Espiritismo.
www.febnet.org.br. Livro O Céu e o
Inferno. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Capítulo III. O CÉU. Em geral, a
palavra céu designa o espaço indefinido que circunda a Terra, e mais
particularmente a parte que está acima do nosso horizonte. Vem do latim cœelum,
formada do grego coïlos, côncavo, porque o céu parece uma imensa concavidade.
Os antigos acreditavam na existência de muitos céus superpostos, de matéria
sólida e transparente, formando esferas concêntricas e tendo a Terra por
centro. Girando essas esferas em torno da Terra, arrastavam consigo os astros
que se achavam em seu circuito. Essa ideia, provinda da deficiência de
conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias, que fizeram dos céus,
assim escalados, os diversos degraus da bem-aventurança: o último deles era
abrigo da suprema felicidade. Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e
daí a expressão — estar no sétimo céu — para exprimir perfeita felicidade. Os
muçulmanos admitem nove céus, em cada um dos quais se aumenta a felicidade dos
crentes. O astrônomo Ptolomeu (90-168) contava onze e denominava ao último
Empíreo por causa da luz brilhante que nele reina. É este ainda hoje o nome
poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus:
o primeiro é o da região do ar e das nuvens. O segundo, o espaço em que giram
os astros, e o terceiro, para além deste, é a morada do Altíssimo, a habitação
dos que o contemplam face a face. É conforme a esta crença que se diz que Paulo
foi alçado ao terceiro céu. 2. As diferentes doutrinas relativamente ao Paraíso
repousam todas no duplo erro de considerar a Terra centro do universo, e
limitada a região dos astros. É além desse limite imaginário que todas têm
colocado a residência afortunada e a morada do Todo-Poderoso. Singular anomalia
que coloca o Autor de todas as coisas, aquele que as governa a todas, nos
confins da Criação, em vez de no centro, donde o seu pensamento poderia,
irradiante, abranger tudo! 3. A Ciência, com a lógica inexorável da observação
e dos fatos, levou o seu archote às profundezas do Espaço e mostrou a nulidade
de todas essas teorias. A Terra não é mais o eixo do universo, porém um dos
menores astros que rolam na imensidade; o próprio Sol mais não é do que o
centro de um turbilhão planetário; as estrelas são outros tantos e inumeráveis
sóis, em torno dos quais circulam mundos sem conta, separados por distâncias
apenas acessíveis ao pensamento, embora se nos afigure tocarem-se. Neste
conjunto grandioso, regido por leis eternas — reveladoras da sabedoria e
onipotência do Criador —, a Terra não é mais que um ponto imperceptível e um
dos planetas menos favorecidos quanto à habitabilidade. E, assim sendo, é
lícito perguntar por que Deus faria da Terra a única sede da vida e nela
degredaria as suas criaturas prediletas? Ao contrário, tudo anuncia a vida por
toda parte e a humanidade é infinita como o universo. Revelando-nos a Ciência
mundos semelhantes ao nosso, Deus não podia tê-los criado sem intuito, antes deve
tê-los povoado de seres capazes de os governar. 4. As ideias do homem estão na
razão do que ele sabe; como todas as descobertas importantes, a da constituição
dos mundos deveria imprimir-lhes outro curso; sob a influência desses
conhecimentos novos, as crenças se modificaram; o Céu foi deslocado e a região
estelar, sendo ilimitada, não mais lhe pode servir. Onde está ele, pois? E ante
esta questão emudecem todas as religiões. O Espiritismo vem resolvê-las
demonstrando o verdadeiro destino do homem. Tomando-se por base a natureza
deste último e os atributos divinos, chega-se a uma conclusão. Isto quer dizer
que partindo do conhecido atinge-se o desconhecido por uma dedução lógica, sem
falar das observações diretas que o Espiritismo faculta. 5. O homem compõe-se
de corpo e Espírito: o Espírito é o ser principal, racional, inteligente; o
corpo é o invólucro material que reveste o Espírito temporariamente, para
preenchimento da sua missão na Terra e execução do trabalho necessário ao seu
adiantamento. O corpo, usado, destrói-se e o Espírito sobrevive à sua
destruição. Privado do Espírito, o corpo é apenas matéria inerte, qual
instrumento privado da mola real de função; sem o corpo, o Espírito é tudo; a
vida, a inteligência. Ao deixar o corpo, torna ao mundo espiritual, onde paira,
para depois reencarnar. Existem, portanto, dois mundos: o corporal, composto de
Espíritos encarnados; e o espiritual, formado dos Espíritos desencarnados. Os
seres do mundo corporal, devido mesmo à materialidade do seu envoltório, estão
ligados à Terra ou a qualquer globo; o mundo espiritual ostenta-se por toda
parte, em redor de nós como no Espaço, sem limite algum designado. Em razão
mesmo da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o compõem, em lugar
de se arrastarem penosamente sobre o solo, transpõem as distâncias com a
rapidez do pensamento. A morte do corpo não é mais que a ruptura dos laços que
os retinham cativos. 6. Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas
dotados de aptidão para tudo conhecerem e para progredirem, em virtude do seu
livre-arbítrio. Pelo progresso adquirem novos conhecimentos, novas faculdades,
novas percepções e, conseguintemente, novos gozos desconhecidos dos Espíritos
inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados
não podem ver, sentir, ouvir ou compreender. A felicidade está na razão direta
do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão
feliz quanto outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual
e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda
que juntos, pode um estar em trevas, enquanto tudo resplandece para o outro,
tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual
aquele não recebe a mínima impressão. O céu sendo a felicidade dos Espíritos
inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram,
seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. Uma
comparação vulgar fará compreender melhor esta situação. Se se encontrarem em
um concerto dois homens, um, bom músico, de ouvido educado, e outro,
desconhecedor da música, de sentido auditivo pouco delicado, o primeiro
experimentará sensação de felicidade, enquanto o segundo permanecerá
insensível, porque um compreende e percebe o que nenhuma impressão produz no
outro. Assim sucede quanto a todos os gozos dos Espíritos, que estão na razão
da sua sensibilidade. O mundo espiritual tem esplendores por toda parte,
harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, submetidos à influência da
matéria, não entreveem sequer, e que somente são acessíveis aos Espíritos
purificados. 7. O progresso nos Espíritos é o fruto do próprio trabalho; mas,
como são livres, trabalham no seu adiantamento com maior ou menor atividade,
com mais ou menos negligência, segundo sua vontade, acelerando ou retardando o
progresso e, por conseguinte, a própria felicidade. Enquanto uns avançam
rapidamente, entorpecem-se outros, quais poltrões nas fileiras inferiores. São
eles, pois, os próprios autores da sua situação, feliz ou desgraçada, conforme
esta frase do Cristo: “A cada um segundo as suas obras”. (Romanos 2,6) Todo
Espírito que se atrasa não pode queixar-se senão de si mesmo, assim como o que
se adianta tem o mérito exclusivo do seu esforço, dando por isso maior apreço à
felicidade conquistada. A suprema felicidade só é compartilhada pelos Espíritos
perfeitos, ou, por outra, pelos puros Espíritos, que não a conseguem senão
depois de haverem progredido em inteligência e moralidade. O progresso intelectual
e o progresso moral raramente marcham juntos, mas o que o Espírito não consegue
em dado tempo, alcança em outro, de modo que os dois progressos acabam por
atingir o mesmo nível. Eis por que se veem muitas vezes homens inteligentes e
instruídos pouco adiantados moralmente, e vice-versa. 8. A encarnação é
necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso
intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela
necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das
boas ou más qualidades. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas
qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície
da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. Uma comparação vulgar fará
compreender melhor esta situação. Se se encontrarem em um concerto dois homens,
um, bom músico, de ouvido educado, e outro, desconhecedor da música, de sentido
auditivo pouco delicado, o primeiro experimentará sensação de felicidade,
enquanto o segundo permanecerá insensível, porque um compreende e percebe o que
nenhuma impressão produz no outro. Assim sucede quanto a todos os gozos dos
Espíritos, que estão na razão da sua sensibilidade. O mundo espiritual tem
esplendores por toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores,
submetidos à influência da matéria, não entreveem sequer, e que somente são
acessíveis aos Espíritos purificados. A bondade, a maldade, a doçura, a
violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a
humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, em
uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o perverso tem por móvel,
por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes. Para o
homem que vivesse isolado não haveria vícios nem virtudes; preservando-se do
mal pelo isolamento, o bem de si mesmo se anularia. 9. Uma só existência
corporal é manifestamente insuficiente para o Espírito adquirir todo o bem que
lhe falta e eliminar o mal que lhe sobra. Como poderia o selvagem, por exemplo,
em uma só encarnação nivela se moral e intelectualmente ao mais adiantado
europeu? É materialmente impossível. Deve ele, pois, ficar eternamente na
ignorância e barbaria, privado dos gozos que só o desenvolvimento das faculdades
pode proporcionar-lhe? O simples bom senso repele tal suposição, que seria não
somente a negação da justiça e bondade divinas, mas das próprias leis
evolutivas e progressivas da natureza. Mas Deus, que é soberanamente justo e
bom, concede ao Espírito tantas encarnações quantas as necessárias para atingir
seu objetivo — a perfeição. Para cada nova existência entra o Espírito com o
cabedal adquirido nas anteriores em aptidões, conhecimentos intuitivos,
inteligência e moralidade. Cada existência é assim um passo avante no caminho
do progresso. A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos, deixando
de ser necessária desde que estes, transpondo os limites, ficam aptos para
progredir no estado espiritual, ou nas existências corporais de mundos superiores,
que nada têm da materialidade terrestre. Da parte destes a encarnação é
voluntária, tendo por fim exercer sobre os encarnados uma ação mais direta e
tendente ao cumprimento da missão que lhes compete junto dos mesmos. Desse modo
aceitam abnegadamente as vicissitudes e sofrimentos da encarnação. 10. No
intervalo das existências corporais o Espírito torna a entrar no mundo
espiritual, onde é feliz ou desgraçado segundo o bem ou o mal que fez. Uma vez
que o estado espiritual é o estado definitivo do Espírito e o estado corporal é
transitório e passageiro. É no estado espiritual sobretudo que o Espírito colhe
os frutos do progresso realizado pelo trabalho da encarnação; é também nesse
estado que se prepara para novas lutas e toma as resoluções que há de pôr em
prática na sua volta à humanidade. O Espírito progride igualmente na
erraticidade, adquirindo conhecimentos especiais que não poderia obter na
Terra, e modificando as suas ideias. O estado corporal e o espiritual
constituem a fonte de dois gêneros de progresso, pelos quais o Espírito tem de
passar alternadamente, nas existências peculiares a cada um dos dois mundos.
11. A reencarnação pode dar-se na Terra ou em outros mundos. Há entre os mundos
alguns mais adiantados onde a existência se exerce em condições menos penosas
que na Terra física e moralmente, mas onde também só são admitidos Espíritos
chegados a um grau de perfeição relativo ao estado desses mundos. A vida nos
mundos superiores já é uma recompensa, visto nos acharmos isentos, aí, dos
males e vicissitudes terrenos. Os corpos menos materiais, quase fluídicos, não
sujeitos aí às moléstias, às enfermidades, tampouco têm as mesmas necessidades.
Excluídos os Espíritos maus, gozam os homens de plena paz, sem outra
preocupação além da do adiantamento pelo trabalho intelectual. Reina lá a
verdadeira fraternidade, porque não há egoísmo; a verdadeira igualdade, porque
não há orgulho, e a verdadeira liberdade por não haver desordens a reprimir,
nem ambiciosos que procurem oprimir o fraco. Comparados à Terra, esses mundos
são verdadeiros paraísos, quais pousos ao longo do caminho do progresso
conducente ao estado definitivo. Sendo a Terra um mundo inferior destinado à
purificação dos Espíritos imperfeitos, está nisso a razão do mal que aí
predomina, até que praza a Deus fazer dela morada de Espíritos mais adiantados.
Assim é que o Espírito, progredindo gradualmente à medida que se desenvolve,
chega ao apogeu da felicidade; porém, antes de ter atingido a culminância da
perfeição, goza de uma felicidade relativa ao seu progresso. A criança também
frui os prazeres da infância, mais tarde os da mocidade, e finalmente os mais
sólidos, da madureza. 12. A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não
consiste na ociosidade contemplativa, que seria, como temos dito muitas vezes,
uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual em todos os seus graus
é, ao contrário, uma constante atividade, mas atividade isenta de fadigas. A
suprema felicidade consiste no gozo de todos os esplendores da Criação, que
nenhuma linguagem humana jamais poderia descrever, que a imaginação mais
fecunda não poderia conceber. Consiste também na penetração de todas as coisas,
na ausência de sofrimentos físicos e morais, numa satisfação íntima, numa
serenidade da alma imperturbável, no amor que envolve todos os seres, e
portanto, na ausência de atrito proveniente do contato com os maus, e, acima de
tudo, na contemplação de Deus e na compreensão dos seus mistérios revelados aos
mais dignos. A felicidade também existe nas tarefas cujo encargo nos faz
felizes. Os puros Espíritos são os messias ou mensageiros de Deus pela
transmissão e execução das suas vontades. Preenchem as grandes missões,
presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do universo, tarefa gloriosa
a que se não chega senão pela perfeição. Os da ordem mais elevada são os únicos
a possuírem os segredos de Deus, inspirando-se no seu pensamento, de que são
diretos representantes. 13. As atribuições dos Espíritos são proporcionadas ao
seu progresso, às luzes que possuem, às suas capacidades, experiência e grau de
confiança inspirada ao Senhor soberano. Nem favores, nem privilégios que não
sejam o prêmio ao mérito; tudo é medido e pesado na balança da estrita justiça.
As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que Deus julga
capazes de as cumprir e incapazes de desfalecimento ou comprometimento. E
enquanto que os mais dignos compõem o supremo conselho, sob as vistas de Deus,
a chefes superiores é cometida a direção de turbilhões planetários, e a outros
conferida a de mundos especiais. Vêm, depois, pela ordem de adiantamento e
subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas dos prepostos ao
progresso dos povos, à proteção das famílias e indivíduos, ao impulso de cada
ramo de progresso, às diversas operações da natureza até os mais ínfimos
pormenores da Criação. Neste vasto e harmônico conjunto há ocupações para todas
as capacidades, aptidões e esforços; ocupações aceitas com júbilo, solicitadas
com ardor, por serem um meio de adiantamento para os Espíritos que ao progresso
aspiram. 14. Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há
outras de importância relativa em todos os graus, concedidas a Espíritos de
todas as categorias, podendo afirmar-se que cada encarnado tem a sua, isto é,
deveres a preencher a bem dos seus semelhantes, desde o chefe de família, a
quem incumbe o progresso dos filhos, até o homem de gênio que lança às
sociedades novos germens de progresso. É nessas missões secundárias que se
verificam desfalecimentos, prevaricações e renúncias que prejudicam o indivíduo
sem afetar o todo. 15. Todas as inteligências concorrem, pois, para a obra
geral, qualquer que seja o grau atingido, e cada uma na medida das suas forças,
seja no estado de encarnação ou no de espírito. Por toda parte a atividade,
desde a base ao ápice da escala, instruindo-se, coadjuvando-se em mútuo apoio,
dando-se as mãos para alcançarem o zênite. Assim se estabelece a solidariedade
entre o mundo espiritual e o corporal, ou, em outros termos, entre os homens e
os Espíritos, entre os Espíritos libertos e os cativos. Assim se perpetuam e
consolidam, pela purificação e continuidade de relações, as verdadeiras
simpatias e nobres afeições. Por toda parte, a vida e o movimento: nenhum canto
do infinito despovoado, nenhuma região que não seja incessantemente percorrida
por legiões inumeráveis de Espíritos radiantes, invisíveis aos sentidos
grosseiros dos encarnados, mas cuja vista deslumbra de alegria e admiração as
almas libertas da matéria. Por toda parte, enfim, há uma felicidade relativa a
todos os progressos, a todos os deveres cumpridos, trazendo cada um consigo os
elementos de sua felicidade, decorrente da categoria em que se coloca pelo seu
adiantamento. Das qualidades do indivíduo depende-lhe a felicidade, e não do
estado material do meio em que se encontra, podendo a felicidade, portanto,
existir em qualquer parte onde haja Espíritos capazes de a gozar. Nenhum lugar
lhe é circunscrito e assinalado no universo. Onde quer que se encontrem, os
Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda parte.
