Budismo. www.bodisatva.com.br. Por Emerson Karma
Konchog. O QUE FAZER DIANTE DA EMERGÊNCIA AMBIENTAL. Nesse texto, o monge
Emerson Karma aborda como movimentos coletivos são capazes de pressionar e
trazer as mudanças urgentes necessárias para a Terra. O que praticantes de um
caminho espiritual podem fazer em relação à atual emergência climática e
ecológica? Basicamente o mesmo que qualquer pessoa preocupada com a questão.
Mas o engajamento pode ser um pouco mais fácil e natural para quem tem um
compromisso com valores altruístas como compaixão e solidariedade. Para todos nós no geral, como há pouco
tempo e os métodos convencionais falharam em trazer mudanças efetivas, a melhor
— e talvez última — chance que temos é nos organizarmos coletivamente e pressionar
os governos e empresas por mudanças. Isso é o que tem surtido efeito em países
onde a informação está melhor distribuída, como na Europa e EUA. Se não
fizermos isso, outras opções seriam: ONGs
e assinar petições ambientais; votar em políticos ‘verdes’; divulgar conteúdo
ecológico, por exemplo nas redes sociais; tentar ser mais compassivo e atento;
tornar-se vegano. O elemento comum nessas abordagens é a
incerteza se o número necessário de pessoas para uma mudança efetiva vai
colaborar ou não. Não estou criticando essas iniciativas, que são ótimas. Eu
mesmo pratico todas. Mas isso em si tem pouca chance de reverter a catástrofe
que se anuncia, pois é improvável uma disseminação massiva no curto
prazo. Estamos esperando a boa vontade dos governos, empresas e pessoas,
para que não destruam o ambiente onde vivemos desde os primórdios do movimento
ecológico. E apesar de pequenas vitórias, no geral, a situação só piora. Já
no caso de uma política governamental, por exemplo, que proíba a emissão de
gases do aquecimento e o ecocídio, há muito menos incerteza: é lei e pronto.
Com pressão suficiente da sociedade, essas mudanças são possíveis, e já estão
acontecendo em outras partes do mundo, devido aos movimentos que estão cobrando
isso ativamente. É essa abordagem que vou apresentar
neste texto, com argumentos sobre porque não há mais tempo para um foco
principal em abordagens convencionais como mudanças de hábitos. É essa a proposta também dos novos
movimentos climáticos — como Rebelião ou Extinção (XR, ou
Extinction Rebellion) e Greve pelo Clima, nos quais ajudo — que se engajam em
ação direta não violenta como a maneira mais eficaz de trazer as mudanças
urgentes necessárias. Esses movimentos surgiram justamente devido à frustração
com a ineficácia das abordagens convencionais, e têm tido sucesso em trazer mudanças
rápidas. Por exemplo, devido em grande parte a esse tipo de mobilização, a
União Europeia decretou emergência climática, atendendo essa demanda tanto do
XR quanto da Greve pelo Clima. E na Inglaterra, o governo também concordou com
outras duas exigências: medidas ambientais urgentes e a criação de uma
assembleia cidadã para a deliberação dessas medidas (mais sobre isso
adiante). No entanto, uma mobilização muito maior é necessária para que a
transformação se espalhe pelo globo, especialmente no Brasil, onde esse tipo de
abordagem ainda engatinha.
Espiritualidade engajada. Para praticantes espirituais, esse tipo
de engajamento pode ser muito mais fácil. Primeiro porque provavelmente já
pertencemos a alguma comunidade. Então reunir pessoas interessadas em algum
espaço é algo muito simples.
Segundo, a motivação de ajudar os outros
já existe. Essa é uma das principais barreiras para o ativismo em geral:
acreditar que vale a pena se envolver em alguma ação de transformação coletiva.
