quarta-feira, 28 de junho de 2023

CONTRA A INDIFERENÇA DOS ATEUS

 

Cristianismo. Livro Pensamentos de Blaise Pascal (1623-1662). CONTRA A INDIFERENÇA DOS ATEUS. Pascal nasceu em Clermont - França. Filho de Etienne Pascal e Antoniette Begon, ficou órfão de mãe aos três anos de idade. Suas extraordinárias qualidades de inteligência, reveladas desde os primeiros anos da infância, tornaram-se todo o orgulho do pai de Pascal, que quis encarregar-se pessoalmente de sua educação. O jovem Pascal manifestou, desde logo, um pendor excepcional pelas matemáticas, a tal ponto que, segundo sua irmã Gilberte, chegou a descobrir os fundamentos da Geometria Euclidiana. Aos dezesseis anos de idade, escreveu um tratado de tal profundeza que se dizia não ter sido escrito outro, depois de Arquimedes (287 AC 212), que se lhe pudesse comparar. Esse tratado despertou o entusiasmo de René Descartes (1596-1650). Enquanto isso, continuava Pascal os seus estudos do latim e o grego, nos quais seu pai o havia iniciado, e, nos intervalos, dedicava-se também à lógica, à física, à filosofia. Aos dezoito anos de idade, inventou uma máquina de calcular (protótipo das atualmente modernas). Aos vinte e três anos, já era senhor de imenso cabedal (bens intelectuais e morais adquiridos pelo estudo ou experiência) e científico, tendo descoberto várias leis sobre a densidade do ar, o equilíbrio dos líquidos, o triângulo aritmético, o cálculo das probabilidades, a prensa hidráulica etc. Um dia, porém, na ponte de Neuilly, foi vítima de um acidente e começou a sofrer de alucinações, vendo aparecer sempre diante de si um abismo aberto para tragá-lo. Desde então, tornou-se profundamente religioso, renunciou a todos os seus conhecimentos, e passando a viver solitariamente, internado na Abadia de Port Royal des Champs - França, dedicando-se exclusivamente à defesa do Cristianismo. Dá-se, hoje, o nome de abismo de Pascal à dificuldade que certos problemas sociais ou morais oferecem em sua elucidação. A expressão grão de areia de Pascal encontra explicação na seguinte passagem desta obra: "Oliver Cronwell (1599-1658) teria destruído toda a cristandade, a família real se teria perdido e a sua se tornado poderosa como nunca, se não fosse um pequeno grão de areia que se introduzira em sua uretra. E até Roma teria tremido sob o seu domínio, se essa areiazinha, que não valia nada em outro lugar, introduzindo-se ali, não o tivesse, morto, derrubando sua família e restabelecendo o rei". Assim, com aquela locução, se exprime a ideia de que pequenas causas podem acarretar grandes efeitos. Toda a vida de Pascal é tida como um grande exemplo de sofrimento resignado e de piedade. Morreu com trinta e nove anos, no dia 19 de agosto de 1662. Após essa introdução comecemos o texto em sua íntegra. Contra a Indiferença dos Ateus. Saibam, ao menos, que religião combatem, antes de combatê-la. Se essa religião se gabasse de ter uma visão clara de Deus e de possuí-lo com clareza e sem véu, seria combatê-la dizer que não se vê nada, no mundo, que a mostre com tal evidência. Mas, como afirma, ao contrário, que os homens se acham nas trevas e afastados de Deus, que se oculta ao seu conhecimento, sendo mesmo esse Deus Absconditus (escondido) o nome com que se apresenta nas Escrituras Sagradas. Em suma, se trabalha igualmente para estabelecer duas coisas: que Deus estabeleceu na Igreja marcas sensíveis para ser reconhecido pelos que o procurarem sinceramente, e que, no entanto, as cobriu de tal forma que só será percebido pelos que o procurarem de todo o coração. Que proveito, podem eles tirar, quando, na negligência em que fazem profissão de estar procurando a verdade, exclamam não haver nada que a mostre, de vez que essa obscuridade em que se encontram e que objetam à Igreja não faz senão estabelecer uma das coisas que ela sustenta, sem tocar na outra, estabelecendo assim a sua doutrina, em lugar de arrumá-la? Para combatê-la, ser-lhes-ia preciso exclamar que fizeram todos os esforços em procurá-la por toda parte, mesmo naquilo que a Igreja propõe com o fim de nela se instruírem, mas sem nenhuma satisfação. Se falassem do destino, combateriam, na verdade, uma das suas pretensões. Espero mostrar aqui, porém, que não há ninguém capaz de falar razoavelmente do destino. Ouso mesmo dizer que jamais alguém fez. Sabe-se muito bem de que maneira agem os que têm esse intuito. Acreditam ter feito grandes esforços para instruir-se, por terem empregado algumas horas na leitura de um dos livros sagrados (Bíblia) e por terem interrogado algum eclesiástico (padre, bispo, abade, monsenhor, arcebispo, cônego) sobre as verdades da fé. Gabam-se, depois, de terem investigado em vão nos livros e entre os homens. Mas, na verdade, não posso deixar de lhes dizer o que frequentemente tenho dito: que essa negligência é inadmissível. Não se trata, no caso, do irrefletido interesse de um estranho, para assim proceder; tratar-se, de nós próprios e do nosso Todo. A imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto, que tão profundamente nos toca, que é preciso ter perdido todo sentimento para permanecer indiferente diante dela. Todos os nossos pensamentos e ações devem tomar caminhos tão diferentes, conforme se esperem ou não os bens eternos, que é impossível fazer uma pesquisa sensata e criteriosa sem ter em vista esse ponto que deve ser o nosso último objeto. Assim, o nosso primeiro interesse, o nosso primeiro dever, é esclarecer bem o assunto, do qual depende toda a nossa conduta. Eis porque, dentre os que não estão persuadidos disso, eu estabeleço uma extrema diferença entre os que trabalham com todas as suas forças para instruir-se a respeito e os que vivem sem se dar a esse trabalho e sem pensar nisso. Só posso ter compaixão dos que gemem sinceramente nessa dúvida, do que observam como a última das desgraças e dos que, sem nada poupar para sair dela, fazem de tal pesquisa as suas principais e mais sérias ocupações. Mas, quanto aos que passam a vida sem pensar nesse último fim da existência, de forma que, por essa única razão, não descobrem em si próprios as luzes que os persuadam, deixando de procurá-las em outra parte e de examinar a fundo se essa opinião é daquelas que o povo recebe com uma simplicidade crédula ou daquelas que, embora obscuras por natureza, possuem, contudo, um fundamento bastante sólido e inabalável, eu os considero de maneira bem diferente. Tal negligência numa questão em que se trata da própria pessoa, da própria eternidade, do próprio Todo, não me irrita mais do que enternece; assombra-me e espanta-me, sendo para mim uma monstruosidade. Não o afirmo pelo zelo piedoso de uma devoção espiritual. Entendo, ao contrário, que se deve ter esse sentimento por um princípio de interesse humano e por um interesse de amor-próprio; é preciso não ver nisso, apenas, o que vêm as pessoas menos esclarecidas. É preciso ter a alma muito elevada para compreender que não há ai satisfação verdadeira e sólida. Que todos os nossos prazeres não passam de vaidade. Que os nossos males são infinitos; e que, finalmente, a morte que nos ameaça a cada instante deve colocar-se infalivelmente, dentro de poucos anos, na terrível necessidade de sermos eternos, ou aniquilados, ou infelizes. Nada mais real nem mais terrível do que isso. Por mais corajosos que desejemos ser, é esse o fim que espera mesmo a mais bela vida do mundo. Que se reflita sobre isso e se diga, depois, se não é indubitável que o único bem da vida presente é a esperança de uma vida futura. Que só somos felizes na medida em que dela nos aproximamos, e que, não havendo mais infelicidades para os que têm inteira certeza da eternidade, também não há felicidade para os que não possuem luz alguma. É, por conseguinte, um grande mal permanecer nessa dúvida, sendo ao menos um dever indispensável investigar quando ela existe, porque aquele que duvida e não investiga se torna, então, não só infeliz, mas também injusto. Com efeito, se com isso se mostra tranquilo e satisfeito, se disso faz profissão e se por isso se sente orgulhoso, fazendo disso o motivo de sua alegria e de sua vaidade, não tenho termos para qualificar tão extravagante criatura. Onde