16. Entretanto, a felicidade não é pessoal: se a possuíssemos somente em nós
mesmos, sem poder reparti-la com outrem, ela seria tristemente egoísta. Também
a encontramos na comunhão de ideias que une os seres simpáticos. Os Espíritos
felizes, atraindo-se pela similitude de ideias, gostos e sentimentos, formam
vastos agrupamentos ou famílias homogêneas, no seio das quais cada
individualidade irradia as qualidades próprias e satura-se dos eflúvios serenos
e benéficos emanados do conjunto. Os membros deste, ora se dispersam para se
darem à sua missão, ora se reúnem em dado ponto do Espaço a fim de se prestarem
contas do trabalho realizado, ora se congregam em torno dum Espírito mais
elevado para receberem instruções e conselhos. 17. Posto que os Espíritos
estejam por toda parte, os mundos são de preferência os seus centros de
atração, em virtude da analogia existente entre eles e os que os habitam. Em
torno dos mundos adiantados abundam Espíritos superiores, como em torno dos
atrasados pululam Espíritos inferiores. Cada globo tem, de alguma sorte, sua
população própria de Espíritos encarnados e desencarnados, alimentada em sua
maioria pela encarnação e desencarnação dos mesmos. Esta população é mais
estável nos mundos inferiores, pelo apego dos Espíritos à matéria, e mais
flutuante nos superiores. Destes últimos, porém, verdadeiros focos de luz e
felicidade, Espíritos se destacam para mundos inferiores a fim de neles
semearem os germens do progresso, levar-lhes consolação e esperança, levantar
os ânimos abatidos pelas provações da vida. Por vezes também se encarnam para
cumprir com mais eficácia a sua missão. 18. Nessa imensidade ilimitada, onde
está o Céu? Em toda parte. Nenhum contorno lhe traça limites. Os mundos adiantados
são as últimas estações do seu caminho, que as virtudes franqueiam e os vícios
interditam. Ante este quadro grandioso que povoa o universo, que dá a todas as
coisas da Criação um fim e uma razão de ser, quanto é pequena e mesquinha a
doutrina que circunscreve a humanidade a um ponto imperceptível do Espaço, que
a mostra começando em dado instante para acabar igualmente com o mundo que a
contém, não abrangendo mais que um minuto na eternidade! Como é triste, fria,
glacial essa doutrina quando nos mostra o resto do universo, durante e depois
da humanidade terrestre, sem vida, nem movimento, qual vastíssimo deserto
imerso em profundo silêncio! Como é desesperadora a perspectiva dos eleitos
votados à contemplação perpétua, enquanto a maioria das criaturas padece
tormentos sem-fim! Como lacera os corações sensíveis a ideia dessa barreira
entre mortos e vivos! As almas ditosas, dizem, só pensam na sua felicidade,
como as desgraçadas, nas suas dores. Admira que o egoísmo reine sobre a Terra
quando mostram no Céu? Oh! Quão mesquinha se nos afigura essa ideia da
grandeza, do poder e da bondade de Deus! Quanto é sublime a ideia que dele
fazemos pelo Espiritismo! Quanto a sua doutrina engrandece as ideias e amplia o
pensamento! Mas quem diz que ela é verdadeira? A razão primeiro, a revelação
depois, e, finalmente, a sua concordância com os progressos da Ciência. Entre
duas doutrinas, das quais uma amesquinha e a outra exalta os atributos de Deus;
das quais uma só está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; das
quais uma se deixa ficar na retaguarda enquanto a outra caminha, o bom senso
diz de que lado está a verdade. Que, confrontando-as, consulte cada qual a
consciência, e uma voz íntima lhe falará por ela. Pois bem, essas aspirações
íntimas são a voz de Deus, que não pode enganar os homens. 19. Dir-se-á, por
que Deus não lhes revelou de princípio toda a verdade? Pela mesma razão por que
se não ensina à infância o que se ensina aos de idade madura. A revelação
limitada foi suficiente a certo período da humanidade, e Deus a proporciona
gradativamente ao progresso e às forças do Espírito. Os que recebem hoje uma
revelação mais completa são os mesmos Espíritos que tiveram dela uma partícula
em outros tempos e que de então por diante se engrandeceram em inteligência.
Antes de a Ciência ter revelado aos homens as forças vivas da natureza, a
constituição dos astros, o verdadeiro papel da Terra e sua formação, poderiam
eles compreender a imensidade do Espaço e a pluralidade dos mundos? Antes de a
Geologia comprovar a formação da Terra, poderiam os homens tirar-lhe o inferno
das entranhas e compreender o sentido alegórico dos seis dias da Criação? Antes
de a Astronomia descobrir as leis que regem o universo, poderiam compreender
que não há alto nem baixo no Espaço, que o Céu não está acima das nuvens nem
limitado pelas estrelas? Poderiam identificar-se com a vida espiritual antes
dos progressos da ciência psicológica? Conceber depois da morte uma vida feliz
ou desgraçada, a não ser em lugar circunscrito e sob uma forma material? Não.
Compreendendo mais pelos sentidos que pelo pensamento, o universo era muito
vasto para a sua concepção; era preciso restringi-lo ao seu ponto de vista para
alargá-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade, e, embora sábia
até então, não satisfaria hoje. O absurdo provém dos que pretendem poder
governar os homens de pensamento, sem se darem conta do progresso das ideias,
quais se fossem crianças. (Vede O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo
III).www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi
sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
O INFERNO II
Espiritismo.
www.febnet.org.br. Livro O Céu e o
Inferno. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Capítulo II. O INFERNO II. Esses
reis reviam-se constantemente nesse espelho, achando-se mais monstruosos e
horrendos que a própria Quimera vencida por Belerofonte, que a Hidra de Lerna
abatida por Hércules e que Cérbero vomitando por suas três goelas um sangue
negro e venenoso, capaz de empestar toda a raça de mortais que vivem sobre a
Terra. De outro lado, outra Fúria lhes repetia injuriosamente todos os louvores
que os lisonjeiros lhes dispensavam em vida e mostrava-lhes ainda outro espelho
em que se viam tais como a lisonja os pintara. Da antítese dos dois quadros
brotava o suplício do amor-próprio. Era para notar que os piores dentre esses
reis, foram os que tiveram maiores e mais fulgentes louvores durante a vida,
por isso que os maus são mais temidos que os bons e exigem impudicamente as vis
adulações dos poetas e oradores do seu tempo. Na profundeza dessas trevas, onde
só insultos e escárnios padecem, ouvem-se-lhes os gemidos agoniados. Nada os cerca
que os não repila, contradiga e confunda em contraste ao que supunham na vida,
zombando dos homens, convictos de que tudo era feito para servi-los. No
Tártaro, entregues a todos os caprichos de certos escravos, estes lhes fazem
provar por sua vez a mais cruel servidão; humilhados dolorosamente, não lhes
resta esperança alguma de modificar ou abrandar o cativeiro. Qual bigorna sob
as marteladas dos Ciclopes, quando Vulcano os acoroçoa nas fornalhas
incandescentes do Monte Etna, assim permanecem, mercê das pancadas desses
escravos transformados em verdugos. Aí viu Telêmaco pálidos semblantes,
hediondos e consternados. Negra tristeza essa que consome estes criminosos,
horrorizados de si próprios, sem poderem dela despojar-se como da própria
natureza. Não têm outro castigo às suas faltas que não as mesmas faltas;
veem-nas incessantemente na plenitude da sua enormidade, apresentando-se sob a
forma de espectros horríveis que os perseguem. Procurando eximir-se a essa
perseguição, buscam morte mais potente do que a que os separou do corpo.
Desesperados, invocam uma morte capaz de extinguir a consciência deles: pedem
aos abismos que os absorvam, a fim de se furtarem aos raios vingadores da
verdade que os atormenta, mas continuam votados à vingança que sobre eles destila
gota a gota e que jamais estancará. A verdade que temem ver constitui-se em
suplício; veem-na, contudo, e só têm olhos para vê-la erguer-se contra eles,
ferindo-os, despedaçando-os, arrancando-os de si mesmos, como o raio, sem nada
os destruir exteriormente, a penetrar-lhes o âmago das entranhas. Entre os
seres que lhe eriçavam os cabelos, viu Telêmaco vários e antigos Reis da Lídia
punidos por haverem preferido ao trabalho as delícias de uma vida inativa,
quando aquele deve ser o consolo dos povos e, como tal, inseparável da realeza.
Estes reis lastimavam-se reciprocamente a cegueira. Dizia um a outro, que fora
seu filho: — Não vos tinha eu recomendado tantas vezes durante a vida e ainda
antes da morte que reparásseis os males ocorridos por negligência minha? — Ah!
Desgraçado, pai! — dizia o filho — fostes vós que me perdestes! Foi o vosso
exemplo que me inspirou o fausto, o orgulho, a voluptuosidade e a crueldade
para com os homens! Vendo-vos governar com tanta incúria, cercado de aduladores
infames, habituei-me a prezar a lisonja e os prazeres. Acreditei que os homens
eram para os reis o que os cavalos e outros animais de carga são para aqueles,
isto é, animais que só se consideram enquanto proporcionam serviços e
comodidades. “Acreditei-o, e fostes vós que fizestes crer (...) sofrendo agora
tantos males por vos haver imitado”. A estas recriminações aliavam as mais
acerbas blasfêmias, como que possuídos de raiva bastante para se despedaçarem
mutuamente. Quais notívagos mochos, em torno desses reis corvejavam as
suspeitas cruéis, os vãos receios e desconfianças que vingam os povos da dureza
de seus reis, a ganância insaciável das riquezas, a falsa glória sempre
tirânica e a moleza displicente que duplica os sofrimentos sem a compensação de
sólidos prazeres. Viam-se muitos desses reis severamente punidos, não por males
que tivessem feito, mas por terem negligenciado o bem que poderiam e deveriam
fazer. Todos os crimes dos povos, provenientes da desídia na observância das
leis eram imputados aos reis, que não devem reinar senão para que as leis
exerçam seu ministério. Imputavam-lhes também todas as desordens decorrentes do
fausto, do luxo e dos demais excessos que impelem os homens à violência,
instigando-os à aquisição de bens com o desprezo das leis. Sobretudo recaía o
rigor sobre os reis que, em vez de serem bons e vigilantes pastores dos povos,
só cuidavam de devastar o rebanho, quais lobos devoradores. O que mais
consternou Telêmaco, porém, foi ver nesse abismo de trevas e males um grande
número de reis que, tendo passado na Terra pelos melhores, condenaram-se às
penas do Tártaro por se terem deixado guiar por homens ardilosos e maus. Tal
punição correspondia aos males que tinham deixado praticar em nome da sua
autoridade. Ademais, a maior parte desses reis não foram nem bons nem maus, tal
a sua fraqueza; não os atemorizava a ignorância da verdade, e assim como nunca
experimentaram o prazer da virtude, jamais poderiam fazê-lo consistir na
prática do bem. Esboço do inferno cristão. 11. A opinião dos teólogos sobre o
inferno resume-se nas seguintes citações. Esta descrição, sendo tomada dos
autores sagrados e da vida dos santos, pode tanto melhor ser considerada como
expressão da fé ortodoxa na matéria, quanto é ela reproduzida a cada instante,
com pequenas variantes, nos sermões do púlpito evangélico e nas instruções
pastorais. 12. “Os demônios são puros Espíritos, e os condenados, presentemente
no inferno, podem ser considerados puros Espíritos, uma vez que só a alma aí
desce, e os restos entregues à terra se transformam em ervas, em plantas, em
minerais e líquidos, sofrendo inconscientemente as metamorfoses constantes da
matéria. Os condenados, porém, como os santos, devem ressuscitar no dia do
juízo final, retomando, para não mais deixá-los, os mesmos corpos carnais que
os revestiam na vida. Os eleitos ressuscitarão, contudo, em corpos purificados
e resplendentes, e os condenados em corpos maculados e desfigurados pelo
pecado. Isso os distinguirá, não havendo mais no inferno puros Espíritos, porém
homens como nós. Conseguintemente, o inferno é um lugar físico, geográfico,
material, uma vez que tem de ser povoado por criaturas terrestres, dotadas de
pés, mãos, boca, língua, dentes, ouvidos, olhos semelhantes aos nossos, sangue
nas veias e nervos sensíveis. Onde estará esse inferno? Alguns doutores o têm
colocado nas entranhas mesmas do nosso globo; outros não sabemos em que
planeta, sem que o problema se haja resolvido por qualquer concílio. Estamos,
pois, quanto a este ponto, reduzidos a conjecturas; a única coisa afirmada é
que esse inferno, onde quer que exista, é um mundo composto de elementos
materiais, conquanto sem Sol, sem estrelas, sem Lua, mais triste e inóspito,
mais desprovido de todo gérmen e das aparências benéficas que porventura se
encontram ainda nas regiões mais áridas deste mundo em que pecamos. Os teólogos
mais circunspectos não se atrevem, à semelhança dos egípcios, dos hindus e dos
gregos, a descrever os horrores dessa morada, limitando-se a mostrar como
premissas no pouco que dela fala a escritura, o lago de fogo e enxofre do
Apocalipse e os vermes de Isaías, esses vermes que formigam eternamente sobre
os cadáveres do Tofel, e os demônios atormentando os homens que eles levaram à
perdição, e os homens a chorarem, rangendo os dentes, segundo a expressão dos
evangelistas. Santo Agostinho (354-430) não concorda que esses sofrimentos
físicos sejam apenas reflexos de sofrimentos morais e vê, num verdadeiro lago
de enxofre, vermes e verdadeiras serpentes saciando-se nos corpos, casando suas
picadas às do fogo. Ele pretende mais, segundo um versículo de Marcos, que esse
fogo estranho, posto que material como o nosso e atuando sobre corpos
materiais, os conservará como o sal conserva o corpo das vítimas. Os
condenados, vítimas sempre sacrificadas e sempre vivas, sentirão a tortura
desse fogo que queima sem destruir, penetrando-lhes a pele. Serão dele
embebidos e saturados em todos os seus membros, na medula dos ossos, na pupila
dos olhos, nas mais recônditas e sensíveis fibras do seu ser. A cratera de um
vulcão, se aí pudessem submergir, ser-lhes-ia lugar de refrigério e repouso.
