crise para que daí por diante se processe segundo os padrões africanos. A dança dos deuses. Depois de um intervalo, durante o qual às vezes é servido um lanche aos convidados importantes, filhas e filhos de santo retornam ao salão de dança. Mas não são mais, nesse momento, apenas filhos e filhas de santo, são os próprios deuses encarnados que vêm se misturar um momento aos adeptos brasileiros. O ritmo da cerimônia não se modifica; têm lugar as mesmas evocações dos Orixá em ordem determinada, sempre com o mesmo mínimo de três cânticos regulamentares, com os mesmos leit-motiv (estado de espírito) wagnerianos, diante de um público cheio de fervor e respeito. Os gestos, porém, adquirem maior beleza, os passos de dança alcançam estranha poesia. Não são mais costureirinhas, cozinheiras, lavadeiras que rodopiam ao som dos tambores nas noites baianas; eis Omolú recoberto de palha, Xangô vestido de vermelho e branco, Yemanjá penteando seus cabelos de algas. Os rostos se metamorfosearam em máscaras, perderam as rugas do trabalho cotidiano, desaparecidos os estigmas dessa vida de todos os dias, feita de preocupações e de miséria; Ogun guerreiro brilha no fogo da cólera, Oxun é roda feita de volúpia carnal. Por um momento, confundiram-se África e Brasil; aboliu-se o oceano, apagou-se o tempo da escravidão. Eis presentes aqui os Orixá, saudando os tambores, fazendo ika ou dobale diante dos sacerdotes supremos, dançando, muitas vezes revelando o futuro ou dando conselhos. Não existem mais fronteiras entre natural e sobrenatural; o êxtase realizou a comunhão desejada. 7. Ritos de saída e de comunhão. O êxtase só chega ao fim quando forem cantados os cânticos de unló, cujo objetivo é justamente mandar embora os Orixá. Estes são entoados na ordem inversa das invocações, começando pelas divindades chamadas em último lugar para terminar por aquelas que vieram primeiro; à medida que a litania de nomes vai se desenrolando, as pálpebras fechadas vão se abrindo, o rosto perde a máscara da divindade, a personalidade normal reaparece. O último cântico tem lugar no pegí, como se o desejo fosse de que a força mística, que tinha rompido as amarras, regresse às pedras banhadas de sangue, aos pedaços de ferro que estão "comendo" a oferenda alimentar. E este último cântico, ao contrário dos precedentes, segue a ordem do xiré: atáu ecúô é di bom jeú Exú vai unló é di bom jeô atáu ecúô é di bom jeô Ogum vai un Oxum Emanjá Xangô Orixalá. Todavia, antes que todos se separem, um repasto de comunhão permitirá unir divindades, membros da confraria e aqueles dos espectadores que ainda permaneceram no recinto. As filhas de santo trazem, em pratos da cor de seus Orixá, um pouco do alimento, parte do qual fora colocado no pegí: branco para Oxalá, azul para Yemanjá, violeta para Nanan (...). Sentam-se em torno de uma toalha posta no próprio chão, sobre a qual depositaram o alimento sagrado. Cada qual toma um bocado do prato de seu deus, com as duas mãos em forma de concha, e engole-o com um movimento da boca que vai do punho à ponta dos dedos. Depois, oferece um bocado do prato aos filhos dos outros Orixá, de modo a cimentar a solidariedade do grupo por meio da partilha de alimentos. O resto, sobre folhas de bananeira, é oferecido aos espectadores que estão de pé em torno das filhas de santo sentadas no chão, os diferentes alimentos dos múltiplos Orixá fraternalmente misturados nesta espécie de bandeja vegetal; é obrigat6rio comer com a mão. Não se deve confundir este repasto, que é uma comunhão, com a colação algumas vezes servida aos convidados importantes entre a dança de chamada e a dança dos deuses. Trata-se aqui de algo muito diferente, de uma tríplice solidariedade a realizar, antes do regresso ao mundo profano: primeiro, entre o divino e o humano; depois, entre os membros da confraria que pertencem a divindades diferentes; e às vezes rivais; finalmente, também, entre a confraria e os não-iniciados, para que um pouco da África, que se perdeu e tornou a encontrar, nestes penetre igualmente. O grupo dos fiéis ultrapassa a confraria dos filhos e filhas de santo. A entrada num candomblé se faz progressivamente e há graus de incorporação, o mais baixo dos quais é o simbolizado pela lavagem do colar. A. Cada membro da seita tem um colar que lhe é pr6prio, cujas contas são da cor da divindade à que pertence: brancas para Oxalá, alternadamente brancas e vermelhas para Xangô, verdes para Oxossi, amarelas para Oxun (...). Mas o colar não tem valor por si mesmo, deve sofrer previamente determinada preparação, deve ser "lavado". O indivíduo que deseje, pois, participar da vida de um candomblé, deve começar por consultar o babalaô ou adivinho, que interrogará por ele o colar de Ifa ou os búzios, a fim de descobrir o nome do Orixá que é o "dono de sua cabeça". Basta, em seguida, fabricar o colar correspondente ao seu Orixá, ou mesmo comprá-lo simplesmente no mercado municipal, levando-o ao babaloríxá ou à ialorixá do terreiro ao qual quer pertencer, e que o lavarão. Manuel Raimundo Querino (1851-1923) fornece descrição da cerimônia: imersão do colar em bacia cheia d'água, trituração de folhas ligadas à divindade em questão (como veremos, cada deus tem, com efeito, suas folhas especiais), lavagem das contas com "sabão da Costa", isto é, da costa africana (sabão negro e mole), transmissão do colar à pessoa que deve usá-lo, com as respectivas recomendações sobre as futuras obrigações, e finalmente festa íntima com cânticos e refeição. A descrição, porém, é incompleta e deixa mesmo escapar o essencial. Para que o colar tenha valor, é preciso: 1. Que tenha ficado uma noite inteira sobre a peara do deus a que pertence e que o sangue de uma ave morta em sacrifício, juntamente com as ervas apropriadas, tenha lavado ao mesmo tempo pedra e colar. Mas não basta ainda: é preciso mais que 2. A esta primeira participação se junte uma segunda, entre pedra, colar e cabeça do indivíduo que celebra o ritual. Digo "cabeça" e não "indivíduo" porque a cabeça é considerada a moradia do Orixá. Lavar-se-á então a cabeça, e muitas vezes também o corpo inteiro, com a água e as ervas que serviram para a lavagem de colar e pedra. Assim entram em contato os membros do trinômio, deus, homem e colar, permitindo a passagem da corrente mística entre o primeiro e o último, por intermédio do segundo. Eis por que o colar só tem valor para o proprietário. Se este o perde e outro pessoa o usa, não terá nenhum poder para esta, pois não foi posto em participação, nem direta, nem indireta, com a cabeça dela. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Abraço. Davi

 

sábado, 24 de dezembro de 2022

O SIMBOLISMO ESOTÉRICO DO NATAL

 

