sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O CÉU


Espiritismo. www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Capítulo III. O CÉU. Em geral, a palavra céu designa o espaço indefinido que circunda a Terra, e mais particularmente a parte que está acima do nosso horizonte. Vem do latim cœelum, formada do grego coïlos, côncavo, porque o céu parece uma imensa concavidade. Os antigos acreditavam na existência de muitos céus superpostos, de matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas e tendo a Terra por centro. Girando essas esferas em torno da Terra, arrastavam consigo os astros que se achavam em seu circuito. Essa ideia, provinda da deficiência de conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias, que fizeram dos céus, assim escalados, os diversos degraus da bem-aventurança: o último deles era abrigo da suprema felicidade. Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e daí a expressão — estar no sétimo céu — para exprimir perfeita felicidade. Os muçulmanos admitem nove céus, em cada um dos quais se aumenta a felicidade dos crentes. O astrônomo Ptolomeu (90-168) contava onze e denominava ao último Empíreo por causa da luz brilhante que nele reina. É este ainda hoje o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus: o primeiro é o da região do ar e das nuvens. O segundo, o espaço em que giram os astros, e o terceiro, para além deste, é a morada do Altíssimo, a habitação dos que o contemplam face a face. É conforme a esta crença que se diz que Paulo foi alçado ao terceiro céu. 2. As diferentes doutrinas relativamente ao Paraíso repousam todas no duplo erro de considerar a Terra centro do universo, e limitada a região dos astros. É além desse limite imaginário que todas têm colocado a residência afortunada e a morada do Todo-Poderoso. Singular anomalia que coloca o Autor de todas as coisas, aquele que as governa a todas, nos confins da Criação, em vez de no centro, donde o seu pensamento poderia, irradiante, abranger tudo! 3. A Ciência, com a lógica inexorável da observação e dos fatos, levou o seu archote às profundezas do Espaço e mostrou a nulidade de todas essas teorias. A Terra não é mais o eixo do universo, porém um dos menores astros que rolam na imensidade; o próprio Sol mais não é do que o centro de um turbilhão planetário; as estrelas são outros tantos e inumeráveis sóis, em torno dos quais circulam mundos sem conta, separados por distâncias apenas acessíveis ao pensamento, embora se nos afigure tocarem-se. Neste conjunto grandioso, regido por leis eternas — reveladoras da sabedoria e onipotência do Criador —, a Terra não é mais que um ponto imperceptível e um dos planetas menos favorecidos quanto à habitabilidade. E, assim sendo, é lícito perguntar por que Deus faria da Terra a única sede da vida e nela degredaria as suas criaturas prediletas? Ao contrário, tudo anuncia a vida por toda parte e a humanidade é infinita como o universo. Revelando-nos a Ciência mundos semelhantes ao nosso, Deus não podia tê-los criado sem intuito, antes deve tê-los povoado de seres capazes de os governar. 4. As ideias do homem estão na razão do que ele sabe; como todas as descobertas importantes, a da constituição dos mundos deveria imprimir-lhes outro curso; sob a influência desses conhecimentos novos, as crenças se modificaram; o Céu foi deslocado e a região estelar, sendo ilimitada, não mais lhe pode servir. Onde está ele, pois? E ante esta questão emudecem todas as religiões. O Espiritismo vem resolvê-las demonstrando o verdadeiro destino do homem. Tomando-se por base a natureza deste último e os atributos divinos, chega-se a uma conclusão. Isto quer dizer que partindo do conhecido atinge-se o desconhecido por uma dedução lógica, sem falar das observações diretas que o Espiritismo faculta. 5. O homem compõe-se de corpo e Espírito: o Espírito é o ser principal, racional, inteligente; o corpo é o invólucro material que reveste o Espírito temporariamente, para preenchimento da sua missão na Terra e execução do trabalho necessário ao seu adiantamento. O corpo, usado, destrói-se e o Espírito sobrevive à sua destruição. Privado do Espírito, o corpo é apenas matéria inerte, qual instrumento privado da mola real de função; sem o corpo, o Espírito é tudo; a vida, a inteligência. Ao deixar o corpo, torna ao mundo espiritual, onde paira, para depois reencarnar. Existem, portanto, dois mundos: o corporal, composto de Espíritos encarnados; e o espiritual, formado dos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corporal, devido mesmo à materialidade do seu envoltório, estão ligados à Terra ou a qualquer globo; o mundo espiritual ostenta-se por toda parte, em redor de nós como no Espaço, sem limite algum designado. Em razão mesmo da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o compõem, em lugar de se arrastarem penosamente sobre o solo, transpõem as distâncias com a rapidez do pensamento. A morte do corpo não é mais que a ruptura dos laços que os retinham cativos. 6. Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas dotados de aptidão para tudo conhecerem e para progredirem, em virtude do seu livre-arbítrio. Pelo progresso adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções e, conseguintemente, novos gozos desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados não podem ver, sentir, ouvir ou compreender. A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão. O céu sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. Uma comparação vulgar fará compreender melhor esta situação. Se se encontrarem em um concerto dois homens, um, bom músico, de ouvido educado, e outro, desconhecedor da música, de sentido auditivo pouco delicado, o primeiro experimentará sensação de felicidade, enquanto o segundo permanecerá insensível, porque um compreende e percebe o que nenhuma impressão produz no outro. Assim sucede quanto a todos os gozos dos Espíritos, que estão na razão da sua sensibilidade. O mundo espiritual tem esplendores por toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, submetidos à influência da matéria, não entreveem sequer, e que somente são acessíveis aos Espíritos purificados. 7. O progresso nos Espíritos é o fruto do próprio trabalho; mas, como são livres, trabalham no seu adiantamento com maior ou menor atividade, com mais ou menos negligência, segundo sua vontade, acelerando ou retardando o progresso e, por conseguinte, a própria felicidade. Enquanto uns avançam rapidamente, entorpecem-se outros, quais poltrões nas fileiras inferiores. São eles, pois, os próprios autores da sua situação, feliz ou desgraçada, conforme esta frase do Cristo: “A cada um segundo as suas obras”. (Romanos 2,6) Todo Espírito que se atrasa não pode queixar-se senão de si mesmo, assim como o que se adianta tem o mérito exclusivo do seu esforço, dando por isso maior apreço à felicidade conquistada. A suprema felicidade só é compartilhada pelos Espíritos perfeitos, ou, por outra, pelos puros Espíritos, que não a conseguem senão depois de haverem progredido em inteligência e moralidade. O progresso intelectual e o progresso moral raramente marcham juntos, mas o que o Espírito não consegue em dado tempo, alcança em outro, de modo que os dois progressos acabam por atingir o mesmo nível. Eis por que se veem muitas vezes homens inteligentes e instruídos pouco adiantados moralmente, e vice-versa. 8. A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. Uma comparação vulgar fará compreender melhor esta situação. Se se encontrarem em um concerto dois homens, um, bom músico, de ouvido educado, e outro, desconhecedor da música, de sentido auditivo pouco delicado, o primeiro experimentará sensação de felicidade, enquanto o segundo permanecerá insensível, porque um compreende e percebe o que nenhuma impressão produz no outro. Assim sucede quanto a todos os gozos dos Espíritos, que estão na razão da sua sensibilidade. O mundo espiritual tem esplendores por toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, submetidos à influência da matéria, não entreveem sequer, e que somente são acessíveis aos Espíritos purificados. A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, em uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o perverso tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes. Para o homem que vivesse isolado não haveria vícios nem virtudes; preservando-se do mal pelo isolamento, o bem de si mesmo se anularia. 9. Uma só existência corporal é manifestamente insuficiente para o Espírito adquirir todo o bem que lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra. Como poderia o selvagem, por exemplo, em uma só encarnação nivela se moral e intelectualmente ao mais adiantado europeu? É materialmente impossível. Deve ele, pois, ficar eternamente na ignorância e barbaria, privado dos gozos que só o desenvolvimento das faculdades pode proporcionar-lhe? O simples bom senso repele tal suposição, que seria não somente a negação da justiça e bondade divinas, mas das próprias leis evolutivas e progressivas da natureza. Mas Deus, que é soberanamente justo e bom, concede ao Espírito tantas encarnações quantas as necessárias para atingir seu objetivo — a perfeição. Para cada nova existência entra o Espírito com o cabedal adquirido nas anteriores em aptidões, conhecimentos intuitivos, inteligência e moralidade. Cada existência é assim um passo avante no caminho do progresso. A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos, deixando de ser necessária desde que estes, transpondo os limites, ficam aptos para progredir no estado espiritual, ou nas existências corporais de mundos superiores, que nada têm da materialidade terrestre. Da parte destes a encarnação é voluntária, tendo por fim exercer sobre os encarnados uma ação mais direta e tendente ao cumprimento da missão que lhes compete junto dos mesmos. Desse modo aceitam abnegadamente as vicissitudes e sofrimentos da encarnação. 10. No intervalo das existências corporais o Espírito torna a entrar no mundo espiritual, onde é feliz ou desgraçado segundo o bem ou o mal que fez. Uma vez que o estado espiritual é o estado definitivo do Espírito e o estado corporal é transitório e passageiro. É no estado espiritual sobretudo que o Espírito colhe os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação; é também nesse estado que se prepara para novas lutas e toma as resoluções que há de pôr em prática na sua volta à humanidade. O Espírito progride igualmente na erraticidade, adquirindo conhecimentos especiais que não poderia obter na Terra, e modificando as suas ideias. O estado corporal e o espiritual constituem a fonte de dois gêneros de progresso, pelos quais o Espírito tem de passar alternadamente, nas existências peculiares a cada um dos dois mundos. 11. A reencarnação pode dar-se na Terra ou em outros mundos. Há entre os mundos alguns mais adiantados onde a existência se exerce em condições menos penosas que na Terra física e moralmente, mas onde também só são admitidos Espíritos chegados a um grau de perfeição relativo ao estado desses mundos. A vida nos mundos superiores já é uma recompensa, visto nos acharmos isentos, aí, dos males e vicissitudes terrenos. Os corpos menos materiais, quase fluídicos, não sujeitos aí às moléstias, às enfermidades, tampouco têm as mesmas necessidades. Excluídos os Espíritos maus, gozam os homens de plena paz, sem outra preocupação além da do adiantamento pelo trabalho intelectual. Reina lá a verdadeira fraternidade, porque não há egoísmo; a verdadeira igualdade, porque não há orgulho, e a verdadeira liberdade por não haver desordens a reprimir, nem ambiciosos que procurem oprimir o fraco. Comparados à Terra, esses mundos são verdadeiros paraísos, quais pousos ao longo do caminho do progresso conducente ao estado definitivo. Sendo a Terra um mundo inferior destinado à purificação dos Espíritos imperfeitos, está nisso a razão do mal que aí predomina, até que praza a Deus fazer dela morada de Espíritos mais adiantados. Assim é que o Espírito, progredindo gradualmente à medida que se desenvolve, chega ao apogeu da felicidade; porém, antes de ter atingido a culminância da perfeição, goza de uma felicidade relativa ao seu progresso. A criança também frui os prazeres da infância, mais tarde os da mocidade, e finalmente os mais sólidos, da madureza. 12. A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não consiste na ociosidade contemplativa, que seria, como temos dito muitas vezes, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual em todos os seus graus é, ao contrário, uma constante atividade, mas atividade isenta de fadigas. A suprema felicidade consiste no gozo de todos os esplendores da Criação, que nenhuma linguagem humana jamais poderia descrever, que a imaginação mais fecunda não poderia conceber. Consiste também na penetração de todas as coisas, na ausência de sofrimentos físicos e morais, numa satisfação íntima, numa serenidade da alma imperturbável, no amor que envolve todos os seres, e portanto, na ausência de atrito proveniente do contato com os maus, e, acima de tudo, na contemplação de Deus e na compreensão dos seus mistérios revelados aos mais dignos. A felicidade também existe nas tarefas cujo encargo nos faz felizes. Os puros Espíritos são os messias ou mensageiros de Deus pela transmissão e execução das suas vontades. Preenchem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do universo, tarefa gloriosa a que se não chega senão pela perfeição. Os da ordem mais elevada são os únicos a possuírem os segredos de Deus, inspirando-se no seu pensamento, de que são diretos representantes. 13. As atribuições dos Espíritos são proporcionadas ao seu progresso, às luzes que possuem, às suas capacidades, experiência e grau de confiança inspirada ao Senhor soberano. Nem favores, nem privilégios que não sejam o prêmio ao mérito; tudo é medido e pesado na balança da estrita justiça. As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que Deus julga capazes de as cumprir e incapazes de desfalecimento ou comprometimento. E enquanto que os mais dignos compõem o supremo conselho, sob as vistas de Deus, a chefes superiores é cometida a direção de turbilhões planetários, e a outros conferida a de mundos especiais. Vêm, depois, pela ordem de adiantamento e subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas dos prepostos ao progresso dos povos, à proteção das famílias e indivíduos, ao impulso de cada ramo de progresso, às diversas operações da natureza até os mais ínfimos pormenores da Criação. Neste vasto e harmônico conjunto há ocupações para todas as capacidades, aptidões e esforços; ocupações aceitas com júbilo, solicitadas com ardor, por serem um meio de adiantamento para os Espíritos que ao progresso aspiram. 14. Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há outras de importância relativa em todos os graus, concedidas a Espíritos de todas as categorias, podendo afirmar-se que cada encarnado tem a sua, isto é, deveres a preencher a bem dos seus semelhantes, desde o chefe de família, a quem incumbe o progresso dos filhos, até o homem de gênio que lança às sociedades novos germens de progresso. É nessas missões secundárias que se verificam desfalecimentos, prevaricações e renúncias que prejudicam o indivíduo sem afetar o todo. 15. Todas as inteligências concorrem, pois, para a obra geral, qualquer que seja o grau atingido, e cada uma na medida das suas forças, seja no estado de encarnação ou no de espírito. Por toda parte a atividade, desde a base ao ápice da escala, instruindo-se, coadjuvando-se em mútuo apoio, dando-se as mãos para alcançarem o zênite. Assim se estabelece a solidariedade entre o mundo espiritual e o corporal, ou, em outros termos, entre os homens e os Espíritos, entre os Espíritos libertos e os cativos. Assim se perpetuam e consolidam, pela purificação e continuidade de relações, as verdadeiras simpatias e nobres afeições. Por toda parte, a vida e o movimento: nenhum canto do infinito despovoado, nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por legiões inumeráveis de Espíritos radiantes, invisíveis aos sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja vista deslumbra de alegria e admiração as almas libertas da matéria. Por toda parte, enfim, há uma felicidade relativa a todos os progressos, a todos os deveres cumpridos, trazendo cada um consigo os elementos de sua felicidade, decorrente da categoria em que se coloca pelo seu adiantamento. Das qualidades do indivíduo depende-lhe a felicidade, e não do estado material do meio em que se encontra, podendo a felicidade, portanto, existir em qualquer parte onde haja Espíritos capazes de a gozar. Nenhum lugar lhe é circunscrito e assinalado no universo. Onde quer que se encontrem, os Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda parte. 