Assim falam com toda a segurança os teólogos mais tímidos, discretos e
comedidos; não negam que haja no inferno outros suplícios corporais, mas dizem
que para afirmá-lo lhes falta suficiente conhecimento, pelo menos tão positivo
como o que lhes foi dado sobre o suplício horrível do fogo e dos vermes. Há,
contudo, teólogos mais ousados ou mais esclarecidos que dão do inferno
descrições mais minuciosas, variadas e completas. E conquanto se não saiba em
que lugar do Espaço está situado esse inferno, há santos que o viram. Eles não
foram lá ter com a lira na mão, como Orfeu; de espada em punho, como Ulisses,
mas transportados em espírito. Desse número é Santa Teresa. Dir-se-ia, pela narrativa
da santa, que há uma cidade no inferno: Ela aí viu, pelo menos, uma espécie de
viela comprida e estreita como essas que abundam em velhas cidades, e
percorreu-a horrorizada, caminhando sobre lodoso e fétido terreno, no qual
pululavam monstruosos repteis. Foi, porém, detida em sua marcha por uma muralha
que interceptava a viela, em cuja muralha havia um nicho onde se abrigou, aliás
sem poder explicar a ocorrência. Era, diz ela, o lugar que lhe destinavam se
abusasse, em vida, das graças concedidas por Deus em sua cela de Ávila. Apesar
da facilidade maravilhosa que tivera em penetrar esse nicho, não podia
sentar-se, ou deitar-se, nem manter-se de pé. Tampouco podia sair. Essas
paredes horríveis, abaixando-se sobre ela, envolviam-na, apertavam-na como se
fossem animadas de movimento próprio. Parecia-lhe que a afogavam,
estrangulando-a, ao mesmo tempo que a esfolavam e retalhavam em pedaços. Ao
sentir queimar-se, experimentou, igualmente, toda a sorte de angústias. Sem
esperança de socorro, tudo era trevas em torno de si, posto que através dessas
trevas percebesse, não sem pavor, a hedionda viela em que se achava, com a sua
imunda vizinhança. Este espetáculo era-lhe tão intolerável quanto os apertos
mesmos da prisão. Esse não era, sem dúvida, mais que um pequeno recanto do
inferno. Outros viajantes espirituais foram mais favorecidos, pois viram
grandes cidades no inferno, quais enormes braseiros: Babilônia e Nínive, a
própria Roma, com seus palácios e templos abrasados, acorrentados todos os
habitantes. Traficantes em seus balcões, sacerdotes reunidos a cortesãos em
salas de festim, chumbados às cadeiras ululantes, levando aos lábios rubras
taças chamejantes. Criados genuflexos em ferventes cloacas, braços distendidos,
e príncipes de cujas mãos escorria em lava devoradora o ouro derretido. Outros
viram no inferno planícies sem-fim, cultivadas por camponeses famintos, que,
nada colhendo desses campos fumegantes, dessas sementes estéreis, se
entredevoravam, dispersando-se em seguida, tão numerosos como dantes, magros,
vorazes e em bando, indo procurar ao longe, em vão, terras mais felizes. Outras
colônias errantes de condenados os substituíam imediatamente. Ainda outros
relatam que viram no inferno montanhas inçadas de precipícios, florestas
gemebundas, poços secos, fontes alimentadas de lágrimas, ribeiros de sangue,
turbilhões de neve em desertos de gelo, barcas tripuladas por desesperados,
singrando mares sem praia. Viram, em uma palavra, tudo o que viam os pagãos: um
lúgubre revérbero da Terra com os respectivos sofrimentos naturais eternizados,
e até calabouços, patíbulos e instrumentos de tortura forjados por nossas
próprias mãos. Há, com efeito, demônios que, para melhor atormentarem os homens
em seus corpos, tomam corpos. Uns têm asas de morcegos, cornos, couraças de
escama, patas armadas de garras, dentes agudos, apresentando-se armados de
espadas, tenazes, pinças, serras, grelhas, foles, tudo ardente, não exercendo
outro ofício por toda a eternidade, em relação à carne humana, que não o de
carniceiros e cozinheiros; outros, transformados em leões ou víboras enormes,
arrastam suas presas para cavernas solitárias; estes se transformam em corvos
para arrancar os olhos a certos culpados, e aqueles em dragões volantes,
prontos a se lançarem sobre o dorso das vítimas, arrebatando-as assustadiças,
ensanguentadas, aos gritos, através de espaços tenebrosos, para arremessá-las
enfim em tanques de enxofre. Aqui, nuvens de gafanhotos, de escorpiões
gigantescos, cuja vista produz náuseas e calafrios, e o contato, convulsões.
Além, de monstros policéfalos, escancarando goelas vorazes, a sacudirem sobre
as disformes cabeças as suas crinas de áspides, a triturarem condenados com
sangrentas mandíbulas para vomitá-los mastigados, porém vivos, porque são
imortais. Estes demônios de formas sensíveis, que lembram tão visivelmente os
deuses do Amenti e do Tártaro, bem como os ídolos adorados pelos fenícios,
moabitas e outros gentios vizinhos da Judeia, esses demônios não obram ao
acaso, tendo cada um à sua função. O mal que praticam no inferno está em
relação ao mal que inspiraram e fizeram cometer na Terra. Os condenados são
punidos em todos os seus órgãos e sentidos, porque também a Deus ofenderam por
todos os órgãos e sentidos. Os delinquentes de gula são castigados pelos demônios
da glutonaria, os preguiçosos pelos da preguiça, os luxuriosos pelos da
devassidão, e assim por diante, numa variedade tão grande como a dos pecados.
Terão frio, queimando-se, e calor, enregelados, ávidos igualmente de movimento
e de repouso; sedentos e famintos; mil vezes mais fatigados que escravo ao fim
do dia. Mais doentes que os moribundos, mais alquebrados e chaguentos que os
mártires, e isso para sempre. Demônio algum se furta, nem se furtará jamais ao
desempenho sinistro da sua tarefa, perfeitamente disciplinados e fiéis, quanto
à execução das vingativas ordens que receberam. Aliás, sem isso que seria o
inferno? Repousariam os pacientes se os algozes altercassem ou se enfadassem.
Mas nada de repouso nem disputas para quaisquer deles, pois apesar de maus e
inumeráveis que são, estendendo-se de um a outro extremo do abismo, nunca se
viu sobre a Terra súditos mais dóceis a seus príncipes, exércitos mais
obedientes aos chefes ou comunidades monásticas mais humildes e submissas aos
seus superiores. Quase nada se conhece da ralé demoníaca, desses vis Espíritos
que compõem as legiões de vampiros, sapos, escorpiões, corvos, hidras,
salamandras e outros animais sem-nome; conhecem-se, porém, os nomes de muitos
dos príncipes que comandam tais legiões, entre os quais Belfegor, o demônio da
luxúria; Abadon ou Apolion, do homicídio; Belzebu, dos desejos impuros, ou
senhor das moscas que engendram a corrupção. Mamon, da avareza; Moloc, Belial,
Baalgad, Astarot e muitos outros, sem falar do seu chefe supremo, o sombrio
arcanjo que no Céu se chamava Lúcifer e no inferno se chama Satanás.” Eis aí
resumida a ideia que nos dão do inferno, sob o ponto de vista da sua natureza
física e também das penas físicas que aí sofrem. Compulsai os escritos dos
padres e dos antigos doutores; interrogai as pias legendas; observai as
esculturas e painéis das nossas igrejas; atentai no que dizem dos púlpitos e
sabereis ainda mais. 13. O autor acompanha esse quadro das seguintes reflexões,
cujo alcance procuraremos cada qual compreender: “A ressurreição dos corpos é
um milagre, mas Deus faz ainda um segundo milagre, dando a esses corpos mortais
— já uma vez usados pelas passageiras provas da vida, já uma vez aniquilados —
a virtude de subsistirem sem se dissolverem numa fornalha, onde se volatilizariam
os próprios metais. Que se diga que a alma é o seu próprio algoz, que Deus não
a persegue e apenas a abandona no estado infeliz por ela escolhido (conquanto
esse abandono eterno de um ser desgraçado e sofredor pareça incompatível com a
Bondade divina), vá; mas o que se diz da alma e das penas espirituais, não se
pode de modo algum dizer dos corpos e das respectivas penas, para perpetuação
das quais já não basta que Deus se conserve impassível, mas, ao contrário, que
intervenha e atue, sem o que sucumbiriam os corpos. Os teólogos supõem,
portanto, que Deus opera, efetivamente, após a ressurreição dos corpos, esse
segundo milagre de que falamos. Que em primeiro lugar tira dos sepulcros que os
devoravam os nossos corpos de barro; retira-os tais como aí baixaram com suas
enfermidades originais e degradações sucessivas da idade. Restitui-nos a esse
estado, decrépitos, friorentos, gotosos, cheios de necessidades, sensíveis a
uma picada de abelha, assinalados dos estragos da vida e da morte, e está feito
o primeiro milagre; depois, a esses corpos raquíticos, prontos a voltarem ao pó
donde saíram, outorga propriedades que nunca tiveram — a imortalidade, esse dom
que, em sua cólera (dizei antes em sua misericórdia), retirara a Adão ao sair
do Éden — e eis completo o segundo milagre. Adão, quando imortal, era
invulnerável, e deixando de ser invulnerável tornou-se mortal; a morte seguia
de perto a dor. A ressurreição não nos restabelece, pois, nem nas condições
físicas do homem inocente, nem nas do culpado, sendo antes uma ressurreição das
nossas misérias somente, mas com um acréscimo de misérias novas, infinitamente
mais horríveis. É, de alguma sorte, uma verdadeira criação, e a mais maliciosa
que a imaginação tenha, porventura, ousado conceber. Deus muda de parecer, e,
para ajuntar aos tormentos espirituais dos pecadores tormentos carnais que
possam durar eternamente, transforma de súbito, por efeito do seu poder, as
leis e propriedades por Ele mesmo estabelecidas de princípio aos compostos
materiais, ressuscita carnes enfermas e corrompidas e, reunindo por um nó
indestrutível esses elementos que tendem por si mesmos a separar-se, mantém e
perpetua, contra a ordem natural, essa podridão viva, lançando-a ao fogo, não
para purificá-la, mas para conservá-la tal qual é, sensível, sofredora,
ardente, horrível e como a quer — imortal. Por este milagre se arvora Deus num
dos algozes infernais, pois se os condenados só a si podem atribuir seus males
espirituais, em compensação só à Deus poderão imputar os outros. Era pouco
aparentemente o abandono, depois da morte, à tristeza, ao arrependimento, às
angústias de uma alma que sente perdido o bem supremo. Segundo os teólogos,
Deus irá buscá-las nessa noite, ao fundo desse abismo, chamando-as
momentaneamente à vida, não para as consolar, mas para as revestir de um corpo
horrendo, chamejante, imperecível, mais empestado que a túnica de Dejanira,
abandonando-as então para sempre. Ainda assim Ele não as abandonará para
sempre, em absoluto, visto como Céu e Terra não subsistem senão por ato
permanente da sua vontade sempre ativa. Deus terá, portanto, sem cessar, esses
condenados à mão, para impedir que o fogo se extinga em seus corpos,
consumindo-os, e querendo que contribuam perpetuamente por seus perenes
suplícios para edificação dos escolhidos”. 14. Dissemos, e com razão, que o
inferno dos cristãos excedera o dos pagãos. Efetivamente, no Tártaro veem-se
culpados torturados pelo remorso, ante suas vítimas e seus crimes, acabrunhados
por aqueles que espezinharam na vida terrestre; vemo-los fugirem à luz que os
penetra, procurando em vão esconderem-se aos olhares que os perseguem; aí o
orgulho é abatido e humilhado, trazendo todos o estigma do seu passado, punidos
pelas próprias faltas, a ponto tal que, para alguns, basta entregá-los a si
mesmos sem ser preciso aumentar-lhes os castigos. Contudo, são sombras, isto é,
almas com corpos fluídicos, imagens da sua vida terrestre; lá não se vê os
homens retomarem o corpo carnal para sofrer materialmente, com fogo a
penetrar-lhes a pele, saturando-os até a medula dos ossos. Tampouco se vê o
requinte das torturas que constituem o fundo do inferno cristão. Juízes
inflexíveis. Porém justos, proferem a sentença proporcional ao delito, ao passo
que no império de Satã são todos confundidos nas mesmas torturas, com a
materialidade por base, e banida toda e qualquer equidade. Incontestavelmente,
há hoje, no seio da Igreja mesma, muitos homens sensatos que não admitem essas
coisas à risca, vendo nelas antes simples alegorias cujo sentido convém interpretar.
Estas opiniões, no entanto, são individuais e não fazem lei, continuando a
crença no inferno material, com suas consequências, a constituir um artigo de
fé. 15. Poderíamos perguntar como há homens que têm conseguido ver essas coisas
em êxtase, se elas de fato não existem. Não cabe aqui explicar a origem das
imagens fantásticas, tantas vezes reproduzidas com visos de realidade. Diremos
apenas ser preciso considerar, em princípio, que o êxtase é a mais incerta de
todas as revelações, porquanto o estado de sobre-excitação nem sempre importa
um desprendimento de alma tão completo que se imponha à crença absoluta,
denotando muitas vezes o reflexo de preocupações da véspera. As ideias com que
o Espírito se nutre e das quais o cérebro, ou antes o invólucro perispiritual
correspondente a este, conserva a forma ou a estampa, se reproduzem
amplificadas como em uma miragem, sob formas vaporosas que se cruzam, se
confundem e compõem um todo extravagante. Os extáticos de todos os cultos
sempre viram coisas em relação com a fé de que se presumem penetrados, não
sendo, pois, extraordinário que Santa Teresa e outros, tal qual ela saturados
de ideias infernais pelas descrições, verbais ou escritas, hajam tido visões,
que não são, propriamente falando, mais que reproduções por efeito de um
pesadelo. Um pagão fanático teria antes visto o Tártaro e as Fúrias, ou
Júpiter, empunhando o raio. Livro O Céu e o Inferno.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
O INFERNO I
Espiritismo.
www.febnet.org.br. Livro O Céu e o
Inferno. Capítulo II. Texto de Allan Kardec (1804-1869). O INFERNO I. Intuição das penas
futuras • O inferno cristão imitado do inferno pagão • Os limbos • Quadro do
inferno pagão • Esboço do inferno cristão Intuição das penas futuras 1. Desde
todas as épocas o homem acreditou, por intuição, que a vida futura seria feliz
ou infeliz, conforme o bem ou o mal praticado neste mundo. A ideia que ele faz,
porém, dessa vida, está em relação com o seu desenvolvimento, senso moral e
noções mais ou menos justas do bem e do mal. As penas e recompensas são o
reflexo dos instintos predominantes. Os povos guerreiros fazem consistir a
suprema felicidade nas honras conferidas à bravura; os caçadores, na abundância
da caça; os sensuais, nas delícias da voluptuosidade. Dominado pela matéria, o
homem não pode compreender senão imperfeitamente a espiritualidade, imaginando
para as penas e gozos futuros um quadro mais material que espiritual;
afigura-se que deve comer e beber no outro mundo, porém, melhor que na Terra. Mais
tarde já se encontra nas crenças sobre a vida futura um misto de espiritualismo
e materialismo: a beatitude contemplativa concorrendo com o inferno das
torturas físicas. 2. Não podendo compreender senão o que vê, o homem primitivo
naturalmente moldou o seu futuro pelo presente; para compreender outros tipos,
além dos que tinha à vista, ser-lhe-ia preciso um desenvolvimento intelectual
que só o tempo deveria completar. Também o quadro por ele ideado sobre as penas
futuras não é senão o reflexo dos males da humanidade, em mais vasta proporção,
reunindo-lhe todas as torturas, suplícios e aflições que achou na Terra. Nos
climas abrasadores imaginou um inferno de fogo, e nas regiões boreais um inferno
de gelo. Não estando ainda desenvolvido o sentido que mais tarde o levaria a
compreender o mundo espiritual, não podia conceber senão penas materiais; e
assim, com pequenas diferenças de forma, os infernos de todas as religiões se
assemelham. O inferno cristão imitado do inferno pagão 3. O inferno pagão,
descrito e dramatizado pelos poetas, foi o modelo mais grandioso do gênero, e
perpetuou-se no seio dos cristãos, onde, por sua vez, houve poetas e cantores.
Comparando-os, encontram-se neles — salvo os nomes e variantes de detalhe —
numerosas analogias; ambos têm o fogo material por base de tormentos, como
símbolo dos sofrimentos mais atrozes. Mas coisa singular! Os cristãos
exageraram em muitos pontos o inferno dos pagãos. Se estes tinham o tonel das
Danaides, a roda de Íxion, o rochedo de Sísifo, eram estes suplícios
individuais; os cristãos, ao contrário, têm para todos, sem distinção, as
caldeiras ferventes cujos tampos os anjos levantam para ver as contorções dos
supliciados; e Deus, sem piedade, ouve-lhes os gemidos por toda a eternidade.