Gnosticismo. Texto de Samael Aun Weor (1917-1977). O SIMBOLISMO ESOTÉRICO DO NATAL. É claro que este é um evento maravilhoso, sobre o qual urge meditar profundamente (…). O Sol realiza a cada ano uma viagem elíptica que começa no dia 25 de dezembro, e então regressa ao polo sul, até a região da Antártida; exatamente por isto vale a pena refletirmos sobre o significado profundo do NATAL. Nesta época começa o frio aqui no norte, devido exatamente ao fato de que o Sol vai se afastando para as regiões austrais e, no dia 24 de dezembro, terá atingido o ponto máximo de sua viagem na direção sul. Se o Sol não avançasse rumo ao norte do dia 25 de dezembro em diante, morreríamos de frio. A Terra inteira se converteria em um bloco de gelo e realmente pereceriam todas as criaturas, tudo o que tem vida. Assim, vale a pena refletir sobre o acontecimento do NATAL. O Cristo-Sol deve avançar para dar-nos vida, e, no equinócio da Primavera, se crucifica na Terra; então amadurecem a uva e o trigo. É precisamente na Primavera que o Senhor deve passar por sua vida, paixão e morte, para logo ressuscitar; a Semana Santa é na Primavera no Hemisfério Norte. O Sol físico nada mais é que um símbolo do Sol Espiritual, do Cristo-Sol. Quando os antigos adoravam o Sol, quando lhe rendiam culto, não se referiam exatamente ao Sol físico; rendia-se culto ao Sol Espiritual, ao Sol da Meia-Noite, ao Cristo-Sol. Inquestionavelmente, é o Cristo-Sol quem deve guiar-nos nos Mundos Superiores de Consciência Cósmica. Todo místico que aprende a funcionar fora do corpo físico à vontade é guiado pelo Sol da Meia-Noite, pelo Cristo Cósmico. É preciso aprender a conhecer os movimentos simbólicos do Sol da Meia-Noite; é ele quem guia o Iniciado, quem nos orienta, ele é que nos indica o que devemos e não devemos fazer. Estou falando no sentido esotérico mais profundo, levando em conta que todo Iniciado sabe sair do corpo físico à vontade, que isto de não saber sair à vontade é próprio de principiantes, gente que ainda está dando os primeiros passos nesses estudos. Se alguém está na Senda, tem que saber guiar-se pelo Sol da Meia-Noite, pelo Cristo-Sol, aprender a reconhecer seus sinais, seus movimentos. Se o vemos, por exemplo, desaparecer no ocaso, o que é que isto nos indica? Simplesmente que algo deve morrer em nós. Se o vemos surgir do Oriente, o que é que isto nos diz? Que alguma coisa deve nascer em nós. Quando nos saímos bem nas provas esotéricas, ele brilha em sua plenitude no horizonte. O Senhor nos orienta nos Mundos Superiores, e temos que aprender a reconhecer seus sinais. Jean Dupuis (1828-1912) e muitos outros estudaram o maravilhoso acontecimento do NATAL; não há dúvida, e isto o reconhece Jean Dupuis, de que todas as religiões da antiguidade celebraram o NATAL. Assim como o Sol físico avança para o norte para dar vida a toda a criação, também o Sol da Meia-Noite, o Sol do Espírito, o Cristo-Sol, nos dá vida se aprendemos a cumprir com seus mandamentos. Nas Sagradas Escrituras se fala, obviamente, do acontecimento solar, e há que saber entender isto nas entrelinhas. A cada ano se vive no Macrocosmo todo o Drama Cósmico do Sol; cada ano, repito. Leve-se em conta que o Cristo-Sol deve crucificar-se cada ano no mundo, viver todo o drama de sua vida, paixão e morte, para logo ressuscitar em tudo o que é, foi e será, quer dizer, em toda a criação. Assim, pois, é como todos nós recebemos a vida do Cristo-Sol. Também é certo que cada ano o Sol, ao afastar-se para a região Austral, nos deixa tristes aqui no norte, pois vai dar vida a outras partes. As noites longas de inverno são fortes. Na época do NATAL os dias são curtos e as noites longas. Vamos refletindo sobre tudo isto, e convém que entendamos o que é o Drama Cósmico. É necessário que também em nós nasça o Cristo-Sol, ele deve nascer em nós. Nas Sagradas Escrituras se fala claramente de Belém e de um estábulo onde ele nasce; esse estábulo de Belém está dentro de cada um aqui e agora; precisamente nesse estábulo interior moram os animais do desejo, todos esses “eus ” passionais que carregamos em nossa psique, isto é óbvio. “Belém” mesmo é um nome esotérico; nos tempos em que o grande Cabir veio ao mundo, a aldeia de Belém não existia, de modo que isto é inteiramente simbólico. Bel é uma raiz caldeia que significa Torre do Fogo, de modo que, propriamente dito, Belém é Torre do Fogo. Quem poderia ignorar que Bel é um termo caldeu que corresponde precisamente à Torre de Bel, à Torre do Fogo? Assim, o termo Belém é totalmente simbólico. Quando o Iniciado trabalha com o Fogo Sagrado, quando elimina completamente de sua natureza íntima os agregados psíquicos, quando de verdade está realizando a Grande Obra, indubitavelmente há de passar pela Iniciação Venusta; a descida do Cristo ao coração do homem é um acontecimento cósmico e humano de grande transcendência; tal evento corresponde na verdade à Iniciação Venusta. Infelizmente, não se compreendeu realmente o que é o Cristo; muitos supõem que o Cristo foi exclusivamente Jesus de Nazaré, e estão equivocados. Jesus de Nazaré, como homem – ou, melhor dizendo, Jeshuá ben Pandirá – recebeu, como homem, a Iniciação Venusta, encarnou o Cristo, mas não é o único a ter recebido tal Iniciação. Hermes Trismegisto, o três vezes grande Deus Íbis de Thot, também O encarnou. João Batista, a quem muitos consideravam como o Christus, o Ungido, inquestionavelmente recebeu a Iniciação Venusta, encarnou-O. Os Gnósticos Batistas asseguravam na Terra Santa que o verdadeiro Messias era João, e que Jesus era somente um Iniciado que havia querido seguir a João. Havia naquela época disputas entre Batistas, Gnósticos, Essênios e outros. Devemos entender o Cristo tal qual é, não como uma pessoa, como um indivíduo. O Cristo está mais além da Personalidade, do Eu e da Individualidade. Cristo em esoterismo autêntico é o Logos, o Logos Solar representado pelo Sol. Agora compreenderemos porque os Incas adoravam o Sol, os Nahuas lhe rendiam culto, os Maias, os Egípcios, etc. Não se trata da adoração a um sol físico, mas ao que se oculta atrás deste símbolo físico; obviamente, adorava-se o Logos Solar, o Segundo Logos. Este Logos Solar é unidade múltipla perfeita. A variedade é unidade. No mundo do Cristo Cósmico a individualidade separada não existe; no Senhor somos todos um (…). Me vem à memória certa experiência, digamos, esotérica, realizada há muitos anos. Então, submergido em profunda meditação, obtive certamente o Samadhi, o estado de Mantéia, o Êxtase, como é chamado no esoterismo ocidental. Naquela ocasião eu desejava saber algo sobre o batismo de Jesus, o Cristo, pois bem sabemos que João o batizou. Foi profundo o estado de abstração, obtive o perfeito Dharana, ou seja, concentração, o Dhyana, ou meditação, e por fim consegui o Samadhi; me atreveria a dizer que foi um Maha-Samadhi, porque abandonei perfeitamente os corpos Físico, Astral, Mental, Causal, Búdico e até o Átmico. Consegui, pois, reabsorver minha consciência de forma íntegra no Logos. Assim, nesse estado logoico, como um Dragão de Sabedoria, fiz a correspondente investigação. De imediato me vi na Terra Santa, dentro de um templo; mas, coisa extraordinária, vi a mim mesmo convertido em João Batista, com uma vestimenta sagrada; vi quando traziam a Jesus com sua veste branca, sua túnica branca. Dirigindo-me a Ele, disse: “Jesus, despe tua túnica, tua vestimenta, pois vou batizar-te”. Depois retirei de um recipiente um pouco de azeite de oliva, conduzi-O ao interior do Santuário, ungi-O com o óleo, despejei água sobre Ele e recitei os mantrams e ritos. Depois, o Mestre se sentou em sua cadeira à parte; eu guardei tudo novamente, pus os objetos em seus lugares e dei por terminada a cerimônia. Mas vi-me transformado em João! É claro que, uma vez passado o Êxtase, o Samadhi, pensei: “Mas como é possível que eu seja João Batista? Nem remotamente, eu não sou João Batista! Fiquei bastante perplexo e pensei: “Vou fazer agora outra concentração, mas agora não vou me concentrar em João, vou concentrar-me em Jesus de Nazaré”. Então escolhi como motivo da concentração o Grande Mestre Jesus. O trabalho foi longo e árduo, a concentração foi se fazendo cada vez mais profunda; logo passei do Dharana – concentração, ao Dhyana – meditação, e deste ao Sammadhi, ou Êxtase. Fiz um esforço supremo que me permitiu despir-me dos corpos Físico, Astral, Mental, Causal, Búdico e Átmico até introverter minha consciência, absorvendo-a no mundo do Logos Solar, e, em tal estado, querendo saber sobre o Cristo Jesus, me vi a mim mesmo convertido em Cristo Jesus, fazendo milagres e maravilhas na Terra Santa, curando os enfermos, dando vista aos cegos etc., e, por último, me vi vestido com as vestes sagradas chegando ante João naquele Templo. Então João se dirigiu a mim e disse: “Jesus, retira tua vestimenta, pois vou batizar-te”. Trocaram-se os papéis, já não me vi transformado em João mas em Jesus, e recebi o batismo de João. Passado o Samadhi, regressando ao corpo físico, vim a constatar perfeitamente, com toda a clareza, que no mundo do Cristo Cósmico somos todos um. Se eu tivesse querido meditar em qualquer um de vocês, lá no mundo do Logos, me teria visto transformado em um de vocês, vivendo sua vida, já que lá não há individualidade, não há personalidade nem Eu; ali somos todos o Cristo, ali somos todos João, ali todos somos o Buda, ali somos todos um; no mundo do Logos não existe a individualidade separada. O Logos é Unidade Múltipla Perfeita, é uma energia que se move e palpita em todo o criado, que subjaz em todo átomo, em todo elétron, em todo próton, e se expressa vivamente através de qualquer homem que esteja devidamente preparado. Bem, este esclarecimento teve como objetivo explicar melhor o acontecimento de Belém. Quando um homem está devidamente preparado, passa pela Iniciação Venusta – mas, esclareço, deve estar devidamente preparado – e na Iniciação Venusta consegue a encarnação do Cristo Cósmico em si mesmo, dentro de sua própria natureza. Inutilmente teria Jesus nascido em Belém se não nascesse em nosso coração também. Inutilmente teria morrido e ressuscitado na Terra Santa, se não morre e ressuscita em nós também. Esta é a natureza do Salvator Salvandus. O Cristo Íntimo deve salvar-nos, mas salvar-nos desde dentro, a todos nós. Aqueles que aguardam a vinda de Jesus de Nazaré para um futuro remoto estão equivocados; o Cristo deve vir agora desde dentro, a segunda vinda do Senhor é desde dentro, desde o próprio fundo da Consciência. Por isto está escrito o que Ele disse: “Se ouvires alguém dizendo na praça pública que é Cristo, não o creiais, e se disserem “Ele está ali no Templo predicando”, não o creiais”. É que o Senhor não virá desta vez de fora mas de dentro, virá desde o próprio fundo de nosso coração, se nós nos prepararmos. Paulo nos esclarece, dizendo: “De Sua virtude tomamos todos, graça por graça”. Então, está documentado; se estudarmos cuidadosamente Paulo de Tarso, veremos que raramente alude ao Cristo histórico; cada vez que Paulo de Tarso fala sobre Jesus Cristo, refere-se ao Jesus Cristo Interior, ao Jesus Cristo Íntimo, que deve surgir do fundo de nosso Espírito, de nossa Alma. Enquanto o homem não O tiver encarnado, não se pode dizer que possua a Vida Eterna, só Ele pode tirar nossa Alma do Hades, só Ele pode verdadeiramente dar-nos Vida, e em abundância. Assim, pois, devemos ser menos dogmáticos e aprender a pensar no Cristo Íntimo, isto seria grandioso (…). Todo o simbolismo relacionado com o nascimento de Jesus é alquímico e cabalístico. Diz-se que três Reis Magos vieram adorá-lo, guiados por uma estrela; este trecho não pode ser compreendido, falando francamente, se não se for versado em alquimia, porque é alquímico. Que são essa estrela e esses Reis Magos? E eu vos digo que essa estrela não é outra coisa que o Selo de Salomão, a estrela de seis pontas, símbolo do Logos Solar. O triângulo superior representa obviamente o Enxofre, ou seja, o Fogo. E o inferior, o