16. Entretanto, a felicidade não é pessoal: se a possuíssemos somente em nós mesmos, sem poder reparti-la com outrem, ela seria tristemente egoísta. Também a encontramos na comunhão de ideias que une os seres simpáticos. Os Espíritos felizes, atraindo-se pela similitude de ideias, gostos e sentimentos, formam vastos agrupamentos ou famílias homogêneas, no seio das quais cada individualidade irradia as qualidades próprias e satura-se dos eflúvios serenos e benéficos emanados do conjunto. Os membros deste, ora se dispersam para se darem à sua missão, ora se reúnem em dado ponto do Espaço a fim de se prestarem contas do trabalho realizado, ora se congregam em torno dum Espírito mais elevado para receberem instruções e conselhos. 17. Posto que os Espíritos estejam por toda parte, os mundos são de preferência os seus centros de atração, em virtude da analogia existente entre eles e os que os habitam. Em torno dos mundos adiantados abundam Espíritos superiores, como em torno dos atrasados pululam Espíritos inferiores. Cada globo tem, de alguma sorte, sua população própria de Espíritos encarnados e desencarnados, alimentada em sua maioria pela encarnação e desencarnação dos mesmos. Esta população é mais estável nos mundos inferiores, pelo apego dos Espíritos à matéria, e mais flutuante nos superiores. Destes últimos, porém, verdadeiros focos de luz e felicidade, Espíritos se destacam para mundos inferiores a fim de neles semearem os germens do progresso, levar-lhes consolação e esperança, levantar os ânimos abatidos pelas provações da vida. Por vezes também se encarnam para cumprir com mais eficácia a sua missão. 18. Nessa imensidade ilimitada, onde está o Céu? Em toda parte. Nenhum contorno lhe traça limites. Os mundos adiantados são as últimas estações do seu caminho, que as virtudes franqueiam e os vícios interditam. Ante este quadro grandioso que povoa o universo, que dá a todas as coisas da Criação um fim e uma razão de ser, quanto é pequena e mesquinha a doutrina que circunscreve a humanidade a um ponto imperceptível do Espaço, que a mostra começando em dado instante para acabar igualmente com o mundo que a contém, não abrangendo mais que um minuto na eternidade! Como é triste, fria, glacial essa doutrina quando nos mostra o resto do universo, durante e depois da humanidade terrestre, sem vida, nem movimento, qual vastíssimo deserto imerso em profundo silêncio! Como é desesperadora a perspectiva dos eleitos votados à contemplação perpétua, enquanto a maioria das criaturas padece tormentos sem-fim! Como lacera os corações sensíveis a ideia dessa barreira entre mortos e vivos! As almas ditosas, dizem, só pensam na sua felicidade, como as desgraçadas, nas suas dores. Admira que o egoísmo reine sobre a Terra quando mostram no Céu? Oh! Quão mesquinha se nos afigura essa ideia da grandeza, do poder e da bondade de Deus! Quanto é sublime a ideia que dele fazemos pelo Espiritismo! Quanto a sua doutrina engrandece as ideias e amplia o pensamento! Mas quem diz que ela é verdadeira? A razão primeiro, a revelação depois, e, finalmente, a sua concordância com os progressos da Ciência. Entre duas doutrinas, das quais uma amesquinha e a outra exalta os atributos de Deus; das quais uma só está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; das quais uma se deixa ficar na retaguarda enquanto a outra caminha, o bom senso diz de que lado está a verdade. Que, confrontando-as, consulte cada qual a consciência, e uma voz íntima lhe falará por ela. Pois bem, essas aspirações íntimas são a voz de Deus, que não pode enganar os homens. 19. Dir-se-á, por que Deus não lhes revelou de princípio toda a verdade? Pela mesma razão por que se não ensina à infância o que se ensina aos de idade madura. A revelação limitada foi suficiente a certo período da humanidade, e Deus a proporciona gradativamente ao progresso e às forças do Espírito. Os que recebem hoje uma revelação mais completa são os mesmos Espíritos que tiveram dela uma partícula em outros tempos e que de então por diante se engrandeceram em inteligência. Antes de a Ciência ter revelado aos homens as forças vivas da natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel da Terra e sua formação, poderiam eles compreender a imensidade do Espaço e a pluralidade dos mundos? Antes de a Geologia comprovar a formação da Terra, poderiam os homens tirar-lhe o inferno das entranhas e compreender o sentido alegórico dos seis dias da Criação? Antes de a Astronomia descobrir as leis que regem o universo, poderiam compreender que não há alto nem baixo no Espaço, que o Céu não está acima das nuvens nem limitado pelas estrelas? Poderiam identificar-se com a vida espiritual antes dos progressos da ciência psicológica? Conceber depois da morte uma vida feliz ou desgraçada, a não ser em lugar circunscrito e sob uma forma material? Não. Compreendendo mais pelos sentidos que pelo pensamento, o universo era muito vasto para a sua concepção; era preciso restringi-lo ao seu ponto de vista para alargá-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade, e, embora sábia até então, não satisfaria hoje. O absurdo provém dos que pretendem poder governar os homens de pensamento, sem se darem conta do progresso das ideias, quais se fossem crianças. (Vede O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo III).www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O INFERNO II


Espiritismo. www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Capítulo II. O INFERNO II. Esses reis reviam-se constantemente nesse espelho, achando-se mais monstruosos e horrendos que a própria Quimera vencida por Belerofonte, que a Hidra de Lerna abatida por Hércules e que Cérbero vomitando por suas três goelas um sangue negro e venenoso, capaz de empestar toda a raça de mortais que vivem sobre a Terra. De outro lado, outra Fúria lhes repetia injuriosamente todos os louvores que os lisonjeiros lhes dispensavam em vida e mostrava-lhes ainda outro espelho em que se viam tais como a lisonja os pintara. Da antítese dos dois quadros brotava o suplício do amor-próprio. Era para notar que os piores dentre esses reis, foram os que tiveram maiores e mais fulgentes louvores durante a vida, por isso que os maus são mais temidos que os bons e exigem impudicamente as vis adulações dos poetas e oradores do seu tempo. Na profundeza dessas trevas, onde só insultos e escárnios padecem, ouvem-se-lhes os gemidos agoniados. Nada os cerca que os não repila, contradiga e confunda em contraste ao que supunham na vida, zombando dos homens, convictos de que tudo era feito para servi-los. No Tártaro, entregues a todos os caprichos de certos escravos, estes lhes fazem provar por sua vez a mais cruel servidão; humilhados dolorosamente, não lhes resta esperança alguma de modificar ou abrandar o cativeiro. Qual bigorna sob as marteladas dos Ciclopes, quando Vulcano os acoroçoa nas fornalhas incandescentes do Monte Etna, assim permanecem, mercê das pancadas desses escravos transformados em verdugos. Aí viu Telêmaco pálidos semblantes, hediondos e consternados. Negra tristeza essa que consome estes criminosos, horrorizados de si próprios, sem poderem dela despojar-se como da própria natureza. Não têm outro castigo às suas faltas que não as mesmas faltas; veem-nas incessantemente na plenitude da sua enormidade, apresentando-se sob a forma de espectros horríveis que os perseguem. Procurando eximir-se a essa perseguição, buscam morte mais potente do que a que os separou do corpo. Desesperados, invocam uma morte capaz de extinguir a consciência deles: pedem aos abismos que os absorvam, a fim de se furtarem aos raios vingadores da verdade que os atormenta, mas continuam votados à vingança que sobre eles destila gota a gota e que jamais estancará. A verdade que temem ver constitui-se em suplício; veem-na, contudo, e só têm olhos para vê-la erguer-se contra eles, ferindo-os, despedaçando-os, arrancando-os de si mesmos, como o raio, sem nada os destruir exteriormente, a penetrar-lhes o âmago das entranhas. Entre os seres que lhe eriçavam os cabelos, viu Telêmaco vários e antigos Reis da Lídia punidos por haverem preferido ao trabalho as delícias de uma vida inativa, quando aquele deve ser o consolo dos povos e, como tal, inseparável da realeza. Estes reis lastimavam-se reciprocamente a cegueira. Dizia um a outro, que fora seu filho: — Não vos tinha eu recomendado tantas vezes durante a vida e ainda antes da morte que reparásseis os males ocorridos por negligência minha? — Ah! Desgraçado, pai! — dizia o filho — fostes vós que me perdestes! Foi o vosso exemplo que me inspirou o fausto, o orgulho, a voluptuosidade e a crueldade para com os homens! Vendo-vos governar com tanta incúria, cercado de aduladores infames, habituei-me a prezar a lisonja e os prazeres. Acreditei que os homens eram para os reis o que os cavalos e outros animais de carga são para aqueles, isto é, animais que só se consideram enquanto proporcionam serviços e comodidades. “Acreditei-o, e fostes vós que fizestes crer (...) sofrendo agora tantos males por vos haver imitado”. A estas recriminações aliavam as mais acerbas blasfêmias, como que possuídos de raiva bastante para se despedaçarem mutuamente. Quais notívagos mochos, em torno desses reis corvejavam as suspeitas cruéis, os vãos receios e desconfianças que vingam os povos da dureza de seus reis, a ganância insaciável das riquezas, a falsa glória sempre tirânica e a moleza displicente que duplica os sofrimentos sem a compensação de sólidos prazeres. Viam-se muitos desses reis severamente punidos, não por males que tivessem feito, mas por terem negligenciado o bem que poderiam e deveriam fazer. Todos os crimes dos povos, provenientes da desídia na observância das leis eram imputados aos reis, que não devem reinar senão para que as leis exerçam seu ministério. Imputavam-lhes também todas as desordens decorrentes do fausto, do luxo e dos demais excessos que impelem os homens à violência, instigando-os à aquisição de bens com o desprezo das leis. Sobretudo recaía o rigor sobre os reis que, em vez de serem bons e vigilantes pastores dos povos, só cuidavam de devastar o rebanho, quais lobos devoradores. O que mais consternou Telêmaco, porém, foi ver nesse abismo de trevas e males um grande número de reis que, tendo passado na Terra pelos melhores, condenaram-se às penas do Tártaro por se terem deixado guiar por homens ardilosos e maus. Tal punição correspondia aos males que tinham deixado praticar em nome da sua autoridade. Ademais, a maior parte desses reis não foram nem bons nem maus, tal a sua fraqueza; não os atemorizava a ignorância da verdade, e assim como nunca experimentaram o prazer da virtude, jamais poderiam fazê-lo consistir na prática do bem. Esboço do inferno cristão. 11. A opinião dos teólogos sobre o inferno resume-se nas seguintes citações. Esta descrição, sendo tomada dos autores sagrados e da vida dos santos, pode tanto melhor ser considerada como expressão da fé ortodoxa na matéria, quanto é ela reproduzida a cada instante, com pequenas variantes, nos sermões do púlpito evangélico e nas instruções pastorais. 12. “Os demônios são puros Espíritos, e os condenados, presentemente no inferno, podem ser considerados puros Espíritos, uma vez que só a alma aí desce, e os restos entregues à terra se transformam em ervas, em plantas, em minerais e líquidos, sofrendo inconscientemente as metamorfoses constantes da matéria. Os condenados, porém, como os santos, devem ressuscitar no dia do juízo final, retomando, para não mais deixá-los, os mesmos corpos carnais que os revestiam na vida. Os eleitos ressuscitarão, contudo, em corpos purificados e resplendentes, e os condenados em corpos maculados e desfigurados pelo pecado. Isso os distinguirá, não havendo mais no inferno puros Espíritos, porém homens como nós. Conseguintemente, o inferno é um lugar físico, geográfico, material, uma vez que tem de ser povoado por criaturas terrestres, dotadas de pés, mãos, boca, língua, dentes, ouvidos, olhos semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis. Onde estará esse inferno? Alguns doutores o têm colocado nas entranhas mesmas do nosso globo; outros não sabemos em que planeta, sem que o problema se haja resolvido por qualquer concílio. Estamos, pois, quanto a este ponto, reduzidos a conjecturas; a única coisa afirmada é que esse inferno, onde quer que exista, é um mundo composto de elementos materiais, conquanto sem Sol, sem estrelas, sem Lua, mais triste e inóspito, mais desprovido de todo gérmen e das aparências benéficas que porventura se encontram ainda nas regiões mais áridas deste mundo em que pecamos. Os teólogos mais circunspectos não se atrevem, à semelhança dos egípcios, dos hindus e dos gregos, a descrever os horrores dessa morada, limitando-se a mostrar como premissas no pouco que dela fala a escritura, o lago de fogo e enxofre do Apocalipse e os vermes de Isaías, esses vermes que formigam eternamente sobre os cadáveres do Tofel, e os demônios atormentando os homens que eles levaram à perdição, e os homens a chorarem, rangendo os dentes, segundo a expressão dos evangelistas. Santo Agostinho (354-430) não concorda que esses sofrimentos físicos sejam apenas reflexos de sofrimentos morais e vê, num verdadeiro lago de enxofre, vermes e verdadeiras serpentes saciando-se nos corpos, casando suas picadas às do fogo. Ele pretende mais, segundo um versículo de Marcos, que esse fogo estranho, posto que material como o nosso e atuando sobre corpos materiais, os conservará como o sal conserva o corpo das vítimas. Os condenados, vítimas sempre sacrificadas e sempre vivas, sentirão a tortura desse fogo que queima sem destruir, penetrando-lhes a pele. Serão dele embebidos e saturados em todos os seus membros, na medula dos ossos, na pupila dos olhos, nas mais recônditas e sensíveis fibras do seu ser. A cratera de um vulcão, se aí pudessem submergir, ser-lhes-ia lugar de refrigério e repouso. Assim falam com toda a segurança os teólogos mais tímidos, discretos e comedidos; não negam que haja no inferno outros suplícios corporais, mas dizem que para afirmá-lo lhes falta suficiente conhecimento, pelo menos tão positivo como o que lhes foi dado sobre o suplício horrível do fogo e dos vermes. Há, contudo, teólogos mais ousados ou mais esclarecidos que dão do inferno descrições mais minuciosas, variadas e completas. E conquanto se não saiba em que lugar do Espaço está situado esse inferno, há santos que o viram. Eles não foram lá ter com a lira na mão, como Orfeu; de espada em punho, como Ulisses, mas transportados em espírito. Desse número é Santa Teresa. Dir-se-ia, pela narrativa da santa, que há uma cidade no inferno: Ela aí viu, pelo menos, uma espécie de viela comprida e estreita como essas que abundam em velhas cidades, e percorreu-a horrorizada, caminhando sobre lodoso e fétido terreno, no qual pululavam monstruosos repteis. Foi, porém, detida em sua marcha por uma muralha que interceptava a viela, em cuja muralha havia um nicho onde se abrigou, aliás sem poder explicar a ocorrência. Era, diz ela, o lugar que lhe destinavam se abusasse, em vida, das graças concedidas por Deus em sua cela de Ávila. Apesar da facilidade maravilhosa que tivera em penetrar esse nicho, não podia sentar-se, ou deitar-se, nem manter-se de pé. Tampouco podia sair. Essas paredes horríveis, abaixando-se sobre ela, envolviam-na, apertavam-na como se fossem animadas de movimento próprio. Parecia-lhe que a afogavam, estrangulando-a, ao mesmo tempo que a esfolavam e retalhavam em pedaços. Ao sentir queimar-se, experimentou, igualmente, toda a sorte de angústias. Sem esperança de socorro, tudo era trevas em torno de si, posto que através dessas trevas percebesse, não sem pavor, a hedionda viela em que se achava, com a sua imunda vizinhança. Este espetáculo era-lhe tão intolerável quanto os apertos mesmos da prisão. Esse não era, sem dúvida, mais que um pequeno recanto do inferno. Outros viajantes espirituais foram mais favorecidos, pois viram grandes cidades no inferno, quais enormes braseiros: Babilônia e Nínive, a própria Roma, com seus palácios e templos abrasados, acorrentados todos os habitantes. Traficantes em seus balcões, sacerdotes reunidos a cortesãos em salas de festim, chumbados