se foram buscar tais sentimentos? Que motivo de alegria existe quando só se esperam misérias sem remédio? Que motivos de orgulho pode haver nas obscuridades impenetráveis e como admitir que tal raciocínio seja o de um homem razoável? Não sei quem me pôs no mundo nem o que é o mundo, nem mesmo o que sou. Estou numa ignorância terrível de todas as coisas. Não sei o que é o meu corpo, nem o que são os meus sentidos, nem o que é a minha alma, e até esta parte do meu ser que pensa o que eu digo, refletindo sobretudo e sobre si própria, não se conhece melhor do que o resto. Vejo-me encerrado nestes medonhos espaços do universo e me sinto ligado a um canto da vasta extensão, sem saber por que fui colocado aqui e não em outra parte, nem porque o pouco tempo que me é dado para viver me foi conferido neste período de preferência a outro de toda a eternidade que me precedeu e de toda a que me segue. Só vejo o infinito em toda parte, encerrando-me como um átomo e como uma sombra que dura apenas um instante que não volta. Tudo o que sei é que devo morrer breve. O que, porém, mais ignoro é essa morte que não posso evitar. Assim como não sei de onde venho, também não sei para onde vou. Sei, apenas, que, ao sair deste mundo, cairei para sempre no nada ou nas mãos de um Deus irritado, sem saber em qual dessas duas situações deverei ficar eternamente. Eis a minha condição, cheia de miséria, de fraqueza, de obscuridade. Concluo, de tudo isso, que devo passar todos os dias da minha vida sem pensar em descobrir o que me deve acontecer. Talvez pudesse encontrar algum esclarecimento nas minhas dúvidas, mas não quero dar-me a esse trabalho, nem dar um passo nesse sentido. Tratando com desprezo os que com isso se preocupam, quero experimentar esse grande acontecimento sem previdência e sem temor, deixando-me passivamente conduzir à morte, na incerteza da eternidade da minha condição futura. Quem desejaria ter como amigo um homem que assim falasse? Quem o escolheria para lhe comunicar as suas intimidades (confidências)? Quem recorreria a ele em suas aflições? Finalmente, a que utilidade, na vida, se poderia destiná-lo? Na verdade, é glorioso, para a religião, ter como inimigos homens tão insensatos, pois a sua oposição lhe é tão pouco perigosa que serve, ao contrário, para o estabelecimento de suas principais verdades. Com efeito, a fé cristã não visa, principalmente, senão a estabelecer estas duas coisas: a corrupção da natureza e a redenção de Jesus Cristo. Ora, se eles não servem para mostrar a verdade da redenção pela santidade dos seus costumes, servem ao menos, admiravelmente, para mostrar a corrupção da natureza com sentimentos tão desnaturados. Nada é tão importante para o homem como a sua condição, e nada lhe é tão temível como a eternidade. Por conseguinte, se se acham homens indiferentes à perda do próprio ser e ao perigo, de uma eternidade de miséria, isso não é natural. Procedem de modo inteiramente diverso em relação a todas as outras coisas: temem até as mais insignificantes, e as preveem, e as sentem. O mesmo homem que passa tantos dias e tantas noites cheio de cólera e de desespero por ter perdido um cargo, ou por alguma ofensa imaginária à sua honra, sabe também que vai perder tudo com a morte, sem que por isso se inquiete ou se comova. É uma coisa monstruosa ver, num coração e ao mesmo tempo, essa sensibilidade pelas menores coisas e essa estranha insensibilidade pelas maiores. É um encantamento incompreensível e um adormecimento sobrenatural, marcando uma força todo poderosa que os causa. É preciso haver um estranho abalo na natureza do homem para que possa vangloriar-se de se achar nesse estado em que parece incrível que uma só pessoa possa estar. No entanto, a experiência me faz ver tão grande número delas que seria de nos surpreendermos, se não soubéssemos que quase todas fingem ser assim e que não o são. São pessoas que ouviram dizer que as belas maneiras do mundo consistem em fazer-se de louco. É o que chamam ter sacudido o jugo e o que experimentam imitar. Mas, não seria difícil explicar-lhes quanto se arriscam quando dessa forma procuram a estima. Não é esse o meio de granjeá-la, mesmo quando se trata de pessoas que julgam sensatamente as coisas e que sabem que o único caminho para triunfar é aparentar honestidade, fidelidade, critério e capacidade de bem servir o amigo. De vez que os homens só gostam, naturalmente, do que lhes possa ser útil. Com efeito, que vantagem temos em ouvir um homem dizer que sacudiu o jugo, que não crê na existência de um Deus que vele sobre suas ações, que se considera como único senhor de sua conduta e que não pensa em prestar contas senão a si próprio?  Pensarão, por isso, que nos levarão a depositar-lhes mais confiança e a esperar seus consolos, conselhos e socorros em todas as necessidades da vida? Pretenderão alegrar-nos dizendo-nos que estão convencidos de que a nossa alma não passa de um pouco de vento e de fumaça, e isso num tom orgulhoso e satisfeito? Será coisa que se diga com alegria? Não será, ao contrário, uma coisa que deva ser dita com tristeza, como sendo a mais triste do mundo? Se pensassem nisso seriamente, veriam que isso é tão mal apanhado, tão contrário ao bom senso, tão oposto à honestidade e tão afastado em tudo dessa boa aparência que mostram, que seriam antes capazes de regenerar do que de corromper os que tivessem alguma inclinação para segui-los. E, com efeito, fazei-os prestar contas dos seus sentimentos e das razões que possuem para duvidar da religião (cristã); dirão coisas tão frívolas e tão baixas que vos persuadirão do contrário. Foi o que muito a propósito lhes disse um dia alguém: "Se continuardes a discorrer dessa maneira, na verdade me convertereis". E tinha razão, de fato, quem não teria horror de se ver com sentimentos em que se têm como companheiros pessoas tão desprezíveis? Eis porque os que não fazem senão fingir esses sentimentos seriam bem desgraçados em contrariar seu natural para tornar-se os mais impertinentes dos homens. Se se desgostam, no fundo do coração, por não terem mais luz, não o dissimulem, pois tal declaração não será vergonhosa. Só há vergonha em não a possuir. Nada acusa tanto uma extrema fraqueza de espírito como não conhecer qual é a desgraça de um homem sem Deus. Nada marca tanto uma disposição má de sentimentos como não desejar a verdade das promessas eternas; nada é mais covarde do que mostrar valentia contra Deus. Deixem, pois, essas impiedades para os que são de índole bastante má para serem verdadeiramente capazes disso, sejam ao menos homens de bem, se não puderem ser cristãos. E reconheçam, finalmente, que só há duas espécies de pessoas que podem ser chamadas de razoáveis: ou os que servem Deus de todo o coração porque o conhecem, ou os que o procuram de todo o coração porque não o conhecem. Mas, quanto aos que vivem sem conhecê-lo e sem procurá-lo dignos de seu próprio cuidado que não são dignos do cuidado dos outros, sendo preciso ter toda a caridade da religião (cristã) que eles desprezam para não os desprezar até abandoná-los em sua loucura. Mas, como essa religião (cristã) nos obriga a observá-los sempre, enquanto estiverem nesta vida. Como capazes da graça que pode esclarecê-los, e a acreditar que podem em pouco tempo tornar-se mais cheios de fé do que nós o somos, podendo nós, ao contrário, cair na cegueira em que eles se acham. É preciso fazer por eles o que desejaríamos que se fizesse por nós se estivéssemos em seu lugar, e chamá-los a ter piedade de si próprios e a dar ao menos alguns passos para tentar descobrir luzes. Dediquem a esta leitura algumas horas que tão inutilmente empregam fora. Se alguma aversão experimentarem, talvez reconheçam ainda assim alguma coisa ou, pelo menos, não perderão muito. Quanto aos que nisso usarem de toda a sinceridade e mostrarem um verdadeiro desejo de descobrir a verdade, espero que se satisfarão e ficarão convencidos das provas de uma religião (cristã) tão divina por mim coligidas (chegar a uma conclusão fazendo inferência sobre o assunto abordado) aqui. Livro Pensamentos de Blaise Pascal. Abraço. Davi.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