que representa em Alquimia? O Mercúrio, a Água; mas a que tipo de água se referem os Alquimistas? Dizem eles: “A Água Que Não Molha as Mãos, o Úmido Radical Metálico”, em outras palavras, o Exiohehari. Ele nasce no estábulo de nosso próprio corpo dentro do qual temos todos os animais do desejo, das paixões inferiores. Ele tem que crescer, desenvolver-se ascendendo pelos diversos graus até converter-se num Homem entre os homens, tomar a seu cargo todos os nossos processos mentais, volitivos, sexuais, emocionais, etc., passar por um homem comum. Mesmo sendo o Cristo um Ser tão perfeito, um Homem que não peca, ainda assim deve viver como um pecador entre pecadores, um desconhecido entre outros desconhecidos; esta é a crua realidade dos fatos. Mas (o Cristo) vai crescendo, vai-se desenvolvendo à medida que elimina em si mesmo os elementos indesejáveis que levamos dentro. É tal sua integração conosco que lança toda a responsabilidade sobre seus ombros. Converteu-se num pecador como nós, não sendo Ele um pecador – sentindo em carne e osso as tentações, vivendo como um homem qualquer. E assim, pouco a pouco, à medida que vai eliminando os elementos indesejáveis de nossa Psique, não como algo alheio ou estranho mas como algo próprio Dele, vai se desenvolvendo no interior de nós mesmos; isto precisamente é o maravilhoso. Se não fosse assim, seria impossível realizar a Grande Obra. É Ele quem tem de eliminar todo esse Mercúrio Seco, todo esse Enxofre venenoso, para que os Corpos Existenciais Superiores do Ser possam converter-se em veículos de Ouro Puro, Ouro da melhor qualidade. Os Três Reis Magos que vieram adorar o Menino representam as cores da Grande Obra. A primeira cor é o Negro, quando estamos aperfeiçoando o corpo. Isto, repito, simboliza o Corvo Negro da Morte, é a Obra de Saturno simbolizada pelo Rei Mago de cor negra; então passamos por uma morte, a morte de nossos desejos, paixões, etc., no Mundo Astral. A seguir vem a pomba Branca, isto é, o momento em que já desintegramos todos os Eus do Mundo Astral; adquirimos então o direito de usar a túnica de linho branco, a túnica do Phtah egípcio, a túnica de Ísis; evidentemente esta cor é simbolizada pela Pomba Branca; este é ainda o segundo dos Reis, o Rei Branco. Já bastante avançado no aperfeiçoamento do Corpo Astral, apareceria a cor Amarela, ou seja, conquistaria o direito à túnica Amarela; então aparece a Águia Amarela, o que nos recorda o terceiro dos Reis Magos, que é da raça amarela. Finalmente, a coroação da Obra é a Púrpura. Quando um corpo, seja o Astral, o Mental ou o Causal, já se tornou de Ouro Puro, recebe a púrpura dos Reis, porque triunfou. Assim, como podem ver, os Três Reis Magos não são três indivíduos, como muitos acreditam, mas símbolos das cores fundamentais da Grande Obra, e o próprio Jesus Cristo vive dentro. Jesus em hebraico é Jeshuá; Jeshuá significa Salvador, e, como Salvador, nosso Jeshuá Particular tem de nascer neste estábulo que temos dentro de nós para realizar a Grande Obra; Ele é o Magnésio Interior do Laboratório Alquimista. O grande Mestre deve surgir no fundo de nossa Alma, de nosso Espírito. O mais duro para o Cristo Íntimo, após seu nascimento no coração do Homem, é precisamente o Drama Cósmico, sua Via Crucis. No Evangelho as multidões aparecem pedindo a crucificação do Senhor; essas não são multidões de ontem, de um passado remoto, como se supõe, de algo que ocorreu há 1975 (ano em que este texto foi escrito) anos. Não, senhores, essas multidões estão dentro de nós mesmos, são nossos famosos “Eus”; dentro de cada pessoa moram milhares de pessoas, o “Eu do ódio”, o “Eu tenho ciúmes”, o “Eu sinto inveja”, o “Eu da cobiça”, ou seja, todos os nossos defeitos, e cada defeito é um “Eu” diferente. É claro que essas multidões que trazemos dentro de nós, que são nossos famosos “Eus”, são os que gritam: “Crucifiquem-nO, crucifiquem-no!”. Quanto aos Três Traidores, já sabemos que no Evangelho Crístico são Judas, Pilatos e Caifás. Quem é Judas? O Demônio do Desejo. Quem é Pilatos? O Demônio da Mente. Quem é Caifás? O Demônio da Má Vontade. Mas é preciso esclarecer isto, para que se possa compreendê-lo melhor. Judas, o Demônio do Desejo, troca o Cristo Íntimo por 30 moedas de prata: 30 (3 + 0 = 3), esta é a alusão cabalística, ou seja, troca-O pelas coisas materiais, pelo dinheiro, pela bebida, pelo luxo, pelos prazeres animais etc. Quanto a Pilatos, é o Demônio da Mente; este sempre “lava as mãos”, nunca tem culpa, para tudo encontra uma evasiva ou justificativa, jamais se sente responsável. Realmente, estamos sempre justificando todos os defeitos psicológicos que temos em nosso interior, jamais nos julgamos culpáveis. Muita gente me diz: “Acredito ser uma boa pessoa; eu não mato, não roubo, sou caridoso, não sou invejoso”, ou seja, são todos cheios de virtude, perfeitos, segundo eles próprios; “ignoto”, é o que tenho a dizer ante tanta perfeição. Assim, olhando as coisas como são, em seu cru realismo, esse Pilatos sempre lava as mãos, nunca se considera culpado. Quanto a Caifás, francamente o considero o mais perverso de todos. Pensem no que representa Caifás: muitas vezes o Cristo Íntimo nomeia um Sacerdote, um Mestre ou Iniciado para que guie suas ovelhas e as apascente, lhe entrega a autoridade e o põe à frente de uma congregação, e o tal Sacerdote, Mestre, Iniciado etc., em vez de guiar seu povo sabiamente, vende os Sacramentos, prostitui o Altar, fornica com as devotas etc. Ou seja, trai o Cristo Interno, isto é o que faz Caifás. É doloroso isso? É claro, é horrível, é uma traição do tipo mais sujo que há, e não há dúvida de que muitas religiões se prostituíram e muitos sacerdotes traíram o Cristo Íntimo; não me refiro a nenhuma seita em particular, mas a todas as religiões do mundo. É possível que haja grupos esotéricos dirigidos por verdadeiros Iniciados, e que estes, muitas vezes traidores, tenham traído o Cristo Íntimo. Tudo isto é doloroso, infinitamente doloroso. Caifás é o que há de mais sujo. Estes três traidores levam o Cristo Íntimo ao suplício. Pensem por um instante no Cristo Íntimo no mais profundo de cada um de vocês, senhor de todos os processos mentais e emocionais, lutando por salvá-los, sofrendo terrivelmente; os próprios Eus de vocês protestando contra Ele, blasfemando, pondo a coroa de espinhos, açoitando-O. Bem, esta é a crua realidade dos fatos, este é o Drama Cósmico vivido interiormente. Finalmente, este Cristo Íntimo subiria ao Calvário, isto é óbvio, e baixa ao sepulcro, com sua morte mata a morte, isto é a última coisa que faz. Posteriormente ressuscita no Iniciado e o Iniciado ressuscita n’Ele. Então a Grande Obra está realizada, consummatum est. Assim têm surgido através dos séculos Mestres Ressurretos; lembremos um Hermes Trimegisto, um Moria, grande Mestre da Força do Tibet, lembremos o Conde Cagliostro (1743-1795), que ainda vive, e Saint-Germain (1712-1784), que em 1939 visitou outra vez a Europa. Este Saint-Germain trabalhou ativamente nos séculos 17, 18 e 19 e, entretanto, continua a existir fisicamente, é um Mestre Ressurreto. Por que são Mestres Ressurretos? Porque, graças ao Cristo Íntimo, obtiveram a Ressurreição. Sem o Cristo Íntimo, a Ressurreição não seria possível. Aqueles que supõem que pelo simples fato de morrer fisicamente alguém já tem direito à Ressurreição dos Mortos são realmente dignos de compaixão; falando outra vez em estilo socrático, não apenas ignoram mas, o que é ainda pior, ignoram que ignoram. A Ressurreição é algo pelo qual se tem de trabalhar, e trabalhar aqui e agora, e é preciso ressuscitar em carne e osso (e ao vivo). A Imortalidade deve-se consegui-la agora mesmo, pessoalmente; assim se deve considerar todo o Mistério Crístico. Todo o Drama Cósmico é em si mesmo extraordinário, maravilhoso, e se inicia realmente com o NATAL DO CORAÇÃO. O que vem a seguir relacionado com o Drama, a fuga para o Egito, quando Herodes manda matar todos os meninos e Ele tem de fugir, tudo é simbólico, totalmente simbólico. Dizem (num Evangelho Apócrifo) que Jesus, José e Maria tiveram de fugir para o Egito, tendo permanecido vários dias vivendo sob uma figueira, e que desta figueira saiu um manancial de água puríssima – é preciso saber compreender isto : esta figueira representa sempre o sexo; dizem ainda que se alimentavam do fruto desta figueira, os frutos da Árvore da Ciência do Bem e do Mal. A água que corria puríssima, que saía desta figueira, é nada menos que o Mercúrio da Filosofia Secreta. Quanto à decapitação dos inocentes, muito se tem escrito sobre isso. Nicolas Flamel (1340-1418) deixou gravadas nas portas do cemitério de Paris cenas retratando a degola dos inocentes. Por que essa cruel degola dos inocentes? Não obstante, isto é também muito alquímico, todo Iniciado tem de passar pela decapitação. Mas o que é que o Cristo Íntimo tem de decapitar em nós? Simplesmente deve degolar o Ego, o Eu, o Si Mesmo, e o sangue que emana da decapitação é o Fogo, é o Fogo Sagrado pelo qual o Iniciado tem de purificar-se, limpar-se, branquear-se; tudo isso é profundamente esotérico, nada pode ser tomado “ao pé da letra”. A seguir vêm os feitos milagrosos do grande Mestre. Caminhava sobre as águas, [como] sobre as Águas da Vida tem de caminhar o Cristo Íntimo. Abrir a visão dos que não vêm, predicando a palavra para que vejam a luz; abrir os ouvidos dos que não querem ouvir, para que escutem a palavra. Quando o Senhor já cresceu no Iniciado, tem de tomar a palavra e explicar a outros o que é o caminho, limpar os leprosos; não há ninguém que não esteja leproso, essa lepra é o Eu pluralizado, essa é a epidemia que todos levam dentro de si, a lepra da qual devemos ser limpos. Os que estão paralíticos não caminham ainda pela Senda da Auto realização, o Filho do Homem deve curar os paralíticos para que andem rumo à montanha do Ser. Há que compreender tudo isto de forma mais íntima, mais profunda; isto não corresponde a um passado remoto, é para ser vivido dentro de nós mesmos aqui e agora. Se começamos a amadurecer um pouquinho, saberemos apreciar melhor a mensagem que o Grande Kabir Jesus trouxe à Terra. Em todo caso, precisamos passar por Três Purificações, à base de ferro e fogo – este é o significado dos Três Cravos da Cruz. E a palavra INRI (é o acrônimo da frase em latim: Iesus Nazarenus, Rex Iudaeorom, cuja tradução é - Jesus Nazareno o Rei dos Judeus) diz muito. Já sabemos que INRI esotericamente é o Fogo; necessitamos passar pelas Três Purificações à base de ferro e fogo antes de conseguir a Ressurreição, do contrário seria impossível lográ-la. Aquele que ressuscita se transforma radicalmente, se converte num Deus-Homem, é um Hierofante da estatura de um Hermes, um Quetzalcoatl ou um Buda. Mas é necessário fazer a Grande Obra. Realmente, não se poderia entender os quatro Evangelhos se não se estudasse Alquimia e Cabala, porque [os Evangelhos] são alquimistas e cabalistas, isto é óbvio. Os judeus tinham três livros sagrados. O primeiro é o corpo da doutrina, a Bíblia. O segundo é a alma da doutrina, o Talmud, no qual está a alma nacional judaica. E o terceiro é o espírito da doutrina, o Zohar, onde está toda a Cabala dos rabinos. A Bíblia, o corpo da doutrina, está escrita sob chave. Se queremos estudar a Bíblia “compaginando versículos”, procedemos de forma ignorante, empírica e absurda. Prova disto é que todas as seitas mortas que, até a época atual, se nutriram da Bíblia interpretada de forma empírica, não puderam entrar em acordo. Se existem milhares de seitas baseadas na Bíblia, quer dizer que nenhuma delas a compreendeu. As chaves para a interpretação estão no Zohar, escrito por Simeon Ben Jochai, o grande rabino iluminado. Aí encontramos as chaves para interpretar a Bíblia. Então, é necessário “abrir” o Zohar. Se queremos saber algo sobre Cristo, sobre o Filho do Homem, devemos estudar a árvore da vida (...). www.gnosisonline.org.br. Abraço. Feliz Natal a todos os leitores do Mosaico, bem como a seus queridos familiares. Davi