às cadeiras ululantes, levando aos lábios rubras taças chamejantes. Criados genuflexos em ferventes cloacas, braços distendidos, e príncipes de cujas mãos escorria em lava devoradora o ouro derretido. Outros viram no inferno planícies sem-fim, cultivadas por camponeses famintos, que, nada colhendo desses campos fumegantes, dessas sementes estéreis, se entredevoravam, dispersando-se em seguida, tão numerosos como dantes, magros, vorazes e em bando, indo procurar ao longe, em vão, terras mais felizes. Outras colônias errantes de condenados os substituíam imediatamente. Ainda outros relatam que viram no inferno montanhas inçadas de precipícios, florestas gemebundas, poços secos, fontes alimentadas de lágrimas, ribeiros de sangue, turbilhões de neve em desertos de gelo, barcas tripuladas por desesperados, singrando mares sem praia. Viram, em uma palavra, tudo o que viam os pagãos: um lúgubre revérbero da Terra com os respectivos sofrimentos naturais eternizados, e até calabouços, patíbulos e instrumentos de tortura forjados por nossas próprias mãos. Há, com efeito, demônios que, para melhor atormentarem os homens em seus corpos, tomam corpos. Uns têm asas de morcegos, cornos, couraças de escama, patas armadas de garras, dentes agudos, apresentando-se armados de espadas, tenazes, pinças, serras, grelhas, foles, tudo ardente, não exercendo outro ofício por toda a eternidade, em relação à carne humana, que não o de carniceiros e cozinheiros; outros, transformados em leões ou víboras enormes, arrastam suas presas para cavernas solitárias; estes se transformam em corvos para arrancar os olhos a certos culpados, e aqueles em dragões volantes, prontos a se lançarem sobre o dorso das vítimas, arrebatando-as assustadiças, ensanguentadas, aos gritos, através de espaços tenebrosos, para arremessá-las enfim em tanques de enxofre. Aqui, nuvens de gafanhotos, de escorpiões gigantescos, cuja vista produz náuseas e calafrios, e o contato, convulsões. Além, de monstros policéfalos, escancarando goelas vorazes, a sacudirem sobre as disformes cabeças as suas crinas de áspides, a triturarem condenados com sangrentas mandíbulas para vomitá-los mastigados, porém vivos, porque são imortais. Estes demônios de formas sensíveis, que lembram tão visivelmente os deuses do Amenti e do Tártaro, bem como os ídolos adorados pelos fenícios, moabitas e outros gentios vizinhos da Judeia, esses demônios não obram ao acaso, tendo cada um à sua função. O mal que praticam no inferno está em relação ao mal que inspiraram e fizeram cometer na Terra. Os condenados são punidos em todos os seus órgãos e sentidos, porque também a Deus ofenderam por todos os órgãos e sentidos. Os delinquentes de gula são castigados pelos demônios da glutonaria, os preguiçosos pelos da preguiça, os luxuriosos pelos da devassidão, e assim por diante, numa variedade tão grande como a dos pecados. Terão frio, queimando-se, e calor, enregelados, ávidos igualmente de movimento e de repouso; sedentos e famintos; mil vezes mais fatigados que escravo ao fim do dia. Mais doentes que os moribundos, mais alquebrados e chaguentos que os mártires, e isso para sempre. Demônio algum se furta, nem se furtará jamais ao desempenho sinistro da sua tarefa, perfeitamente disciplinados e fiéis, quanto à execução das vingativas ordens que receberam. Aliás, sem isso que seria o inferno? Repousariam os pacientes se os algozes altercassem ou se enfadassem. Mas nada de repouso nem disputas para quaisquer deles, pois apesar de maus e inumeráveis que são, estendendo-se de um a outro extremo do abismo, nunca se viu sobre a Terra súditos mais dóceis a seus príncipes, exércitos mais obedientes aos chefes ou comunidades monásticas mais humildes e submissas aos seus superiores. Quase nada se conhece da ralé demoníaca, desses vis Espíritos que compõem as legiões de vampiros, sapos, escorpiões, corvos, hidras, salamandras e outros animais sem-nome; conhecem-se, porém, os nomes de muitos dos príncipes que comandam tais legiões, entre os quais Belfegor, o demônio da luxúria; Abadon ou Apolion, do homicídio; Belzebu, dos desejos impuros, ou senhor das moscas que engendram a corrupção. Mamon, da avareza; Moloc, Belial, Baalgad, Astarot e muitos outros, sem falar do seu chefe supremo, o sombrio arcanjo que no Céu se chamava Lúcifer e no inferno se chama Satanás.” Eis aí resumida a ideia que nos dão do inferno, sob o ponto de vista da sua natureza física e também das penas físicas que aí sofrem. Compulsai os escritos dos padres e dos antigos doutores; interrogai as pias legendas; observai as esculturas e painéis das nossas igrejas; atentai no que dizem dos púlpitos e sabereis ainda mais. 13. O autor acompanha esse quadro das seguintes reflexões, cujo alcance procuraremos cada qual compreender: “A ressurreição dos corpos é um milagre, mas Deus faz ainda um segundo milagre, dando a esses corpos mortais — já uma vez usados pelas passageiras provas da vida, já uma vez aniquilados — a virtude de subsistirem sem se dissolverem numa fornalha, onde se volatilizariam os próprios metais. Que se diga que a alma é o seu próprio algoz, que Deus não a persegue e apenas a abandona no estado infeliz por ela escolhido (conquanto esse abandono eterno de um ser desgraçado e sofredor pareça incompatível com a Bondade divina), vá; mas o que se diz da alma e das penas espirituais, não se pode de modo algum dizer dos corpos e das respectivas penas, para perpetuação das quais já não basta que Deus se conserve impassível, mas, ao contrário, que intervenha e atue, sem o que sucumbiriam os corpos. Os teólogos supõem, portanto, que Deus opera, efetivamente, após a ressurreição dos corpos, esse segundo milagre de que falamos. Que em primeiro lugar tira dos sepulcros que os devoravam os nossos corpos de barro; retira-os tais como aí baixaram com suas enfermidades originais e degradações sucessivas da idade. Restitui-nos a esse estado, decrépitos, friorentos, gotosos, cheios de necessidades, sensíveis a uma picada de abelha, assinalados dos estragos da vida e da morte, e está feito o primeiro milagre; depois, a esses corpos raquíticos, prontos a voltarem ao pó donde saíram, outorga propriedades que nunca tiveram — a imortalidade, esse dom que, em sua cólera (dizei antes em sua misericórdia), retirara a Adão ao sair do Éden — e eis completo o segundo milagre. Adão, quando imortal, era invulnerável, e deixando de ser invulnerável tornou-se mortal; a morte seguia de perto a dor. A ressurreição não nos restabelece, pois, nem nas condições físicas do homem inocente, nem nas do culpado, sendo antes uma ressurreição das nossas misérias somente, mas com um acréscimo de misérias novas, infinitamente mais horríveis. É, de alguma sorte, uma verdadeira criação, e a mais maliciosa que a imaginação tenha, porventura, ousado conceber. Deus muda de parecer, e, para ajuntar aos tormentos espirituais dos pecadores tormentos carnais que possam durar eternamente, transforma de súbito, por efeito do seu poder, as leis e propriedades por Ele mesmo estabelecidas de princípio aos compostos materiais, ressuscita carnes enfermas e corrompidas e, reunindo por um nó indestrutível esses elementos que tendem por si mesmos a separar-se, mantém e perpetua, contra a ordem natural, essa podridão viva, lançando-a ao fogo, não para purificá-la, mas para conservá-la tal qual é, sensível, sofredora, ardente, horrível e como a quer — imortal. Por este milagre se arvora Deus num dos algozes infernais, pois se os condenados só a si podem atribuir seus males espirituais, em compensação só à Deus poderão imputar os outros. Era pouco aparentemente o abandono, depois da morte, à tristeza, ao arrependimento, às angústias de uma alma que sente perdido o bem supremo. Segundo os teólogos, Deus irá buscá-las nessa noite, ao fundo desse abismo, chamando-as momentaneamente à vida, não para as consolar, mas para as revestir de um corpo horrendo, chamejante, imperecível, mais empestado que a túnica de Dejanira, abandonando-as então para sempre. Ainda assim Ele não as abandonará para sempre, em absoluto, visto como Céu e Terra não subsistem senão por ato permanente da sua vontade sempre ativa. Deus terá, portanto, sem cessar, esses condenados à mão, para impedir que o fogo se extinga em seus corpos, consumindo-os, e querendo que contribuam perpetuamente por seus perenes suplícios para edificação dos escolhidos”. 14. Dissemos, e com razão, que o inferno dos cristãos excedera o dos pagãos. Efetivamente, no Tártaro veem-se culpados torturados pelo remorso, ante suas vítimas e seus crimes, acabrunhados por aqueles que espezinharam na vida terrestre; vemo-los fugirem à luz que os penetra, procurando em vão esconderem-se aos olhares que os perseguem; aí o orgulho é abatido e humilhado, trazendo todos o estigma do seu passado, punidos pelas próprias faltas, a ponto tal que, para alguns, basta entregá-los a si mesmos sem ser preciso aumentar-lhes os castigos. Contudo, são sombras, isto é, almas com corpos fluídicos, imagens da sua vida terrestre; lá não se vê os homens retomarem o corpo carnal para sofrer materialmente, com fogo a penetrar-lhes a pele, saturando-os até a medula dos ossos. Tampouco se vê o requinte das torturas que constituem o fundo do inferno cristão. Juízes inflexíveis. Porém justos, proferem a sentença proporcional ao delito, ao passo que no império de Satã são todos confundidos nas mesmas torturas, com a materialidade por base, e banida toda e qualquer equidade. Incontestavelmente, há hoje, no seio da Igreja mesma, muitos homens sensatos que não admitem essas coisas à risca, vendo nelas antes simples alegorias cujo sentido convém interpretar. Estas opiniões, no entanto, são individuais e não fazem lei, continuando a crença no inferno material, com suas consequências, a constituir um artigo de fé. 15. Poderíamos perguntar como há homens que têm conseguido ver essas coisas em êxtase, se elas de fato não existem. Não cabe aqui explicar a origem das imagens fantásticas, tantas vezes reproduzidas com visos de realidade. Diremos apenas ser preciso considerar, em princípio, que o êxtase é a mais incerta de todas as revelações, porquanto o estado de sobre-excitação nem sempre importa um desprendimento de alma tão completo que se imponha à crença absoluta, denotando muitas vezes o reflexo de preocupações da véspera. As ideias com que o Espírito se nutre e das quais o cérebro, ou antes o invólucro perispiritual correspondente a este, conserva a forma ou a estampa, se reproduzem amplificadas como em uma miragem, sob formas vaporosas que se cruzam, se confundem e compõem um todo extravagante. Os extáticos de todos os cultos sempre viram coisas em relação com a fé de que se presumem penetrados, não sendo, pois, extraordinário que Santa Teresa e outros, tal qual ela saturados de ideias infernais pelas descrições, verbais ou escritas, hajam tido visões, que não são, propriamente falando, mais que reproduções por efeito de um pesadelo. Um pagão fanático teria antes visto o Tártaro e as Fúrias, ou Júpiter, empunhando o raio. Livro O Céu e o Inferno.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O INFERNO I


Espiritismo. www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Capítulo II. Texto de Allan Kardec (1804-1869). O INFERNO I. Intuição das penas futuras • O inferno cristão imitado do inferno pagão • Os limbos • Quadro do inferno pagão • Esboço do inferno cristão Intuição das penas futuras 1. Desde todas as épocas o homem acreditou, por intuição, que a vida futura seria feliz ou infeliz, conforme o bem ou o mal praticado neste mundo. A ideia que ele faz, porém, dessa vida, está em relação com o seu desenvolvimento, senso moral e noções mais ou menos justas do bem e do mal. As penas e recompensas são o reflexo dos instintos predominantes. Os povos guerreiros fazem consistir a suprema felicidade nas honras conferidas à bravura; os caçadores, na abundância da caça; os sensuais, nas delícias da voluptuosidade. Dominado pela matéria, o homem não pode compreender senão imperfeitamente a espiritualidade, imaginando para as penas e gozos futuros um quadro mais material que espiritual; afigura-se que deve comer e beber no outro mundo, porém, melhor que na Terra. Mais tarde já se encontra nas crenças sobre a vida futura um misto de espiritualismo e materialismo: a beatitude contemplativa concorrendo com o inferno das torturas físicas. 2. Não podendo compreender senão o que vê, o homem primitivo naturalmente moldou o seu futuro pelo presente; para compreender outros tipos, além dos que tinha à vista, ser-lhe-ia preciso um desenvolvimento intelectual que só o tempo deveria completar. Também o quadro por ele ideado sobre as penas futuras não é senão o reflexo dos males da humanidade, em mais vasta proporção, reunindo-lhe todas as torturas, suplícios e aflições que achou na Terra. Nos climas abrasadores imaginou um inferno de fogo, e nas regiões boreais um inferno de gelo. Não estando ainda desenvolvido o sentido que mais tarde o levaria a compreender o mundo espiritual, não podia conceber senão penas materiais; e assim, com pequenas diferenças de forma, os infernos de todas as religiões se assemelham. O inferno cristão imitado do inferno pagão 3. O inferno pagão, descrito e dramatizado pelos poetas, foi o modelo mais grandioso do gênero, e perpetuou-se no seio dos cristãos, onde, por sua vez, houve poetas e cantores. Comparando-os, encontram-se neles — salvo os nomes e variantes de detalhe — numerosas analogias; ambos têm o fogo material por base de tormentos, como símbolo dos sofrimentos mais atrozes. Mas coisa singular! Os cristãos exageraram em muitos pontos o inferno dos pagãos. Se estes tinham o tonel das Danaides, a roda de Íxion, o rochedo de Sísifo, eram estes suplícios individuais; os cristãos, ao contrário, têm para todos, sem distinção, as caldeiras ferventes cujos tampos os anjos levantam para ver as contorções dos supliciados; e Deus, sem piedade, ouve-lhes os gemidos por toda a eternidade. Jamais os pagãos descreveram os habitantes dos Campos Elíseos deleitando a vista nos suplícios do Tártaro.  4. Os cristãos têm, como os pagãos, o seu rei dos infernos — Satã — com a diferença, porém, de que Plutão se limitava a governar o sombrio império, que lhe coubera em partilha, sem ser mau; retinha em seus domínios os que haviam praticado o mal, porque essa era a sua missão, mas não induzia os homens ao pecado para desfrutar, tripudiar dos seus sofrimentos. Satã, no entanto, recruta vítimas por toda parte e regozija-se ao atormentá-las com uma legião de demônios armados de forcado a revolvê-las no fogo. Já se tem discutido seriamente sobre a natureza desse fogo que queima, mas não consome as vítimas. Tem-se mesmo perguntado se seria um fogo de betume. O inferno cristão nada cede, pois, ao inferno pagão. 5. As mesmas considerações que, entre os antigos, tinham feito localizar o reino da felicidade, fizeram circunscrever igualmente o lugar dos suplícios. Tendo-se colocado o primeiro nas regiões superiores, era natural reservar ao segundo os lugares inferiores, isto é, o centro da Terra, para onde se acreditava servirem de entradas certas cavidades sombrias, de aspecto terrível. Os cristãos também colocaram aí, por muito tempo, a habitação dos condenados. A este respeito, frisemos ainda outra analogia: O inferno dos pagãos continha de um lado os Campos Elíseos e do outro o Tártaro; o Olimpo, morada dos deuses e dos homens divinizados, ficava nas regiões superiores. Segundo a letra do Evangelho, Jesus desceu aos infernos, isto é, aos lugares baixos para deles tirar as almas dos justos que lhe aguardavam a vinda. Os infernos não eram, portanto, um lugar unicamente de suplício: estavam, tal como para os pagãos, nos lugares baixos. A morada dos anjos, assim como o Olimpo, era nos lugares elevados. Colocaram-na para além do céu estelar, que se reputava limitado. 