DEUS EXISTE ?

 

Cristianismo. www.suaescolha.com.br. Texto de Marylin Adamson. DEUS EXISTE? Pelo menos uma vez na vida, você não adoraria que alguém simplesmente lhe mostrasse a prova da existência de Deus? Sem quebra-de-braço, sem afirmações como: “Você tem que acreditar”. Bem, tentaremos apresentar aqui algumas das razões que sugerem a existência de Deus. Mas, considere que, se alguém se opõe radicalmente à possibilidade de Deus existir, então qualquer prova ou explicação apresentada aqui poderá ser imediatamente refutada. Ou seja, isso seria como se uma pessoa se recusasse a acreditar que o homem andou na lua. Nenhuma informação, por melhor que fosse, iria mudar o seu modo de pensar. Imagens via satélite de homens andando na lua, entrevistas com os astronautas, pedras lunares… todas as provas seriam sem valor porque a pessoa já concluiu que o homem não pode ir à lua. Quanto à existência de Deus, a Bíblia diz que há pessoas que têm prova suficiente de que Ele existe, mas encobrem essa verdade (Romanos 1,19-21). Por outro lado, há aquelas que querem saber se Deus existe; a essas Ele diz: “Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo coração. Eu me deixarei ser encontrado por vocês (…)”. (Jeremias 29,13-14). Antes que você olhe para os fatos relacionados à existência de Deus, pergunte-se: “Se Deus realmente existe, eu gostaria de conhecê-lo?”. 1. Deus Existe? Durante a história, em todas as culturas do mundo, as pessoas vêm sendo convencidas de que há um Deus. Podemos dizer, com algum grau de confiança, que todas essas pessoas estiveram ou estão erradas? Bilhões de pessoas, que representam diversos compostos sociológicos, intelectuais, emocionais, educacionais etc., todas chegaram à mesma conclusão de que há um Criador, um Deus para ser adorado: Pesquisas antropológicas atuais indicam que entre os povos primitivos mais distantes e remotos, existe uma crença universal em Deus. E, nas primeiras lendas e histórias dos povos de todo o mundo, o conceito original era de um único Deus, o qual foi o Criador. Um Deus altíssimo e original parece ter, uma vez, estado em suas consciências, mesmo naquelas sociedades que hoje se apresentam politeístas (Paul E. Little, Saiba O Porquê Você Acredita, Victor Books, 1988, pág. 22). 2. Deus Existe? A complexidade do nosso planeta aponta para um Desenhista, que, intencionalmente, não apenas criou nosso universo, mas também o sustenta hoje. Poderiam ser dados muitos exemplos mostrando o desenho que Deus fez da criação, e, possivelmente, não chegaríamos ao fim desse desenho. Mas aqui estão alguns traços dele: A Terra (…) seu tamanho é perfeito. O tamanho da Terra e a sua gravidade correspondente seguram uma camada fina de gases nitrogênio e oxigênio que se estendem, em sua maioria, até uns 80 quilômetros desde a superfície da Terra. Se a Terra fosse menor, a existência de uma atmosfera seria impossível, como ocorre no planeta Mercúrio. Se a Terra fosse maior, sua atmosfera conteria hidrogênios livres, como em Júpiter (R.E.D. Clark, A Criação, London, Tyndale Press, 1946, pág. 20; As Maravilhas da Criação de Deus, Moody Institute of Science, Instituto de Ciências Moody, Chicago, Il). A Terra é o único planeta conhecido que é provido de uma atmosfera com a mistura na medida exata de gases para sustentar vida humana, animal e vegetal. A Terra localiza-se na distância exata do sol. Pense nas variações de temperatura que enfrentamos, aproximadamente entre - 34.4 a + 48.9 graus. Se a Terra fosse um pouco mais distante do sol, nós todos congelaríamos. Um pouco mais perto e nós nos queimaríamos. Até mesmo uma variação fracionária da posição da Terra em direção ao sol tornaria a vida impossível no planeta. A Terra mantém sua distância perfeita do sol enquanto gira em torno dele numa velocidade de aproximadamente 107.825 quilômetros por hora. Também gira em torno de seu próprio eixo, permitindo que toda a superfície seja apropriadamente aquecida e refrescada todos os dias. Nossa lua tem o tamanho perfeito e está à distância exata da Terra por causa da força da gravidade. A lua cria movimentos importantes nas marés para que as águas não estagnem e ainda impede que os nossos oceanos massivos não inundem os continentes (The Wonders of God’s Creation, Moody Institute of Science, Chicago, IL). Água (…) incolor, inodora e insípida e ainda assim nenhum ser vivente pode sobreviver sem ela. Plantas, animais e seres humanos consistem, na sua maioria, de água (cerca de dois terços do corpo humano é composto por água). Você verá porque as características da água são tão particularmente apropriadas para a vida: A água possui pontos máximos de fervura e de congelamento incomuns, nos permitindo viver em um ambiente com temperaturas variantes, enquanto mantém nossos corpos em temperatura constante de 37 graus. A água é o solvente universal. Pegue um copo cheio d’água e adicione uma colher de açúcar e nada vai transbordar; a água simplesmente absorve o açúcar. Essa propriedade da água significa que milhares de produtos químicos, minerais e nutrientes podem ser carregados pelo nosso corpo todo e até dentro de vasos sanguíneos minúsculos (Ibid). A água também não apresenta mudanças químicas. Sem afetar o composto das substâncias que carrega, a água permite que comidas, remédios e minerais sejam absorvidos e usados pelo organismo. A água apresenta uma tensão de superfície única, pois, nas plantas, ela pode subir contra a ação da gravidade, trazendo nutrientes vivificantes até o topo da árvore mais alta. A água congela de cima para baixo, formando uma crosta que flutua; assim, os peixes podem viver no inverno. 97% da água da Terra encontram-se nos oceanos. Mas, em nosso planeta, existe um sistema que retira o sal da água e a distribui para todo o globo. É o processo de evaporação, que absorve as águas do oceano, deixando para trás o sal; depois forma nuvens que são facilmente levadas pelo vento a fim de dispersar, pela chuva, a água sobre a vegetação, animais e pessoas. Esse sistema purifica e recicla os recursos hídricos do planeta, para sustentar a vida aqui (Ibid). O cérebro humano (…) processa simultaneamente uma quantidade incrível de informações. O cérebro reconhece todas as cores e objetos que você vê; assimila a temperatura à sua volta; a pressão de seus pés contra o chão; os sons ao seu redor; o quão seca sua boca está e até a textura deste artigo em suas mãos. O seu cérebro registra respostas emocionais, pensamentos e lembranças. Ao mesmo tempo, seu cérebro não perde a percepção e o comando dos movimentos ocorrentes em seu corpo, como o padrão de respiração, o movimento da pálpebra, a fome e o movimento dos músculos das suas mãos. O cérebro humano processa mais de um milhão de mensagens por segundo (Ibid.). Ele avalia a importância de todos esses dados, filtrando o que é relativamente sem importância; um processo de seleção que lhe permite interagir com o ambiente em que você se encontra e se desenvolver de modo eficaz nele (…). O cérebro é algo que lida com mais de um milhão de informações por segundo, enquanto avalia as mais importantes, permitindo que o homem aja somente com as mais relevantes (…). Podemos mesmo dizer que esse tão órgão fascinante foi criado pelo mero acaso? Quando a NASA lança um foguete espacial, sabemos que não foi um macaco que planejou o lançamento, e sim mentes inteligentes e instruídas. Como explicar a existência do cérebro humano? Apenas uma mente mais inteligente e instruída do que a humanidade poderia tê-lo criado. 3. Deus Existe? Mero “acaso” não é uma explicação adequada. Imagine-se olhando para o Monte Rushmore, onde se encontram talhados os semblantes de George Washington (1732-1799), Thomas Jefferson (1743-1826), Abraham Lincoln (1809-1865) e Theodore Roosevelt (1882-1945). Você poderia acreditar que eles foram criados por acaso? Mesmo com a ação do tempo, vento, chuva e acaso, ainda fica difícil acreditar que algo como aquilo, ligado à história, tenha sido formado na montanha a esmo. O bom senso nos diz que pessoas planejaram e, talentosamente, talharam aquelas imagens. Este artigo apenas toca em poucos aspectos maravilhosos do nosso mundo: a posição da Terra em relação ao sol; algumas propriedades da água; um órgão do corpo humano. Alguma dessas coisas poderia ter sido criada por acaso? O distinto astrônomo, Sir Frederick Hoyle (1915-2001), mostrou como os aminoácidos, juntando-se a uma célula humana, são, matematicamente, um absurdo. Sir Hoyle ilustrou a fraqueza do “acaso” com a seguinte analogia. “Qual é a chance de um tornado soprar sobre um ferro-velho que contém todas as peças de um avião Boing 747; montá-lo por acidente e deixá-lo pronto para decolar? A possibilidade é tão ínfima a ponto de ser negligenciada, ainda que um tornado soprasse sobre ferros-velhos suficientes para encher todo o universo!” (Little, pág. 24). Quando se pensa sobre a complexidade da vida e do universo, é lógico pensar que um Criador inteligente e amoroso nos forneceu tudo que precisamos para viver. A Bíblia apresenta Deus como sendo o Criador e aquele que sustenta a vida. 4. Deus Existe? A noção de certo e errado inerente à espécie humana não pode ser explicada de modo biológico. Sempre emerge de dentro de todos nós, vindos de qualquer cultura, o sentimento de certo e errado. Até mesmo um ladrão se sente frustrado e maltratado quando alguém o rouba. Se alguém rapta uma criança da família e a violenta sexualmente, há uma revolta e raiva que confrontam aquele ato como maléfico, independente da cultura. De onde vem essa noção de errado? Como explicamos uma lei universal na consciência de todas as pessoas, que diz que assassinato por diversão é errado? Em áreas como coragem, morrer por uma causa, amor, dignidade, dever e compaixão; de onde vem isso tudo? Se as pessoas são meros produtos da evolução física, “sobrevivência do mais forte”, por que nos sacrificamos uns pelos outros? De onde herdamos essa noção interior de certo e errado? A nossa consciência pode ser mais bem explicada por um Criador amoroso que se importa com nossas decisões e a harmonia da humanidade. 