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

II. A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA

 

Cristianismo. www.ecclesia.com.br. II. A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA. Capítulo 12.

Nossa posição é esta: todo filho único é primogênito mas nem todo primogênito é filho único. Por primogênito entendemos não apenas aquele que pode ser sucedido por outros, mas aquele que não teve predecessor. Assim diz o Senhor a Abraão: "Todo aquele que abrir o útero, de toda a carne, será oferecido ao Senhor; tanto de homens como de animais, será teu. Contudo, os primogênitos dos homens deverão ser resgatados; também os primogênitos dos animais impuros resgatarás".

A palavra de Deus define "primogênito" como todo aquele que abriu o útero. Ora, se o título pertence apenas àqueles que têm irmãos mais jovens, então os sacerdotes não poderiam reivindicar o primogênito até que outros sucessores nascessem, pois, caso contrário, isto é, se não houvesse outros partos, seria necessário provar o estado de primogênito e não simplesmente o de filho único.

"E aqueles que devem ser resgatados com um mês de idade, devem ser resgatados , de acordo com tua estimativa por cinco siclos [de moedas], além do siclo do santuário. Mas o primogênito de um boi ou de uma ovelha ou de uma cabra, não deverás resgatar; eles são sagrados". A palavra de Deus me compele a dedicar a Deus o que quer que abra o útero se for o primogênito de animais puros; se de animais impuros, devo resgatá-lo, dando o valor devido ao sacerdote.