6. Esta mistura de ideias cristãs e pagãs nada tem de surpreendente. Jesus não podia de um só golpe destruir inveteradas crenças, faltando aos homens conhecimentos necessários para conceber a infinidade do Espaço e o número infinito dos mundos; a Terra para eles era o centro do universo; não lhe conheciam a forma nem a estruturas internas; tudo se limitava ao seu ponto de vista: as noções do futuro não podiam ir além dos seus conhecimentos. Jesus encontrava-se, pois, na impossibilidade de os iniciar no verdadeiro estado das coisas, mas não querendo, por outro lado, com sua autoridade, sancionar preconceitos, absteve-se de os retificar, deixando ao tempo essa missão. Ele limitou-se a falar vagamente da vida bem-aventurada, dos castigos reservados aos culpados, sem referir-se jamais nos seus ensinos a castigos e suplícios corporais, que constituíram para os cristãos um artigo de fé. Eis aí como as ideias do inferno pagão se perpetuaram até os nossos dias. E foi preciso a difusão das modernas luzes, o desenvolvimento geral da inteligência humana para se lhe fazer justiça. Como, porém, nada de positivo houvesse substituído as ideias recebidas, ao longo período de uma crença cega sucedeu, transitoriamente, o período de incredulidade a que vem pôr termo a Nova Revelação. Era preciso demolir para reconstruir, visto como é mais fácil insinuar ideias justas aos que em nada creem, sentindo que algo lhes falta, do que fazê-lo aos que possuem uma ideia robusta, ainda que absurda. 7. Localizados o Céu e o inferno, as seitas cristãs foram levadas a não admitir para as almas senão duas situações extremas: a felicidade perfeita e o sofrimento absoluto. O purgatório é apenas uma posição intermediária e passageira, ao sair da qual as almas passam, sem transição, à mansão dos justos. Outra não pode ser a hipótese, dada a crença na sorte definitiva da alma após a morte. Se não há mais de duas habitações, a dos eleitos e a dos condenados, não se podem admitir muitos graus em cada uma sem admitir a possibilidade de os franquear e, conseguintemente, o progresso. Ora, se há progresso, não há sorte definitiva, e se há sorte definitiva, não há progresso. Jesus resolveu a questão quando disse: “Há muitas moradas na casa de meu Pai.” (João 14,2) Os limbos. 8. É verdade que a Igreja admite uma posição especial em casos particulares. As crianças falecidas em tenra idade, sem fazer mal algum, não podem ser condenadas ao fogo eterno, mas também, não tendo feito bem, não lhes assiste direito à felicidade suprema. Ficam nos limbos, diz-nos a Igreja, nessa situação jamais definida, na qual, se não sofrem, também não gozam da bem-aventurança. Esta, sendo tal sorte irrevogavelmente fixada, fica-lhes defesa para sempre. Tal privação importa, assim, um suplício eterno e tanto mais imerecido, quanto é certo não ter dependido dessas almas que as coisas assim sucedessem. O mesmo se dá quanto ao selvagem que, não tendo recebido a graça do batismo e as luzes da Religião, peca por ignorância, entregue aos instintos naturais. Certo, este não tem a responsabilidade e o mérito cabíveis ao que procede com conhecimento de causa. A simples lógica repele uma tal doutrina em nome da Justiça de Deus, que se contém integralmente nestas palavras do Cristo: “A cada um, segundo as suas obras.” Obras, sim, boas ou más, porém praticadas voluntária e livremente, únicas que comportam responsabilidade. Neste caso não podem estar a criança, o selvagem e tampouco aquele que não foi esclarecido. Quadro do inferno pagão 9. O conhecimento do inferno pagão nos é fornecido quase exclusivamente pela narrativa dos poetas. Homero e Virgílio dele deram a mais completa descrição, devendo, contudo, levar-se em conta as necessidades poéticas impostas à forma. A descrição de Fénelon, no Aventuras de Telêmaco, posto que haurida na mesma fonte quanto às crenças fundamentais, tem a simplicidade mais concisa da prosa. Descrevendo o aspecto lúgubre dos lugares, preocupa-se, principalmente, em realçar o gênero de sofrimento dos culpados, estendendo-se sobre a sorte dos maus reis com vista à instrução do seu régio discípulo. Por muito popular que seja esta obra, nem todos têm presente à memória a sua descrição, ou não meditaram sobre ela de modo a estabelecer comparação, e assim acreditamos de utilidade reproduzir os tópicos que mais diretamente interessam ao nosso assunto, isto é, os que se referem especialmente às penas individuais. 10. “Ao entrar, Telêmaco ouve gemidos de uma sombra inconsolável: — Qual é — pergunta-lhe — a vossa desgraça? Quem fostes na Terra? — Nabofarzan — responde a sombra —, rei da soberba Babilônia. Ao ouvir meu nome tremiam todos os povos do Oriente; fazia-me adorar pelos babilônios num templo todo de mármore, representado por uma estátua de ouro, a cujos pés se queimavam noite e dia os preciosos perfumes da Etiópia; jamais alguém ousou contradizer-me sem de pronto ser punido; inventavam-se dia a dia prazeres novos para tornar-me a vida mais e mais deliciosa. “Moço e robusto, quantos, infelizmente! Quantos prazeres me restavam ainda por usufruir no trono! Mas certa mulher, que eu amava e que me não correspondia, fez-me sentir claramente que eu não era um deus: envenenou-me, e (...) nada mais sou. As minhas cinzas foram ontem encerradas com pompa em urna de ouro: choraram, arrancaram cabelos, pretenderam fingidos atirar-se às chamas da minha fogueira, a fim de morrerem comigo, vão ainda gemer junto do túmulo das minhas cinzas, mas ninguém me deplora; a minha memória horroriza a própria família, enquanto aqui embaixo sofro já horríveis suplícios.” Telêmaco, compungido ante esse espetáculo, diz-lhe: — Éreis vós verdadeiramente feliz durante o vosso reinado? Sentíeis porventura essa paz suave sem a qual o coração se conserva opresso e abatido em meio das delícias? — Não — respondeu o babilônio —, não sei mesmo o que quereis dizer. Os sábios exaltam essa paz como bem único; quanto à raiva, nunca a senti, meu coração agitava-se continuamente por novos desejos de temor e de esperança. Procurava aturdir-me com o abalo das próprias paixões, tendo o cuidado de entreter essa embriaguez para torná-la permanente, contínua; o menor intervalo de razão, de calma, ser-me-ia muito amargo. Eis a paz que fruí; qualquer outra parece-me antes uma fábula, um sonho. São esses os bens que choro. Assim falando, o babilônio chorava qual homem pusilânime, enervado pelas prosperidades, desabituado de suportar resignadamente uma desgraça. Havia junto dele alguns escravos mortos em homenagem honrosa aos seus funerais. Mercúrio os entregara a Caronte com o seu rei, outorgando-lhes poder absoluto sobre esse rei, a quem tinham servido na Terra. Essas sombras de escravos não temiam a sombra de Nabofarzan, que retinham encadeada, infligindo as mais cruéis afrontas. Dizia-lhe uma: — Não éramos nós homens iguais a ti? Insensato que eras, julgavas-te um deus, a ponto de esqueceres a tua origem comum a todos os homens. Outra, para insultá-lo, dizia: — Tinhas razão em não querer que por homem te houvessem, porque na verdade eras um monstro desumano. Ainda outra: — Então?! Onde estão agora os teus aduladores? Nada mais tens a dar, desgraçado! Nem mesmo o mal podes fazer mais; eis-te reduzido a escravo dos teus escravos. A justiça dos deuses tarda, mas não falha. A estas frases duras Nabofarzan se rojava por terra, arrancando os cabelos em acesso de raiva e desespero, mas Caronte instigava os escravos: — Arrastem-no pela corrente, levantem-no contra a vontade. Não possa ele consolar-se escondendo a sua vergonha: preciso é que todas as sombras do Estige testemunhem como justificativa aos deuses, que por tanto tempo toleraram o reinado terreno deste ímpio. E ele avista logo, bem perto de si, o negro Tártaro evolando escuro e espesso fumo, cujo cheiro mefítico daria a morte se se espalhasse pela morada dos vivos. Esse fumo envolvia um rio de fogo, um turbilhão de chamas, cujo ruído, semelhante às torrentes mais caudalosas quando se despenham de altos rochedos em profundos abismos, concorria para que nada se ouvisse nesses lugares tenebrosos. Telêmaco, secretamente animado por Minerva, entra sem medo nesse báratro. Viu primeiramente um grande número de homens que tinham vivido nas mais humildes condições, punidos por haverem procurado riquezas por meio de fraudes, traições e crueldade. Aí notou muitos ímpios hipócritas que, simulando amar a Religião, dela se tinham servido como de um belo pretexto para satisfazerem ambições e zombarem dos crédulos: os que haviam abusado até da própria Virtude, o maior dom dos deuses, eram punidos como os mais celerados de todos os homens. Os filhos que haviam degolado seus pais; as esposas que mancharam as mãos no sangue dos maridos; os traidores que venderam a pátria, violando todos os juramentos, sofriam, apesar de tudo, penas menores que aqueles hipócritas. Os três juízes infernais assim o queriam, por esta razão: os hipócritas não se contentam com ser maus como os demais ímpios, porém, querem passar por bons e concorrem por sua falsa virtude para a descrença e corrupção da verdade. Os deuses, por eles zombados e desprezados perante os homens, empregam com prazer todo o seu poderio para se vingarem de tais insultos. Perto destes, outros homens aparecem, que vulgarmente se julgam isentos de culpa, mas que os deuses perseguem desapiedadamente: são os ingratos, os mentirosos, os aduladores que louvaram o vício, os críticos perversos que procuraram enodoar a mais pura virtude; enfim aqueles que, julgando temerariamente das coisas, sem as conhecer a fundo, prejudicaram por isso a reputação dos inocentes. Telêmaco, vendo os três juízes sentados a condenarem um homem, ousou perguntar-lhes quais os seus crimes. O condenado, tomando a palavra, de pronto exclamava: — Nunca fiz mal algum; todo o meu prazer era praticar o bem: fui sempre generoso, justo, liberal e compassivo; que se pode, pois, exprobrar-me? Minos então lhe disse: — Nenhuma acusação se te faz quanto aos homens, porém a estes menos não devias que aos deuses? Que justiça, pois, é essa de que te vanglorias? Para com os homens, que nada são, não faltaste jamais a qualquer dever; foste virtuoso, é certo, mas só atribuíste essa virtude a ti próprio, esquecendo os deuses que te deram, tudo porque querias gozar do fruto da tua virtude encerrado em ti mesmo: foste a tua divindade. Mas os deuses, que tudo fizeram, e o fizeram para si, não podem renunciar aos seus direitos; e, pois, que quiseste pertencer-te e não a eles, entregar-te-ão a ti mesmo, esquecidos de ti como deles te esqueceste. Procura agora, se podes, o consolo em teu próprio coração. Eis-te agora para sempre separado dos homens, aos quais querias agradar; eis-te só contigo, tu que eras o teu ídolo: fica sabendo que não há verdadeira virtude sem respeito e amor aos deuses, a quem tudo é devido. A tua falsa virtude, que por muitos anos deslumbrou os ingênuos, vai ser confundida. Não julgando os homens o vício e a virtude senão pelo que lhes agrada ou os incomoda, são cegos quanto ao bem e quanto ao mal. Aqui, uma luz divina derroga seus julgamentos artificiais, condenando muita vez o que eles admiram, e outras vezes justificando o que condenam. A estas palavras, o filósofo, como que ferido por um raio, mal podia suster-se. O deleite que tivera outrora em rever a sua moderação, a coragem, as inclinações generosas, transformavam-se em desespero. A visão do próprio coração inimigo dos deuses, promove-lhe suplícios; vê, e não pode deixar de se ver; vê a vaidade dos preconceitos humanos, aos quais buscava lisonjear em todas as suas ações. Opera-se uma revolução radical em todo o seu íntimo, como se lhe revolvessem todas as entranhas; reconhece-se outro; não encontra apoio no coração; a consciência, cujo testemunho tão agradável lhe fora, revolta-se contra ele, incriminando-lhe amargamente o desvario, a ilusão de todas as suas virtudes, que não tiveram por princípio e por fim o culto da divindade, e ei-lo perturbado, consternado, preso da vergonha, do remorso, do desespero. As Fúrias não o atormentam, bastando-lhes o terem-na entregado a si próprio, para que expie pelo coração a vingança dos deuses desprezados. Procurando a treva não pode encontrá-la, porquanto inoportuna luz o segue por toda parte; de todos os lados os raios penetrantes da verdade vingam a verdade que ele desdenhou seguir. Tudo que amava se lhe torna odioso como fonte dos seus males infindáveis. Murmura consigo: Ó insensato! Não conheci, pois, nem os deuses, nem os homens, nem a mim mesmo, porque jamais amei o verdadeiro e único bem; todos os meus passos foram tresloucados; a minha sabedoria não passava de loucura; a minha virtude mais não era que o orgulho impiedoso e cego: eu era enfim o meu ídolo! Finalmente reconheceu Telêmaco os reis condenados por abuso de poder. De um lado, vingadora Fúria apresentava-lhes um espelho a refletir a monstruosidade dos seus vícios: aí viam, sem poder desviar os olhos, a vaidade grosseira e ávida de ridículos louvores; a crueldade para com aqueles a quem deveriam ter feito felizes; o temor da verdade, a insensibilidade para com as virtudes, a predileção pelos cobardes e aduladores, a falta de aplicação, a inércia, a indolência; a desconfiança ilimitada; o fausto e a magnificência excessivos calcados sobre a ruína dos povos; a ambição de glórias vãs à custa do sangue dos concidadãos; a fereza, enfim, que procura a cada dia novas delícias nas lágrimas e no desespero de tantos infelizes. www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

APRESENTAÇÃO VI


Religião Afro-brasileira. Candomblé. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018). Capítulo I. APRESENTAÇÃO VI. Entre os privilégios deste posto, podemos citar o direito de agitar o axé ou cabaça de Xangô e, depois da morte, o de voltar sete dias após, em forma de Egun, para ditar as últimas vontades. Cada um dos oba da direita possui um substituto, ou segundo, que lhe toma o lugar em caso de impedimento, sucedendo-lhe após a morte. Mas os diversos postos que acabamos de nomear não esgotam de modo algum a riqueza e a complexidade do sacerdócio baiano. Só falamos até agora dos postos regulares, indispensáveis ao bom funcionamento do culto, e que por esta razão são encontrados mais ou menos por toda a parte. Mas, ao lado destes, há outros cargos ou títulos sacerdotais, que, porém, só aparecem nos candomblés mais puros, nos mais rigorosamente tradicionais. Não podemos saber, todavia, se têm ou não sempre titulares. Nossa impressão é de que os postos a que correspondem podem ficar anos sem titular, esperando a boa vontade dos deuses ou o acaso da sorte. Citamos entre outros o de Qjuoba "olho do rei", que está ligado a Xangô e que tem também o privilégio de agitar o xerê. Um outro mais importante, wessa (principalmente nos terreiros dirigidos por mulheres), que saúda as divindades, canta-lhes os louvores (devendo, então, conhecer os oriki, que são os cânticos de louvor africanos dos Orixá) e que preside aos sacrifícios. E o de iyanaso que dirige o culto especial de Xangô. A primeira íyanaso que se conheceu na Bahia ocupava já o mesmo posto no palácio de Alafin em Oyo. Reduzida à escravidão, trazida para o Brasil, aqui fundou o candomblé do Engenho Velho. Acima de todos se encontra o babalorixá, ou pai de santo, sacerdote supremo se a seita é dirigida por homem - ou a ialorixá, a mãe de santo, sacerdotisa suprema se a seita é dirigida por mulher. O babalorixá é o chefe do culto; tem por conseguinte toda autoridade sobre o conjunto dos fiéis, indo até à possibilidade de açoitá-los se faltam com seus deveres. É quem prepara os objetos sagrados, quem dirige as festas públicas ou privadas, quem identifica as divindades que então se manifestam, quem controla os sacrifícios e as iniciações, quem consulta os obi (e algumas vezes os búzios) para conhecer a vontade dos Orixá. Se as filhas de santo brigam umas com as outras, deve restabelecer a ordem e a boa harmonia entre elas; se têm aborrecimentos, dá-lhes conselhos, orienta-as. Dessa maneira, embora não seja senão o chefe espiritual das yauó, insinua-se também em sua vida privada, graças à autoridade moral que possui, e dirige-lhes amigavelmente os negócios. Pode mesmo, em certos casos, assumir o papel de curandeiro, sobretudo quando a doença tem origem mística ou sobrenatural. Quando por exemplo é consequência da violação de um tabu, ou quando é "mau-olhado" atirado por macumbeiro ou feiticeiro; é preciso então, conforme o caso, proceder a um bori para "fortificar a cabeça", ou a uma "troca de cabeças", que é rito de contra magia. Consistindo em fazer a doença passar para um animal, que, esfregado no próprio corpo do paciente, é em seguida atirado fora como uma espécie de bode expiatório. Embora os babalorixá, sejam mais numerosos do que as ialorixá, na Bahia, dominam principalmente nas seitas banto. Nas seitas que nos interessam, as yoruba, são ao contrário as ialorixá que presidem à vida do candomblé. Suas funções são idênticas às dos babalorixá, mas, todavia, não podem executar certos gestos puramente masculinos, têm de conservar a seu lado um pégi-gã ou wêssa. Se, por um lado, os sacerdotes ou sacerdotisas