Então basta atuar de fato conforme nossos compromissos. Terceiro, porque o aspecto interno e
compassivo da transformação, em tese, já está sendo trabalhado. Sem isso, o
engajamento pode acabar sendo algo estéril: ficamos agindo por uma mudança que
não existe em nós mesmos. Além disso, lidar com a frustração e esgotamento
emocional constantes do ativismo, sem uma prática interna de compaixão é uma
tarefa quase impossível. Então, para praticantes espirituais,
como já há meio caminho andado, ações efetivas são apenas uma questão de
arregaçar as mangas e pôr a mão na massa. Por exemplo, juntar-se a um movimento,
ou reunir interessados e criar um grupo local de ação direta (no final do
texto, há referências nessa área). No
entanto, não há respostas fixas para a pergunta “o que posso fazer?”. Cada
contexto é diferente, e qualquer iniciativa é válida. O que vou sugerir a
seguir são recomendações genéricas do ponto de vista da urgência por ação, em que
cada semana conta, e dessa abordagem mais direta dos novos movimentos
ambientais. Informar-se. Sem conhecimento, não há ação. Então
talvez a primeira coisa a ser feita é informar-se sobre a gravidade da
situação, já que quem não está alarmado, provavelmente não conhece o nível da
catástrofe, ou então, por algum motivo, não acredita nisso. Temos poucos
anos (provavelmente menos de dez) para tentarmos garantir um futuro mais ou
menos habitável para as gerações futuras. E há a possibilidade real de que já
tenhamos passado de certos pontos sem volta, alterando o clima de tal modo que
grandes desastres socioambientais são inevitáveis — mas mitigar e reduzir danos
sempre é possível. Sem uma mudança radical, provavelmente
já em 2050 as sociedades estarão sofrendo dificuldades imensas. Pode parecer
longe, mas é lá que nossos filhos e netos estarão tentando viver. Falamos em
“salvar o planeta, a natureza, a humanidade”, mas isso é só figura de
linguagem. O planeta vai continuar aí, assim como a vida, que sobreviveu e
se adaptou após cinco extinções em massa na Terra. E nós? Mesmo nos piores
cenários, provavelmente ainda haverá humanos — apesar de haver estudos que projetam uma chance
de 19% de extinção humana antes de 2100. A questão é: como estaremos
sobrevivendo? O que está em risco são as condições de vida adequadas para as gerações
futuras e, claro, as milhões de espécies de vida sendo extintas num ritmo como
não se via há dezenas de milhões de anos, durante a última grande extinção. Assim, não há como praticarmos
compaixão sem incluir os seres do futuro em nosso círculo. No budismo, a
compaixão não é um sentimento, mas uma força ativa de amor e cuidado. Como
disse o professor budista e também ativista do Extinction Rebellion, David
Loy, durante uma conversa recente com Lama Samten, “prática, prática, todo mundo sempre
fala de prática, o que realmente gostaria de saber é quando ocorrerá a
atuação”. Silêncio climático da mídia. Se você se sente cético
diante dessas previsões mais apocalípticas, pensando que “não pode ser tão
grave assim, afinal ninguém está falando disso”, essa é uma reação
completamente natural. É como a maioria das pessoas reage. E isso acontece
principalmente por um motivo: o “silêncio climático” da mídia, que propaga um
silêncio ainda maior sobre essa questão em toda sociedade. Na verdade, muita gente está falando
sobre isso sim, incluindo os mais renomados intelectuais e cientistas, como os
selecionados para os painéis da Organização das Nações Unidas. Mas, sem uma
cobertura responsável da mídia, o debate não chega ao público em geral. Basicamente,
nossas conversas giram em torno dos assuntos do noticiário. Quando ouvimos
falar algo que não está na mídia, a primeira reação é o ceticismo — e isso sem
nem falar no novo fenômeno das realidades paralelas nas mídias sociais, em que
tudo que vai contra determinada opinião é tratado como conspiração ou fake
news. Esse silêncio climático, especialmente
em países como o Brasil, também é extremamente prejudicial pois acaba
alimentando teorias conspiratórias. É difícil de entender, mas há realmente
muitas pessoas que acreditam que aquecimento global é uma boato, ou uma
conspiração para enriquecer empresas verdes. Em