Poderia replicar: Por que me sujeitais ao curto espaço de um mês? Por que falais do primogênito, quando não posso dizer que há irmãos que irão nascer? Esperai até que nasça o segundo filho.

Não explico nada ao sacerdote, como se apenas o nascimento do segundo desse ao primeiro que tive a condição de primogênito. Não deveria, ao pé da letra, chamar-me e convencer-me de louco, se em vez de declarar que primogênito é um título devido àquele que rompe o útero, pretendesse restringir essa condição àqueles que após terão irmãos? Então, tomando o caso de João: estamos de acordo que ele foi filho único; eu precisaria saber se ele não foi também filho primogênito, e se não foi absolutamente sujeito à lei. Não há dúvidas quanto a isso.

À toda hora a Escritura assim fala do Salvador: "E quando chegou o dia de sua purificação, de acordo com a lei de Moisés, eles o levaram a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor [como está prescrito na lei do Senhor, todo macho que abre o útero deve ser consagrado ao Senhor] e para oferecer em sacrifício de acordo com o que é prescrito na lei do Senhor, um par de rolinhas ou duas pombas novas". Se esta lei se refere somente aos primogênitos, e esses deveriam ser os primogênitos com irmãos sucessores, ninguém seria obrigado pela lei se não pudesse afirmar que houve sucessores. Mas visto que, como aquele que não tem irmãos mais novos, é sujeito à lei do primogênito, deduzimos que é chamado primogênito aquele que abre o útero da mãe e que não foi precedido por ninguém, e não aquele cujo nascimento foi seguido por outro de irmão mais novo.

Moisés escreve no Êxodo: "E acontecerá ao passar da meia-noite que o Senhor ferirá todos os primogênitos das terras do Egito, desde o primogênito do Faraó que reina em seu trono até os primogênitos dos cativos que estiverem nas prisões; e todos os primogênitos do acampamento". Diga-me: eram os que pereceram pelas mãos do Exterminador somente seus primogênitos, ou alguém mais, ou seja, os filhos únicos? Se somente aqueles que tinham irmãos eram chamados primogênitos, somente os filhos únicos escaparam da morte. E se, de fato, os filhos únicos foram trucidados, isso se opõe à sentença pronunciada, porque nascidos para morrer eram somente os primogênitos. Você deverá ou livrar os filhos únicos da pena, e nesse caso, se tornará ridículo; ou, se concorda que eles foram mortos, ganhamos a questão, embora não tenhamos de lhe agradecer isso, porque os filhos únicos eram também primogênitos. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 13

A última proposição de Helvídio era esta, e era o que ele queria demonstrar quando tratou dos primogênitos, afirmando que são citados nos Evangelhos os irmãos de Jesus. Por exemplo: "Ora, sua mãe e seus irmãos permaneciam procurando falar com Ele". E em outro lugar: "Depois disso Ele foi para Cafarnaum, com sua mãe e seus irmãos". E de novo: "Seus irmãos então lhe disseram: 'Parte daqui e vai para a Judéia, porque teus discípulos podem também testemunhar as obras que fazes. Porque ninguém faz nada em segredo, mas procura ser conhecido abertamente. Se realizas tais coisas, manifesta-te ao mundo". E João acrescenta: "Porque mesmo seus irmãos não acreditavam nele".

Também Marcos e Mateus: "E indo à sua própria terra, ensinava em suas sinagogas, tanto que [sua gente] ficava atônita e dizia: 'De onde tirou este homem tal sabedoria e miraculosas obras? Não é o filho do carpinteiro. Não é sua mãe chamada Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não moram conosco?'". Lucas, também, nos Atos dos Apóstolos relata: "Todos aqueles com um só propósito continuaram firmes na oração, com as mulheres e Maria, a mãe de Jesus, e com seus irmãos".

Paulo, o Apóstolo, também uma vez esteve com eles, e testemunha sua precisão histórica: "E cresci pela revelação, mas não vi os outros apóstolos, a não ser Pedro e Tiago, o irmão do Senhor". E de novo, em outro lugar: "Não temos o direito de comer e beber? Não temos o direito de trabalhar com as viúvas, assim como o resto dos Apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro?"

E, por medo, ninguém aceitou o testemunho dos judeus, pois foi de sua boca que ouvimos o nome de Seus irmãos, mas mantivemos que seus conterrâneos ficaram decepcionados com esse mesmo erro a respeito dos irmãos pelo qual [os judeus] passaram a acreditar sobre o pai, Helvídio profere uma dura observação de advertência e grita: "Os mesmos nomes estão repetidos pelos Evangelistas em outro lugar e as mesmas pessoas são ali irmãos do Senhor e filhos de Maria".

Mateus diz: "E muitas mulheres estavam ali (sem dúvida ao pé da cruz do Senhor), observando de alguma distância, e elas tinham seguido Jesus desde a Galiléia, ajudando-o, entre as quais estava Maria Madalena, Maria a mãe de Tiago menor e de José, e Salomé"; e no mesmo lugar, logo depois: "E muitas outras mulheres que subiram com Ele a Jerusalém".

Lucas também diz: "Ali estavam Maria Madalena e Joana, e Maria, a mãe de Tiago, e as outras mulheres com elas". https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 14

Minha razão para repetir sempre a mesma coisa é para adverti-lo para não fazer uma falsa afirmação, divulgando que eu deixei de lado tais passagens, como propícias a você, e que essa interpretação foi desfigurada e desfeita não pela evidência da Escritura, mas por argumentos evasivos.

"Observe:" - diz ele - "Tiago e José são filhos de Maria, e são as mesmas pessoas que são chamadas irmãos pelos judeus. Note que Maria é a mãe de Tiago o menor e de José. E Tiago é chamado o menor para distingui-lo de Tiago o maior que era filho de Zebedeu, como Marcos afirma em outro lugar; E Maria Madalena e Maria a mãe de José estavam onde ele (=Jesus) fora colocado. E quando passou o Sábado, elas compraram essências para irem ungi-lo". E, como era de se esperar, ele diz: "Quão pobre e ímpia visão temos de Maria, se afirmamos que quando outras mulheres estavam ocupadas com o sepultamento de Jesus, ela, Sua mãe, estava ausente; ou se inventamos alguma outra Maria; e tudo o mais porque o Evangelho de São João testemunha que ela estava ali presente, quando o Senhor, do alto da cruz a recomendou como Sua mãe, agora uma viúva, aos cuidados de João. Ou deveríamos supor que o Evangelista caiu em tamanho erro e nos induziu a tamanho erro, chamando Maria a mãe daqueles que eram conhecidos dos judeus como irmãos de Jesus?" https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 15

Que cegueira, que raivosa loucura o leva à sua própria destruição! Você (Helvídio) diz que a mãe do Senhor estava presente ao pé da cruz; diz que ela foi confiada ao discípulo João por causa de sua viuvez e condição de soledade, como se no ponto de vista de sua própria afirmação, ela não tivesse quatro filhos e numerosas irmãs, com o conforto dos quais ela poderia se apoiar? Você também lhe dá o nome de viúva, que não se encontra na Escritura. E embora cite, a cada momento, o Evangelho, somente as palavras de João lhe desagradam. Você diz, de passagem, que ela estava presente ao pé da cruz porque parece que você não a omitiu de propósito, e contudo [não diz] nenhuma palavra sobre as mulheres que estavam com ela. Poderia perdoá-lo se fosse ignorante, mas vejo que você tem uma razão para suas omissões.

Deixe-me destacar então o que João disse: "Mas estavam de pé junto à cruz de Jesus sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, a esposa de Cléofas, e Maria Madalena".

Não há nenhuma dúvida que existiam dois apóstolos chamados pelos nomes de Tiago: Tiago, o filho de Zebedeu, e Tiago, o filho de Alfeu. Por acaso você tem em vista que o comparativamente desconhecido Tiago o menor, que é chamado nas Escrituras filho de Maria, não contudo de Maria a mãe do Nosso Senhor, era apóstolo ou não ? Se era um apóstolo, devia ser o filho de Alfeu e um crente em Jesus, "porque nem seus irmãos acreditavam n'Ele". Se não era um apóstolo mas um terceiro Tiago (que possa ser, não sei), como poderia ser tido como o irmão do Senhor, e como, sendo um terceiro, poderia ser chamado "menor" para ser destinguido do "maior" , porquanto maior e menor são usados para mostrar relação existente não entre três, mas entre dois? Observe, ainda mais, que o irmão do Senhor é um apóstolo, uma vez que Paulo diz: "Então depois de três dias eu fui a Jerusalém para visitar Pedro e fiquei com ele quinze dias. Mas não vi nenhum outro dos apóstolos, a não ser Tiago, irmão do Senhor". E na mesma Epístola: "E quando eles perceberam a graça que me foi concedida, Tiago, Pedro e João que eram considerados os pilares" etc.