5. Deus Existe? Deus não apenas Se revelou no que pode ser observado na natureza, e na vida humana, mas Ele se mostrou mais especificamente na Bíblia. Os pensamentos de Deus, personalidade e atitudes podem ser conhecidos somente se Deus resolve revelá-los. Tudo mais seria especulação humana. Nós perderíamos muito se Deus não quisesse ser conhecido. Mas Deus quer que o conheçamos e nos contou na Bíblia tudo o que precisamos saber sobre Seu caráter e como nos relacionarmos com Ele. Isto torna a fidedignidade da Bíblia algo de importância. As descobertas arqueológicas continuam confirmando, ao invés de refutarem, a precisão da Bíblia. Por exemplo, uma descoberta arqueológica no nordeste de Israel, em 1993, confirmou a existência do Rei Davi, autor dos muitos Salmos na Bíblia (Thomas McCall (1834-1904), “A Pedra da Casa de Davi”, A Carta Levita, Zola Levitt Ministries, Ministérios Zola Levitt, setembro de 1993). Os pergaminhos do Mar Morto, e outras descobertas arqueológicas, continuam a provar, de modo substancial, a precisão histórica da Bíblia. A Bíblia foi escrita em um período de mais de 1.500 anos, por mais de 40 autores diferentes, em diferentes locais e em continentes separados, escrita em 3 línguas diferentes, falando sobre questões diversas, em diferentes pontos da história (Josh McDowell (1939-  ), Evidências Que Exigem Um Veredito, San Bernardino, CA, Here’s Life Publishers, 1979, pág. 16). Ainda assim existe uma consistência incrível em sua mensagem. A mesma mensagem aparece por toda a Bíblia: 1. Deus criou o mundo em que vivemos e nos criou especificamente para termos um relacionamento com Ele. 2. Ele nos ama profundamente. 3. Ele é santo e consequentemente não pode ter um relacionamento com pessoas pecadoras. 4. Deus nos deu um caminho para nossos pecados serem perdoados. 5. Ele nos pede para que aceitemos o Seu perdão e que tenhamos um relacionamento com Ele que durará toda a eternidade. Além desse roteiro central, a Bíblia nos revela, de modo específico, o caráter de Deus. O Salmo 145 é um resumo típico da personalidade, pensamentos e sentimentos de Deus por nós. Se você quiser conhecer Deus, aqui está Ele. 6. Jesus Cristo é a imagem mais clara e específica de Deus, diferente de outras revelações dEle. Por que Jesus? Veja que em todas as outras principais religiões do mundo, você constatará que Buda, Maomé, Confúcio e Moisés se apresentam como mestres ou profetas; nenhum deles disse ser igual a Deus. Surpreendentemente, Jesus disse. E é nisto que Jesus se distingue de todos os outros. Jesus disse que Deus existe e que você estava olhando para o próprio Deus ao contemplá-lo. Apesar de Ele falar de Deus como Seu Pai Celestial, não era da perspectiva de separação, mas de uma união bem chegada, única para toda a espécie humana. Jesus falou que todo aquele que O tinha visto, tinha visto o Pai; todo aquele que acreditasse nEle, acreditaria no Pai. Ele disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida”. (João 8,12) Ele disse ter atributos pertencentes somente a Deus: ser capaz de perdoar as pessoas de seus pecados; libertá-las de hábitos pecaminosos; dar às pessoas uma vida mais abundante, dando-lhes, no céu, vida eterna. Diferente de outros mestres que faziam as pessoas se focarem nas palavras deles, Jesus faz as pessoas seguirem a Ele mesmo. Ele não disse: “sigam as minhas palavras e vocês encontrarão a verdade”. Ele disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. (João 14,6) Quais as provas que Jesus deu para dizer que era divino? E os pensamentos, expectativas e sentimentos de Deus pela raça humana? Ele fez o que as pessoas não podem fazer. Jesus fez milagres. Ele curou as pessoas: cegos, aleijados, surdos e até fez alguns viverem depois de estarem mortos. Ele teve poder sobre objetos: criou comida praticamente do nada; o suficiente para alimentar uma multidão de milhares de pessoas. Ele fez milagres na natureza: andou sobre um lago, ordenou uma tempestade em fúria parar por causa de uns amigos. Pessoas de todos os lados seguiam Jesus, porque Ele sempre ia ao encontro de suas necessidades fazendo algo miraculoso. Ele disse: “Creiam em mim quando digo que estou no Pai e que o Pai está em mim; ou pelo menos creiam por causa das mesmas obras”. (João 14,11). O que Jesus revelou da personalidade de Deus? O que Ele nos mostrou sobre os pensamentos, expectativas e sentimentos de Deus pela raça humana? Jesus Cristo mostrou que Deus é gentil, amoroso, consciente do nosso egoísmo e defeitos e ainda assim quer ter um relacionamento conosco. Jesus revelou que, apesar de Deus nos ver como pecadores merecedores da Sua punição, Seu amor por nós venceu. Jesus mostrou que Deus propôs um plano diferente, fazendo com que o seu Filho recebesse a punição por nossos pecados. Jesus aceitou esse plano de livre e espontânea vontade. Jesus foi torturado com um chicote de nove pontas afiadas. Uma “coroa” de espinhos de cinco centímetros cada foi colada em volta de sua cabeça. Prenderam-no em uma cruz, marretando pregos em Suas mãos e pés até a madeira. Tendo feito tantos milagres, esses pregos não O prenderam na cruz; o Seu amor por nós, sim. Jesus morreu em nosso lugar para que pudéssemos ser perdoados. Dentre todas as religiões conhecidas pela humanidade, apenas através de Jesus você verá Deus estendendo Suas mãos para os homens. Dando-nos uma maneira de termos um relacionamento com Ele, Jesus prova que há um coração divino que nos ama, indo ao encontro das nossas necessidades e nos aproximando dEle. Por causa da morte de Jesus, podemos ser perdoados, aceitos completamente por Deus e amados de forma genuína por Ele. Deus diz: “Eu a amei com amor eterno; com amor leal a atraí”. (Jeremias 31,3) Esse é Deus em ação! A prova mais conclusiva de que Jesus é igual a Deus é o milagre mais esquadrinhado de Jesus – Sua própria ressurreição de dentre os mortos. Jesus disse que três dias depois de ser enterrado, Ele voltaria a viver. No terceiro dia depois de sua crucificação, a pedra de quase duas toneladas que estava na frente do Seu túmulo tinha sido jogada para uma ribanceira (Josh McDowell, Mais Que Um Carpinteiro, Wheaton, Il: Tyndale House, 1977, pág. 88). A guarda de bem treinados soldados romanos viu uma luz cegante e um anjo. O túmulo estava vazio, exceto pelos panos de enterro que haviam sido enrolados no corpo de Jesus. Durante todos esses anos, análises legais, históricas e lógicas vêm sendo aplicadas à ressurreição de Jesus e a única conclusão possível até agora é a de que Jesus voltou de dentre os mortos. Deus existe? Se você quer saber, investigue sobre Jesus Cristo. Ele mesmo falou: “Pois Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito para que Todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3,16). Você quer começar um relacionamento com Deus e realmente saber se é aceito por Ele? Essa é uma decisão sua, não há coerção aqui. Mas se você quer ser perdoado por Deus e vir a ter um relacionamento com Ele, você pode fazer isso agora mesmo, pedindo-lhe perdão e convidando-O para entrar em sua vida. Jesus disse: “Eis que estou à porta [do seu coração] e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei (…)”.  (Apocalipse 3,20) Se você quiser assim fazer, mas não sabe muito bem como colocar em palavras, isto pode ajudar: “Jesus, obrigado por morrer por meus pecados. Você conhece a minha vida e sabe que preciso ser perdoado. Eu peço para que me perdoe agora mesmo e peço que entre em minha vida. Obrigado por querer ter um relacionamento comigo. Amém”. Deus vê seu relacionamento com Ele como algo permanente. Referindo-se a todos que nEle acreditam, Jesus disse: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão” . (João 10,27-29). E então, Deus existe? Olhando para todos esses fatos, pode-se concluir que realmente existe um Deus amoroso e que Ele pode ser conhecido de uma maneira íntima e pessoal. www.suaescolha.com.br. Abraço. Davi