supremas têm autoridade absoluta sobre os membros da confraria religiosa que dirigem, por outro lado têm também obrigações para com eles, tanto de assistência pecuniária quanto moral. O que, em plena cidade da Bahia, torna os candomblés verdadeiras sociedades de socorro mútuo de auxílio fraterno, que mantém o espírito comunitário africano. O termo convento que às vezes é dado a tais agrupamentos convém-lhes perfeitamente. Babalorixá ou ialorixá são escolhidos obrigatoriamente entre os ebômin, ou filhos de santo que têm pelo menos sete anos de permanência no candomblé. Desde a iniciação; recebem eles também os Orixá, portanto, caem também em transe, o que os distingue dos ogan, oba e outros funcionários do culto, além do posto que ocupam. Mas não se sucedem de pai a filho ou de mãe a filha, no interior de uma mesma linhagem familiar. São ou as divindades que os designam por intermédio de Ifa, ou é o sacerdote morto, retornando sete anos depois sob a forma de Egun, que indica seu sucessor. Durante o tempo de espera, o culto fica sob a direção da "mãe pequena". Babaforixá e ialorixá gozam, e com razão, de grande prestígio na sociedade africana, o qual vai crescendo com a idade, o número de anos de serviço, o conhecimento mais perfeito dos mitos ou dos ritos, e também às vezes com a pureza de sua ascendência africana. De sua ligação, através da tradição oral, com os templos africanos de que saíram os primeiros sacerdotes introduzidos no Brasil, seus predecessores. O que quer dizer que a ascensão na hierarquia depende, em última instância, da participação mais ou menos completa à civilização africana, do tesouro de conhecimentos reunidos no decorrer dos anos, e que, para descobrir a metafísica yoruba, é àqueles que ocupam os graus mais elevados da seita que devemos nos dirigir. São em geral pessoas extremamente inteligentes, perspicazes, de uma polidez consumada, de extraordinária memória, e que sempre nos acolheram como a um "filho". Mas justamente devido a tudo isto, a transferência de conhecimentos obedece forçosamente à lei africana. Primeiramente, a isso já fizemos alusão, a transferência só pode se fazer progressivamente e dentro dos limites do posto ocupado dentro do candomblé pelo pesquisador. Cada conhecimento novo obriga forçosamente seu possuidor a novos encargos ou, o que é melhor, a novos deveres que podem ser financeiros, e chegamos assim a uma segunda lei. A vida religiosa é dominada pela reciprocidade e pela troca. Há brancos que não o compreendem e que consideram o babalorixá e a ialorixá como pessoas hábeis que aproveitam da superstição popular para enriquecer. Não negamos que o caso pode se produzir em certos terreiros bantos ou candombles de caboclo, mas trata-se de seitas em franca desagregação, repudiadas com violência pelos verdadeiros "africanos". A informação é um dom que, como todos os outros, necessita um contradom, sem o qual haveria uma ruptura nas relações sociais e até mesmo no mundo. O contra dom, que nestes candomblés, não é quase nunca dinheiro propriamente dito, mas um pedaço ele fazenda, um animal que será oferecido em sacrifício, um colar, etc. Compensa a perda de substância, se assim se pode dizer, daquele que ofertou uma parte do "segredo" e restabelece o equilíbrio perdido. Porém, se o contra dom é um animal, o pesquisador fica ligado ao Orixá, que pode então puni-lo se empregar mal o conhecimento obtido, ou que pode lhe dar a permissão de utilizar este conhecimento (uma vez que ele, Orixá, recebeu com o sacrifício o seu contra dom). O contra dom pode ser um colar, um pedaço de fazenda que serão utilizados pelas yauô, de qualquer modo o pesquisador entra assim em união mais estreita com a comunidade religiosa e a transmissão oral se justifica, por isso mesmo que se tornou parte desta saciedade. Estamos, como se vê, muito longe das interpretações dos brancos, que julgam as coisas com sua mentalidade ocidental, modelada pela lei do lucro e da venda de tipo capitalista. A necessidade de compensação na transferência de conhecimentos prova, por outro lado, que esta pesquisa, cujo fim é descobrir a África no Brasil, começou bem, pois desde seus primórdios, imediatamente deparamos com um traço da mentalidade africana. Somente a morte virá romper a dupla solidariedade, de indivíduo com seu Orixá e com a sociedade africana. É evidente que as cerimonias são diferentes conforme o grau da pessoa defunta; mas contrariamente, ao que parecem sugerir as narrativas de tipo jornalístico sobre os enterros, a pompa não é simples homenagem, que seria tanto maior quanto mais estimado e mais célebre fosse o morto; a complexidade do ritual, a importância dos elementos aparentemente decorativos, a duração das cerimônias são uma imposição do estatuto religioso. Quanto mais profundos os laços que prendem o indivíduo ao Orixá, mais dificilmente serão quebrados depois. Os tambores, por exemplo, não acompanham o enterro de uma yauô. Mas sim o de uma ialorixá, pois neste último caso é o santuário inteiro que está de luto, instrumentos musicais, objetos rituais, seres vivos. No primeiro caso, a cerimônia fúnebre durará três dias; noutro caso, sete; é possível também que, noutras circunstâncias, a diversidade se prenda à origem étnica do candomblé, conforme a "nação" a que pertence, ijexá, quetu, gêge. Neste trabalho, nossa tarefa não é descrever o cerimonial com todos os detalhes; já o fizemos noutro, e tão minuciosamente quanto possível. Queremos somente indicar o significado do ponto de vista da vida do candomblé e de seus membros. Quando a morte se aproxima do indivíduo, o Orixá a que pertence a cabeça foge espavorido, pois os deuses temem Iku, a selvagem ceifadora de homens. A impossibilidade de cair em transe é, com efeito, sinal de próximo desaparecimento. Mas a partida do Orixá não impede que a divindade ronde pelas vizinhanças, e no fim da vigília fúnebre, quando o caixão sair da casa aos ombros dos que o carregam, pode acontecer que uma das assistentes desabe violentamente por terra, presa de uma crise de santo bruto. E o "santo" da morta que, para continuar a ser adorado e servido, escolheu para si novo cavalo. Alguns autores afirmam que esta troca de cabeça, no momento da partida do cortejo fúnebre não se produz mais hoje; mas tal opinião é contrariada por outros informantes; digamos, pois, que é possível, mas não obrigatório que se dê o fato. Tudo depende sem dúvida do estado de espírito do Orixá, tomado de dois sentimentos contraditórios: de um lado, o medo da morte que o faz fugir para o mais longe possível; de outro lado, o desejo de possuir novo cavalo que continue seu culto; não se pode saber de antemão qual das tendências acabará por arrastá-lo. O defunto, porém, não estava somente ligado à divindade pelo fenômeno da possessão, como também, de modo certamente menos espetacular embora mais contínuo e mais eficaz, através da pedra, dos objetos sagrados do pegi pessoal, diversos objetos que só para ele tinham valor. Em trecho anterior, insistimos suficientemente sobre esta participação alcançada através da lavagem e do sangue, não sendo necessário voltar a ela. Tais objetos serão então colocados no caixão ao lado do corpo, e é o que explica frases no gênero desta, de Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906): "No cemitério das quintas dos Lázaros, preferido pelas pessoas pobres, encontram-se comumente, por ocasião de serem revolvidas as sepulturas antigas, de envolta com os esqueletos, inúmeros fetiches e ídolos africanos". Mas o morto deixou outros objetos ainda, que não estão em sua casa, mas se encontram no próprio recinto do candomblé. Não podem servir a nenhuma outra pessoa, pois foram ligados unicamente àquele que acabou de morrer; constituem de certo modo seus “pertences", são elementos constitutivos de sua personalidade. Far-se-á, pois, um despacho com tais elementos litúrgicos; depois de ter perguntado aos Orixá ou a Ifa, com o auxílio dos búzios, o lugar onde as vestes, as insígnias, etc., devem ser abandonadas, mar, água doce, floresta - os filhos do terreiro se dirigem ao lugar designado para tudo ali atirar, e em seguida regressam sem olhar para trás nem uma vez. No caso do sacerdote ou da sacerdotisa suprema, teoricamente seria o pegi todo inteiro que deveria ser assim "despachado". Eis talvez o que explica a descoberta, no início do século XIX, de admiráveis esculturas africanas jogadas à praia pelo mar; na realidade, hoje, também neste caso são apenas os bens pessoais ou os "pertences" particulares que são eliminados, de modo idêntico aos das filhas de santo. Nina Rodrigues afirma que se o Orixá encontra novo cavalo no dia do enterro, este toma os instrumentos litúrgicos do defunto, o despacho tendo lugar somente quando tal não se verifica: "Se o orixá não encontra quem aceite as responsabilidades de prosseguir no culto que dirigia o morto; ou se não acha nos presentes algum digno dessa honra, as insígnias e ornamentos, os ídolos e seus altares são levados, às horas mortas, em misteriosa procissão, a uma água corrente, a fim de que o regato, o rio ou a maré vazante os conduzam à África, onde, estão certos os negros, infalivelmente irão ter". Nada nos permite endossar esta conclusão; o despacho aparece como parte obrigatória de todo cerimonial fúnebre, tenha ou não o Orixá do morto uma cabeça que o substitua. Em si mesmo, não apresenta o enterro nada de muito interessante para nosso objetivo, embora conserve ainda certos traços africanos. O morto impõe aos que o carregam uma marcha hesitante, com um passo para a frente e outro para trás, mas tal ritmo titubeante não está ligado a nenhum rito divinatório, como acontece na África ou entre os negros da Guiana, onde constitui a procura daquele que atirou a morte sobre o defunto. Cenas de dor podem ter lugar, pessoas podem chorar; mas em conjunto não se trata de cerimônia triste, pois é somente o corpo que se enterra. O ori ou espírito permanece, e é preciso proceder em seguida à sua expulsão. Não tem outra finalidade o ritual do axêxê. Não é destituído de perigos e aqueles que a ele assistem são obrigados a tomar precauções especiais para não serem possuídos pela alma do morto. Usam, por exemplo, um bracelete de palha em torno do pulso. Não podem também sair do candomblé funerário enquanto não estiver terminada a expulsão, sob pena de levarem consigo a morte a outras casas. Uma vez que o ori partiu para se tornar Egun, resta fixá-lo à casa dos Eguns do terreiro, para que daí por diante possam lhe ser prestadas as honras necessárias. Mas já aqui intervém novo sacerdócio, que ultrapassa os limites deste ou daquele candomblé; teremos, pois, de voltar mais tarde ao problema. Se o morto é um babalorixá ou uma ialorixá, o cerimonial fúnebre ainda não está terminado. Pois no decorrer de sua vida, tanto um quanto outro iniciaram grande número de yauô, que assim ficaram a eles ligadas. Existe, pois, uma última participação a ser rompida, além da que liga o Orixá à cabeça e que se desfez por si mesma durante a agonia, pela própria vontade do deus espavorido. Além da que unia os objetos litúrgicos ao defunto; além da conexão entre o ori e o corpo: é a participação social entre o sacerdote e sua confraria. O sacerdote impôs sua mão à cabeça das iniciadas para ali colocar o deus; é preciso agora "tirar a mão da cabeça", pois tendo-se ela tornado defunta e tendo os Orixá medo da morte, talvez as yauô não voltem mais a cair em transe. Em todo o caso, devem estas pertencer a uma autoridade viva, não podem permanecer filhas de um Egun! Infelizmente ainda nos falta uma boa descrição desta cerimônia. Não temos sobre o assunto senão as informações muito insuficientes de Manuel Querino; seja-nos, porém, permitindo citá-las, uma vez que não dispomos de outras: "Por falecimento da mãe ou pai do terreiro, uma das primeiras cerimônias em homenagem à memória do extinto consiste em tirar a mão da cabeça. Quem assumiu a direção do candomblé designa um dia, de ordinário depois dos sufrágios pela alma do antecessor, para realização daquele ato. Cada pessoa feita contribui com a quantia de cinco mil réis, e mais uma navalha nova, pombos, galinhas, patos, etc .. No dia marcado reúnem-se todos na casa do candomblé. Aí o indivíduo mais idoso toma da navalha que traz um dos presentes, e com ela procede à depilação da cabeça. À medida que se vai concluindo esta operação sacrifica-se uma das aves e o sangue é derramado na cabeça depilada, sendo que as mulheres o conservam coagulado até o dia seguinte, quando procedem à lavagem da cabeça. Este preceito é de rigor e tem por fim obstar a que seja vítima de algum malefício a pessoa que o deixar de observar. Certo número de conclusões se desprende, todavia, deste texto. Notamos primeiramente que o rito é necessário; não porque a yauô que o deixe de seguir corra o risco de um malefício qualquer, como pensa Querino; mas porque de outra maneira ela pertenceria a um Egun. Esta situação lhe traria desgraça, pois imediata e diretamente dela resultaria a morte que visaria reunir a filha de santo em questão a seu chefe espiritual. Verificamos em seguida que a sequência dos ritos obedece à ordem inversa da iniciação. A lavagem com sangue precede a lavagem com as ervas. Um de meus informantes fez o reparo, seguindo idêntica orientação de pensamento, que o desaparecimento do Orixá se processa na ordem inversa de sua criação ou fixação no decorrer da iniciação. Mas é evidente que o cerimonial deve ser infinitamente mais complexo ainda do que aquele que o texto nos sugere, e que as diversas espécies de participação da yauô e do babalorixá devem ser cortadas umas após as outras, começando pelas mais fortes para terminar pelas mais fracas. A iniciação tem por fim fazer o indivíduo entrar no candomblé. Os ritos funerários têm por missão fazê-lo sair, ou mais exatamente, visam outra entronização, agora sob a forma de Egun. Pois, se me permitem utilizar a ·expressão cristã, o candomblé é também uma comunhão de santos, e não unicamente de vivos. Quem estuda os candomblés não deixa de se impressionar pela falta de ligação orgânica entre eles. Cada seita ou terreiro é autônoma, sob a dependência de um pai ou mãe de santo que não reconhece nenhuma autoridade superior à sua. Constituem mundos à parte, espécies de ilhas africanas no meio de um oceano de civilização ocidental, e não continente ou bloco aglutinado. É possível que os membros de um candombé vizinho ou amigo venham assistir às cerimônias, por ocasião de festas públicas; e neste caso presta-lhes homenagem. Os tambores, por exemplo, mudam de música para tocar os ritmos da "nação" do visitante; as filhas de santo em êxtase vêm abraçá-lo num rito especial de polidez. Mas trata-se de simples relações de vizinhança, que não ultrapassam o plano das homenagens mútuas, e que não impedem, subjacentes, conflitos entre babalorixás, ciúmes, rivalidades entre candomblés. É certo, também, que os candomblés tradicionais nasceram por cissiparidade, a partir de uma célula única. O mais antigo de todos é o do Engenho Velho, que deu nascimento depois ao do Gantois, e mais tarde ao de Opô Afonjá. Mas estes novos terreiros, uma vez formados, tornam-se inteiramente independentes das células-mãe de que derivaram, e com o decorrer dos anos a rivalidade pode até suceder à primitiva amizade. É verdade que todos estes grupos se organizaram, em 1937, numa União das Seitas Afro-brasileiras da Bahia. Mas trata-se de instituição artificial, de defesa coletiva, segundo o modelo dos sindicatos, e que nada têm absolutamente de africano, nem em suas origens, nem em sua constituição, deixando além disso a cada candomblé autonomia total. Esta autonomia, que de modo nenhum negamos, não deve encobrir, porém, outro fenômeno - a existência, fora dos candomblés propriamente ditos, embora ligados a eles, de sacerdotes que de certa maneira recobrem o conjunto do sistema, ou pelo menos recobrem os terreiros de uma mesma "nação". Livro O Candomblé na Bahia – Rito Nagô. Abraço. Davi. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

O RETO CUMPRIMENTO DA AÇÃO


Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Capítulo III. Karma Yoga – O RETO CUMPRIMENTO DA AÇÃO. Tudo o que o homem faz com motivos pessoais é sem valor para o Eterno.  Para atingirmos a salvação e a união com Deus, havemos de agir sem motivos egoístas, sem tomar em consideração o nosso próprio Eu pessoal. Entregando-nos à vontade divina como um instrumento na mão de Deus e, assim, cumprindo o nosso dever por ser dever, sem pedir recompensas.