países onde a emergência climática já é um assunto na boca do povo, como na
Europa, não há espaço para esse negacionismo conspiratório, justamente porque
ele soa tão lunático quanto de fato é, diante dos fatos. Já aqui, sem a devida
informação, ainda há amplo espaço para essas teorias do tipo terraplanismo. Então, infelizmente, para se informar
sobre isso no Brasil por enquanto não podemos contar com o noticiário, com
algumas exceções. No final deste texto, há diversas referências para quem
quiser saber mais sobre esta emergência, incluindo casos isolados de boa
cobertura da mídia. À seguir, vou resumir os principais fatos sobre a
emergência em que nos encontramos, baseados nos dados científicos citados
nessas referências. O desastre. O fato de que a ação humana vem
causando aquecimento global já há quase um século é consenso entre 97% dos
climatologistas do planeta. Estamos sentindo os efeitos disso em todos países,
principalmente em lugares como Oriente Médio, África central e Bangladesh, que
já estão em estado de calamidade pública, devido a inundações, calor mortal,
desertificação e suas graves consequências — fome, migrações em massa e
conflitos civis. Esses desastres são consequência de um aumento na
temperatura média global de 1,1°C. Caso as emissões de gases do efeito estufa
não sejam cortadas em 45% em dez anos, e zeradas até 2050, haverá um aumento
entre 2° a 3°C. Pode parecer pouco, mas como média global isso significa
aumentos de temperatura de até 10ºC em muitas cidades. Por exemplo, no Brasil
já temos picos de temperatura 5°C acima dos registros de 20 anos atrás. A concentração excessiva de CO2 na
atmosfera, que junto com outros gases causa o aquecimento, foi a responsável
por cinco extinções em massa na história da Terra. Há consenso entre
especialistas em extinção de que já entramos na 6ª grande extinção. A perda
definitiva da biodiversidade é um fenômeno ligado não somente à crise
climática, mas também ao desmatamento, caça e pesca. É por isso que se fala em
emergência não apenas climática, mas também ecológica. A longo prazo, as consequências dessa
crise ameaçam a civilização humana como a conhecemos. Sem uma mudança radical,
as sociedades daqui há 50 anos não vão ser muito diferentes dos cenários
distópicos que vemos nos filmes de ficção científica. Entre os efeitos estão: 1. novas epidemias e pandemias (quando vírus,
bactérias e animais-vetores migram para cidades após perderem seu habitat. Vale
lembrar que a Covid-19 é resultado do desequilíbrio ecológico); 2. guerras civis devido à seca, falta de comida e água
e migrações em massa (como o caso recente da Síria, que explodiu em conflito
após uma seca sem precedentes);
3. áreas costeiras permanentemente inundadas e seu
enorme custo financeiro; 4.
clima extremo sem precedentes (tempestades,
furacões, incêndios…); 5.
crise econômica e convulsão social; 6. ascensão do autoritarismo nesses momentos de
vulnerabilidade (cada vez mais comum no mundo todo); 7. efeitos-bola-de-neve, quando pontos críticos de
aquecimento são atingidos e as mudanças começam a se retroalimentar em um
padrão fora de controle. Na verdade, a quantidade de gases do
aquecimento (não apenas como fruto da queima de combustíveis, mas também da
criação de animais para abate e da monocultura extensiva) que soltamos já
atingiu um ponto sem volta: mesmo se parássemos completamente de emiti-los hoje,
o planeta continuaria aquecendo por décadas, já que o CO2 se acumula e
permanece na atmosfera por muito tempo. A
ONU vem divulgando ultimatos cada vez mais alarmantes sobre as consequências
dessa crise. Por exemplo, recentemente o secretário-geral António
Guterres pediu para que todos os países decretem emergência climática. O
colapso socioambiental da civilização humana está se desdobrando bem na nossa
frente. É a história do século. Não é incrível que isso não esteja nas capas
dos jornais? Que pouca gente esteja falando sobre isso? Silêncio e negacionismo. Como extinção em massa e mudanças climáticas
são processos que se desdobram lentamente, não há muito apelo noticioso. É mais
ou menos a mesma lógica do comentário “hoje está tão frio, cadê o aquecimento
global que estão falando?”. Essas mudanças não vêm da noite para o dia.