E você não poderá supor que esse Tiago fosse o filho de Zebedeu, bastando para isso ler os Atos dos Apóstolos, onde você encontrará que esse último já tinha sido trucidado por Herodes. A única conclusão é que a Maria que é descrita como a mãe de Tiago o menor era a esposa de Alfeu e irmã de Maria, a mãe do Senhor, aquela que é chamada por João Evangelista "Maria de Cléofas", seja por filiação, seja por parentesco, seja por outra razão.

Mas se você julga que são duas pessoas porque em outro lugar lemos: "Maria a mãe de Tiago menor" e aqui: "Maria de Cléofas", você terá a aprender ainda que era costume na Escritura dar diferentes nomes ao mesmo indivíduo. Raguel, sogro de Moisés, é chamado também de Jetro. Gedeão, sem nenhuma outra razão aparente para a troca, de repente se torna Jerubaal. Ozias, rei de Judá, tem, como nome alternativo, Azarias. O Monte Tabor é chamado Itabyrium. Igualmente, o Hermon é chamado pelos fenícios Sanior, e pelos amorreus Sanir. O mesmo pedaço do país é conhecido por três nomes: Negebb, Teman e Darom, em Ezequiel. Pedro é também chamado Simão e Cefas. Judas, o zelote, em outro Evangelho é chamado Tadeu. Há numerosos outros exemplos que o leitor pode por si mesmo colecionar, em toda a Escritura. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 16

Agora aqui temos a explicação do que eu me esforcei por mostrar, como foi que os filhos de Maria, a irmã da mãe de Nosso Senhor, que anteriormente eram tidos por não crentes, e que depois passaram a acreditar, podem ser chamados irmãos do Senhor. Possivelmente, o caso foi que um dos irmãos acreditou imediatamente enquanto os outros não acreditaram senão muito depois, e que uma Maria era a mãe de Tiago e José, chamada "Maria de Cléofas", que é a mesma dita esposa de Alfeu, e a outra, a mãe Tiago o menor. De qualquer modo, se ela (esta última) fosse a mãe do Senhor, São João teria lhe concedido seu sublime título, como em todos os demais lugares, e não teria passado uma impressão errônea, chamando-a mãe de outros filhos. Mas neste ponto não desejo argüir a favor ou contra a suposição de que Maria, a esposa de Cléofas, e Maria, a mãe de Tiago e José, eram mulheres diferentes, uma vez que está claramente entendido que Maria, a mãe de Tiago e José não era a mesma pessoa que a mãe do Senhor.

— Como, então - pergunta Helvídio - explica você que eram chamados irmãos do Senhor aqueles que não eram seus irmãos?

Mostrarei como.

Na Sagrada Escritura há quatro espécies de irmãos: pela natureza, pela raça, pelo parentesco e pelo amor.

Exemplos de irmãos pela natureza foram Esaú e Jacó, os doze patriarcas, André e Pedro, Tiago e João.

Irmãos de raça, eram todos os judeus que assim se chamavam um ao outro, como no Deuteronômio: "Se teu irmão, um homem hebreu, ou uma mulher hebréia, te for vendida, ele servirá por seis anos; então, no sétimo ano, deixarás que ele se vá livre". E antes, no mesmo livro: "Deverás de qualquer maneira fazê-lo teu rei aquele que o Senhor teu Deus escolher: um dentre teus irmãos deverá ser feito teu rei; não porás um estrangeiro acima de ti, que não é teu irmão". E de novo: "Não deverás ver o boi ou a ovelha de teu irmão se extraviar e ficares omisso; deverás com segurança levá-los de novo para teu irmão. E se teu irmão não morar perto de ti, ou se não o conheces, então deves trazê-los para tua casa, e ficarão contigo até que teu irmão venha procurá-los, e tu deves devolvê-los a ele de volta". E o Apóstolo Paulo diz: "Desejaria eu mesmo ser reprovado por Cristo pela salvação de meus irmãos, meus próximos pela carne, que são os israelitas".

E ainda mais: são chamados irmãos por parentesco aqueles que são de uma família, que é pátrio, que corresponde à palavra latina "paternidade", porque de uma única raiz procede uma numerosa progênie. No Gênese, lemos: "E Abraão disse a Lot: 'Que não haja luta, eu te peço, entre mim e ti, e entre meus pastores e os teus, porque somos irmãos'". E de novo: "Assim Lot escolheu para si toda a planície do Jordão, e se direcionou para leste. E eles se separaram, um irmão do outro". Certamente Lot não era irmão de Abraão, mas o filho do irmão Aram de Abraão. Porque Terah gerou Abraão, Nahor e Arão. E Arão gerou Lot. De novo, lemos: "E Abraão tinha setenta e cinco anos quando partiu de Haram. E Abraão levou Sarai sua esposa, e Lot, filho de seu irmão".

Mas se você (Helvídio) ainda duvida que um sobrinho possa ser chamado filho, permita-me dar-lhe um outro exemplo: "E quando Abraão ouviu que seu irmão fora feito escravo, tomou seus experimentados homens, nascidos em sua casa, trezentos e dezoito". E depois de descrever o ataque e o massacre noturno ele acrescenta: "E trouxe de volta todos os bens, assim como seu irmão Lot". Que isso seja suficiente como prova de minha afirmação. Mas por medo, você pode levantar alguma objeção cavilosa, e se contorcer em seu aperto como uma cobra; assim devo imobilizá-lo rapidamente com as garantias de provas para fazê-lo parar de sibilar e murmurar, porque sei que você gostaria de dizer que está baseado não tanto na verdade da Escritura mas em complicados argumentos.

Jacó, o filho de Isaac e Rebeca, quando por medo da perfídia de seu irmão tinha ido para a Mesopotâmia, retirou-se para perto [de Labão], rolou a pedra da tampa do poço e bebeu da fonte de Labão, irmão de sua mãe. "E Jacó beijou Raquel, ergueu sua voz e chorou. E Jacó disse a Raquel que ele era irmão de seu pai, que era filho de Rebeca". Aqui está um exemplo da regra já referida, pela qual um sobrinho é chamado de irmão. E mais: "Labão disse a Jacó: 'Porque tu és meu irmão, poderias doravante trabalhar para mim sem pagamento? Diga-me qual o teu propósito'". E assim, quando ao fim de 12 anos, sem conhecimento de seu tio e acompanhado por suas esposas e filhos estava retornando para sua terra, quando Labão os alcançou na montanha de Gilead e não conseguiu encontrar os ídolos que Raquel escondera em sua bagagem, Jacó fez uma pergunta a Labão: "Qual é minha transgressão? Qual é meu pecado, para que tu me venhas tão irado e me persigas? Procuraste tudo em minhas bagagens! O que encontraste em todos meus utensílios? Digas aqui, irmãos perante irmãos, para que eles julguem a nós dois".

Diga-me [Helvídio] quem são esses irmãos de Jacó e Labão que estão aqui presentes? Esaú, irmão de Jacó, certamente não estava lá, e Labão, o filho de Bethuel, não tinha irmãos, embora tivesse uma irmã, Rebeca. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 17

Inumeráveis exemplos da mesma espécie podem ser vistos nos Livros Sagrados.

Mas, para abreviar, volto à última das quatro espécies de irmãos, aqueles, esclareço, que são irmãos por afeição, e estes novamente são de duas espécies: aqueles por um relacionamento espiritual e aqueles por um relacionamento geral. Digo espiritual porque todos nós cristãos somos chamados irmãos, como no verso: "Veja como é bom e agradável para os irmãos viverem juntos na unidade". E em outro Salmo, o Salvador diz: "Eu enumerarei teu nome entre meus irmãos". E , em outro lugar: "Vá a meus irmãos e dize-lhes..."

Eu disse - por relacionamento geral - porque nós somos todos filhos de um mesmo Pai, há como um penhor de irmandade entre nós todos. "Dizei àqueles que vos odiarem:" - diz o profeta - "vós sois nossos irmãos". E o Apóstolo escrevendo aos Coríntios: "Se algum homem que é chamado irmão for um fornicador, ou avarento, ou idólatra, ou caluniador, ou beberrão, ou autor de extorsões, com alguém assim, não se deve comer".

Agora eu pergunto à que classe você considera que devem pertencer os irmãos do Senhor, no Evangelho. Eles são irmãos por natureza, você responde. Mas a Escritura não diz isso. Não os chama nem filhos de Maria, nem de José. Poderíamos dizer que eles eram irmãos pela raça? No entanto, seria absurdo supor que uns poucos judeus fossem chamados irmãos quando todos os judeus daquele tempo poderiam, a esse título, reivindicar o nome. Eram eles irmãos pela virtude de intimidade estreita e de união de coração e pensamento? Se eram assim, quais eram exatamente seus irmãos mais do que os apóstolos que receberam sua instrução privada e eram chamados por Ele Sua mãe e Seus irmãos? Novamente, se todos os homens, como visto, eram seus irmãos, seria loucura dar uma mensagem especial: "Vede, seus irmãos o procuram" porque todos os homens semelhantemente mereceriam esse nome.