Jamais os pagãos descreveram os habitantes dos Campos Elíseos deleitando a
vista nos suplícios do Tártaro. 4. Os
cristãos têm, como os pagãos, o seu rei dos infernos — Satã — com a diferença,
porém, de que Plutão se limitava a governar o sombrio império, que lhe coubera
em partilha, sem ser mau; retinha em seus domínios os que haviam praticado o
mal, porque essa era a sua missão, mas não induzia os homens ao pecado para
desfrutar, tripudiar dos seus sofrimentos. Satã, no entanto, recruta vítimas
por toda parte e regozija-se ao atormentá-las com uma legião de demônios
armados de forcado a revolvê-las no fogo. Já se tem discutido seriamente sobre
a natureza desse fogo que queima, mas não consome as vítimas. Tem-se mesmo
perguntado se seria um fogo de betume. O inferno cristão nada cede, pois, ao
inferno pagão. 5. As mesmas considerações que, entre os antigos, tinham feito
localizar o reino da felicidade, fizeram circunscrever igualmente o lugar dos
suplícios. Tendo-se colocado o primeiro nas regiões superiores, era natural
reservar ao segundo os lugares inferiores, isto é, o centro da Terra, para onde
se acreditava servirem de entradas certas cavidades sombrias, de aspecto
terrível. Os cristãos também colocaram aí, por muito tempo, a habitação dos
condenados. A este respeito, frisemos ainda outra analogia: O inferno dos
pagãos continha de um lado os Campos Elíseos e do outro o Tártaro; o Olimpo,
morada dos deuses e dos homens divinizados, ficava nas regiões superiores.
Segundo a letra do Evangelho, Jesus desceu aos infernos, isto é, aos lugares
baixos para deles tirar as almas dos justos que lhe aguardavam a vinda. Os
infernos não eram, portanto, um lugar unicamente de suplício: estavam, tal como
para os pagãos, nos lugares baixos. A morada dos anjos, assim como o Olimpo,
era nos lugares elevados. Colocaram-na para além do céu estelar, que se
reputava limitado. 6. Esta mistura de ideias cristãs e pagãs nada tem de
surpreendente. Jesus não podia de um só golpe destruir inveteradas crenças,
faltando aos homens conhecimentos necessários para conceber a infinidade do
Espaço e o número infinito dos mundos; a Terra para eles era o centro do
universo; não lhe conheciam a forma nem a estruturas internas; tudo se limitava
ao seu ponto de vista: as noções do futuro não podiam ir além dos seus conhecimentos.
Jesus encontrava-se, pois, na impossibilidade de os iniciar no verdadeiro
estado das coisas, mas não querendo, por outro lado, com sua autoridade,
sancionar preconceitos, absteve-se de os retificar, deixando ao tempo essa
missão. Ele limitou-se a falar vagamente da vida bem-aventurada, dos castigos
reservados aos culpados, sem referir-se jamais nos seus ensinos a castigos e
suplícios corporais, que constituíram para os cristãos um artigo de fé. Eis aí
como as ideias do inferno pagão se perpetuaram até os nossos dias. E foi
preciso a difusão das modernas luzes, o desenvolvimento geral da inteligência
humana para se lhe fazer justiça. Como, porém, nada de positivo houvesse substituído
as ideias recebidas, ao longo período de uma crença cega sucedeu,
transitoriamente, o período de incredulidade a que vem pôr termo a Nova
Revelação. Era preciso demolir para reconstruir, visto como é mais fácil
insinuar ideias justas aos que em nada creem, sentindo que algo lhes falta, do
que fazê-lo aos que possuem uma ideia robusta, ainda que absurda. 7.
Localizados o Céu e o inferno, as seitas cristãs foram levadas a não admitir
para as almas senão duas situações extremas: a felicidade perfeita e o
sofrimento absoluto. O purgatório é apenas uma posição intermediária e
passageira, ao sair da qual as almas passam, sem transição, à mansão dos
justos. Outra não pode ser a hipótese, dada a crença na sorte definitiva da
alma após a morte. Se não há mais de duas habitações, a dos eleitos e a dos
condenados, não se podem admitir muitos graus em cada uma sem admitir a
possibilidade de os franquear e, conseguintemente, o progresso. Ora, se há
progresso, não há sorte definitiva, e se há sorte definitiva, não há progresso.
Jesus resolveu a questão quando disse: “Há muitas moradas na casa de meu Pai.” (João
14,2) Os limbos. 8. É verdade que a Igreja admite uma posição especial em casos
particulares. As crianças falecidas em tenra idade, sem fazer mal algum, não
podem ser condenadas ao fogo eterno, mas também, não tendo feito bem, não lhes
assiste direito à felicidade suprema. Ficam nos limbos, diz-nos a Igreja, nessa
situação jamais definida, na qual, se não sofrem, também não gozam da
bem-aventurança. Esta, sendo tal sorte irrevogavelmente fixada, fica-lhes
defesa para sempre. Tal privação importa, assim, um suplício eterno e tanto
mais imerecido, quanto é certo não ter dependido dessas almas que as coisas
assim sucedessem. O mesmo se dá quanto ao selvagem que, não tendo recebido a
graça do batismo e as luzes da Religião, peca por ignorância, entregue aos
instintos naturais. Certo, este não tem a responsabilidade e o mérito cabíveis
ao que procede com conhecimento de causa. A simples lógica repele uma tal doutrina
em nome da Justiça de Deus, que se contém integralmente nestas palavras do
Cristo: “A cada um, segundo as suas obras.” Obras, sim, boas ou más, porém
praticadas voluntária e livremente, únicas que comportam responsabilidade.
Neste caso não podem estar a criança, o selvagem e tampouco aquele que não foi
esclarecido. Quadro do inferno pagão 9. O conhecimento do inferno pagão nos é
fornecido quase exclusivamente pela narrativa dos poetas. Homero e Virgílio
dele deram a mais completa descrição, devendo, contudo, levar-se em conta as
necessidades poéticas impostas à forma. A descrição de Fénelon, no Aventuras de
Telêmaco, posto que haurida na mesma fonte quanto às crenças fundamentais, tem
a simplicidade mais concisa da prosa. Descrevendo o aspecto lúgubre dos
lugares, preocupa-se, principalmente, em realçar o gênero de sofrimento dos
culpados, estendendo-se sobre a sorte dos maus reis com vista à instrução do
seu régio discípulo. Por muito popular que seja esta obra, nem todos têm
presente à memória a sua descrição, ou não meditaram sobre ela de modo a
estabelecer comparação, e assim acreditamos de utilidade reproduzir os tópicos
que mais diretamente interessam ao nosso assunto, isto é, os que se referem
especialmente às penas individuais. 10. “Ao entrar, Telêmaco ouve gemidos de
uma sombra inconsolável: — Qual é — pergunta-lhe — a vossa desgraça? Quem
fostes na Terra? — Nabofarzan — responde a sombra —, rei da soberba Babilônia.
Ao ouvir meu nome tremiam todos os povos do Oriente; fazia-me adorar pelos babilônios
num templo todo de mármore, representado por uma estátua de ouro, a cujos pés
se queimavam noite e dia os preciosos perfumes da Etiópia; jamais alguém ousou
contradizer-me sem de pronto ser punido; inventavam-se dia a dia prazeres novos
para tornar-me a vida mais e mais deliciosa. “Moço e robusto, quantos,
infelizmente! Quantos prazeres me restavam ainda por usufruir no trono! Mas
certa mulher, que eu amava e que me não correspondia, fez-me sentir claramente
que eu não era um deus: envenenou-me, e (...) nada mais sou. As minhas cinzas
foram ontem encerradas com pompa em urna de ouro: choraram, arrancaram cabelos,
pretenderam fingidos atirar-se às chamas da minha fogueira, a fim de morrerem
comigo, vão ainda gemer junto do túmulo das minhas cinzas, mas ninguém me
deplora; a minha memória horroriza a própria família, enquanto aqui embaixo
sofro já horríveis suplícios.” Telêmaco, compungido ante esse espetáculo,
diz-lhe: — Éreis vós verdadeiramente feliz durante o vosso reinado? Sentíeis
porventura essa paz suave sem a qual o coração se conserva opresso e abatido em
meio das delícias? — Não — respondeu o babilônio —, não sei mesmo o que quereis
dizer. Os sábios exaltam essa paz como bem único; quanto à raiva, nunca a
senti, meu coração agitava-se continuamente por novos desejos de temor e de
esperança. Procurava aturdir-me com o abalo das próprias paixões, tendo o
cuidado de entreter essa embriaguez para torná-la permanente, contínua; o menor
intervalo de razão, de calma, ser-me-ia muito amargo. Eis a paz que fruí;
qualquer outra parece-me antes uma fábula, um sonho. São esses os bens que
choro. Assim falando, o babilônio chorava qual homem pusilânime, enervado pelas
prosperidades, desabituado de suportar resignadamente uma desgraça. Havia junto
dele alguns escravos mortos em homenagem honrosa aos seus funerais. Mercúrio os
entregara a Caronte com o seu rei, outorgando-lhes poder absoluto sobre esse
rei, a quem tinham servido na Terra. Essas sombras de escravos não temiam a
sombra de Nabofarzan, que retinham encadeada, infligindo as mais cruéis
afrontas. Dizia-lhe uma: — Não éramos nós homens iguais a ti? Insensato que
eras, julgavas-te um deus, a ponto de esqueceres a tua origem comum a todos os
homens. Outra, para insultá-lo, dizia: — Tinhas razão em não querer que por
homem te houvessem, porque na verdade eras um monstro desumano. Ainda outra: —
Então?! Onde estão agora os teus aduladores? Nada mais tens a dar, desgraçado! Nem
mesmo o mal podes fazer mais; eis-te reduzido a escravo dos teus escravos. A
justiça dos deuses tarda, mas não falha. A estas frases duras Nabofarzan se
rojava por terra, arrancando os cabelos em acesso de raiva e desespero, mas
Caronte instigava os escravos: — Arrastem-no pela corrente, levantem-no contra
a vontade. Não possa ele consolar-se escondendo a sua vergonha: preciso é que
todas as sombras do Estige testemunhem como justificativa aos deuses, que por
tanto tempo toleraram o reinado terreno deste ímpio. E ele avista logo, bem
perto de si, o negro Tártaro evolando escuro e espesso fumo, cujo cheiro
mefítico daria a morte se se espalhasse pela morada dos vivos. Esse fumo
envolvia um rio de fogo, um turbilhão de chamas, cujo ruído, semelhante às
torrentes mais caudalosas quando se despenham de altos rochedos em profundos
abismos, concorria para que nada se ouvisse nesses lugares tenebrosos.
Telêmaco, secretamente animado por Minerva, entra sem medo nesse báratro. Viu
primeiramente um grande número de homens que tinham vivido nas mais humildes
condições, punidos por haverem procurado riquezas por meio de fraudes, traições
e crueldade. Aí notou muitos ímpios hipócritas que, simulando amar a Religião,
dela se tinham servido como de um belo pretexto para satisfazerem ambições e
zombarem dos crédulos: os que haviam abusado até da própria Virtude, o maior
dom dos deuses, eram punidos como os mais celerados de todos os homens. Os
filhos que haviam degolado seus pais; as esposas que mancharam as mãos no
sangue dos maridos; os traidores que venderam a pátria, violando todos os juramentos,
sofriam, apesar de tudo, penas menores que aqueles hipócritas. Os três juízes
infernais assim o queriam, por esta razão: os hipócritas não se contentam com
ser maus como os demais ímpios, porém, querem passar por bons e concorrem por
sua falsa virtude para a descrença e corrupção da verdade. Os deuses, por eles
zombados e desprezados perante os homens, empregam com prazer todo o seu
poderio para se vingarem de tais insultos. Perto destes, outros homens
aparecem, que vulgarmente se julgam isentos de culpa, mas que os deuses
perseguem desapiedadamente: são os ingratos, os mentirosos, os aduladores que
louvaram o vício, os críticos perversos que procuraram enodoar a mais pura
virtude; enfim aqueles que, julgando temerariamente das coisas, sem as conhecer
a fundo, prejudicaram por isso a reputação dos inocentes. Telêmaco, vendo os
três juízes sentados a condenarem um homem, ousou perguntar-lhes quais os seus
crimes. O condenado, tomando a palavra, de pronto exclamava: — Nunca fiz mal
algum; todo o meu prazer era praticar o bem: fui sempre generoso, justo,
liberal e compassivo; que se pode, pois, exprobrar-me? Minos então lhe disse: —
Nenhuma acusação se te faz quanto aos homens, porém a estes menos não devias
que aos deuses? Que justiça, pois, é essa de que te vanglorias? Para com os
homens, que nada são, não faltaste jamais a qualquer dever; foste virtuoso, é
certo, mas só atribuíste essa virtude a ti próprio, esquecendo os deuses que te
deram, tudo porque querias gozar do fruto da tua virtude encerrado em ti mesmo:
foste a tua divindade. Mas os deuses, que tudo fizeram, e o fizeram para si,
não podem renunciar aos seus direitos; e, pois, que quiseste pertencer-te e não
a eles, entregar-te-ão a ti mesmo, esquecidos de ti como deles te esqueceste.
Procura agora, se podes, o consolo em teu próprio coração. Eis-te agora para
sempre separado dos homens, aos quais querias agradar; eis-te só contigo, tu
que eras o teu ídolo: fica sabendo que não há verdadeira virtude sem respeito e
amor aos deuses, a quem tudo é devido. A tua falsa virtude, que por muitos anos
deslumbrou os ingênuos, vai ser confundida. Não julgando os homens o vício e a
virtude senão pelo que lhes agrada ou os incomoda, são cegos quanto ao bem e
quanto ao mal. Aqui, uma luz divina derroga seus julgamentos artificiais,
condenando muita vez o que eles admiram, e outras vezes justificando o que
condenam. A estas palavras, o filósofo, como que ferido por um raio, mal podia
suster-se. O deleite que tivera outrora em rever a sua moderação, a coragem, as
inclinações generosas, transformavam-se em desespero. A visão do próprio
coração inimigo dos deuses, promove-lhe suplícios; vê, e não pode deixar de se
ver; vê a vaidade dos preconceitos humanos, aos quais buscava lisonjear em
todas as suas ações. Opera-se uma revolução radical em todo o seu íntimo, como
se lhe revolvessem todas as entranhas; reconhece-se outro; não encontra apoio
no coração; a consciência, cujo testemunho tão agradável lhe fora, revolta-se
contra ele, incriminando-lhe amargamente o desvario, a ilusão de todas as suas
virtudes, que não tiveram por princípio e por fim o culto da divindade, e ei-lo
perturbado, consternado, preso da vergonha, do remorso, do desespero. As Fúrias
não o atormentam, bastando-lhes o terem-na entregado a si próprio, para que
expie pelo coração a vingança dos deuses desprezados. Procurando a treva não
pode encontrá-la, porquanto inoportuna luz o segue por toda parte; de todos os
lados os raios penetrantes da verdade vingam a verdade que ele desdenhou
seguir. Tudo que amava se lhe torna odioso como fonte dos seus males
infindáveis. Murmura consigo: Ó insensato! Não conheci, pois, nem os deuses,
nem os homens, nem a mim mesmo, porque jamais amei o verdadeiro e único bem;
todos os meus passos foram tresloucados; a minha sabedoria não passava de
loucura; a minha virtude mais não era que o orgulho impiedoso e cego: eu era
enfim o meu ídolo! Finalmente reconheceu Telêmaco os reis condenados por abuso
de poder. De um lado, vingadora Fúria apresentava-lhes um espelho a refletir a
monstruosidade dos seus vícios: aí viam, sem poder desviar os olhos, a vaidade
grosseira e ávida de ridículos louvores; a crueldade para com aqueles a quem
deveriam ter feito felizes; o temor da verdade, a insensibilidade para com as
virtudes, a predileção pelos cobardes e aduladores, a falta de aplicação, a
inércia, a indolência; a desconfiança ilimitada; o fausto e a magnificência
excessivos calcados sobre a ruína dos povos; a ambição de glórias vãs à custa
do sangue dos concidadãos; a fereza, enfim, que procura a cada dia novas
delícias nas lágrimas e no desespero de tantos infelizes. www.febnet.org.br. Livro O Céu e o Inferno.
Abraço. Davi.