 

sábado, 24 de junho de 2023

I. NOÇÃO DE DIREITO ISLÂMICO (SHARIA): RESUMO E INTRODUÇÃO

 

Islamismo. Monografia de final do curso em Direito de Zuhra Mohd El Hanini. TÍTULO: I. NOÇÃO DE DIREITO ISLÂMICO (SHARIAH). Alcorão Sagrado, capítulo 4 versículos 35 “Oh! Fiéis, sede firmes em observardes a justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que a testemunha seja contra vós mesmo, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja o acusado rico ou pobre, porque a Deus incumbe protegê-los. Portanto, não sigais os vossos caprichos, para não serdes injustos; e se falseardes o vosso testemunho ou vos recusardes a prestá-lo, sabei que Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis”. RESUMO. O Direito Islâmico tem sido foco de diversas indagações e curiosidades por parte do Ocidente. Não obstante, as informações a esse respeito, principalmente no Brasil, são escassas e muitas vezes não condizentes com os reais preceitos islâmicos, uma vez que são obtidas através de fontes não originais. Isso implica, muitas vezes, em prejulgamentos errôneos que transmitem a ideia de um direito ultrapassado. Este trabalho dedica-se a dar uma breve noção sobre o Direito Islâmico e do sistema jurídico adotado pelo Islamismo, obtida através de fontes originais islâmicas, com o intuito de trazer de forma mais correta as informações referentes a este complexo divino de normas e regras. Para isso, analisamos os conceitos do Islam, bem como suas bases e pilares fundamentais. Examinamos as questões políticas, tais como a do Estado Islâmico, seus objetivos, sua constituição, e os direitos referentes aos cidadãos no mesmo. Além disso, abordamos o conceito de Sharia, suas fontes e princípios gerais, verificando algumas das leis e regras norteadoras. Analisando suas implicações, seus conceitos as condições para que sejam aplicadas. As medidas de prevenção dos delitos e preservação das virtudes, e demais assuntos correlacionados ao tema. Trata-se de uma visão geral e sucinta deste sistema jurídico completo, com o objetivo de aclarar, informações errôneas bem como trazer à tona esse assunto tão atual e ao mesmo tempo tão desconhecido quanto aos seus princípios fundamentais, seus benefícios e sua justiça. Palavras chaves: Alcorão Sagrado – Direito Islâmico – Islam – Sunnah. INTRODUÇÃO. O estudo do direito trata-se de um estudo fundamental e abrangente, uma vez que integra grandes componentes da vida humana. No Ocidente, o direito limita-se a regulamentar a vida secular das pessoas, sem atribuir ou reverenciar o lado religioso, que não é nem sequer questionado. Desta forma, a religião no pondo de vista Ocidental não possui qualquer papel no sentido de adaptação de leis e códigos conforme seus princípios, ou até mesmo na conscientização contra os delitos, pois quanto a isso a ética social foi colocada no lugar dos princípios religiosos. Vários são os fatores que levaram a isso, mas podemos afirmar que a consciência capitalista de vida e a mudança de valores primordiais de moral, podem ter sido fatores determinantes. O Direito Islâmico diferencia-se de forma evidente de qualquer outra legislação pelo fato de não haver qualquer diferença ou divisão entre o secular e o mundano do religioso e espiritual. Pelo contrário, ambos caminham juntos para o objetivo comum que é a prevalência da justiça e do bem-estar na sociedade. Influenciando o ser humano através de seus dois sentidos – espiritual e material – a respeitar os preceitos da justiça e da retidão, o que certamente produz um efeito mais satisfatório. A título de exemplo dessa peculiaridade do Direito Islâmico, está a questão de que o mesmo direito que regulamenta e prescreve as leis de direito penal e comercial, institui as normas religiosas quanto à adoração e ao culto na adoração ao Criador do Universo. A fundamentação para isso parte da premissa lógica de que se a humanidade bem como o Universo à nossa volta tem um Criador Supremo e Sustentador em comum que regula as Leis Naturais de toda a sua criação. Por qual motivo devemos excluir da regulamentação das leis entre os homens, uma vez que somos totalmente dependentes dele? A Shariah trata-se da lei estipulada por Deus aos homens que regula a relação do homem com Seu Criador, a relação dos seres humanos entre si e a relação dos indivíduos com a criação. Trazendo o roteiro da busca da felicidade e da justiça plena nas relações do homem com tudo a sua volta. Toda a normatização desse direito, parte do Livro Sagrado Islâmico que é o Alcorão e dos ensinamentos do Profeta e Mensageiro de Deus Muhammad Ibn Abdullah (Maomé), sendo estas fontes imutáveis e eternas, preservadas há quinze séculos. Muitos são os conceitos e alegações errôneas atribuídas pelos ocidentais ao Islam e ao direito estipulado por ele, tais como a opressão feminina, a rigorosidade das penas, a não implicação destas leis no tempo moderno, entre outras. Ocorre, porém, que tais alegações demonstram o grande desconhecimento que os Ocidentais têm da Shariah e de seus enormes benefícios para a humanidade. O objetivo principal deste trabalho é apresentar a verdadeira face do Direito Islâmico. Desvendando os mitos, demonstrando a verdadeira maneira de aplicação de suas normas, baseando em fontes fidedignas e principalmente no Alcorão Sagrado e na Sunnah. Certamente, o estudo da Shariah ou Direito Islâmico é extenso e detalhista, pois abrange todos os focos da vida do indivíduo seja em sua particularidade como em sua vida social, não sendo, obviamente, possível ser esgotado nesse trabalho. Por este motivo limitar-se-á a abordar algumas noções e pontos relevantes como forma de demonstrativo e incentivo a um estudo mais aprofundado de suas leis e princípios norteadores. Para alcançar este objetivo, o trabalho foi dividido em quatro capítulos, em cada um dos quais será analisado pontos específicos referentes a Shariah. No primeiro capítulo serão tratadas questões referentes às noções gerais tais como a origem histórica do Direito Islâmico e seus efeitos na história mundial desde seu surgimento. Conceituar-se-á o Islam, abordando seus pilares da fé e sua crença, uma vez que toda a Shariah deriva dele. E, serão examinadas as fontes primárias e diretas do Direito Islâmico de onde emanam todas as normas. No segundo capítulo a análise recairá sobre os direitos políticos, tratando da democracia islâmica, a posição e finalidade do Estado Islâmico perante a lei, bem como os direitos dos indivíduos perante o Estado, e os direitos deste perante aqueles. Também versará sobre os direitos de um não muçulmano residente num Estado Islâmico. O terceiro capítulo versará sobre questões mais específicas do direito, tais como a definição de Shariah, seus princípios gerais bem como os direitos fundamentais do homem no Islam. Após isso serão divididas as leis islâmicas, para melhor estudo, da seguinte forma. 1. Leis Cultuais: Onde serão abordadas as normas referentes ao culto e adoração a Deus tais como a oração, o jejum etc. 2. Leis Morais: Onde serão examinados alguns dos conceitos morais que influenciam diretamente nos resultados positivos da lei. 3. Leis Sociais: Onde se verificará sucintamente a importância da vida em sociedade para a Shariah, e algumas das normas fundamentais estipuladas por ela. 4. Direito Civil: Onde se fará referência às normas de casamento, divórcio, sucessões etc., e seus regulamentos e requisitos de validade na Shariah. 5. Direito Comercial: Será abordado alguns aspectos mais relevantes tais como a compra e venda, o arrendamento rural, a questão da usura (juros), entre outros. 6. Direito Penal: Consistirá em análise referente às punições da Shariah, limitando a alguns dos crimes mais relevantes, analisando suas condições de caracterização, formas de prevenção e aplicabilidade das penas. E, finalmente no quarto capítulo será tratada resumidamente a questão processual, analisando as aptidões e qualidades de um juiz e seus julgamentos das demandas, bem como os meios de provas admitidos no Direito Islâmico. Universidade da Região da Campanha – Bagé – RS. Brasil. Abraço. Davi.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