No entanto, aparecem de maneira óbvia quando, por exemplo, comparamos as
temperaturas extremas de hoje com as de 20 anos atrás. Outro exemplo: quem tem mais de 30 anos
já deve ter reparado como praticamente não vemos mais sapos e rãs. 70% das
espécies de anfíbios foram extintas nas últimas décadas. Além do desinteresse da mídia em
consequências de longo prazo, há o falso questionamento sobre a ciência que
comprova a mão humana nas mudanças climáticas. A mídia acaba comprando essa
desinformação e a repassa para o público. Esse negacionismo é orquestrado
pelas empresas que se beneficiam das emissões de gases do aquecimento (e da
devastação natural também). Elas financiam governos e os poucos cientistas que
negam a responsabilidade humana, afirmando que o aquecimento que sentimos hoje
é “algo natural”. Assim, eles acabam ganhando na mídia um espaço
desproporcional em relação à minúscul a fatia que representam entre a
comunidade científica.Fica a impressão de que não há consenso científico,
exatamente da mesma maneira como a indústria do cigarro orquestrou por décadas
a falsa controvérsia de que não haveria ligação comprovada entre cigarro e
câncer (inclusive, profissionais da desinformação que trabalharam para os
fabricantes de cigarro também trabalharam na campanha
que semeia dúvidas sobre as causas do aquecimento global). Felizmente,
esse tipo negacionismo já está sumindo um pouco da mídia (mas não do discurso
político e da realidade paralela das mídias sociais), dando lugar agora à
negação sobre a gravidade da crise, que se expressa mais ou menos assim: “Isso
é alarmismo. A situação não é tão grave. Podemos resolver isso com
desenvolvimento sustentável, consumo consciente e plantando árvores”. Ligar o alarme quando nossa casa está
pegando fogo jamais seria chamado de “alarmismo”. E é exatamente isso que está
acontecendo. O silêncio climático é particularmente maior em países como o
Brasil. Em comparação com Europa e EUA, é impressionante a ausência no
noticiário sobre essa ameaça ao nosso futuro. E quando desastres ambientais
como desmatamento e ondas de calor são noticiados, isso aparece como se fossem
fenômenos sem causa humana, cujas graves consequências e possíveis soluções nem
são mencionadas. Já a jovem ativista sueca Greta
Thunberg é apreciada mais como uma celebridade excêntrica, ou prodígio, do que
pela mensagem que traz. Mudanças de hábitos. Diante do pouco tempo que (não) temos,
tentar lidar com essa crise através de iniciativas como reciclagem, campanhas
sobre consumo consciente, horta orgânica etc não vai fazer diferença, apesar de
serem hábitos essenciais. Movimentos ambientais mais recentes
como 350.org e Rebelião ou Extinção estão há anos tentando demonstrar
que focar em mudanças de hábitos individuais não apenas é ineficaz diante da
emergência em nos encontramos, como também é contra produtivo, pois desvia a
atenção sobre as mudanças necessárias: políticas públicas como corte
obrigatório de emissões e fim do desmatamento e quaisquer atividades que
contribuam para as mudanças climáticas e extinção de espécies. Focar em mudanças de hábitos favorece,
na verdade, as corporações e governos responsáveis, empurrando a
responsabilidade para o consumidor (ela existe, mas é pequena em comparação com
o que políticas públicas fazem). Novas
medidas governamentais surgem quando a sociedade se organiza e pressiona, como
os protestos climáticos na Europa têm demonstrado. Já o foco em mudanças
individuais só poderia funcionar se tivéssemos tempo de sobra. Uma cena no
dia seguinte à devastação causada pelo furacão Sandy em Nova York, em 2012,
ilustra bem esse ponto. Havia na região costeira um centro
comunitário que era referência em práticas sustentáveis: horta orgânica,
reciclagem exemplar, consumo consciente, uso eficiente de energia… Quando o
furacão arrasou a cidade, esse centro foi reduzido a uma pilha disforme de
areia, deixando seus membros sem saber o que pensar, afinal não estavam fazendo
tudo certo? Diante da devastação de um clima completamente alterado, não há
‘hábitos ecológicos’ que resistam. Eventos
climáticos extremos como esses furacões e tempestades estão se multiplicando
tanto em número e intensidade a cada ano. No Brasil, um dos motivos porque não
sofremos com isso é o efeito de regulação do clima proporcionado pela Amazônia.