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
APRESENTAÇÃO VI
Religião
Afro-brasileira. Candomblé. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Tradução de
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018). Capítulo I. APRESENTAÇÃO VI. Entre
os privilégios deste posto, podemos citar o direito de agitar o axé ou cabaça
de Xangô e, depois da morte, o de voltar sete dias após, em forma de Egun, para
ditar as últimas vontades. Cada um dos oba da direita possui um substituto, ou
segundo, que lhe toma o lugar em caso de impedimento, sucedendo-lhe após a
morte. Mas os diversos postos que acabamos de nomear não esgotam de modo algum
a riqueza e a complexidade do sacerdócio baiano. Só falamos até agora dos
postos regulares, indispensáveis ao bom funcionamento do culto, e que por esta
razão são encontrados mais ou menos por toda a parte. Mas, ao lado destes, há
outros cargos ou títulos sacerdotais, que, porém, só aparecem nos candomblés
mais puros, nos mais rigorosamente tradicionais. Não podemos saber, todavia, se
têm ou não sempre titulares. Nossa impressão é de que os postos a que
correspondem podem ficar anos sem titular, esperando a boa vontade dos deuses
ou o acaso da sorte. Citamos entre outros o de Qjuoba "olho do rei",
que está ligado a Xangô e que tem também o privilégio de agitar o xerê. Um
outro mais importante, wessa (principalmente nos terreiros dirigidos por
mulheres), que saúda as divindades, canta-lhes os louvores (devendo, então,
conhecer os oriki, que são os cânticos de louvor africanos dos Orixá) e que
preside aos sacrifícios. E o de iyanaso que dirige o culto especial de Xangô. A
primeira íyanaso que se conheceu na Bahia ocupava já o mesmo posto no palácio
de Alafin em Oyo. Reduzida à escravidão, trazida para o Brasil, aqui fundou o
candomblé do Engenho Velho. Acima de todos se encontra o babalorixá, ou pai de
santo, sacerdote supremo se a seita é dirigida por homem - ou a ialorixá, a mãe
de santo, sacerdotisa suprema se a seita é dirigida por mulher. O babalorixá é
o chefe do culto; tem por conseguinte toda autoridade sobre o conjunto dos
fiéis, indo até à possibilidade de açoitá-los se faltam com seus deveres. É
quem prepara os objetos sagrados, quem dirige as festas públicas ou privadas,
quem identifica as divindades que então se manifestam, quem controla os
sacrifícios e as iniciações, quem consulta os obi (e algumas vezes os búzios)
para conhecer a vontade dos Orixá. Se as filhas de santo brigam umas com as
outras, deve restabelecer a ordem e a boa harmonia entre elas; se têm
aborrecimentos, dá-lhes conselhos, orienta-as. Dessa maneira, embora não seja
senão o chefe espiritual das yauó, insinua-se também em sua vida privada, graças
à autoridade moral que possui, e dirige-lhes amigavelmente os negócios. Pode
mesmo, em certos casos, assumir o papel de curandeiro, sobretudo quando a
doença tem origem mística ou sobrenatural. Quando por exemplo é consequência da
violação de um tabu, ou quando é "mau-olhado" atirado por macumbeiro
ou feiticeiro; é preciso então, conforme o caso, proceder a um bori para
"fortificar a cabeça", ou a uma "troca de cabeças", que é
rito de contra magia. Consistindo em fazer a doença passar para um animal, que,
esfregado no próprio corpo do paciente, é em seguida atirado fora como uma
espécie de bode expiatório. Embora os babalorixá, sejam mais numerosos do que
as ialorixá, na Bahia, dominam principalmente nas seitas banto. Nas seitas que
nos interessam, as yoruba, são ao contrário as ialorixá que presidem à vida do
candomblé. Suas funções são idênticas às dos babalorixá, mas, todavia, não
podem executar certos gestos puramente masculinos, têm de conservar a seu lado
um pégi-gã ou wêssa. Se, por um lado, os sacerdotes ou sacerdotisas supremas
têm autoridade absoluta sobre os membros da confraria religiosa que dirigem,
por outro lado têm também obrigações para com eles, tanto de assistência
pecuniária quanto moral. O que, em plena cidade da Bahia, torna os candomblés
verdadeiras sociedades de socorro mútuo de auxílio fraterno, que mantém o
espírito comunitário africano. O termo convento que às vezes é dado a tais
agrupamentos convém-lhes perfeitamente. Babalorixá ou ialorixá são escolhidos
obrigatoriamente entre os ebômin, ou filhos de santo que têm pelo menos sete
anos de permanência no candomblé. Desde a iniciação; recebem eles também os
Orixá, portanto, caem também em transe, o que os distingue dos ogan, oba e
outros funcionários do culto, além do posto que ocupam. Mas não se sucedem de
pai a filho ou de mãe a filha, no interior de uma mesma linhagem familiar. São
ou as divindades que os designam por intermédio de Ifa, ou é o sacerdote morto,
retornando sete anos depois sob a forma de Egun, que indica seu sucessor. Durante
o tempo de espera, o culto fica sob a direção da "mãe pequena".
Babaforixá e ialorixá gozam, e com razão, de grande prestígio na sociedade
africana, o qual vai crescendo com a idade, o número de anos de serviço, o
conhecimento mais perfeito dos mitos ou dos ritos, e também às vezes com a
pureza de sua ascendência africana. De sua ligação, através da tradição oral,
com os templos africanos de que saíram os primeiros sacerdotes introduzidos no
Brasil, seus predecessores. O que quer dizer que a ascensão na hierarquia
depende, em última instância, da participação mais ou menos completa à
civilização africana, do tesouro de conhecimentos reunidos no decorrer dos
anos, e que, para descobrir a metafísica yoruba, é àqueles que ocupam os graus
mais elevados da seita que devemos nos dirigir. São em geral pessoas
extremamente inteligentes, perspicazes, de uma polidez consumada, de
extraordinária memória, e que sempre nos acolheram como a um "filho".
Mas justamente devido a tudo isto, a transferência de conhecimentos obedece
forçosamente à lei africana. Primeiramente, a isso já fizemos alusão, a
transferência só pode se fazer progressivamente e dentro dos limites do posto
ocupado dentro do candomblé pelo pesquisador. Cada conhecimento novo obriga
forçosamente seu possuidor a novos encargos ou, o que é melhor, a novos deveres
que podem ser financeiros, e chegamos assim a uma segunda lei. A vida religiosa
é dominada pela reciprocidade e pela troca. Há brancos que não o compreendem e
que consideram o babalorixá e a ialorixá como pessoas hábeis que aproveitam da
superstição popular para enriquecer. Não negamos que o caso pode se produzir em
certos terreiros bantos ou candombles de caboclo, mas trata-se de seitas em
franca desagregação, repudiadas com violência pelos verdadeiros
"africanos". A informação é um dom que, como todos os outros,
necessita um contradom, sem o qual haveria uma ruptura nas relações sociais e
até mesmo no mundo. O contra dom, que nestes candomblés, não é quase nunca
dinheiro propriamente dito, mas um pedaço ele fazenda, um animal que será
oferecido em sacrifício, um colar, etc. Compensa a perda de substância, se
assim se pode dizer, daquele que ofertou uma parte do "segredo" e
restabelece o equilíbrio perdido. Porém, se o contra dom é um animal, o pesquisador
fica ligado ao Orixá, que pode então puni-lo se empregar mal o conhecimento
obtido, ou que pode lhe dar a permissão de utilizar este conhecimento (uma vez
que ele, Orixá, recebeu com o sacrifício o seu contra dom). O contra dom pode
ser um colar, um pedaço de fazenda que serão utilizados pelas yauô, de qualquer
modo o pesquisador entra assim em união mais estreita com a comunidade
religiosa e a transmissão oral se justifica, por isso mesmo que se tornou parte
desta saciedade. Estamos, como se vê, muito longe das interpretações dos
brancos, que julgam as coisas com sua mentalidade ocidental, modelada pela lei
do lucro e da venda de tipo capitalista. A necessidade de compensação na
transferência de conhecimentos prova, por outro lado, que esta pesquisa, cujo
fim é descobrir a África no Brasil, começou bem, pois desde seus primórdios,
imediatamente deparamos com um traço da mentalidade africana. Somente a morte
virá romper a dupla solidariedade, de indivíduo com seu Orixá e com a sociedade
africana. É evidente que as cerimonias são diferentes conforme o grau da pessoa
defunta; mas contrariamente, ao que parecem sugerir as narrativas de tipo
jornalístico sobre os enterros, a pompa não é simples homenagem, que seria
tanto maior quanto mais estimado e mais célebre fosse o morto; a complexidade
do ritual, a importância dos elementos aparentemente decorativos, a duração das
cerimônias são uma imposição do estatuto religioso. Quanto mais profundos os
laços que prendem o indivíduo ao Orixá, mais dificilmente serão quebrados
depois. Os tambores, por exemplo, não acompanham o enterro de uma yauô. Mas sim
o de uma ialorixá, pois neste último caso é o santuário inteiro que está de
luto, instrumentos musicais, objetos rituais, seres vivos. No primeiro caso, a
cerimônia fúnebre durará três dias; noutro caso, sete; é possível também que,
noutras circunstâncias, a diversidade se prenda à origem étnica do candomblé,
conforme a "nação" a que pertence, ijexá, quetu, gêge. Neste
trabalho, nossa tarefa não é descrever o cerimonial com todos os detalhes; já o
fizemos noutro, e tão minuciosamente quanto possível. Queremos somente indicar
o significado do ponto de vista da vida do candomblé e de seus membros. Quando
a morte se aproxima do indivíduo, o Orixá a que pertence a cabeça foge
espavorido, pois os deuses temem Iku, a selvagem ceifadora de homens. A
impossibilidade de cair em transe é, com efeito, sinal de próximo
desaparecimento. Mas a partida do Orixá não impede que a divindade ronde pelas
vizinhanças, e no fim da vigília fúnebre, quando o caixão sair da casa aos
ombros dos que o carregam, pode acontecer que uma das assistentes desabe
violentamente por terra, presa de uma crise de santo bruto. E o
"santo" da morta que, para continuar a ser adorado e servido, escolheu
para si novo cavalo. Alguns autores afirmam que esta troca de cabeça, no
momento da partida do cortejo fúnebre não se produz mais hoje; mas tal opinião
é contrariada por outros informantes; digamos, pois, que é possível, mas não
obrigatório que se dê o fato. Tudo depende sem dúvida do estado de espírito do
Orixá, tomado de dois sentimentos contraditórios: de um lado, o medo da morte
que o faz fugir para o mais longe possível; de outro lado, o desejo de possuir
novo cavalo que continue seu culto; não se pode saber de antemão qual das
tendências acabará por arrastá-lo. O defunto, porém, não estava somente ligado
à divindade pelo fenômeno da possessão, como também, de modo certamente menos
espetacular embora mais contínuo e mais eficaz, através da pedra, dos objetos
sagrados do pegi pessoal, diversos objetos que só para ele tinham valor. Em
trecho anterior, insistimos suficientemente sobre esta participação alcançada
através da lavagem e do sangue, não sendo necessário voltar a ela. Tais objetos
serão então colocados no caixão ao lado do corpo, e é o que explica frases no
gênero desta, de Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906): "No cemitério das
quintas dos Lázaros, preferido pelas pessoas pobres, encontram-se comumente,
por ocasião de serem revolvidas as sepulturas antigas, de envolta com os
esqueletos, inúmeros fetiches e ídolos africanos". Mas o morto deixou
outros objetos ainda, que não estão em sua casa, mas se encontram no próprio
recinto do candomblé. Não podem servir a nenhuma outra pessoa, pois foram ligados
unicamente àquele que acabou de morrer; constituem de certo modo seus
“pertences", são elementos constitutivos de sua personalidade. Far-se-á,
pois, um despacho com tais elementos litúrgicos; depois de ter perguntado aos
Orixá ou a Ifa, com o auxílio dos búzios, o lugar onde as vestes, as insígnias,
etc., devem ser abandonadas, mar, água doce, floresta - os filhos do terreiro
se dirigem ao lugar designado para tudo ali atirar, e em seguida regressam sem
olhar para trás nem uma vez. No caso do sacerdote ou da sacerdotisa suprema,
teoricamente seria o pegi todo inteiro que deveria ser assim
"despachado". Eis talvez o que explica a descoberta, no início do
século XIX, de admiráveis esculturas africanas jogadas à praia pelo mar; na
realidade, hoje, também neste caso são apenas os bens pessoais ou os
"pertences" particulares que são eliminados, de modo idêntico aos das
filhas de santo. Nina Rodrigues afirma que se o Orixá encontra novo cavalo no
dia do enterro, este toma os instrumentos litúrgicos do defunto, o despacho
tendo lugar somente quando tal não se verifica: "Se o orixá não encontra
quem aceite as responsabilidades de prosseguir no culto que dirigia o morto; ou
se não acha nos presentes algum digno dessa honra, as insígnias e ornamentos,
os ídolos e seus altares são levados, às horas mortas, em misteriosa procissão,
a uma água corrente, a fim de que o regato, o rio ou a maré vazante os conduzam
à África, onde, estão certos os negros, infalivelmente irão ter". Nada nos
permite endossar esta conclusão; o despacho aparece como parte obrigatória de
todo cerimonial fúnebre, tenha ou não o Orixá do morto uma cabeça que o
substitua. Em si mesmo, não apresenta o enterro nada de muito interessante para
nosso objetivo, embora conserve ainda certos traços africanos. O morto impõe
aos que o carregam uma marcha hesitante, com um passo para a frente e outro
para trás, mas tal ritmo titubeante não está ligado a nenhum rito divinatório,
como acontece na África ou entre os negros da Guiana, onde constitui a procura
daquele que atirou a morte sobre o defunto. Cenas de dor podem ter lugar,
pessoas podem chorar; mas em conjunto não se trata de cerimônia triste, pois é
somente o corpo que se enterra. O ori ou espírito permanece, e é preciso
proceder em seguida à sua expulsão. Não tem outra finalidade o ritual do axêxê.
Não é destituído de perigos e aqueles que a ele assistem são obrigados a tomar
precauções especiais para não serem possuídos pela alma do morto. Usam, por
exemplo, um bracelete de palha em torno do pulso. Não podem também sair do
candomblé funerário enquanto não estiver terminada a expulsão, sob pena de
levarem consigo a morte a outras casas. Uma vez que o ori partiu para se tornar
Egun, resta fixá-lo à casa dos Eguns do terreiro, para que daí por diante
possam lhe ser prestadas as honras necessárias. Mas já aqui intervém novo
sacerdócio, que ultrapassa os limites deste ou daquele candomblé; teremos,
pois, de voltar mais tarde ao problema. Se o morto é um babalorixá ou uma
ialorixá, o cerimonial fúnebre ainda não está terminado. Pois no decorrer de
sua vida, tanto um quanto outro iniciaram grande número de yauô, que assim
ficaram a eles ligadas. Existe, pois, uma última participação a ser rompida,
além da que liga o Orixá à cabeça e que se desfez por si mesma durante a agonia,
pela própria vontade do deus espavorido. Além da que unia os objetos litúrgicos
ao defunto; além da conexão entre o ori e o corpo: é a participação social
entre o sacerdote e sua confraria. O sacerdote impôs sua mão à cabeça das
iniciadas para ali colocar o deus; é preciso agora "tirar a mão da
cabeça", pois tendo-se ela tornado defunta e tendo os Orixá medo da morte,
talvez as yauô não voltem mais a cair em transe. Em todo o caso, devem estas
pertencer a uma autoridade viva, não podem permanecer filhas de um Egun!