II. RAJA YOGA

 

Hinduísmo. Livro a Ciência do Yoga. II. RAJA YOGA. Texto de I. K. Taimni (1898-1978). RAJA YOGA. Seção Um. SAMADHI PADA. Atha yoganusasanam. I-1. Será feita uma exposição da Yoga. Geralmente, um tratado dessa natureza, em sânscrito, começa com um sutra que dá uma ideia da natureza da tarefa. O presente tratado é uma “exposição” do Yoga. O autor não pretende ser o descobridor dessa ciência, mas apenas um expositor, que tentou condensar em uns poucos sutras todo o conhecimento essencial concernente à ciência que um estudante ou aspirante deve possuir. Muito pouco se conhece sobre Patanjali. Embora não tenhamos sobre ele uma informação que possa ser chamada propriamente histórica, ainda assim, de acordo com a tradição oculta, ele foi a mesma pessoa conhecida como Govinda Yogi e que iniciou Samkaracarya na ciência do Yoga. Da maneira magistral com que ele expôs o tema do Yoga nos Yoga Sutra, é obvio que ele foi um yogi muito avançado, com um conhecimento pessoal de todos os aspectos do Yoga, inclusive sua técnica prática. Como o método de expor um assunto na forma dos sutras é peculiar e geralmente pouco familiar aos estudantes ocidentais, que não conhecem a linguagem sânscrita, talvez não fosse demais dizer-se aqui umas poucas palavras sobre esse método clássico, adotado pelos sábios e letrados antigos na sua exposição que fizeram de alguns dos mais importantes temas. A palavra sutram, em sânscrito, significa “um fio” e este significado primário deu origem ao secundário de sutram como um aforismo. Do mesmo modo que um fio une uma quantidade de contas num rosário, a subjacente continuidade da ideia une, em linhas gerais, os aspectos essenciais de um tema. As características mais importantes desse método são a máxima condensação, consistente com a exposição clara de todos os aspectos essenciais, e a continuidade do tema fundamental, apesar da aparente descontinuidade das ideias apresentadas. Esta última característica é digna de nota, pois o esforço para se reconhecer o “fio” oculto do raciocínio, sob ideias aparentemente desconexas, muito frequentemente fornece a chave para o significado de muitos sutras. Deve-se lembrar que este método de exposição prevaleceu numa época em que a imprensa era desconhecida, e a maioria dos mais importantes tratados tinha de ser memorizada pelo estudante. Daí, a necessidade de condensar ao máximo. É claro que nada de essencial foi deixado de lado, mas tudo aquilo com que se esperava que o estudante estivesse familiarizado, ou que ele pudesse facilmente inferir do contexto, era cortado impiedosamente. O estudante verificará, em um estudo cuidadoso, quão enorme é a quantidade de conhecimento teórico e prático que o autor conseguiu incorporar em tão pequeno tratado. Tudo quanto é necessário para a devida compreensão do assunto foi dado num ou noutro lugar, sob forma estrutural. Mas a essência do conhecimento requerido tem que ser extraída, convenientemente preparada, analisada e assimilada, antes que o assunto possa ser completa e integralmente compreendido. O método sutra de exposição pode parecer, ao estudante moderno, desnecessariamente obscuro e difícil, mas se ele se dedicar ao trabalho requerido para domínio do assunto, compreenderá realmente sua superioridade sobre todos os demais métodos modernos de apresentação, demasiadamente fáceis. A necessidade de lutar com as palavras e as ideias e extrair seus significados ocultos assegura uma assimilação bastante completa do conhecimento e desenvolve, simultaneamente, os poderes e as faculdades da mente, em especial aquela importante e indispensável capacidade de extrair do recôndito da própria mente o conhecimento nele oculto. Embora esse método de exposição seja muito eficaz, apresenta também suas desvantagens. A principal é a dificuldade com que o estudante comum, não completamente familiarizado com o assunto, depara-se para encontrar o significado correto. Não somente é possível que ele considere muitos sutras difíceis de compreender, tendo em vista sua concisão, mas pode entender de modo completamente equivocado alguns deles, e perder-se de modo irremediável. Lembremo-nos de que, num tratado como o dos Yoga Sutras, por trás de muitas palavras há todo um padrão de reflexão, do qual a palavra é um mero símbolo. Para compreender o verdadeiro significado dos sutras, temos que estar inteiramente familiarizados com tais padrões. A dificuldade aumenta ainda mais, quando as palavras precisam ser traduzidas para um outro idioma que não contém termos exatamente equivalente. Aqueles que escreveram esses tratados tinham mentes superiores, eram mestres do tema e da linguagem com a qual lidavam. Não poderia haver falhas em seu método de apresentação. Mas ao longo do tempo, é possível que tenham ocorrido alterações fundamentais no significado das palavras e nos padrões de pensamento daqueles que estudaram esses tratados. E este fato gera infinitas possibilidades de enganos e interpretações errôneas de alguns dos sutras. Em tratados de natureza puramente filosófica ou religiosa, talvez tais equívocos não tivessem tanta importância, mas em um de natureza altamente técnica e prática, como os Yoga Sutras, podem levar a grandes complicações e, mesmo, sérios perigos. Felizmente, para o estudante sério, o Yoga sempre foi uma ciência viva no Oriente, e que tem contado com uma sucessão ininterrupta de especialistas vivos que continuamente verificam, com base em suas experiências pessoais, as verdades básicas dessa ciência. Isso tem ajudado não somente a manter vivas e puras as tradições da cultura do Yoga, mas também a preservar os significados das palavras técnicas, utilizadas nessa ciência, numa forma claramente definida e exata. Somente quando uma ciência está divorciada completamente de sua aplicação prática é que ela tende a perder-se num emaranhado de palavras que perderam seu significado e sua relação com os fatos. Ao mesmo tempo em que o método de apresentar um assunto sob a forma de sutras mostra-se perfeitamente adequado ao estudante prático e avançado, não há como negar sua difícil adequação às nossas condições modernas. Nos tempos antigos, aqueles que estudavam esses sutras tinham fácil acesso aos instrutores da ciência, que elaboravam o conhecimento corporificado em uma forma condensada, preenchiam as lacunas e davam orientação prática. Esses estudantes tinham tempo para pensar, meditar e extrair os significados por si mesmos. O estudante moderno, que está interessado apenas no estudo teórico da filosofia do Yoga, e que  não a está praticando sob a orientação de um instrutor especializado, não tem nenhuma dessas facilidades, e necessita de uma exposição clara e elaborada para que possa ter uma adequada compreensão do assunto. O estudante precisa de um comentário que não apenas explique o significado óbvio, mas também o significado oculto das palavras e expressões utilizadas, em termos dos conceitos com os quais está familiarizado e que pode facilmente compreender. Ele deseja seu alimento não sob a forma de “um comprimido”, mas de forma volumosa e, se possível, saborosa. Livro A Ciência do Yoga. Abraço. Davi.

terça-feira, 20 de junho de 2023

OS ANALECTOS - LIVRO X

 

Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS – LIVRO X. 1. Na comunidade local, Confúcio era submisso e parecia inarticulado. No templo ancestral e na corte, embora fluente, ele não falava com leveza. 2. Na corte, quando falava com ministros de nível hierárquico mais baixo, ele era afável; quando falava com ministros de nível hierárquico mais elevado, ele era franco, embora respeitoso. Na presença do governante, sua atitude, embora respeitosa, era calma. 3. Quando ele era chamado pelo senhor para receber um convidado, seu rosto adquiria uma expressão séria, e suas passadas tornavam-se vigorosas. Quando ele curvava-se para os seus colegas, esticando os braços para a esquerda ou para a direita, suas vestimentas seguiam-lhe os movimentos sem se desalinharem. Ele avançava com passos rápidos, como se tivesse asas. Após a retirada dos convidados, ele invariavelmente relatava: “O convidado foi embora”. 4. Ao atravessar os portões externos até a corte do senhor, ele esgueirava-se para dentro, como se a entrada fosse pequena demais para admiti-lo. Quando ficava parado, não ocupava o centro do portão de entrada [115] ; quando caminhava, não pisava na soleira. Quando ele passava pelo trono do governante, seu rosto assumia uma expressão séria, suas passadas tornavam-se vigorosas, e suas palavras pareciam mais lacônicas. Quando ele erguia a bainha de suas roupas para subir até o salão de audiências, ele se inclinava para a frente e parava de inspirar, como se pudesse prescindir da respiração. Quando ele saía e descia o primeiro degrau, relaxando a expressão, ele não mais parecia tenso. Quando ele chegava ao final dos degraus, seguia adiante com passos mais rápidos, e suas mangas pareciam asas. Quando retomava seu lugar, sua atitude era respeitosa. 5. Quando segurava a tabuleta de jade [116] , ele se inclinava, como se o peso da tabuleta fosse demais para ele. Segurava a parte superior como se estivesse se curvando numa saudação; segurava a parte inferior como se fosse entregar um presente. Sua expressão era solene, como se tivesse medo, e hesitante, e seus passos eram contidos como se seguissem uma linha predeterminada. Quando fazia o discurso, sua expressão era plácida. Em uma audiência privada, mostrava-se descontraído. 6. O cavalheiro evitava usar seda tingida de roxo escuro e marrom para lapelas e mangas. Seda vermelha e violeta não eram usadas para roupas informais. Quando, no verão, ele vestia uma roupa simples, fosse feita de tecido fino ou grosseiro, ele invariavelmente a usava sobre uma roupa de baixo. Por baixo de um casaco preto, ele usava pele de ovelha; sob um casaco branco, ele usava pele de falcão; sob um casaco amarelo, ele usava pele de raposa. Seu casaco de pele de raposa para usar em casa era comprido mas com a manga direita curta. Ele invariavelmente usava uma roupa de dormir que era tão longa quanto a metade da sua altura. [117] Por serem muito espessas, a pele da raposa e do texugo eram usadas como tapetes. Uma vez terminado o período de luto, ele usava qualquer tipo de ornamento na cintura. A não ser pelo manto cerimonial, tudo mais era costurado a partir de pedaços de tecidos. Casacos de pele de ovelha e gorros pretos não eram usados em visitas de condolências. No dia de Ano-Novo, ele invariavelmente ia à corte em roupas formais. 7. Em períodos de purificação, ele invariavelmente usava uma roupa de ficar em casa feita do material mais barato. Em períodos de purificação, ele invariavelmente seguia uma dieta mais austera e, quando em casa, não sentava no seu lugar habitual. 8. Ele não comia toda a sua porção de arroz refinado, nem comia sua parte de carne finamente cortada. Não comia arroz que ficara azedo ou peixe e carne estragados. Ele não comia alimentos que tivessem perdido a cor ou que tivessem mau cheiro. Ele não comia alimentos que não fossem devidamente preparados, tampouco comia fora de hora. Não comia alimentos que não tivessem sido devidamente cortados, tampouco comia se o molho certo não estivesse disponível. Mesmo quando havia bastante carne, ele evitava comer mais carne do que arroz. Apenas em se tratando de vinho ele não estipulava para si um limite rígido. Ele simplesmente nunca bebia a ponto de ficar confuso. Ele não consumia vinho ou carne comprados em lojas. Mesmo quando o prato de gengibre não era levado embora da mesa, ele não comia mais do que o apropriado. 9. Depois de participar de um sacrifício nos domínios do governante, ele não guardava sua porção da carne sacrificial de um dia para o outro. Em outros casos, ele não guardava a carne sacrificial por mais do que três dias. Se tivesse sido guardada por mais de três dias, ele não mais a comia. 10. Ele não conversava durante as refeições; tampouco falava quando deitado na cama. 11. Mesmo quando uma refeição consistia de apenas uma porção de arroz e caldo de legumes, ele invariavelmente oferecia um pouco em sacrifício e invariavelmente o fazia de modo solene. 12. Ele jamais sentava sobre uma esteira que não estivesse bem esticada. 13. Ao beber em uma reunião da comunidade, ele ia embora na mesma hora que aqueles que usavam bengalas. 14. Quando os camponeses exorcizavam maus espíritos, ele punha suas roupas de corte e postava-se sobre os degraus do leste. [118] 15. Ao enviar uma mensagem para alguém de outro reino, ele curvava-se até o chão duas vezes antes de despachar o mensageiro. 16. Quando K’ang Tzu mandou-lhe remédios de presente, [Confúcio] curvou a cabeça até o chão antes de aceitá-los. Entretanto, disse: “Como não conheço as propriedades destes remédios, não ouso prová-los”. 17. Os estábulos pegaram fogo. O Mestre, ao voltar da corte, perguntou: “Alguém se feriu?”. Ele não perguntou sobre os cavalos. 18. Quando o governante o presenteava com alimentos cozidos, a primeira coisa que ele invariavelmente fazia era prová-los, após ajustar sua esteira. Quando o governante o presenteava com alimentos crus, ele invariavelmente os cozinhava e oferecia aos ancestrais. Quando o governante o presenteava com um animal vivo, ele invariavelmente passava a criar o animal. À mesa do seu governante, quando este havia feito uma oferenda antes da refeição, ele invariavelmente começava pelo arroz. 19. Durante uma doença, quando o governante lhe fez uma visita, ele ficou deitado com a cabeça voltada para o leste, com suas vestimentas de corte abertas sobre si e sua faixa colocada ao lado da cama. 20. Quando chamado pelo governante, ele partia sem esperar que cavalos fossem atrelados à sua carruagem. 21. Quando entrou no Grande Templo, ele fez perguntas sobre tudo. [119] 22. Sempre que morria um amigo que não tinha parentes por quem o corpo pudesse ser levado, ele dizia: “O funeral partirá da minha casa”. 23. Mesmo que o presente dado por um amigo fosse uma carruagem e cavalos, ele não se curvava até o chão – a menos que o presente fosse a carne de um sacrifício. 24. Quando na cama, ele não ficava deitado como um cadáver; tampouco sentava formalmente, como um convidado, quando sozinho. 25. Quando ele encontrava uma pessoa simples em trajes de luto, mesmo que fosse algum conhecido, ele invariavelmente assumia uma atitude solene. Quando ele encontrava uma pessoa vestindo um gorro cerimonial ou alguém cego, mesmo que fossem conhecidos seus, ele invariavelmente mostrava respeito. [120] Ao passar por uma pessoa vestida de luto, inclinava-se para fora da carruagem para mostrar respeito; agia de forma similar para com uma pessoa que carregasse documentos oficiais. Quando um suntuoso banquete era trazido, ele invariavelmente assumia uma expressão solene e punha-se de pé. Quando havia uma repentino troar de trovões ou um vento violento, ele invariavelmente assumia uma atitude solene. [121] 26. Quando subia em uma carruagem, ele invariavelmente punha-se ereto e segurava a maçaneta. Quando na carruagem, ele não se voltava completamente para o lado de dentro, tampouco gritava ou apontava. 27. Assustado, o pássaro levantou-se e volteou antes de pousar. Ele disse: “Como a fêmea do faisão sobre a ponte da montanha sabe o momento certo, como sabe o momento certo, como sabe!”. Tzu-lu juntou as mãos em um gesto de respeito para com o pássaro que, batendo três vezes as asas, voou para longe. www.https//rt.br. Abraço. Davi

sábado, 17 de junho de 2023

II. A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA

 