Falou Arjuna, 1. O príncipe Pandava, a Krishna, o Senhor Bem-aventurado, dizendo: Ó Conferidor do saber! Disseste-me que o conhecimento é até mais importante do que a ação. Se assim é, por que me incitas à ação? Por que queres que eu entre nesta horrível batalha com meus parentes e amigos? 2. Tuas ambíguas palavras me trazem dúvidas e me confundem o entendimento. Dize-me, peço-te, em frases claras e certas, qual é o caminho que me conduzirá à paz e à satisfação? 3. Respondeu Krishna, o Divino: Como já te disse, ó nobre príncipe, há dois caminhos que vão à perfeição. O primeiro é o caminho do conhecimento (1), e o segundo o da ação (2). Uns preferem o primeiro, e outros, o segundo desses dois caminhos. Sabe, porém, que considerados do alto, ambos são um só caminho. Escuta! 4. Engana-se quem pensa que, esquivando-se das ações e persistindo na inatividade, escapa dos resultados da ação. Quem nada começa, não pode entrar no estado da paz eterna, a inatividade não conduz à perfeição. E, na realidade, nem há coisas que se possam designar pela palavra inatividade. Pois tudo, no Universo, está em atividade constante, e anda pode subtrair-se à Lei geral. 5. Ninguém pode ficar inativo nem um instante, pois as leis de sua natureza o impelem constantemente a fazer alguma coisa, queira ele ou não. O seu corpo ou a sua mente, ou ambos, sempre estão ocupados. 6. Se alguém se assenta para reter e dominar os seus sentidos e os órgãos de atividade, mas em sua mente, está apegado aos objetos dos sentidos. Ilude-se e merece o nome de hipócrita. 7. Porém, é digno de ser chamado sábio e nobre aquele que sujeitou os seus sentidos a Deus, pelo amor ardente ao Altíssimo. E expressa o seu reto pensar em reta ação, ele cumpre o seu dever, sem esperar recompensas e, ocupando-se de objetos dos sentidos, não se deixa dominar por eles. 8. Faze bem o que te compete fazer no mundo. Cumpre bem as tuas tarefas, ocupa-te da obra que encontras, para fazê-la o melhor possível. Assim será muito bom para ti. Atividade é melhor do que ociosidade. A atividade fortalece a mente e o corpo, e conduz a uma vida longa e normal. A ociosidade, enfraquece tanto o corpo como a mente e conduz a uma vida impotente e anormal, de duração incerta. 9. Os homens estão aferrados a este mundo, porque agem com o fim de obter recompensa e ganho. Estão apegados aos objetos de seus desejos, e, por isso, cansam-se na escravidão dos sentidos. Para se libertarem, hão de agir com resignação, movidos pelo puro amor ao Bem. Faze, pois, ó Arjuna! a tua tarefa, para cumprires o dever que o Eu Real te impõe, e não por qualquer outro motivo. 10. Lembras-te das doutrinas antigas que narram a criação do mundo, e as palavras que o Criador disse aos homens que tinha criado! Ouve as repetirei: Pela adoração e pelo sacrifício mútuo, crescerei e vos multiplicareis. Pela resignação, obtereis a satisfação dos vossos desejos. 11. Lembrai-vos da Fonte de todas as coisas, do distribuidor dos objetos desejados. Pensai no que é Divino, para que o Divino pense em vós. 12. Se nutrirdes, com o sacrifício de vós mesmos, os deuses, eles vos darão o desejado alimento espiritual. Quem recebe os dons dos deuses e não lhes mostra a gratidão, é como um ladrão. 13. Os bons homens que retêm para si só aquilo que resta depois de terem oferecido à Divindade tudo o que é divino, são livres de todos os pecados. Porém, os maus que querem agir só para si mesmos, vivem em pecado. 14. Todas as criaturas – tanto as espirituais como materiais – vivem, enquanto se alimentam. O alimento cresce com a chuva. A chuva é mandada pelos deuses em resposta aos desejos, às preces e às súplicas dos homens. Os desejos, as preces e as súplicas dos homens são formas de ações. As ações procedem da Vida Uma que tudo penetra. 15. Sabe que toda ação tem sua origem em Brahma. Brahma é a revelação da indivisível Unidade. Por isso, Brahma, que tudo penetra é sempre presente nas tuas ações. 16. É vã e vergonhosa a vida do homem que, vivendo neste mundo de ação, tenta abster-se da ação. Quem, gozando o fruto da ação do mundo ativo, não coopera, mas vive em ociosidade. Aquele que, aproveitando a volta da roda, em cada instante de sua vida, não quer pôr a mão à roda para ajudar a movê-la, é um parasita e um ladrão que toma, sem dar coisa alguma em troca. 17. Sábio é, porém, aquele que cumpre bem os seus deveres e executa as obras que são para fazer-se no mundo, renunciando a seus frutos e concentrado na ciência do Eu Real. 18. Tal homem, elevado acima dos mundos, não se inquieta por saber se alguma coisa no mundo acontece ou não acontece. Achando em si mesmo tudo de que precisa, não tem necessidade de refugiar-se em nenhum ser criado, para nele achar apoio. Participando de tudo e agindo, em tudo, de acordo com os ditames do dever, de nada depende, porque a sua fé, esperança e ciência se fixam no imperecível, que é o único apoio seguro. 19. Faze, pois, o que deve ser feito. Porém, sem egoísmo e sem considerações pessoais. Quem age assim e cumpre o seu dever, livre de motivos egoístas e sem depender de alguém, caminha, com passos firmes, diretamente à Consciência Superior, ao plano espiritual. 20. Janaka e muitos outros atingiram o estado de perfeição por meio de boas obras e reta ação. Trabalha, pois, também tu por amor à humanidade. 21. Quando um nobre homem faz alguma coisa, os outros o imitam. O exemplo que ele dá é seguido pelo povo. Segue, portanto, os melhores de tua raça. 22. Toma-me por exemplo, ó príncipe. Nada há, no Universo dos Universos, que eu deseje ou que seja necessário que para mim não se faça. Nem há coisa alguma atingível que eu não tenha já atingido. E, contudo, estou em constante ação e movimento, agindo sempre e incessantemente. 23. Os homens, ó Arjuna, seguem sempre o meu exemplo. Por isso, se eu deixasse de ser ativo, estes Universos cairiam em ruína. 24. Se eu não agisse, começaria a reinar uma confusão universal, e a minha inatividade seria a causa da destruição do gênero humano. 25. Como os que carecem ainda da Luz Espiritual fazem esforços para alcançar o que desejam, sendo a esperança de recompensa o estímulo de suas ações. Assim deve o homem desenvolvido e iluminado agir abnegadamente pela causa do bem comum e conforme a Lei Universal. 26. Mas não deves confundir, com estas ideias, as cabeças dos homens inexperientes, cujo coração ainda está apegado às obras. Deixa-os fazer o melhor que podem. Mas tu e os outros sábios devem agir em harmonia comigo, animando os outros à atividade e dando-lhes o exemplo. 27. Toda a atividade e todas as ações provêm dos movimentos das forças da Natureza. O insensato, que é iludido pela presunção e vaidade, pensa que ele é o ator e diz: Eu faço isto, eu fiz aquilo. 28. Mas quem conhece a verdade, sorri, porque detrás da personalidade, enxerga a fonte real da ação, a causa e o efeito. 29. Entretanto, os que conhecem a verdade inteira, devem acautelar-se para não ofuscarem com ela o fraco entendimento daqueles que ainda não estão preparados para conhece-la, porque as doutrinas prematuras poderiam confundir e desviar estes da sua atividade. 30. Tu, porém, ó Arjuna, Liberta-te de todos os cuidados, de todo medo e, igualmente, do egoísmo e das esperanças pessoais. Em meu nome (3), faze tudo o que hás de fazer, concentrando todos os teus pensamentos no Altíssimo! 31. Os homens que, cheios da fé e confiança, seguirem estes meus ensinos e não tiverem dúvidas, alcançarão a liberdade também pelas obras e ações. 32. Porém, aqueles que rejeitam os ensinos da Verdade e agem contra eles, são insensatos e iludidos. Caem em confusão e inquietações. 33. Cada ser age em conformidade com a sua natureza. Também o sábio procura o que se harmoniza com a sua própria natureza, de acordo com aquilo que é o mais alto no seu caráter. 34. Ninguém pode escapar às leis naturais. Os objetos sensuais são os senhores dos sentidos e atraem ou repelem o coração dos homens, enchendo-o de afeição ou de aversão. Não te deixes dominar por nenhuma destas duas forças, porque ambas são obstáculos no caminho e o sábio as subjuga ambas. 35. Finalmente, lembra-te que é melhor cumprir a própria tarefa, ainda que seja humilde e insignificante, do que querer fazer a tarefa de um outro, por mais nobre e excelente que seja. É melhor morrer no cumprimento do seu dever, do que viver negligenciando –o e querendo fazer o que a outros compete fazer. 36. Pergunta Arjuna: Mas dize-me, ó Senhor, que força misteriosa é essa que, muitas vezes, parece obrigar o homem a praticar um mal, até contra a própria vontade? 37. Explica Krishna: Esta tentação, ó príncipe, é a essência dos desejos que o homem em si acumulou (4). Ela é o seu maior inimigo, e chama-se Paixão. Nasce da natureza carnal, cheia de pecado e de erro e ataca o homem para o consumir. 38. Como a fumaça envolve a chama, a ferrugem o metal, o útero a criança para nascer. Assim o mundo é envolvido por este inimigo, chamado desejo. 39. O desejo impede o verdadeiro saber. Ele é como um fogo devorador, difícil de extinguir-se. 40. Os sentidos e a mente são a sua sede, e, por meio deles, confunde o discernimento e obscurece o conhecimento da verdade. 41. Antes de tudo, deves, portanto, vencer esse inimigo de tua alma. Domina os teus sentidos e os seus órgãos e afugenta de ti esse gerador do mal. 42. Os sentidos são grandes e poderosos. Porém, maior e mais poderosa é a mente. Maior do que está é a razão, e o mais forte é o Eu Real, a Luz da Divindade (5). 43. Reconhecendo, pois, o Eu Real como o Senhor mais poderoso, domina pelo seu poder o eu pessoal. E assim subjuga o monstro de desejo, esta tarefa é difícil, mas não impossível. Combate o desejo, domina-o pela força da Luz Divina do Eu Real, não o deixes ser teu Senhor, mas reduze-o a ser teu escravo!