Infelizmente ainda nos falta uma boa descrição desta cerimônia. Não temos sobre
o assunto senão as informações muito insuficientes de Manuel Querino; seja-nos,
porém, permitindo citá-las, uma vez que não dispomos de outras: "Por
falecimento da mãe ou pai do terreiro, uma das primeiras cerimônias em
homenagem à memória do extinto consiste em tirar a mão da cabeça. Quem assumiu
a direção do candomblé designa um dia, de ordinário depois dos sufrágios pela
alma do antecessor, para realização daquele ato. Cada pessoa feita contribui
com a quantia de cinco mil réis, e mais uma navalha nova, pombos, galinhas,
patos, etc .. No dia marcado reúnem-se todos na casa do candomblé. Aí o
indivíduo mais idoso toma da navalha que traz um dos presentes, e com ela
procede à depilação da cabeça. À medida que se vai concluindo esta operação
sacrifica-se uma das aves e o sangue é derramado na cabeça depilada, sendo que
as mulheres o conservam coagulado até o dia seguinte, quando procedem à lavagem
da cabeça. Este preceito é de rigor e tem por fim obstar a que seja vítima de
algum malefício a pessoa que o deixar de observar. Certo número de conclusões
se desprende, todavia, deste texto. Notamos primeiramente que o rito é
necessário; não porque a yauô que o deixe de seguir corra o risco de um
malefício qualquer, como pensa Querino; mas porque de outra maneira ela
pertenceria a um Egun. Esta situação lhe traria desgraça, pois imediata e
diretamente dela resultaria a morte que visaria reunir a filha de santo em
questão a seu chefe espiritual. Verificamos em seguida que a sequência dos
ritos obedece à ordem inversa da iniciação. A lavagem com sangue precede a
lavagem com as ervas. Um de meus informantes fez o reparo, seguindo idêntica
orientação de pensamento, que o desaparecimento do Orixá se processa na ordem
inversa de sua criação ou fixação no decorrer da iniciação. Mas é evidente que
o cerimonial deve ser infinitamente mais complexo ainda do que aquele que o
texto nos sugere, e que as diversas espécies de participação da yauô e do
babalorixá devem ser cortadas umas após as outras, começando pelas mais fortes
para terminar pelas mais fracas. A iniciação tem por fim fazer o indivíduo
entrar no candomblé. Os ritos funerários têm por missão fazê-lo sair, ou mais
exatamente, visam outra entronização, agora sob a forma de Egun. Pois, se me
permitem utilizar a ·expressão cristã, o candomblé é também uma comunhão de
santos, e não unicamente de vivos. Quem estuda os candomblés não deixa de se
impressionar pela falta de ligação orgânica entre eles. Cada seita ou terreiro
é autônoma, sob a dependência de um pai ou mãe de santo que não reconhece
nenhuma autoridade superior à sua. Constituem mundos à parte, espécies de ilhas
africanas no meio de um oceano de civilização ocidental, e não continente ou
bloco aglutinado. É possível que os membros de um candombé vizinho ou amigo
venham assistir às cerimônias, por ocasião de festas públicas; e neste caso
presta-lhes homenagem. Os tambores, por exemplo, mudam de música para tocar os
ritmos da "nação" do visitante; as filhas de santo em êxtase vêm
abraçá-lo num rito especial de polidez. Mas trata-se de simples relações de
vizinhança, que não ultrapassam o plano das homenagens mútuas, e que não
impedem, subjacentes, conflitos entre babalorixás, ciúmes, rivalidades entre
candomblés. É certo, também, que os candomblés tradicionais nasceram por
cissiparidade, a partir de uma célula única. O mais antigo de todos é o do
Engenho Velho, que deu nascimento depois ao do Gantois, e mais tarde ao de Opô
Afonjá. Mas estes novos terreiros, uma vez formados, tornam-se inteiramente
independentes das células-mãe de que derivaram, e com o decorrer dos anos a
rivalidade pode até suceder à primitiva amizade. É verdade que todos estes
grupos se organizaram, em 1937, numa União das Seitas Afro-brasileiras da
Bahia. Mas trata-se de instituição artificial, de defesa coletiva, segundo o
modelo dos sindicatos, e que nada têm absolutamente de africano, nem em suas
origens, nem em sua constituição, deixando além disso a cada candomblé
autonomia total. Esta autonomia, que de modo nenhum negamos, não deve encobrir,
porém, outro fenômeno - a existência, fora dos candomblés propriamente ditos,
embora ligados a eles, de sacerdotes que de certa maneira recobrem o conjunto
do sistema, ou pelo menos recobrem os terreiros de uma mesma "nação".
Livro O Candomblé na Bahia – Rito Nagô. Abraço. Davi.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
O RETO CUMPRIMENTO DA AÇÃO
Bhagavad
Gita. A Mensagem do Mestre. Capítulo III. Karma Yoga – O RETO CUMPRIMENTO DA
AÇÃO. Tudo o que o homem faz com motivos pessoais é sem valor para o
Eterno. Para atingirmos a salvação e a
união com Deus, havemos de agir sem motivos egoístas, sem tomar em consideração
o nosso próprio Eu pessoal. Entregando-nos à vontade divina como um instrumento
na mão de Deus e, assim, cumprindo o nosso dever por ser dever, sem pedir
recompensas.
Falou
Arjuna, 1. O príncipe Pandava, a Krishna, o Senhor Bem-aventurado, dizendo: Ó
Conferidor do saber! Disseste-me que o conhecimento é até mais importante do
que a ação. Se assim é, por que me incitas à ação? Por que queres que eu entre
nesta horrível batalha com meus parentes e amigos? 2. Tuas ambíguas palavras me
trazem dúvidas e me confundem o entendimento. Dize-me, peço-te, em frases
claras e certas, qual é o caminho que me conduzirá à paz e à satisfação? 3.
Respondeu Krishna, o Divino: Como já te disse, ó nobre príncipe, há dois
caminhos que vão à perfeição. O primeiro é o caminho do conhecimento (1), e o
segundo o da ação (2). Uns preferem o primeiro, e outros, o segundo desses dois
caminhos. Sabe, porém, que considerados do alto, ambos são um só caminho.
Escuta! 4. Engana-se quem pensa que, esquivando-se das ações e persistindo na
inatividade, escapa dos resultados da ação. Quem nada começa, não pode entrar
no estado da paz eterna, a inatividade não conduz à perfeição. E, na realidade,
nem há coisas que se possam designar pela palavra inatividade. Pois tudo, no
Universo, está em atividade constante, e anda pode subtrair-se à Lei geral. 5.
Ninguém pode ficar inativo nem um instante, pois as leis de sua natureza o
impelem constantemente a fazer alguma coisa, queira ele ou não. O seu corpo ou
a sua mente, ou ambos, sempre estão ocupados. 6. Se alguém se assenta para
reter e dominar os seus sentidos e os órgãos de atividade, mas em sua mente,
está apegado aos objetos dos sentidos. Ilude-se e merece o nome de hipócrita.
7. Porém, é digno de ser chamado sábio e nobre aquele que sujeitou os seus
sentidos a Deus, pelo amor ardente ao Altíssimo. E expressa o seu reto pensar
em reta ação, ele cumpre o seu dever, sem esperar recompensas e, ocupando-se de
objetos dos sentidos, não se deixa dominar por eles. 8. Faze bem o que te
compete fazer no mundo. Cumpre bem as tuas tarefas, ocupa-te da obra que
encontras, para fazê-la o melhor possível. Assim será muito bom para ti.
Atividade é melhor do que ociosidade. A atividade fortalece a mente e o corpo,
e conduz a uma vida longa e normal. A ociosidade, enfraquece tanto o corpo como
a mente e conduz a uma vida impotente e anormal, de duração incerta. 9. Os
homens estão aferrados a este mundo, porque agem com o fim de obter recompensa
e ganho. Estão apegados aos objetos de seus desejos, e, por isso, cansam-se na
escravidão dos sentidos. Para se libertarem, hão de agir com resignação,
movidos pelo puro amor ao Bem. Faze, pois, ó Arjuna! a tua tarefa, para
cumprires o dever que o Eu Real te impõe, e não por qualquer outro motivo. 10.
Lembras-te das doutrinas antigas que narram a criação do mundo, e as palavras
que o Criador disse aos homens que tinha criado! Ouve as repetirei: Pela
adoração e pelo sacrifício mútuo, crescerei e vos multiplicareis. Pela
resignação, obtereis a satisfação dos vossos desejos. 11. Lembrai-vos da Fonte
de todas as coisas, do distribuidor dos objetos desejados. Pensai no que é
Divino, para que o Divino pense em vós. 12. Se nutrirdes, com o sacrifício de
vós mesmos, os deuses, eles vos darão o desejado alimento espiritual. Quem
recebe os dons dos deuses e não lhes mostra a gratidão, é como um ladrão. 13.
Os bons homens que retêm para si só aquilo que resta depois de terem oferecido
à Divindade tudo o que é divino, são livres de todos os pecados. Porém, os maus
que querem agir só para si mesmos, vivem em pecado. 14. Todas as criaturas –
tanto as espirituais como materiais – vivem, enquanto se alimentam. O alimento
cresce com a chuva. A chuva é mandada pelos deuses em resposta aos desejos, às
preces e às súplicas dos homens. Os desejos, as preces e as súplicas dos homens
são formas de ações. As ações procedem da Vida Uma que tudo penetra. 15. Sabe
que toda ação tem sua origem em Brahma. Brahma é a revelação da indivisível
Unidade. Por isso, Brahma, que tudo penetra é sempre presente nas tuas ações.
16. É vã e vergonhosa a vida do homem que, vivendo neste mundo de ação, tenta
abster-se da ação. Quem, gozando o fruto da ação do mundo ativo, não coopera,
mas vive em ociosidade. Aquele que, aproveitando a volta da roda, em cada
instante de sua vida, não quer pôr a mão à roda para ajudar a movê-la, é um
parasita e um ladrão que toma, sem dar coisa alguma em troca. 17. Sábio é,
porém, aquele que cumpre bem os seus deveres e executa as obras que são para
fazer-se no mundo, renunciando a seus frutos e concentrado na ciência do Eu
Real. 18. Tal homem, elevado acima dos mundos, não se inquieta por saber se
alguma coisa no mundo acontece ou não acontece. Achando em si mesmo tudo de que
precisa, não tem necessidade de refugiar-se em nenhum ser criado, para nele
achar apoio. Participando de tudo e agindo, em tudo, de acordo com os ditames
do dever, de nada depende, porque a sua fé, esperança e ciência se fixam no
imperecível, que é o único apoio seguro. 19. Faze, pois, o que deve ser feito.
Porém, sem egoísmo e sem considerações pessoais. Quem age assim e cumpre o seu
dever, livre de motivos egoístas e sem depender de alguém, caminha, com passos
firmes, diretamente à Consciência Superior, ao plano espiritual. 20. Janaka e
muitos outros atingiram o estado de perfeição por meio de boas obras e reta
ação. Trabalha, pois, também tu por amor à humanidade. 21. Quando um nobre
homem faz alguma coisa, os outros o imitam. O exemplo que ele dá é seguido pelo
povo. Segue, portanto, os melhores de tua raça. 22. Toma-me por exemplo, ó
príncipe. Nada há, no Universo dos Universos, que eu deseje ou que seja
necessário que para mim não se faça. Nem há coisa alguma atingível que eu não
tenha já atingido. E, contudo, estou em constante ação e movimento, agindo
sempre e incessantemente. 23. Os homens, ó Arjuna, seguem sempre o meu exemplo.
Por isso, se eu deixasse de ser ativo, estes Universos cairiam em ruína. 24. Se
eu não agisse, começaria a reinar uma confusão universal, e a minha inatividade
seria a causa da destruição do gênero humano. 25. Como os que carecem ainda da
Luz Espiritual fazem esforços para alcançar o que desejam, sendo a esperança de
recompensa o estímulo de suas ações. Assim deve o homem desenvolvido e
iluminado agir abnegadamente pela causa do bem comum e conforme a Lei
Universal. 26. Mas não deves confundir, com estas ideias, as cabeças dos homens
inexperientes, cujo coração ainda está apegado às obras. Deixa-os fazer o
melhor que podem. Mas tu e os outros sábios devem agir em harmonia comigo,
animando os outros à atividade e dando-lhes o exemplo. 27. Toda a atividade e
todas as ações provêm dos movimentos das forças da Natureza. O insensato, que é
iludido pela presunção e vaidade, pensa que ele é o ator e diz: Eu faço isto,
eu fiz aquilo. 28. Mas quem conhece a verdade, sorri, porque detrás da
personalidade, enxerga a fonte real da ação, a causa e o efeito. 29.
Entretanto, os que conhecem a verdade inteira, devem acautelar-se para não
ofuscarem com ela o fraco entendimento daqueles que ainda não estão preparados
para conhece-la, porque as doutrinas prematuras poderiam confundir e desviar
estes da sua atividade. 30. Tu, porém, ó Arjuna, Liberta-te de todos os
cuidados, de todo medo e, igualmente, do egoísmo e das esperanças pessoais. Em
meu nome (3), faze tudo o que hás de fazer, concentrando todos os teus
pensamentos no Altíssimo! 31. Os homens que, cheios da fé e confiança, seguirem
estes meus ensinos e não tiverem dúvidas, alcançarão a liberdade também pelas
obras e ações. 32. Porém, aqueles que rejeitam os ensinos da Verdade e agem
contra eles, são insensatos e iludidos. Caem em confusão e inquietações. 33.
Cada ser age em conformidade com a sua natureza. Também o sábio procura o que
se harmoniza com a sua própria natureza, de acordo com aquilo que é o mais alto
no seu caráter. 34. Ninguém pode escapar às leis naturais. Os objetos sensuais
são os senhores dos sentidos e atraem ou repelem o coração dos homens,
enchendo-o de afeição ou de aversão. Não te deixes dominar por nenhuma destas
duas forças, porque ambas são obstáculos no caminho e o sábio as subjuga ambas.
35. Finalmente, lembra-te que é melhor cumprir a própria tarefa, ainda que seja
humilde e insignificante, do que querer fazer a tarefa de um outro, por mais
nobre e excelente que seja. É melhor morrer no cumprimento do seu dever, do que
viver negligenciando –o e querendo fazer o que a outros compete fazer. 36.
Pergunta Arjuna: Mas dize-me, ó Senhor, que força misteriosa é essa que, muitas
vezes, parece obrigar o homem a praticar um mal, até contra a própria vontade?
37. Explica Krishna: Esta tentação, ó príncipe, é a essência dos desejos que o
homem em si acumulou (4). Ela é o seu maior inimigo, e chama-se Paixão. Nasce
da natureza carnal, cheia de pecado e de erro e ataca o homem para o consumir.
38. Como a fumaça envolve a chama, a ferrugem o metal, o útero a criança para
nascer. Assim o mundo é envolvido por este inimigo, chamado desejo. 39. O desejo
impede o verdadeiro saber. Ele é como um fogo devorador, difícil de
extinguir-se. 40. Os sentidos e a mente são a sua sede, e, por meio deles,
confunde o discernimento e obscurece o conhecimento da verdade. 41. Antes de
tudo, deves, portanto, vencer esse inimigo de tua alma. Domina os teus sentidos
e os seus órgãos e afugenta de ti esse gerador do mal. 42. Os sentidos são
grandes e poderosos. Porém, maior e mais poderosa é a mente. Maior do que está
é a razão, e o mais forte é o Eu Real, a Luz da Divindade (5). 43.
Reconhecendo, pois, o Eu Real como o Senhor mais poderoso, domina pelo seu
poder o eu pessoal. E assim subjuga o monstro de desejo, esta tarefa é difícil,
mas não impossível. Combate o desejo, domina-o pela força da Luz Divina do Eu
Real, não o deixes ser teu Senhor, mas reduze-o a ser teu escravo!