A única alternativa é adotar a explicação anterior e considerar que são chamados irmãos em virtude do vínculo de parentesco, não de amor e simpatia, nem por prerrogativa de raça, nem pela natureza. Exatamente como Lot foi chamado irmão de Abraão, e Jacó, de Labão, exatamente como as filhas de Zelophehad receberam um lote entre seus irmãos, exatamente como o próprio Abraão tinha a esposa Sarai por sua irmã, porque ele diz: "Ela é de fato minha irmã, por lado de pai, não pelo lado da mãe" o que quer dizer, ela era filha de seu irmão e não de sua irmã. De outro modo, o que diremos de Abraão, um homem justo, falando que a esposa era filha de seu próprio pai?

A Escritura, relatando a história dos homens nos tempos primitivos, não ultraja nossos ouvidos falando da amplitude em termos expressos, mas prefere deixá-la ser inferida pelo leitor. Deus mais tarde aplicou a sanção de lei à proibição, estabelecendo: "Quem toma sua irmã, filha de seu pai, ou de sua mãe, e mostra sua nudez, comete abominação, deverá ser morto. Aquele que descobre a nudez de sua irmã, deverá pagar seu pecado". https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 18

Há coisa que, em sua extrema ignorância, você nunca leu e, portanto, você negligenciou toda a imensidade da Escritura e usou sua maldade para ultrajar a Virgem, como o homem da história que sendo desconhecido de todo mundo e achando que poderia tramar um mau ato pelo qual ganhasse renome, incendiou o templo de Diana; e quando ninguém revelou o ato sacrílego, diz-se que ele próprio apareceu e se proclamou como aquele que nele pusera fogo. Os administradores de Éfeso ficaram curiosos em saber o que o levara a agir de tal modo, quando então ele respondeu que se não tinha fama por boas obras, todos poderiam lhe dar crédito por uma má. A história grega relata o incidente.

Mas você fez pior. Você pôs fogo no templo do corpo do Senhor, você aviltou o santuário do Espírito Santo, do qual se propôs a fazer gerar um grupo de quatro irmãos e uma porção de irmãs. Numa palavra, juntando-se ao coro dos judeus, você diz: "Não é este o filho do carpinteiro Não é sua mãe chamada Maria? E seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não moram todas conosco?". A palavra "todas" não seria usada se não houvesse um grande número delas. Rogo-te: diga-me quem, antes de você surgir, tinha conhecimento desta blasfêmia? Quem imaginou essa teoria digna de dois centavos? Você obteve seu propósito e se tornou notório por um crime. Pois eu mesmo que sou seu oponente, embora vivamos na mesma cidade, eu não o conheço como o autor disso, não sei se você é branco ou negro.

Omito as faltas de dicção que abundam em todos os livros que escreveu. Não digo nada sobre sua introdução absurda. Bons céus! Eu não procuro eloqüência, embora você mesmo não a tenha; você contou para isso com a ajuda de seu irmão, Cratério. Eu não procuro graça e estilo, mas busco pureza de alma, porque entre cristãos é o maior dos solecismos e dos vícios de estilo fundamentar algo na palavra ou ação. Chego à conclusão de meu argumento. Concordarei com você em que eu não ganhei nada; e você se encontrará num dilema.

É claro que os irmãos de Nosso Senhor usaram o nome da mesma maneira como José era chamado seu pai: "Eu e teu pai te procurávamos preocupados"; foi Sua mãe que disse isso, não os judeus. O Evangelista relata que Seu pai e Sua mãe ficaram admirados com as coisas que se falavam a Seu respeito, e há uma passagem semelhante, que já citamos, na qual José e Maria são chamados Seus pais. Sabendo que você tem sido louco o bastante para se persuadir que os manuscritos gregos estão corrompidos, agora você talvez alegue a diversidade de interpretações.

Então procuro o Evangelho de João e ali está claramente escrito: "Filipe encontrou Natanael, e lhe disse, nós encontramos aquele de quem Moisés na lei, e os profetas escreveram, Jesus de Nazaré, o filho de José". Você encontrará certamente isso em seu manuscrito. Agora me diga: como Jesus é filho de José quando está claro que Ele fora gerado pelo Espírito Santo? Era José seu verdadeiro pai? Obtuso como você é, não se aventurará a dizer isso. Era seu suposto pai? Se era, que a mesma regra que você aplica a José, seja aplicada àqueles que eram chamados irmãos, assim como você chama José de pai. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Parte IV:

O estado virginal é superior ao estado matrimonial

Capítulo 19

Agora que ultrapassei as pedras e encolhos, devo me por ao largo e ir a toda velocidade para chegar ao destino. Você, se sentindo uma pessoa sem conhecimentos, usou Tertuliano como sua testemunha e citou as palavras de Vitorino, bispo de Perávio. De Tertuliano não direi senão que não pertenceu à Igreja. Mas com respeito a Vitorino, afirmo que já ficou provado pelo Evangelho - que ele falou dos irmãos de Nosso Senhor não como sendo filhos de Maria, mas irmãos no sentido que expliquei, ou seja, irmãos sob o ponto de vista de parentesco, não de natureza.

Estamos, contudo, desperdiçando nosso percurso com ninharias e deixando a fonte da verdade, estamos seguindo insignificantes pontos de opinião. Não deveríamos arrolar contra você toda a série de escritores antigos? Inácio, Policarpo, Irineu, Justino Mártir e muitos outros homens apostólicos e eloqüentes, que expuseram as mesmas explicações contra Ebião, Theodoto de Bizâncio e Valentino, escreveram volumes repletos de conhecimentos. Se você alguma vez lesse o que eles escreveram, você se tornaria um homem sábio. Mas eu penso que é melhor refutar brevemente cada ponto do que prolongar meu livro por uma extensão indevida. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 20

Agora dirijo meu ataque contra a passagem na qual, desejando mostrar seu talento você faz uma comparação entre virgindade e casamento. Eu não poderia deixar de rir, e penso no provérbio: viu você alguma vez uma dança cautelosa?

Você pergunta: "São as virgens melhores do que Abraão, Isaac e Jacó, que foram casados? Não são as crianças diariamente moldadas pelas mãos de Deus no útero de suas mães? E se assim é, somos constrangidos a nos ruborizarmos pelo pensamento de Maria tendo um marido depois do parto? Se julgam que há alguma desgraça nisto, não deviam coerentemente acreditar que Deus nasceu da Virgem por parto normal. Porque de acordo com esses, há mais desonra numa virgem dando à luz a Deus pelos órgãos geradores, do que numa virgem que se juntou a seu próprio esposo depois que deu à luz".

Acrescente, se quiser, Helvídio, as outras humilhações da natureza, o útero de nove meses se tornando cada vez maior, a doença, o parto, o sangue, os cueiros. Imagine você mesmo o menino envolto na placenta. Imagine a dura manjedoura, o choro do menino, a circuncisão no oitavo dia, o tempo de purificação, de modo que possa ficar comprovado que tudo era impuro. Não enrubescemos, você não nos impõe silêncio. Maior humilhação Ele sofreu por mim, a maior que o atingiu. E quando você tiver dado todos os detalhes, não estará apto a apontar nada mais vergonhoso do que a cruz que confessamos, na qual acreditamos e pela qual triunfamos sobre todos nossos inimigos. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 21

Mas como não negamos o que está escrito, assim também rejeitamos o que não está escrito. Acreditamos que Deus nasceu de uma Virgem, porque lemos assim. Não acreditamos que Maria teve união marital depois que deu à luz porque não lemos isso. Nem afirmamos tal para condenar o casamento, porque a virgindade é o fruto do casamento; mas porque quando estamos tratando de santos não devemos julgar apressadamente. Pois se adotássemos a possibilidade como padrão de julgamento, poderíamos sustentar que José teve várias esposas porque Abraão teve, e também Jacó, e que aqueles que eram irmãos do Senhor nasceram daquelas esposas, uma criação imaginária que alguns sustentam com uma temeridade que nasce da audácia e da piedade.