Referência: 1. Sankhya. 2. Yoga. 3. Isto é, em nome de Deus, Krishna é a encarnação Divina. 4. Em sânscrito, dá-se-lhe o nome de Kama (não confundir com carma). 5. Os sentidos, que são a sede do desejo, designam-se em sânscrito pelo termo Kama. A mente chama-se Manas. A Razão iluminada chama-se Budhi. A consciência da Divindade chama-se Atma. Bhagavad Gita – A Mensagem do Mestre. Abraço. Davi

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

ALCORÃO SAGRADO - AL MÁIDA (A MESA SERVIDA)


Islamismo. www.ligaislamica.org.br. Alcorão Sagrado. AL MÁIDA (A MESA SERVIDA) Revelada em Madina; 120 versículos, com exceção do versículo 3, que foi revelado em Arafat, durante a Peregrinação de Despedida. 5ª SURATA. Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. 1 Ó fiéis, cumpri com as vossas obrigações (325). Foi-vos permitido alimentar-vos de reses, exceto o que vos é anunciado agora; está-vos vedada a caça, sempre que estiverdes consagrados à peregrinação. Sabei que Deus ordena o que Lhe apraz. 2 Ó fiéis, não profaneis os relicários de Deus(326), o mês sagrado(327), as oferendas, os animais marcados, nem provoqueis aqueles que se encaminham à Casa Sagrada (328) , à procura da graça e da complacência do seu Senhor. E quando estiverdes deixado os recintos sagrados (329), caçai, então, se quiserdes. Que o ressentimento contra aqueles que trataram de impedir-vos de irdes à Mesquita Sagrada não vos impulsione a provocá-los(330), outrossim, auxiliai-vos na virtude e na piedade. Não vos auxilieis mutuamente no pecado e na hostilidade, mas temei a Deus, porque Deus é severíssimo no castigo. 3 Estão-vos vedados: a carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que tenha sido sacrificado com a invocação de outro nome que não seja o de Deus(331) ; os animais estrangulados, os vitimados a golpes, os mortos por causa de uma queda, ou chifrados, os abatidos por feras, salvo se conseguirdes sacrificá-los ritualmente(332); o (animal) que tenha sido sacrificado nos altares(333). Também vos está vedado(334) fazer adivinhações com setas, porque isso é uma profanação. Hoje, os incrédulos desesperam por fazer-vos renunciar à vossa religião. Não os temais, pois, e temei a Mim! Hoje, completei a religião para vós(335); tenho-vos agraciado generosamente sem intenção de pecar, se vir compelido a (alimentar-se do vedado), saiba que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo. 4 Consultar-te-ão sobre o que lhes foi permitido(336); dize-lhes: Foram-vos permitidas todas as coisas sadias, bem como tudo o que as aves de rapina, os cães por vós adestrados, conforme Deus ensinou, caçarem para vós. Comei do que eles tivessem apanhado para vós (337) e sobre isso invocai Deus, e temei-O, porque Deus é destro em ajustar contas. 5 Hoje, estão-vos permitidas todas as coisas sadias, assim como vos é lícito o alimento dos que receberam o Livro(338) , da mesma forma que o vosso é lícito para eles. Está-vos permitido casardes com as castas, dentre as fiéis, e com as castas, dentre aquelas que receberam o Livro(339) antes de vós, contanto que as doteis e passeis a viver com elas licitamente, não desatinadamente, nem as envolvendo em intrigas secretas. Quanto àqueles que renegar a fé(340) , sua obra tornar-se-á sem efeito e ele se contará, no outro mundo, entre os desventurados. 6 Ó fiéis, sempre que vos dispuserdes a observar a oração, lavai(341) o rosto, as mãos e os antebraços até aos cotovelos; esfregai a cabeça, com as mãos molhadas e lavai os pés, até os tornozelos. E, quando estiverdes polutos(342), higienizai-vos; porém, se estiverdes enfermos ou em viagem, ou se vierdes de lugar escuso ou tiverdes tocado as mulheres, sem encontrardes água, servi-los do tayamum com terra limpa, e esfregai com ela os vossos rostos e mãos(343) . Deus não deseja impor-vos carga alguma; porém, se quer purificar-vos e agraciar-vos, é para que Lhe agradeçais. 7 E recordai-vos das mercês de Deus para convosco e da promessa(344) que recebeu de vós, quando dissestes: Escutamos e obedecemos! Temei, pois, a Deus, porque Ele bem conhece as intimidades dos corações. 8 Ó fiéis, sede perseverantes na causa de Deus e prestai testemunho(345), a bem da justiça; que o ódio aos demais não vos impulsione a serdes injustos para com eles. Sede justos, porque isso está mais próximo da piedade, e temei a Deus, porque Ele está bem inteirado de tudo quanto fazeis. 9 Deus prometeu aos fiéis que praticam o bem uma indulgência e uma magnífica recompensa. 10 Porém, os incrédulos, que desmentem os nossos versículos, serão os companheiros do fogo. 11 Ó fiéis, recordai-vos das mercês de Deus para convosco, pois quando um povo intentou agredir-vos, Ele o conteve(346). Temei a Deus, porquanto a Deus se encomendam os fiéis. 12 Deus cumpriu uma antiga promessa feita aos israelitas(347), e designou-lhes doze chefes, dentre eles, dizendo: Estarei convosco se observardes a oração, pagardes o zakat, credes nos Meus mensageiros, socorrerdes e emprestardes espontaneamente a Deus; absolverei as vossas faltas e vos introduzirei em jardins, abaixo dos quais correm os rios. Mas quem de vós pecar, depois disto, desviar-se-á da verdadeira senda. 13 Porém, pela violação de sua promessa(348), amaldiçoamo-los e endurecemos os seus corações. Eles deturparam as palavras (do Livro) e se esqueceram de grande parte que lhes foi revelado; não cessas de descobrir a perfídia de todos eles, salvo de uma pequena parte; porém, indulta-os e perdoa-lhes os erros, porque Deus aprecia os benfeitores. 14 E também aceitamos a promessa daqueles que disseram: Somos cristãos! Porém, esqueceram-se de grande parte do que lhes foi recomendado, pelo que disseminamos a inimizade e o ódio entre eles, até ao Dia da Ressurreição. Deus os inteirará, então, do que cometeram. 15 Ó adeptos do Livro, foi-vos apresentado o Nosso Mensageiro para mostrar-vos muito do que ocultáveis do Livro e perdoar-vos em muito. Já vos chegou de Deus uma Luz e um Livro lúcido(349), 16 Pelo qual Deus conduzirá aos caminhos da salvação aqueles que procurarem a Sua complacência e, por Sua vontade, tirá-los-á das trevas e os levará para a luz, encaminhando-os para a senda reta. 17 São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria. Dize-lhes: Quem possuiria o mínimo poder para impedir que Deus, assim querendo, aniquilasse o Messias, filho de Maria, sua mãe e todos os que estão na terra? Só a Deus pertence o reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre ambos. Ele cria(350) o que Lhe apraz, porque é Onipotente. 18 Os judeus e os cristãos dizem: Somos os filhos de Deus(351) e os Seus prediletos. Dize-lhes: Por que, então, Ele vos castiga por vossos pecados? Qual! Sois tão somente seres humanos como os outros! Ele perdoa a quem Lhe apraz e castiga quem quer. Só a Deus pertence(352) o reino dos céus e da terra e tudo quanto há entre ambos, e para Ele será o retorno. 19 Ó adeptos do Livro, foi-vos apresentado o Nosso Mensageiro, para preencher a lacuna (na série) dos mensageiros(353), a fim de que não digais. Não nos chegou alvissareiro nem admoestador algum! Sim, já vos chegou um alvissareiro e admoestador, porque Deus é Onipotente. 20 Recorda-lhes de quando Moisés disse ao seu povo: Ó povo meu, lembrai-vos das mercês e Deus para convosco, quando fez surgir, dentre vós(354), profetas, e vos fez reis e vos concedeu o que não havia concedido a nenhum dos vosso contemporâneos(355). 21 Ó povo meu, entrai(356) na terra Sagrada que Deus vos assinalou, e não retrocedais, porque se retrocederdes, sereis desventurados. 22 Disseram-lhe: Ó Moisés, dominam-na homens poderosos(357) e nela não poderemos entrar, a menos que a abandonem. Se a abandonarem, então entraremos. 23 E dois tementes, aos quais Deus havia agraciado(358), disseram: Entrai, de assalto, pelo pórtico; porque quando logrardes transpô-lo, sereis, sem dúvida, vencedores; encomendai-vos a Deus, se sois fiéis. 24 Disseram-lhe: Ó Moisés, jamais nela (cidade) entraremos, enquanto lá permanecerem. Vai tu, com o teu Senhor, e combatei-os, enquanto nós permaneceremos aqui sentados(359). 25 (Moisés) disse: Ó Senhor meu, somente posso ter controle sobre mim e sobre o meu irmão(360). Separa-nos, pois, dos depravados. 26 Então (Deus) lhe disse: Está-lhes proibida a entrada (na terra Sagrada). Durante quarenta anos(361) andarão errantes, pela terra. Não te mortifiques pela gente depravada. 27 E conta-lhes (ó Mensageiro) a história(362) dos dois filhos de Adão(363) , quando apresentaram duas oferendas; foi aceita a de um e recusada a do outro. Disse aqueles cuja oferenda foi recusada: Juro que te matarei. Disse-lhe (o outro): Deus só aceita (a oferenda) dos justos. 28 Ainda que levantasses a mão para assassinar-me, jamais levantaria a minha para matar-te, porque temo a Deus, Senhor do Universo. 29 Quero que arques com a minha e com a tua culpa(364) , para que sejas um dos condenados ao inferno, que é o castigo dos iníquos.(365) 30 E o egoísmo (do outro) induziu-o a assassinar o irmão; assassinou-o e contou-se entre os desventurados. 31 E Deus enviou um corvo, que se pôs a escavar a terra para ensinar-lhe a ocultar o cadáver(366) do irmão. Disse: Ai de mim! Não é verdade que não fui capaz de ocultar o cadáver do meu irmão, se até este corvo é capaz de fazê-lo? Contou-se, depois, entre os arrependidos. 32 Por isso, prescrevemos aos israelitas que quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade(367). Apesar dos Nossos mensageiros lhes apresentarem as evidências, a maioria deles comete transgressões na terra. 33 O castigo, para aqueles que lutam contra Deus e contra o Seu Mensageiro e semeiam a corrupção na terra(368), é que sejam mortos, ou crucificados, ou lhes seja decepada a mão e o pé opostos(369) , ou banidos. Tal será, para eles, um aviltamento nesse mundo e, no outro, sofrerão um severo castigo. 34 Exceto aqueles que se arrependem, antes de caírem em vosso poder; sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo. 35 Ó fiéis, temei a Deus, tratai de acercar-vos d’Ele e lutai pela Sua causa, quiçá assim prosperareis. 36 Ainda que os incrédulos possuíssem tudo quanto existisse na terra e outro tanto de igual valor, e o oferecessem para redimir-se do suplício do Dia da Ressurreição, não seria aceito; sofrerão, isso sim, um severo castigo. 37 Quererão sair do fogo; porém, nunca dele sairão, pois sofrerão um suplício eterno. 38 Quanto ao ladrão(370) e à ladra, decepai a mão, como castigo de tudo quanto tenham cometido; é um exemplo, que emana de Deus, porque Deus é Poderoso, Prudentíssimo. 39 Aquele que, depois da sua iniquidade, se arrepender e se emendar, saiba que Deus o absolverá, porque é Indulgente, Misericordiosíssimo. 40 Ignoras, acaso, que a Deus pertence a soberania dos céus e da terra? Ele castiga a quem deseja e perdoa a quem Lhe apraz, porque é Onipotente. 41 Ó mensageiro, que não te atribulem aqueles que se degladiam na prática da incredulidade, aqueles que dizem com suas bocas: Cremos!, conquanto seus corações ainda não tenham abraçado a fé. Entre os judeus, há os que escutarão a mentira e escutarão mesmos outros(371) , que não tenham vindo a ti. Deturpam as palavras, de acordo com a conveniência(372), e dizem (a seus seguidores): Se vos julgarem, segundo isto (as palavras deturpadas), aceitai-o; se não vos julgarem quanto a isso, precavei-vos! Porém, a quem Deus quiser pôr à prova, nada poderás fazer para livrá-lo de Deus. São aqueles cujos corações Deus não purificará, os quais terão um aviltamento neste mundo, e no outro sofrerão um severo castigo. 42 São os que escutam a mentira, ávidos em devorar o que é ilícito(373). Se se apresentarem a ti, julga-os ou aparta-te deles, porque se te separares deles em nada poderão prejudicar-te; porém, se os julgares, faze-o equitativamente, porque Deus aprecia os justiceiros. 43 Por que recorrem a ti(374) por juiz, quando têm a Tora que encerra o Juízo de Deus? E mesmo depois disso, eles logo viram as costas. Estes em nada são fiéis. 44 Revelamos a Tora, que encerra Orientação e Luz, com a qual os profetas, submetidos a Deus, julgam os judeus, bem como os rabinos(375) e os doutos, aos quais estavam recomendadas a observância e a custódia do Livro de Deus. Não temais, pois, os homens, e temei a Mim, e não negocieis as Minhas leis a vil preço(376). Aqueles que ao julgarem, conforme o que Deus tem revelado, serão incrédulos. 45 Nem (a Tora) temo-lhes prescrito(377): vida por vida, olho por olho, nariz por nariz, orelha por orelha, dente por dente e as retaliações tais e quais; mas quem indultar um culpado, isto lhe servirá de expiação(378). Aqueles que não julgarem conforme o que Deus tem revelado serão iníquos. 46 E depois deles (profetas), enviamos Jesus, filho de Maria, corroborando a Tora que o precedeu; e lhe concedemos o Evangelho, que encerra orientação e luz, corroborante do que foi revelado na Tora e exortação para os tementes. 47 Que os adeptos do Evangelho julguem segundo o que Deus nele revelou, porque aqueles que não julgarem conforme o que Deus revelou serão depravados. 48 Em verdade, revelamos-te o Livro corroborante e preservador dos anteriores. Julga-os, pois, conforme o que Deus revelou e não sigas os seus caprichos, desviando-te da verdade que te chegou. A cada um de vós temos ditado uma lei e uma norma; e se Deus quisesse, teria feito de vós uma só nação(379); porém, fez-vos como sois, para testar-vos quanto àquilo que vos concedeu. Emulai-vos, pois, na benevolência, porque todos vós retornareis a Deus, o Qual vos inteirará das vossas divergências(380). 49 Incitamos-te a que julgues entre eles, conforme o que Deus revelou; e não sigas os seus caprichos e guarda-te de quem te desviem de algo concernente ao que Deus te revelou. Se tu refutarem fica sabendo que Deus os castigará por seus pecados, porque muitos homens são depravados. 50 Anseiam, acaso, o juízo do tempo(381) da insipiência? Quem melhor juiz do que Deus, para os persuadidos? 51 Ó fiéis, não tomeis por confidentes os judeus nem os cristãos; que sejam confidentes entre si. Porém, quem dentre vós os tomar por confidentes, certamente será um deles; e Deus não encaminha os iníquos. 52 Verás aqueles que abrigam a morbidez em seus corações apressarem-se em Ter intimidades com eles, dizendo: Tememos que nos açoite uma vicissitude! Oxalá Deus te apresente a vitória ou algum outro desígnio Seu e, então, arrepender-se-ão de tudo quanto haviam maquinado. 53 Os fiéis, então, dirão: São, acaso, aqueles que juravam solenemente por Deus, que estavam conosco? Suas obras tornar-se-ão sem efeito e será desventurados. 