Referência:
1. Sankhya. 2. Yoga. 3. Isto é, em nome de Deus, Krishna é a encarnação Divina.
4. Em sânscrito, dá-se-lhe o nome de Kama (não confundir com carma). 5. Os
sentidos, que são a sede do desejo, designam-se em sânscrito pelo termo Kama. A
mente chama-se Manas. A Razão iluminada chama-se Budhi. A consciência da
Divindade chama-se Atma. Bhagavad Gita – A Mensagem do Mestre. Abraço. Davi
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
ALCORÃO SAGRADO - AL MÁIDA (A MESA SERVIDA)
Islamismo.
www.ligaislamica.org.br. Alcorão
Sagrado. AL MÁIDA (A MESA SERVIDA) Revelada em Madina; 120 versículos, com
exceção do versículo 3, que foi revelado em Arafat, durante a Peregrinação de
Despedida. 5ª SURATA. Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. 1 Ó fiéis,
cumpri com as vossas obrigações (325). Foi-vos permitido alimentar-vos de
reses, exceto o que vos é anunciado agora; está-vos vedada a caça, sempre que
estiverdes consagrados à peregrinação. Sabei que Deus ordena o que Lhe apraz. 2
Ó fiéis, não profaneis os relicários de Deus(326), o mês sagrado(327), as
oferendas, os animais marcados, nem provoqueis aqueles que se encaminham à Casa
Sagrada (328) , à procura da graça e da complacência do seu Senhor. E quando
estiverdes deixado os recintos sagrados (329), caçai, então, se quiserdes. Que
o ressentimento contra aqueles que trataram de impedir-vos de irdes à Mesquita
Sagrada não vos impulsione a provocá-los(330), outrossim, auxiliai-vos na
virtude e na piedade. Não vos auxilieis mutuamente no pecado e na hostilidade,
mas temei a Deus, porque Deus é severíssimo no castigo. 3 Estão-vos vedados: a
carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que tenha sido sacrificado com a
invocação de outro nome que não seja o de Deus(331) ; os animais estrangulados,
os vitimados a golpes, os mortos por causa de uma queda, ou chifrados, os
abatidos por feras, salvo se conseguirdes sacrificá-los ritualmente(332); o
(animal) que tenha sido sacrificado nos altares(333). Também vos está
vedado(334) fazer adivinhações com setas, porque isso é uma profanação. Hoje,
os incrédulos desesperam por fazer-vos renunciar à vossa religião. Não os
temais, pois, e temei a Mim! Hoje, completei a religião para vós(335); tenho-vos
agraciado generosamente sem intenção de pecar, se vir compelido a (alimentar-se
do vedado), saiba que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo. 4 Consultar-te-ão
sobre o que lhes foi permitido(336); dize-lhes: Foram-vos permitidas todas as
coisas sadias, bem como tudo o que as aves de rapina, os cães por vós
adestrados, conforme Deus ensinou, caçarem para vós. Comei do que eles tivessem
apanhado para vós (337) e sobre isso invocai Deus, e temei-O, porque Deus é
destro em ajustar contas. 5 Hoje, estão-vos permitidas todas as coisas sadias,
assim como vos é lícito o alimento dos que receberam o Livro(338) , da mesma
forma que o vosso é lícito para eles. Está-vos permitido casardes com as
castas, dentre as fiéis, e com as castas, dentre aquelas que receberam o
Livro(339) antes de vós, contanto que as doteis e passeis a viver com elas
licitamente, não desatinadamente, nem as envolvendo em intrigas secretas.
Quanto àqueles que renegar a fé(340) , sua obra tornar-se-á sem efeito e ele se
contará, no outro mundo, entre os desventurados. 6 Ó fiéis, sempre que vos
dispuserdes a observar a oração, lavai(341) o rosto, as mãos e os antebraços
até aos cotovelos; esfregai a cabeça, com as mãos molhadas e lavai os pés, até
os tornozelos. E, quando estiverdes polutos(342), higienizai-vos; porém, se
estiverdes enfermos ou em viagem, ou se vierdes de lugar escuso ou tiverdes
tocado as mulheres, sem encontrardes água, servi-los do tayamum com terra
limpa, e esfregai com ela os vossos rostos e mãos(343) . Deus não deseja
impor-vos carga alguma; porém, se quer purificar-vos e agraciar-vos, é para que
Lhe agradeçais. 7 E recordai-vos das mercês de Deus para convosco e da
promessa(344) que recebeu de vós, quando dissestes: Escutamos e obedecemos!
Temei, pois, a Deus, porque Ele bem conhece as intimidades dos corações. 8 Ó
fiéis, sede perseverantes na causa de Deus e prestai testemunho(345), a bem da
justiça; que o ódio aos demais não vos impulsione a serdes injustos para com
eles. Sede justos, porque isso está mais próximo da piedade, e temei a Deus,
porque Ele está bem inteirado de tudo quanto fazeis. 9 Deus prometeu aos fiéis
que praticam o bem uma indulgência e uma magnífica recompensa. 10 Porém, os
incrédulos, que desmentem os nossos versículos, serão os companheiros do fogo.
11 Ó fiéis, recordai-vos das mercês de Deus para convosco, pois quando um povo
intentou agredir-vos, Ele o conteve(346). Temei a Deus, porquanto a Deus se
encomendam os fiéis. 12 Deus cumpriu uma antiga promessa feita aos
israelitas(347), e designou-lhes doze chefes, dentre eles, dizendo: Estarei
convosco se observardes a oração, pagardes o zakat, credes nos Meus
mensageiros, socorrerdes e emprestardes espontaneamente a Deus; absolverei
as vossas faltas e vos introduzirei em jardins, abaixo dos quais correm os
rios. Mas quem de vós pecar, depois disto, desviar-se-á da verdadeira senda. 13
Porém, pela violação de sua promessa(348), amaldiçoamo-los e endurecemos os
seus corações. Eles deturparam as palavras (do Livro) e se esqueceram de grande
parte que lhes foi revelado; não cessas de descobrir a perfídia de todos eles,
salvo de uma pequena parte; porém, indulta-os e perdoa-lhes os erros, porque
Deus aprecia os benfeitores. 14 E também aceitamos a promessa daqueles que
disseram: Somos cristãos! Porém, esqueceram-se de grande parte do que lhes foi
recomendado, pelo que disseminamos a inimizade e o ódio entre eles, até ao Dia
da Ressurreição. Deus os inteirará, então, do que cometeram. 15 Ó adeptos do
Livro, foi-vos apresentado o Nosso Mensageiro para mostrar-vos muito do que
ocultáveis do Livro e perdoar-vos em muito. Já vos chegou de Deus uma Luz e um
Livro lúcido(349), 16 Pelo qual Deus conduzirá aos caminhos da salvação aqueles
que procurarem a Sua complacência e, por Sua vontade, tirá-los-á das trevas e
os levará para a luz, encaminhando-os para a senda reta. 17 São blasfemos
aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria. Dize-lhes: Quem possuiria
o mínimo poder para impedir que Deus, assim querendo, aniquilasse o Messias,
filho de Maria, sua mãe e todos os que estão na terra? Só a Deus pertence o
reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre ambos. Ele cria(350) o que
Lhe apraz, porque é Onipotente. 18 Os judeus e os cristãos dizem: Somos os
filhos de Deus(351) e os Seus prediletos. Dize-lhes: Por que, então, Ele vos
castiga por vossos pecados? Qual! Sois tão somente seres humanos como os
outros! Ele perdoa a quem Lhe apraz e castiga quem quer. Só a Deus
pertence(352) o reino dos céus e da terra e tudo quanto há entre ambos, e para
Ele será o retorno. 19 Ó adeptos do Livro, foi-vos apresentado o Nosso
Mensageiro, para preencher a lacuna (na série) dos mensageiros(353), a fim de
que não digais. Não nos chegou alvissareiro nem admoestador algum! Sim, já vos
chegou um alvissareiro e admoestador, porque Deus é Onipotente. 20 Recorda-lhes
de quando Moisés disse ao seu povo: Ó povo meu, lembrai-vos das mercês e Deus
para convosco, quando fez surgir, dentre vós(354), profetas, e vos fez reis e
vos concedeu o que não havia concedido a nenhum dos vosso contemporâneos(355).
21 Ó povo meu, entrai(356) na terra Sagrada que Deus vos assinalou, e não
retrocedais, porque se retrocederdes, sereis desventurados. 22 Disseram-lhe: Ó
Moisés, dominam-na homens poderosos(357) e nela não poderemos entrar, a menos
que a abandonem. Se a abandonarem, então entraremos. 23 E dois tementes, aos
quais Deus havia agraciado(358), disseram: Entrai, de assalto, pelo pórtico;
porque quando logrardes transpô-lo, sereis, sem dúvida, vencedores;
encomendai-vos a Deus, se sois fiéis. 24 Disseram-lhe: Ó Moisés, jamais nela
(cidade) entraremos, enquanto lá permanecerem. Vai tu, com o teu Senhor, e
combatei-os, enquanto nós permaneceremos aqui sentados(359). 25 (Moisés) disse:
Ó Senhor meu, somente posso ter controle sobre mim e sobre o meu irmão(360).
Separa-nos, pois, dos depravados. 26 Então (Deus) lhe disse: Está-lhes proibida
a entrada (na terra Sagrada). Durante quarenta anos(361) andarão errantes, pela
terra. Não te mortifiques pela gente depravada. 27 E conta-lhes (ó Mensageiro)
a história(362) dos dois filhos de Adão(363) , quando apresentaram duas
oferendas; foi aceita a de um e recusada a do outro. Disse aqueles cuja
oferenda foi recusada: Juro que te matarei. Disse-lhe (o outro): Deus só aceita
(a oferenda) dos justos. 28 Ainda que levantasses a mão para assassinar-me,
jamais levantaria a minha para matar-te, porque temo a Deus, Senhor do
Universo. 29 Quero que arques com a minha e com a tua culpa(364) , para que
sejas um dos condenados ao inferno, que é o castigo dos iníquos.(365) 30 E o
egoísmo (do outro) induziu-o a assassinar o irmão; assassinou-o e contou-se
entre os desventurados. 31 E Deus enviou um corvo, que se pôs a escavar a terra
para ensinar-lhe a ocultar o cadáver(366) do irmão. Disse: Ai de mim! Não é
verdade que não fui capaz de ocultar o cadáver do meu irmão, se até este corvo
é capaz de fazê-lo? Contou-se, depois, entre os arrependidos. 32 Por isso,
prescrevemos aos israelitas que quem matar uma pessoa, sem que esta tenha
cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se
tivesse assassinado toda a humanidade(367). Apesar dos Nossos mensageiros lhes
apresentarem as evidências, a maioria deles comete transgressões na terra. 33 O
castigo, para aqueles que lutam contra Deus e contra o Seu Mensageiro e semeiam
a corrupção na terra(368), é que sejam mortos, ou crucificados, ou lhes seja
decepada a mão e o pé opostos(369) , ou banidos. Tal será, para eles, um
aviltamento nesse mundo e, no outro, sofrerão um severo castigo. 34 Exceto
aqueles que se arrependem, antes de caírem em vosso poder; sabei que Deus é
Indulgente, Misericordiosíssimo. 35 Ó fiéis, temei a Deus, tratai de
acercar-vos d’Ele e lutai pela Sua causa, quiçá assim prosperareis. 36 Ainda
que os incrédulos possuíssem tudo quanto existisse na terra e outro tanto de
igual valor, e o oferecessem para redimir-se do suplício do Dia da Ressurreição,
não seria aceito; sofrerão, isso sim, um severo castigo. 37 Quererão sair do
fogo; porém, nunca dele sairão, pois sofrerão um suplício eterno. 38 Quanto ao
ladrão(370) e à ladra, decepai a mão, como castigo de tudo quanto tenham
cometido; é um exemplo, que emana de Deus, porque Deus é Poderoso,
Prudentíssimo. 39 Aquele que, depois da sua iniquidade, se arrepender e se
emendar, saiba que Deus o absolverá, porque é Indulgente, Misericordiosíssimo.
40 Ignoras, acaso, que a Deus pertence a soberania dos céus e da terra? Ele
castiga a quem deseja e perdoa a quem Lhe apraz, porque é Onipotente. 41 Ó
mensageiro, que não te atribulem aqueles que se degladiam na prática da
incredulidade, aqueles que dizem com suas bocas: Cremos!, conquanto seus corações
ainda não tenham abraçado a fé. Entre os judeus, há os que escutarão a mentira
e escutarão mesmos outros(371) , que não tenham vindo a ti. Deturpam as
palavras, de acordo com a conveniência(372), e dizem (a seus seguidores): Se
vos julgarem, segundo isto (as palavras deturpadas), aceitai-o; se não vos
julgarem quanto a isso, precavei-vos! Porém, a quem Deus quiser pôr à prova,
nada poderás fazer para livrá-lo de Deus. São aqueles cujos corações Deus não
purificará, os quais terão um aviltamento neste mundo, e no outro sofrerão um
severo castigo. 42 São os que escutam a mentira, ávidos em devorar o que é
ilícito(373). Se se apresentarem a ti, julga-os ou aparta-te deles, porque se
te separares deles em nada poderão prejudicar-te; porém, se os julgares, faze-o
equitativamente, porque Deus aprecia os justiceiros. 43 Por que recorrem a
ti(374) por juiz, quando têm a Tora que encerra o Juízo de Deus? E mesmo depois
disso, eles logo viram as costas. Estes em nada são fiéis. 44 Revelamos a Tora,
que encerra Orientação e Luz, com a qual os profetas, submetidos a Deus, julgam
os judeus, bem como os rabinos(375) e os doutos, aos quais estavam recomendadas
a observância e a custódia do Livro de Deus. Não temais, pois, os homens, e
temei a Mim, e não negocieis as Minhas leis a vil preço(376). Aqueles que ao
julgarem, conforme o que Deus tem revelado, serão incrédulos. 45 Nem (a Tora)
temo-lhes prescrito(377): vida por vida, olho por olho, nariz por nariz, orelha
por orelha, dente por dente e as retaliações tais e quais; mas quem indultar um
culpado, isto lhe servirá de expiação(378). Aqueles que não julgarem conforme
o que Deus tem revelado serão iníquos. 46 E depois deles (profetas), enviamos
Jesus, filho de Maria, corroborando a Tora que o precedeu; e lhe concedemos o
Evangelho, que encerra orientação e luz, corroborante do que foi revelado na
Tora e exortação para os tementes. 47 Que os adeptos do Evangelho julguem
segundo o que Deus nele revelou, porque aqueles que não julgarem conforme o que
Deus revelou serão depravados. 48 Em verdade, revelamos-te o Livro corroborante
e preservador dos anteriores. Julga-os, pois, conforme o que Deus revelou e não
sigas os seus caprichos, desviando-te da verdade que te chegou. A cada um de
vós temos ditado uma lei e uma norma; e se Deus quisesse, teria feito de vós
uma só nação(379); porém, fez-vos como sois, para testar-vos quanto àquilo que
vos concedeu. Emulai-vos, pois, na benevolência, porque todos vós retornareis a
Deus, o Qual vos inteirará das vossas divergências(380). 49 Incitamos-te a que
julgues entre eles, conforme o que Deus revelou; e não sigas os seus caprichos
e guarda-te de quem te desviem de algo concernente ao que Deus te revelou. Se
tu refutarem fica sabendo que Deus os castigará por seus pecados, porque muitos
homens são depravados. 50 Anseiam, acaso, o juízo do tempo(381) da insipiência?