Você diz que Maria não continuou virgem. Eu brado ainda mais que José, ele mesmo, aceitou que Maria era virgem, de modo que de um casamento virgem nasceu um filho virgem. Porque se, como um homem santo, ele não se apresentou com a acusação de fornicação, e está escrito que ele não teve outra esposa, mas foi o guardião de Maria, aquela que foi tida por sua esposa mas não ele por seu marido; a conclusão é que aquele que foi julgado digno de ser chamado pai do Senhor, permaneceu casto. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 22

E agora que vou fazer uma comparação entre virgindade e casamento, rogo a meus leitores para não suporem que louvando a virgindade, tenho em menor grau o casamento, e discrimino os santos do Antigo Testamento com relação àqueles do Novo, isto é, aqueles que tinham esposas daqueles que se mantiveram livres dos laços de mulheres; antes, penso que de acordo com a diferença de tempo e circunstâncias, uma regra foi aplicada aos primeiros, uma outra a nós, sobre quem sobrevirá o fim do mundo.

Tanto que continua vigorando a lei : "Sede férteis e multiplicai-vos e povoai a terra"; e: "Amaldiçoada é a mulher estéril que não gerou semente em Israel"; elas todas que casaram e foram dadas em matrimônio, deixaram pai e mãe, e se tornaram uma só carne.

Mas de repente com a força do trovão se fizeram ouvir essas palavras: "O tempo está se acabando, em que doravante aqueles que têm esposas sejam como se não tivessem"; aderindo ao Senhor, nós somos feitos um espírito com Ele. E por quê?

Porque "aquele que é solteiro está preocupado com as coisas do Senhor, de modo que poderá agradar ao Senhor; mas aquele que é casado está preocupado com as coisas do mundo, do modo como agradará a sua esposa. E aqui está a diferença também entre a esposa e a virgem. Aquela que é solteira está preocupada com as coisas do Senhor, porque será santa tanto no corpo como no espírito; mas aquela que é casada, está preocupada com as coisas do mundo, do modo como agradará a seu marido".

Por que você sofisma? Por que resiste? O vaso de eleição disse isso. Disse-nos que há uma diferença entre a esposa e a virgem. Observe qual deva ser a felicidade daquele estado no qual mesmo a distinção de sexo desaparece. A virgem não é mais chamada mulher. "Aquela que é solteira está preocupada com as coisas do Senhor, de modo que é santa no corpo e no espírito".

A virgem é definida como aquela que é santa no corpo e no espírito, porque não é bom ter uma carne virgem se a mulher se põe casada no espírito. "Mas aquela que é casada está preocupada com as coisas do mundo, do modo como agradará a seu marido". Julga você que não há diferença entre uma que gasta seu tempo em oração e jejuns daquela que se sente impelida, ao aproximar-se seu marido, a arranjar sua aparência, andar com passos afetados, e demonstrar atos de carinho?

O objetivo da virgem é aparecer menos faceira; ela quer se guardar de modo a esconder suas atrações naturais. A mulher casada tem seu pincel preparado ante seu espelho, e em desacordo com seu Criador, esforça-se para adquirir algo mais do que sua beleza natural. Então lhe chegam as conversas de seus filhos, o barulho da casa, as crianças buscando sua palavra e pedindo seus beijos, a lista das despesas, o cuidado para acertar as despesas. De um lado você a vê na companhia dos cozidos, cercada de gritos e preparando o alimento; você ali ouve o barulho de uma multidão de fiandeiras. Enquanto isso, chega uma mensagem que o marido e seus amigos estão chegando. A esposa, como uma andorinha, voa por toda a casa. Ela deve cuidar de todas as coisas. Está o sofá arrumado? Está o piso varrido? Estão as flores nas jarras? E o jantar está pronto?

Diga-me, rogo-lhe, onde entre tudo isso há lugar para pensar em Deus? São essas casas tranqüilas? Onde há as batidas do tambor, o barulho e a algazarra do órgão e do alaúde, o tinir dos címbalos, pode se encontrar alguma preocupação com o temor de Deus? O parasita é repreendido e se sente orgulhoso da honra. Entram depois as vítimas meio despreparadas para as paixões, uma referência para todo olhar lúbrico. A infeliz esposa ou deve achar prazer neles e perecer, ou ficar desgostosa e provocar seu marido. Disso surge a discórdia, a semente conspiratória do divórcio.

Ou suponha que você encontre uma casa onde essas coisas são desconhecidas, o que acontece em pequena proporção! Contudo, mesmo ali, o desempenho do dono da casa, a educação das crianças, as necessidades do marido, a correção dos servos, não falham em afastar a mente do pensamento de Deus. "Deixou de ficar com Sara como se fica com as mulheres" - assim diz a Escritura, e mais tarde Abraão recebeu a ordem: "Presta atenção em tudo o que Sara te disser". [Porque] ela não está tomada de ansiedades e dor de parto e, tendo passado pela mudança de vida [sexual], deixou de exercer as funções de uma mulher, estando liberta do esquecimento de Deus; não tem desejo por seu marido, mas, pelo contrário, seu marido se torna sujeita a ela, e a voz do Senhor lhe ordena: "Presta atenção em tudo o que Sara te disser". Então, começam a ter tempo para rezar. Porque enquanto demorou a ser pago o dever do matrimônio, a determinação de rezar foi negligenciada. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Capítulo 23

Não nego que se encontram mulheres santas entre as viúvas e aquelas que têm marido; mas se tornam santas logo que deixam de ser esposas, ou se no estrito dever do matrimônio imitam a castidade virginal. O Apóstolo, como se Cristo falasse por sua boca, brevemente deu testemunha disso quando disse: "Aquela que é solteira está preocupada com as coisas do Senhor, como poderá agradar ao Senhor; mas aquela que é casada está preocupada com as coisas do mundo, como poderá agradar a seu marido".

Ele nos deixa ao livre exercício de nossa razão a esse respeito. Não determina obrigação a ninguém nem induz alguém em cilada; somente persuade àquilo que é próprio quando deseja que todos os homens sejam como ele mesmo. Não emitiu, é verdade, um mandamento do Senhor a favor da virgindade, porque essa graça sobrepuja o poder do homem desassistido, e seria usar um ar de imodéstia forçar os homens a se porem a voar em face de sua natureza, e dizer em outras palavras: "Quero que você seja como são os anjos do céu". É essa angélica pureza que assegura à virgindade a mais alta recompensa, e o Apóstolo poderia parecer desprezar um sistema de vida que não é culposo.

Não obstante, no contexto a seguir diz: "Mas presto meu julgamento como alguém que obteve misericórdia do Senhor para ficar fiel. Penso, portanto, que isso é bom em razão da atual aflição, ou seja, que é bom para um homem ser como ele é". O que quer dizer com "a atual aflição"?

"Haverá aflição para aqueles que tiverem crianças e para aquelas que amamentarem naqueles dias!" A razão por que a madeira cresce é que poderá ser cortada. O campo é semeado porque poderá ser segado. O mundo está já repleto, e a população está demasiado grande para a terra. A cada dia somos dizimados pela guerra, levados pelas doenças, tragados pelos naufrágios, embora continuemos a levar alguém a juízo por causa dos muros de nossa propriedade.

É somente uma adição à regra geral que é feita por aqueles que seguem o Cordeiro, e que não desvestiram seus ornamentos, que continuam em seu estado de virgindade. Preste atenção ao significado de desvestir. Eu não me aventuro a explicá-lo, por medo de que Helvídio possa se tornar abusivo.

Concordo com você, quando diz que algumas virgens não são senão mulheres de taverna; digo ainda mais, que mesmo o pecado do adultério pode ser encontrado entre elas, e você ficará sem dúvida mais surpreso de ouvir que alguns do clero são taberneiros e alguns monges não são castos. Quem não entende logo que uma mulher de taverna não persistirá virgem, nem adúltero um monge, nem taberneiro um clérigo? Exigiremos virgindade se a virgindade corrompida é um pecado?

De minha parte, me omitindo das outras pessoas, e tratando dos castos, afirmo que aquela que trabalha como vendeira, embora sem provas, poderá ser virgem no corpo, porém não mais será casta em espírito. https://www.ecclesia.com.br/images/gifs/topo4.gif

Parte V:

Conclusão

Capítulo 24

Eu me tornei retórico e agi um pouco como orador de plataforma. A isso me levou você, Helvídio; porque, da forma lúcida como brilha o Evangelho atualmente, você quer que se dê uma glória igual à virgindade e ao estado matrimonial. E porque penso que, sentindo a verdade muito forte, você virá aviltar minha vida e abusar de meu caráter (este é o modo das mulheres fracas cochicharem nos cantos quando são repreendidas por seus senhores), vou me antecipando a você:

- Asseguro que darei atenção às suas injúrias como a uma elevada distinção, uma vez que os mesmos lábios que me atacam aviltaram Maria, e eu - um servo do Senhor - sou favorecido com a mesma brava eloqüência de Sua mãe. www.ecclesia.com.br.