No ritmo atual de devastação das florestas, até quando teremos essa proteção
natural, que também impede a formação de um deserto
no centro-oeste e sudeste?
Aja em grupo. Tudo isso tem provocado, pela primeira
vez na história, uma revolta global contra esse ciclo de autodestruição em que
nos fechamos. Esses movimentos são fortes nos países onde há maior consciência
sobre a emergência climática, mas em menor escala já se espalharam por todo o
planeta, já que essa crise também atravessa todas as fronteiras. São mobilizações como a Greve pelo
Clima, de Greta Thunberg, Rebelião ou Extinção (Extinction Rebellion, ou XR),
350.org, Sunrise e
vários outros movimentos climáticos e ecológicos similares. No Brasil, há
também iniciativas brasileiras como Liberte o Futuro e os diversos coletivos
interseccionais, que abraçam a causa ambiental sem se restringir a isso,
da mesma forma como os movimentos ambientais também já integraram as causas
racial e contra a desigualdade.
Ao se juntar a algum grupo ou
movimento, fica muito mais simples se engajar em ação direta de pressão ao
governo e corporações. A maioria desses movimentos tem caráter descentralizado
e viral: se em sua cidade não houver um grupo local, é fácil criar um. Por
exemplo, no XR (Rebelião ou Extinção) funciona assim: quem quer que aja
pelas três demandas e dez princípios do movimento, pode atuar em nome do XR, sem
precisar pedir autorização para ninguém. Após os membros serem treinados nesses
fundamentos e diretrizes, é só começar a implementá-los localmente. A expansão desse tipo de movimento é
crucial para a causa particularmente no Brasil, já que ainda não contamos com a
mobilização massiva e auto-organizada dos movimentos no Norte Global. Sobre como se envolver em algum
movimento climático, o climatologista da NASA, Peter Kalmus, que também integra
o coletivo End Climate Silence, escreveu um texto bastante útil. Amazônia e emissões. No
Brasil, além da pauta global das mudanças climáticas, uma questão central é a
preservação dos biomas e dos povos indígenas. Isso porque o desmatamento da
Amazônia e do Cerrado respondem por 44% das emissões de gases do efeito estufa,
segundo dados do Observatório do Clima de 2019. Como a agropecuária responde
por 28% das emissões, 72% da contribuição do Brasil para o aquecimento global
vem do desmatamento e do agronegócio. Há
um discurso político e empresarial que enfatiza o fato de que o Brasil possui
uma matriz energética limpa, devido à predominância das hidrelétricas na
geração de energia. No entanto, a destruição ambiental causada por essas usinas
está muito longe de ser algo insignificante. E uma matriz supostamente limpa
acaba não fazendo muita diferença já que o Brasil é o 5º país que mais emite
gases do aquecimento. Com a atual situação política
brasileira, ativistas podem imaginar que não há como um governo negacionista
desse nível fazer algo positivo em relação ao meio ambiente, sendo então inútil
fazermos exigências ambiciosas. No entanto, mobilizações atraem atenção e
disseminam a mensagem. Como governar abertamente contra a sociedade é algo que
mesmo os governos mais autoritários tentam evitar, protestos que chamam a
atenção sempre ajudam os movimentos. Além disso, as demandas não precisam
necessariamente focar na administração federal. Por
exemplo, no XR e na Greve pelo Clima uma demanda central é que os governos
municipais também decretem emergência climática. Com base nessa medida
simbólica, se abre um debate público mais intenso e urgente pelas medidas
necessárias, aumentando a cobertura da mídia e, consequentemente, o engajamento
da sociedade nessa questão. Inclusive, no Brasil, já há uma cidade que decretou
espontaneamente emergência climática: Recife. Além
das mudanças climáticas, há vários outras graves consequências da extinção da
biodiversidade, como falta d’água, desertificação, genocídio indígena e
quilombola, e racismo ambiental (mais sobre isso adiante). Assim, as ações dos
movimentos climáticos no Brasil também unem a agenda global com as questões