Quem melhor juiz do que Deus, para os persuadidos? 51 Ó fiéis, não tomeis por
confidentes os judeus nem os cristãos; que sejam confidentes entre si. Porém,
quem dentre vós os tomar por confidentes, certamente será um deles; e Deus não
encaminha os iníquos. 52 Verás aqueles que abrigam a morbidez em seus corações
apressarem-se em Ter intimidades com eles, dizendo: Tememos que nos açoite uma
vicissitude! Oxalá Deus te apresente a vitória ou algum outro desígnio Seu e,
então, arrepender-se-ão de tudo quanto haviam maquinado. 53 Os fiéis, então,
dirão: São, acaso, aqueles que juravam solenemente por Deus, que estavam
conosco? Suas obras tornar-se-ão sem efeito e será desventurados. 54 Ó fiéis,
aqueles dentre vós que renegarem a sua religião, saibam que Deus os suplantará
por outras pessoas, às quais amará, as quais O amarão, serão compassivas para
com os fiéis e severas para com os incrédulos; combaterão pela causa de Deus e
não temerão censura de ninguém(382). Tal é a graça de Deus, que a concede a
quem Lhe apraz, porque Deus é Munificente, Sapientíssimo. 55 Vossos reais
confidentes são: Deus, Seu Mensageiro e os fiéis que observam a oração e pagam
o zakat, genuflectindo-se ante Deus. 56 Quanto àqueles que se voltam (em
companheirismo) para Deus, Seu Mensageiro e os fiéis, saibam que os partidos de
Deus serão os vencedores. 57 Ó fiéis, não tomeis por confidentes aqueles que
receberam o Livro antes de vós, nem os incrédulos, que fizeram de vossa
religião objeto de escárnio e passatempo(383). Temei, pois, a Deus, se sois
verdadeiramente fiéis. 58 E quando fazeis a convocação para a oração, tomam como
objeto de escárnio e passatempo. Isso, por serem insensatos. 59 Dize-lhes: Ó
adeptos do Livro, pretendeis vingar-vos de nós, somente porque cremos em Deus,
em tudo quanto nos é revelado e em tudo quanto foi revelado antes? A maioria de
vós é depravada(384). 60 Dize ainda: Poderia anunciar-vos um caso pior do que
este, ante os olhos de Deus? São aqueles a quem Deus amaldiçoou, abominou e
converteu em símios(385), suínos e adoradores do sedutor; estes, encontram-se
em pior situação, e mais desencaminhados da verdadeira senda. 61 Quando se
apresentam a vós, dizem: Cremos!, embora cheguem disfarçados com a
incredulidade, e com ela saiam. Mas Deus sabe melhor do que ninguém o que
ocultam. 62 Verás que muitos deles se precipitam no pecado, na hostilidade e na
saciação do que é ilícito. Quão detestável é o que fazem! 63 Por que os rabinos
e os doutos não lhes proibiram blasfemarem e se fartarem do que é ilícito? Quão
detestáveis são as suas obras! 64 O judeus disseram: A mão de Deus está
cerrada(386)! Que suas mãos sejam cerradas e sejam amaldiçoados por tudo quanto
disseram! Qual! Suas mão estão abertas! Ele prodigaliza as Suas graças como Lhe
apraz. E, sem dúvida, o que te foi revelado por teu Senhor exacerbará a
transgressão e a incredulidade de muitos deles. Porém, infundindo a inimizade e
o rancor, até ao Dia da Ressurreição. Toda vez que acenderem o fogo da guerra,
Deus os extinguirá. Percorrem a terra, corrompendo-a; porém, Deus não aprecia
os corruptores. 65 Mas se os adeptos do Livro tivessem acreditado (em Nós) e
temido, tê-los-íamos absolvido dos pecados, tê-los-íamos introduzido nos
jardins do prazer. 66 E se tivessem sido observantes da Tora, do Evangelho e de
tudo quanto lhes foi revelado por seu Senhor, alimentar-se-iam com o que está
acima deles e do que se encontra sob seus pés(387). Entre eles, há alguns
moderados; porém, quão péssimo é o que faz a maioria deles! 67 Ó Mensageiro,
proclama o que te foi revelado por teu Senhor, porque se não o fizeres, não
terás cumprido a Sua Missão. Deus te protegerá dos homens, porque Deus não
ilumina os incrédulos. 68 Dize: Ó adeptos do Livro, em nada vos fundamentareis,
enquanto não observardes os ensinamentos da Tora, do Evangelho e do que foi
revelado por vosso Senhor! Porém, o que te foi revelado por teu Senhor,
exacerbará a transgressão e a incredulidade de muitos deles. Que não te penalizem
os incrédulos. 69 Os fiéis, os judeus, os sabeus e os cristãos, que creem em
Deus, no Dia do Juízo Final e praticam o bem, não serão presas do temor, nem se
atribularão. 70 Havíamos aceito o compromisso dos israelitas, e lhes enviamos
os mensageiros. Mas, cada vez que um mensageiro lhes anunciava algo que não
satisfazia os seus interesses, desmentiam uns e assassinavam outros. 71
Pressupunham que nenhuma sedição recairia sobre eles; e, então, tornaram-se
deliberadamente cegos e surdos. Não obstante Deus tê-los absolvido, muitos
deles voltaram à cegueira e à surdez; mas Deus bem vê tudo quanto fazem. 72 São
blasfemos aqueles que dizem: Deus é o Messias, filho de Maria, ainda quando o
mesmo Messias disse(388): Ó israelitas, adorai a Deus, Que é meu Senhor e
vosso. A quem atribuir parceiros a Deus, ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso
e sua morada será o fogo infernal! Os iníquos jamais terão socorredores. 73 São
blasfemos aqueles que dizem: Deus é um da Trindade!, portanto não existe
divindade alguma além do Deus Único. Se não desistirem de tudo quanto afirmam,
um doloroso castigo açoitará os incrédulos entre eles. 74 Por que não se voltam
para Deus e imploram o Seu perdão, uma vez que Ele é Indulgente,
Misericordiosíssimo? 75 O Messias, filho de Maria, não é mais do que um
mensageiro, do nível dos mensageiro que o precederam; e sua mãe era
sinceríssima(389). Ambos se sustentavam de alimentos terrenos, como todos.
Observa como lhes elucidamos os versículos(390) e observa como se desviam. 76
Pergunta-lhes: Adorareis, em vez de Deus, ao que não pode prejudicar-vos nem
beneficiar-vos, sabendo (vós) que Deus é o Oniouvinte, o Sapientíssimo? 77
Dize-lhes: Ó adeptos do Livro, não exagereis em vossa religião, profanado a
verdade, nem sigais o capricho daqueles que se extraviaram anteriormente,
desviaram muitos outros e se desviaram da verdadeira senda! 78 Os incrédulos,
dentre os israelitas, foram amaldiçoados pela boca de Davi(391) e por Jesus,
filho de Maria(392), por causa de sua rebeldia e profanação. 79 Não se
reprovavam mutuamente pelo ilícito que cometiam(393). E que detestável é o que
cometiam! 80 Vês muitos deles (judeus) em intimidade com idólatras. Que
detestável é isso a que os induzem as suas almas! Por isso, suscitaram a
indignação de Deus, e sofrerão um castigo eterno. 81 Se tivessem acreditado em
Deus, no Profeta e no que lhe foi revelado, não os teriam tomado por
confidentes. Porém, muitos deles são depravados. 82 Constatarás que os piores
inimigos dos fiéis, entre os humanos, são os judeus e os idólatras. Constatarás
que aqueles que estão mais próximos do afeto dos fiéis são os que dizem: Somos
cristãos(394)!, porque possuem sacerdotes e não ensoberbecem de coisa alguma.
83 E, ao escutarem o que foi revelado ao Mensageiro, tu vês lágrimas a lhes brotarem
nos olhos; reconhecem naquilo a verdade, dizendo: Ó Senhor nosso, cremos!
Inscreve-nos entre os testemunhadores! 84 E por que não haveríamos de crer em
Deus e em tudo quanto nos chegou, da verdade, e como não haveríamos de aspirar
a que nosso Senhor nos contasse entre os virtuosos? 85 Pelo que disseram, Deus
os recompensará com jardins, abaixo dos quais correm os rios, onde morarão
eternamente. Isso será a recompensa dos benfeitores. 86 Aqueles que negarem e
desmentirem os Nossos versículos serão os réprobos. 87 Ó fiéis, não malverseis
o bem que Deus permitiu e não transgridais(395), porque Ele não estima os
perdulários. 88 Comei de todas as coisas lícitas com que Deus vos agraciou e
temei-O, se fordes fiéis. 89 Deus não vos reprova por vossos inintencionais
juramentos fúteis; porém, recrimina-vos por vossos deliberados juramentos, cuja
expiação consistirá em alimentardes dez necessitados da maneira como alimentais
a vossa família, ou em os vestir, ou em libertardes um escravo; contudo, quem
carecer de recursos jejuará três dias. Tal será a expiação do vosso perjúrio.
Mantende, pois, os vossos juramentos. Assim Deus vos elucida os Seus
versículos, a fim de que Lhe agradeçais. 90 Ó fiéis, as bebidas inebriantes, os
jogos de azar, a dedicação às pedras(396) e as adivinhações com setas,(397) são
manobras abomináveis de Satanás. Evitai-os, pois, para que prospereis. 91
Satanás só ambiciona infundir-vos a inimizade e o rancor, mediante as bebidas
inebriantes e os jogos de azar, bem como afastar-vos da recordação de Deus e da
oração. Não desistireis, diante disso? 92 Obedecei a Deus, obedecei ao
Mensageiro e precavei-vos; mas se vos desviardes, sabei que ao Nosso Mensageiro
só cabe a proclamação da mensagem lúcida. 93 Os fiéis que praticam o bem não
serão reprovados pelo que comeram (anteriormente, mas coisas ilícitas), uma vez
que delas passem a se abster, continuando a crer e a praticar o bem, a ser
tementes a Deus e, crer novamente e praticar a caridade. Deus aprecia os
benfeitores(398). 94 Ó fiéis, Deus vos testará com a proibição de certa espécie
de caça que está ao alcance das vossas mão e das vossas lanças, para
assegurar-Se(399) de quem O teme intimamente. Quem, depois disso, transgredir a
norma sofrerá um doloroso castigo. 95 Ó fiéis, não mateis animais de caça
quando estiverdes com as vestes da peregrinação.(400) Quem, dentre vós, os
matar intencionalmente, terá de pagar a transgressão, o equivalente àquilo que
tenha morto, em animais domésticos,(401) com a determinação de duas pessoas
idôneas, dentre vós. Que tais animais sejam levados como oferenda à Caaba. Ou,
ainda, fará uma expiação, alimentando alguns necessitados ou o equivalente a
isto em jejum, para que sofra a consequência da sua falta. Deus perdoa o
passado; porém, a quem reincidir Deus castigará, porque é Punidor,
Poderosíssimo. 96 Está-vos permitida a caça aquática;(402) e seu produto pode
servir de visão, tanto para vós como para os viajantes. Porém, está-vos
proibida a caça terrestre, enquanto estiverdes consagrado à peregrinação. Temei
a Deus, ante O Qual serei consagrados. 97 Deus designou a Caaba como Casa
Sagrada, como local seguro para os humanos. Também estabeleceu o mês
sagrado,(403) a oferenda e os animais marcados(404), para que saibais que Deus
conhece tudo quanto há nos céus e na terra, e que é Onisciente(405). 98 Sabei
que Deus é severíssimo no castigo, assim como também é Indulgente,
Misericordiosíssimo. 99 Ao Mensageiro só cabe a proclamação (da mensagem). Deus
conhece o que manifestais e o que ocultais. 100 Dize: O mal e o bem jamais
poderão equiparar-se, ainda que vos encante a abundância do mal(406). Ó
sensatos, temei a Deus, quiçá assim prosperais. 101 Ó fiéis, não interrogueis
acerca de coisas que, se vos fossem reveladas, atribular-vos-iam. Mas se
perguntardes por elas, quando o Alcorão tiver sido revelado, ser-vos-ão
explicadas. Deus perdoa a vossa sofreguidão, porque é Tolerante,
Indulgentíssimo. 102 Povos anteriores a vós fizeram as mesmas perguntas. Por
isso, tornaram-se incrédulos. 103 Deus nada prescreveu, com referência às
superstições(407) , tais como a "bahira", ou a "sa’iba", ou
a "wacila", ou a "hami"; porém, os blasfemos forjam
mentiras acerca de Deus, porque a sua totalidade é insensata. 104 E quando lhes
foi dito: Vinde para o que Deus revelou, e para o Mensageiro!, disseram:
Basta-nos(408) o que seguiam os nossos pais! Como? Mesmo que seus pais nada
compreendessem nem se guiassem? 105 Ó fiéis, resguardai as vossas almas, porque
se vos conduzirdes bem, jamais poderão prejudicar-vos aqueles que se desviam; todos
vós retornareis a Deus, o Qual vos inteirará de tudo quanto houverdes
feito(409). 106 Ó fiéis, quando a morte se aproximar de algum de vós e este se
dispuser a fazer um testamento, que apele para o testemunho de dois homens
justos, dentre vós, ou de dois estranhos, se se achar viajando pela terra
quando isto acontecer. Deverá detê-los, depois da oração, e fazê-los prestar
juramento por Deus, deste modo: A nenhum preço venderemos o nosso testemunho,
ainda que o interessado seja um dos nossos parentes, nem ocultaremos o
testemunho de Deus, porque, se assim fizermos, contar-nos-emos entre os
pecadores. 107 Se descobrirdes que aso perjuros, que sejam substituídos por
outros dois parentes mais próximos das pessoas em questão,(410) e ambos jurarão
por Deus deste modo: Nosso testemunho é mais verdadeiro do que o dos outros e
não perjuramos, porque se assim fizermos, contar-nos-emos entre os iníquos. 108
Este proceder é o mais adequado, para que as testemunhas declarem a verdade.
Devem temer que se apresentem outras testemunhas depois delas. Temei, pois, a
Deus e escutai, porque Ele não ilumina os depravados. 109 Um dia, Deus
convocará os mensageiros e lhes dirá: Que vos tem sido respondido (com respeito
à exortação)? Dirão: Nada sabemos, porque só Tu és Conhecedor do
incognoscível(411). 110 Então, Deus dirá: Ó Jesus, filho de Maria, recordar-te
de Minhas Mercês para contigo e para com tua mãe; de quando te fortaleci com o
Espírito da Santidade; de quando falavas aos homens, tanto na infância, como na
maturidade; de quando te ensinei o Livro, a sabedoria, a Tora e o Evangelho; de
quando, com o Meu beneplácito, plasmaste de barro algo semelhante a um pássaro
e, alentando-o, eis que se transformou, com o Meu beneplácito, em um pássaro
vivente; de quando, com o Meu beneplácito, curaste o cego de nascença e o
leproso; de quando, com o Meu beneplácito, ressuscitaste os mortos; de quando
contive os israelitas,(412) pois quando lhes apresentaste as evidências, os
incrédulos, dentre eles, disseram: Isto não é mais do que pura magia! 111 E de
que, quando inspirei os discípulos, (dizendo-lhes): Crede em Mim e no Meu
Mensageiro! Disseram: Cremos! Testemunha que somos muçulmanos. 112 E de quando
os discípulos disseram: Ó Jesus, filho de Maria, poderá o teu Senhor fazer-nos
descer do céu uma mesa servida? Disseste: Temei a Deus, se sois fiéis(413)!
113 Tornaram a dizer: Desejamos desfrutar dela, para que os nossos corações
sosseguem e para que saibamos que nos tens dito a verdade, e para que sejamos
testemunhas disso. 114 Jesus, filho de Maria, disse: Ó Deus, Senhor nosso,
envia-nos do céu uma mesa servida(414)! Que seja um banquete para o primeiro e
último de nós, constituindo-se num sinal Teu; agracia-nos(415), porque Tu és o
melhor dos agraciadores. 115 E disse Deus: Fá-la-ei descer; porém, quem de vós,
depois disso, continuar descrendo, saiba que o castigarei tão severamente como
jamais castiguei ninguém da humanidade. 116 E recordar-te de quando Deus disse:
Ó Jesus, filho de Maria! Foste tu quem disseste aos homens: Tomai a mim e a
minha mãe por duas divindades, em vez de Deus? Respondeu: Glorificado sejas! É
inconcebível que eu tenha dito o que por direito não me corresponde. Se tivesse
dito, tê-lo-ias sabido, porque Tu conheces a natureza da minha mente, ao passo
que ignoro o que encerra a Tua. Somente Tu és Conhecedor do incognoscível. 117
Não lhes disse, senão o que me ordenaste: Adorai a Deus, meu Senhor e vosso! E
enquanto permaneci entre eles, fui testemunha contra eles; e quando quiseste
encerrar os meus dias na terra, foste Tu o seu Único observador, porque és
Testemunha de tudo(416). 118 Se Tu os castigas é porque são Teus servos; e se
os perdoas, é porque Tu és o Poderoso, o Prudentíssimo. 119 Deus dirá: Este é o
dia em que a lealdade dos verazes ser-lhes-á profícua. Terão jardins, abaixo
dos quais correm rios, onde morarão eternamente. Deus se comprazerá com eles e
eles se comprazerão n’Ele. Tal será o magnífico(417) benefício! 120 A Deus
pertence o reino dos céus e da terra, bem como tudo quando encerra, porque é Onipotente.
www.ligaislamica.org.br. Abraço.
Davi
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