54 Ó fiéis, aqueles dentre vós que renegarem a sua religião, saibam que Deus os suplantará por outras pessoas, às quais amará, as quais O amarão, serão compassivas para com os fiéis e severas para com os incrédulos; combaterão pela causa de Deus e não temerão censura de ninguém(382). Tal é a graça de Deus, que a concede a quem Lhe apraz, porque Deus é Munificente, Sapientíssimo. 55 Vossos reais confidentes são: Deus, Seu Mensageiro e os fiéis que observam a oração e pagam o zakat, genuflectindo-se ante Deus. 56 Quanto àqueles que se voltam (em companheirismo) para Deus, Seu Mensageiro e os fiéis, saibam que os partidos de Deus serão os vencedores. 57 Ó fiéis, não tomeis por confidentes aqueles que receberam o Livro antes de vós, nem os incrédulos, que fizeram de vossa religião objeto de escárnio e passatempo(383). Temei, pois, a Deus, se sois verdadeiramente fiéis. 58 E quando fazeis a convocação para a oração, tomam como objeto de escárnio e passatempo. Isso, por serem insensatos. 59 Dize-lhes: Ó adeptos do Livro, pretendeis vingar-vos de nós, somente porque cremos em Deus, em tudo quanto nos é revelado e em tudo quanto foi revelado antes? A maioria de vós é depravada(384). 60 Dize ainda: Poderia anunciar-vos um caso pior do que este, ante os olhos de Deus? São aqueles a quem Deus amaldiçoou, abominou e converteu em símios(385), suínos e adoradores do sedutor; estes, encontram-se em pior situação, e mais desencaminhados da verdadeira senda. 61 Quando se apresentam a vós, dizem: Cremos!, embora cheguem disfarçados com a incredulidade, e com ela saiam. Mas Deus sabe melhor do que ninguém o que ocultam. 62 Verás que muitos deles se precipitam no pecado, na hostilidade e na saciação do que é ilícito. Quão detestável é o que fazem! 63 Por que os rabinos e os doutos não lhes proibiram blasfemarem e se fartarem do que é ilícito? Quão detestáveis são as suas obras! 64 O judeus disseram: A mão de Deus está cerrada(386)! Que suas mãos sejam cerradas e sejam amaldiçoados por tudo quanto disseram! Qual! Suas mão estão abertas! Ele prodigaliza as Suas graças como Lhe apraz. E, sem dúvida, o que te foi revelado por teu Senhor exacerbará a transgressão e a incredulidade de muitos deles. Porém, infundindo a inimizade e o rancor, até ao Dia da Ressurreição. Toda vez que acenderem o fogo da guerra, Deus os extinguirá. Percorrem a terra, corrompendo-a; porém, Deus não aprecia os corruptores. 65 Mas se os adeptos do Livro tivessem acreditado (em Nós) e temido, tê-los-íamos absolvido dos pecados, tê-los-íamos introduzido nos jardins do prazer. 66 E se tivessem sido observantes da Tora, do Evangelho e de tudo quanto lhes foi revelado por seu Senhor, alimentar-se-iam com o que está acima deles e do que se encontra sob seus pés(387). Entre eles, há alguns moderados; porém, quão péssimo é o que faz a maioria deles! 67 Ó Mensageiro, proclama o que te foi revelado por teu Senhor, porque se não o fizeres, não terás cumprido a Sua Missão. Deus te protegerá dos homens, porque Deus não ilumina os incrédulos. 68 Dize: Ó adeptos do Livro, em nada vos fundamentareis, enquanto não observardes os ensinamentos da Tora, do Evangelho e do que foi revelado por vosso Senhor! Porém, o que te foi revelado por teu Senhor, exacerbará a transgressão e a incredulidade de muitos deles. Que não te penalizem os incrédulos. 69 Os fiéis, os judeus, os sabeus e os cristãos, que creem em Deus, no Dia do Juízo Final e praticam o bem, não serão presas do temor, nem se atribularão. 70 Havíamos aceito o compromisso dos israelitas, e lhes enviamos os mensageiros. Mas, cada vez que um mensageiro lhes anunciava algo que não satisfazia os seus interesses, desmentiam uns e assassinavam outros. 71 Pressupunham que nenhuma sedição recairia sobre eles; e, então, tornaram-se deliberadamente cegos e surdos. Não obstante Deus tê-los absolvido, muitos deles voltaram à cegueira e à surdez; mas Deus bem vê tudo quanto fazem. 72 São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria, ainda quando o mesmo Messias disse(388): Ó israelitas, adorai a Deus, Que é meu Senhor e vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos jamais terão socorredores. 73 São blasfemos aqueles que dizem: Deus é um da Trindade!, portanto não existe divindade alguma além do Deus Único. Se não desistirem de tudo quanto afirmam, um doloroso castigo açoitará os incrédulos entre eles. 74 Por que não se voltam para Deus e imploram o Seu perdão, uma vez que Ele é Indulgente, Misericordiosíssimo? 75 O Messias, filho de Maria, não é mais do que um mensageiro, do nível dos mensageiro que o precederam; e sua mãe era sinceríssima(389). Ambos se sustentavam de alimentos terrenos, como todos. Observa como lhes elucidamos os versículos(390) e observa como se desviam. 76 Pergunta-lhes: Adorareis, em vez de Deus, ao que não pode prejudicar-vos nem beneficiar-vos, sabendo (vós) que Deus é o Oniouvinte, o Sapientíssimo? 77 Dize-lhes: Ó adeptos do Livro, não exagereis em vossa religião, profanado a verdade, nem sigais o capricho daqueles que se extraviaram anteriormente, desviaram muitos outros e se desviaram da verdadeira senda! 78 Os incrédulos, dentre os israelitas, foram amaldiçoados pela boca de Davi(391) e por Jesus, filho de Maria(392), por causa de sua rebeldia e profanação. 79 Não se reprovavam mutuamente pelo ilícito que cometiam(393). E que detestável é o que cometiam! 80 Vês muitos deles (judeus) em intimidade com idólatras. Que detestável é isso a que os induzem as suas almas! Por isso, suscitaram a indignação de Deus, e sofrerão um castigo eterno. 81 Se tivessem acreditado em Deus, no Profeta e no que lhe foi revelado, não os teriam tomado por confidentes. Porém, muitos deles são depravados. 82 Constatarás que os piores inimigos dos fiéis, entre os humanos, são os judeus e os idólatras. Constatarás que aqueles que estão mais próximos do afeto dos fiéis são os que dizem: Somos cristãos(394)!, porque possuem sacerdotes e não ensoberbecem de coisa alguma. 83 E, ao escutarem o que foi revelado ao Mensageiro, tu vês lágrimas a lhes brotarem nos olhos; reconhecem naquilo a verdade, dizendo: Ó Senhor nosso, cremos! Inscreve-nos entre os testemunhadores! 84 E por que não haveríamos de crer em Deus e em tudo quanto nos chegou, da verdade, e como não haveríamos de aspirar a que nosso Senhor nos contasse entre os virtuosos? 85 Pelo que disseram, Deus os recompensará com jardins, abaixo dos quais correm os rios, onde morarão eternamente. Isso será a recompensa dos benfeitores. 86 Aqueles que negarem e desmentirem os Nossos versículos serão os réprobos. 87 Ó fiéis, não malverseis o bem que Deus permitiu e não transgridais(395), porque Ele não estima os perdulários. 88 Comei de todas as coisas lícitas com que Deus vos agraciou e temei-O, se fordes fiéis. 89 Deus não vos reprova por vossos inintencionais juramentos fúteis; porém, recrimina-vos por vossos deliberados juramentos, cuja expiação consistirá em alimentardes dez necessitados da maneira como alimentais a vossa família, ou em os vestir, ou em libertardes um escravo; contudo, quem carecer de recursos jejuará três dias. Tal será a expiação do vosso perjúrio. Mantende, pois, os vossos juramentos. Assim Deus vos elucida os Seus versículos, a fim de que Lhe agradeçais. 90 Ó fiéis, as bebidas inebriantes, os jogos de azar, a dedicação às pedras(396) e as adivinhações com setas,(397) são manobras abomináveis de Satanás. Evitai-os, pois, para que prospereis. 91 Satanás só ambiciona infundir-vos a inimizade e o rancor, mediante as bebidas inebriantes e os jogos de azar, bem como afastar-vos da recordação de Deus e da oração. Não desistireis, diante disso? 92 Obedecei a Deus, obedecei ao Mensageiro e precavei-vos; mas se vos desviardes, sabei que ao Nosso Mensageiro só cabe a proclamação da mensagem lúcida. 93 Os fiéis que praticam o bem não serão reprovados pelo que comeram (anteriormente, mas coisas ilícitas), uma vez que delas passem a se abster, continuando a crer e a praticar o bem, a ser tementes a Deus e, crer novamente e praticar a caridade. Deus aprecia os benfeitores(398). 94 Ó fiéis, Deus vos testará com a proibição de certa espécie de caça que está ao alcance das vossas mão e das vossas lanças, para assegurar-Se(399) de quem O teme intimamente. Quem, depois disso, transgredir a norma sofrerá um doloroso castigo. 95 Ó fiéis, não mateis animais de caça quando estiverdes com as vestes da peregrinação.(400) Quem, dentre vós, os matar intencionalmente, terá de pagar a transgressão, o equivalente àquilo que tenha morto, em animais domésticos,(401) com a determinação de duas pessoas idôneas, dentre vós. Que tais animais sejam levados como oferenda à Caaba. Ou, ainda, fará uma expiação, alimentando alguns necessitados ou o equivalente a isto em jejum, para que sofra a consequência da sua falta. Deus perdoa o passado; porém, a quem reincidir Deus castigará, porque é Punidor, Poderosíssimo. 96 Está-vos permitida a caça aquática;(402) e seu produto pode servir de visão, tanto para vós como para os viajantes. Porém, está-vos proibida a caça terrestre, enquanto estiverdes consagrado à peregrinação. Temei a Deus, ante O Qual serei consagrados. 97 Deus designou a Caaba como Casa Sagrada, como local seguro para os humanos. Também estabeleceu o mês sagrado,(403) a oferenda e os animais marcados(404), para que saibais que Deus conhece tudo quanto há nos céus e na terra, e que é Onisciente(405). 98 Sabei que Deus é severíssimo no castigo, assim como também é Indulgente, Misericordiosíssimo. 99 Ao Mensageiro só cabe a proclamação (da mensagem). Deus conhece o que manifestais e o que ocultais. 100 Dize: O mal e o bem jamais poderão equiparar-se, ainda que vos encante a abundância do mal(406). Ó sensatos, temei a Deus, quiçá assim prosperais. 101 Ó fiéis, não interrogueis acerca de coisas que, se vos fossem reveladas, atribular-vos-iam. Mas se perguntardes por elas, quando o Alcorão tiver sido revelado, ser-vos-ão explicadas. Deus perdoa a vossa sofreguidão, porque é Tolerante, Indulgentíssimo. 102 Povos anteriores a vós fizeram as mesmas perguntas. Por isso, tornaram-se incrédulos. 103 Deus nada prescreveu, com referência às superstições(407) , tais como a "bahira", ou a "sa’iba", ou a "wacila", ou a "hami"; porém, os blasfemos forjam mentiras acerca de Deus, porque a sua totalidade é insensata. 104 E quando lhes foi dito: Vinde para o que Deus revelou, e para o Mensageiro!, disseram: Basta-nos(408) o que seguiam os nossos pais! Como? Mesmo que seus pais nada compreendessem nem se guiassem? 105 Ó fiéis, resguardai as vossas almas, porque se vos conduzirdes bem, jamais poderão prejudicar-vos aqueles que se desviam; todos vós retornareis a Deus, o Qual vos inteirará de tudo quanto houverdes feito(409). 106 Ó fiéis, quando a morte se aproximar de algum de vós e este se dispuser a fazer um testamento, que apele para o testemunho de dois homens justos, dentre vós, ou de dois estranhos, se se achar viajando pela terra quando isto acontecer. Deverá detê-los, depois da oração, e fazê-los prestar juramento por Deus, deste modo: A nenhum preço venderemos o nosso testemunho, ainda que o interessado seja um dos nossos parentes, nem ocultaremos o testemunho de Deus, porque, se assim fizermos, contar-nos-emos entre os pecadores. 107 Se descobrirdes que aso perjuros, que sejam substituídos por outros dois parentes mais próximos das pessoas em questão,(410) e ambos jurarão por Deus deste modo: Nosso testemunho é mais verdadeiro do que o dos outros e não perjuramos, porque se assim fizermos, contar-nos-emos entre os iníquos. 108 Este proceder é o mais adequado, para que as testemunhas declarem a verdade. Devem temer que se apresentem outras testemunhas depois delas. Temei, pois, a Deus e escutai, porque Ele não ilumina os depravados. 109 Um dia, Deus convocará os mensageiros e lhes dirá: Que vos tem sido respondido (com respeito à exortação)? Dirão: Nada sabemos, porque só Tu és Conhecedor do incognoscível(411). 110 Então, Deus dirá: Ó Jesus, filho de Maria, recordar-te de Minhas Mercês para contigo e para com tua mãe; de quando te fortaleci com o Espírito da Santidade; de quando falavas aos homens, tanto na infância, como na maturidade; de quando te ensinei o Livro, a sabedoria, a Tora e o Evangelho; de quando, com o Meu beneplácito, plasmaste de barro algo semelhante a um pássaro e, alentando-o, eis que se transformou, com o Meu beneplácito, em um pássaro vivente; de quando, com o Meu beneplácito, curaste o cego de nascença e o leproso; de quando, com o Meu beneplácito, ressuscitaste os mortos; de quando contive os israelitas,(412) pois quando lhes apresentaste as evidências, os incrédulos, dentre eles, disseram: Isto não é mais do que pura magia! 111 E de que, quando inspirei os discípulos, (dizendo-lhes): Crede em Mim e no Meu Mensageiro! Disseram: Cremos! Testemunha que somos muçulmanos. 112 E de quando os discípulos disseram: Ó Jesus, filho de Maria, poderá o teu Senhor fazer-nos descer do céu uma mesa servida? Disseste: Temei a Deus, se sois fiéis(413)! 113 Tornaram a dizer: Desejamos desfrutar dela, para que os nossos corações sosseguem e para que saibamos que nos tens dito a verdade, e para que sejamos testemunhas disso. 114 Jesus, filho de Maria, disse: Ó Deus, Senhor nosso, envia-nos do céu uma mesa servida(414)! Que seja um banquete para o primeiro e último de nós, constituindo-se num sinal Teu; agracia-nos(415), porque Tu és o melhor dos agraciadores. 115 E disse Deus: Fá-la-ei descer; porém, quem de vós, depois disso, continuar descrendo, saiba que o castigarei tão severamente como jamais castiguei ninguém da humanidade. 116 E recordar-te de quando Deus disse: Ó Jesus, filho de Maria! Foste tu quem disseste aos homens: Tomai a mim e a minha mãe por duas divindades, em vez de Deus? Respondeu: Glorificado sejas! É inconcebível que eu tenha dito o que por direito não me corresponde. Se tivesse dito, tê-lo-ias sabido, porque Tu conheces a natureza da minha mente, ao passo que ignoro o que encerra a Tua. Somente Tu és Conhecedor do incognoscível. 117 Não lhes disse, senão o que me ordenaste: Adorai a Deus, meu Senhor e vosso! E enquanto permaneci entre eles, fui testemunha contra eles; e quando quiseste encerrar os meus dias na terra, foste Tu o seu Único observador, porque és Testemunha de tudo(416). 118 Se Tu os castigas é porque são Teus servos; e se os perdoas, é porque Tu és o Poderoso, o Prudentíssimo. 119 Deus dirá: Este é o dia em que a lealdade dos verazes ser-lhes-á profícua. Terão jardins, abaixo dos quais correm rios, onde morarão eternamente. Deus se comprazerá com eles e eles se comprazerão n’Ele. Tal será o magnífico(417) benefício! 120 A Deus pertence o reino dos céus e da terra, bem como tudo quando encerra, porque é Onipotente. www.ligaislamica.org.br. Abraço. Davi