mais locais como as causas indígena, racial e de inclusão social. Curto prazo. Entre as demandas de curto prazo desses
movimentos, além do reconhecimento de emergência climática pelo governo e pela
mídia, estão também a questão da justiça climática e do racismo ambiental. Em um nível local, isso se refere ao
fato de que as pessoas que mais sofrem com desastres ligados a mudanças
climáticas estão nas comunidades excluídas, por exemplo em áreas de risco, ou
indígenas e quilombolas. Em um nível global, as nações que mais
estão sofrendo não contribuíram quase nada para o problema. Historicamente,
cinco países ricos (Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália e Japão) são
responsáveis por 92% das mudanças climáticas/aquecimento global. Países na
América Latina, África e Oriente Médio — os que mais sofrem com isso —
respondem por apenas 8% dos gases do efeito estufa (dados são citados pelo
antropólogo econômico Jason Hickel, em “Less is More”). Então
as pessoas e sociedades mais vulneráveis precisam ter prioridade nas medidas de
mitigação e reparação de injustiças. Longo prazo. Já entre as medidas de longo prazo que precisamos
exigir, está a transição do sistema econômico para modelos mais humanos e
compassivos, como decrescimento ou economia donut. Isso
porque por mais que cortemos emissões e façamos a transição para energia
renovável, o sistema extrativista que busca um lucro infinito sobre a natureza
escassa continuará o mesmo, sendo assim uma questão de tempo para que as crises
socioambientais voltem a explodir. Outra
mudança estrutural que é abordada em movimentos ambientais mais holísticos como
XR ou Trabalho que Reconecta (TQR) é a mudança interior, de visão de
mundo, substituindo a atual visão de supremacia em relação a outras espécies
animais e vegetais, pela visão de uma interdependência compassiva, que abraça e
cuida de toda a vida, nos reconhecendo como uma parte dessa teia, e não como
donos. Esse é um exemplo claro de como a visão
budista especificamente pode transformar o ativismo, não estando limitada ao
contexto budista. Joanna Macy, a idealizadora do TQR, demonstra de modo
brilhante em seu trabalho como essa filosofia enriquece o ativismo ambiental. Reforma política. Além da reforma econômica, uma medida
de longo prazo essencial é consertar nossas democracias. A atual crise pode ser
muito útil já que expõe a falência completa de nossos sistemas coletivos e
individuais, nos empurrando para um colapso sistêmico inevitável. Assim, fica
óbvio que não há como haver vida em equilíbrio natural sem uma mudança completa
dos sistemas. No movimento XR especificamente, não há
ênfase em quais deveriam ser as mudanças de longo prazo para resolver essa
crise existencial. No lugar disso, propomos a criação de assembleias cidadãs
para que a própria sociedade discuta e decida o que é melhor para nós, em vez
de deixar essas decisões na mão de políticos comprometidos e empresários. Tal
sistema de democracia direta está na origem da própria democracia, há 2.500
anos, e vem sendo redescoberto como uma ótima ferramenta para lidarmos com
problemas aparentemente insolúveis pela política partidária, que costuma
terminar atada por interesses que não são os da sociedade. Escrevi sobre
assembleias cidadãs neste artigo. Como
mencionei no artigo anterior, visões de mundo como a do budismo ou
das culturas de povos nativos, em que reconhecemos como uma vida maior, que se
entrelaça em todas as direções, podem exercer um papel fundamental neste
momento em que ou mudamos ou perecemos. E as pessoas que já cultivam tal visão,
ou uma compaixão universal, podem exercer um papel-chave nessa possível
transição.
Para encerrar ainda nessa direção
otimista, segue um refrão favorito de música pop, das inglesas do Big Moon, na canção Your Light:
“Então talvez este seja o fim, porque
não parece uma parada,
Mas toda geração provavelmente imaginou
ser a última.
Mas em dias como estes, eu esqueço da
minha escuridão,
E me lembro da tua luz,
Me lembro da tua luz…” www.bodisatva.com.br.