Cristianismo. www.ecclesia.com.br. II. BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA E A BUSCA PELA UNIDADE. Por Ervino Schmidt. Mestre em teologia pela Universidade de Hamburgo – Alemanha. Pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Nele, os que dão seu assentimento pela fé não buscam coisa alguma além de Cristo. Os reformadores são unânimes em se voltar contra a invocação dos santos. Mas, é importante notar que, no fundo, ha uma concepção positiva dos santos. Numa lindíssima interpretação do Magnificat (1521) Lutero não se cansa de ressaltar o quanto podemos aprender em termos de espiritualidade, da oração de Maria. Aliás, a primeira edição dessa obra no Brasil foi promovida pela Igreja Católica Apostólica Romana. É um sinal visível de ecumenismo. A posição luterana conforme o artigo 21 da Confissão de Ausburgo é de grande respeito aos santos: Do culto aos santos ensinam que se pode lembrar a memória dos santos, a fim de lhes imitarmos a fé e as boas obras - E ainda mais: o artigo que fala dos santos, encontra-se na primeira parte da Confissão de Ausburgo, entre os artigos principais da fé, e não na segunda parte que fala das divergências. E expressamente se diz: Esta é, mais ou menos, a suma da doutrina entre nós. Pode-se ver que nela nada existe que divirja das Escrituras, ou da Igreja Romana, até onde nos é conhecida dos escritores. Assim sendo, julgam duramente os que requerem sejam os nossos tidos por hereges. A dissensão toda diz respeito a alguns poucos abusos, que se infiltraram nas igrejas sem autoridade certa. Temos ai, sem dúvida, indicadores que nos podem ajudar no caminho do diálogo ecumênico. 5. Dois novos dogmas marianos: imaculada conceição e assunção ao céu. Surgem novos dogmas marianos. Entende-se que todos eles são desenvolvimento das afirmações contidas no Novo Testamento e nas confissões da igreja antiga a respeito da concepção pelo Espírito Santo e do nascimento virginal. O nascimento virginal já havia sido ampliado no sentido de Maria semper virgo. Um passo além e então a afirmação da Imaculata Conceptio. Em 1854 o Papa Pio IX proclama: por singular privilégio da graça de Deus Todo-Poderoso, com vistas aos méritos de Jesus Cristo, salvador do gênero humano, desde o primeiro instante da sua conceição, foi preservada imune do labéu do pecado original ... 7 Maria é totalmente sem pecado. Ela está livre de qualquer mancha do pecado original. Isto para ouvidos protestantes soa como de difícil conciliação com a Sagrada Escritura, pois são muito habituados com a teologia paulina e, sobretudo, com a constatação em Romanos 3.10: Não há justo, nem sequer um. Não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus (v.23). Tem-se a impressão de que, no fundo, Maria não fazia parte do gênero humano. Cem anos mais tarde, já no nosso século, surgiu o quarto dogma mariano. Em 1950 o Papa Pio XII proclama a glorificação de Maria: no fim de sua vida terrena, a imaculada Mãe de Deus e sempre Virgem Maria foi levada com corpo e alma para a celeste glória. Para as igrejas da Reforma essa doutrina é estranha ao Evangelho. Ela espelha uma indevida glorificação da natureza humana. Maria é destacada da comunhão dos santos, é elevada para a celeste glória e colocada junto ao Filho. Desta forma ela é corredentora e mediadora de todas as graças. Estes dois novos dogmas são realmente problemáticos e são um empecilho para o diálogo ecumênico sobre o papel de Maria na história da salvação. Ulrich Wilckens, renomado professor de teologia evangélica diz: Ambos os dogmas se baseiam exclusivamente em uma tradição constitutiva extra e pós-bíblica. Isso ainda pode passar como fundamentação de uma piedade mariana do alvitre de cada um. Porém, ao elevá-los a dogma, o magistério eclesiástico pôs-se acima da Escritura e exerceu coação sobre as consciências. Com isso, o magistério impulsionou uma piedade mariana que (...) obscurece a visão sobre Cristo, mediador único entre Deus e o homem. Na concepção evangélica Maria é exemplo do agir gracioso de Deus. Como tal ilumina a existência cristã, mas não a fundamenta. Ela é ilustração, mas jamais norma da fé. 6. O lugar de Maria na espiritualidade das igrejas evangélicas, hoje. É difícil pintar um quatro preciso. A mesma igreja, em países e culturas diversas, assume atitudes e práticas diferentes quanto ao cultivo da memória de Maria. Mesmo no Brasil, há diferentes ênfases nas diversas igrejas. De modo geral, porém, pode-se dizer que as igrejas da Reforma assumiram as críticas feitas pelos reformadores quanto a invocação dos santos. Muitas vezes, porém, assumiram somente as críticas e deixaram de perceber a valorização do exemplo dos santos que também faz parte do pensamento da Reforma. Não se recorda os santos que nos antecederam na fé, também são esquecidos os exemplos de fé e os mártires de hoje. Mas o povo que ignora os exemplos verdadeiros de seu passado, torna-se sem raízes, sem identidade. Não se respeita o que se diz em Hebreus (13.7): Lembrai-vos dos vossos guias que vos pregaram a palavra de Deus, considerando atentamente a sua maneira de viver e imitando a fé que tiveram. Em datas especiais são lembradas unicamente as figuras dos próprios Reformadores. Quanto a Maria, ela é mencionada quando se recita os credos (Apostólico e Niceno) e na época de Natal. A Igreja Luterana tem belas canções natalinas nas quais se destaca o nascimento virginal de Jesus. Eis alguns exemplos: Menino lindo vos nasceu, Maria foi que à luz o deu;... (HPD, 16) ou ainda: Louvado sejas, O Jesus! Resplandece o céu em luz. Da Virgem nasceu em Belém; os anjos cantam: Cristo vem! Aleluia (HPD, 18). Mas a Igreja Luterana não tem hinos mariológicos. Maria não aparece no calendário litúrgico e no lecionário. Uma posição especial, neste particular, ocupa a Igreja Anglicana. Luiz Caetano Grecco Teixeira, teólogo anglicano, a meu pedido, escreveu um artigo com o titulo: A Bem-Aventurada Virgem Maria no Anglicanismo. Basicamente passo a reproduzir aqui, alguns pensamentos expressos neste seu artigo. O Livro de Oração Comum da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, aprovado pelo Sínodo Geral em 1984, registra as seguintes festas marianas: Anunciação (25 de março); Visitação (31 de maio); Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo (15 de agosto) e Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria (8 de setembro). Todas as festas tem seus próprios ordinários para a Eucaristia. No Hinário Episcopal, há mesmo um hino mariano.  VÍRGEM MARIA. 1. Honra demos a Maria. Virgem bem-aventurada. Adoremos a seu filho. Luz do céu a nós mandada. Deus menino veio a terra. Virgem mãe lhe deu beleza. Fez-se carne o Eterno Verbo. Nossa é dele a natureza. 2. Honra ao filho de Maria ! Em seu lar de piedade. Nem pobreza nem fadiga. Nele impedem a piedade. Seu amor a mãe bendita é constante puro e forte. Se deveres os separam. Nela pensa até a morte. 3. Toda glória ao Pai se oferta. Toda glória ao Filho seja. Toda glória ao Paracleto. Cante sempre a santa Igreja. Essa mesma trilogia. Lá no céu, Maria entoa. Repetida pelos santos. Pela terra inteira ecoa ! (Hino 107 – Hinário Episcopal). Mas, Caetano esclarece: Embora o calendário e o lecionário incluam festas marianas, não há culto mariano na Igreja Anglicana; o culto anglicano é exclusivamente Cristo Cêntrico e dirigido a Santíssima Trindade. Maria não ocupa nenhum lugar de destaque na liturgia anglicana, tampouco é invocada ou honrada nos altares. Maria é reverenciada e reconhecida como Mãe de Deus e, como os demais Santos do calendário, como testemunha do Cristo e referência para a vida dos cristãos. Os próprios para as festas marianas estão centrados no Cristo, único Senhor, único Mediador e único Intercessor diante do Pai. Não se dirigem orações nem louvores à Virgem, como não se dirigem orações aos demais Santos. Isso é praticamente uma regra geral. Podemos concluir que na Igreja Anglicana a Virgem Maria ocupa um lugar de destaque. Mas de modo algum é entendida como mediadora da graça. e tida, como nas demais Igrejas, herdeiras da Reforma como exemplo e modelo de fé, mas não como advogada ou cooperadora na graça. 7. Pistas para o Diálogo Ecumênico. Parece-me que ainda há um longo caminho a percorrer no que toca a compreensão do papel de Maria na história da salvação. Todos concordamos que a Mãe de Jesus faz parte, de maneira inalienável, da mensagem do nascimento do Filho de Deus. Em nenhuma época a Igreja pode ignorar Maria, a mãe terrena do Salvador. Mesmo assim há discrepâncias consideráveis de doutrina entre as igrejas da Reforma e, especialmente, entre elas e a Igreja Católica Apostólica Romana. Mas os diálogos ecumênicos dos últimos anos têm abrandado posições extremadas e criado um clima de respeito e confiança que permite dialogar sobre temas ainda bastante controversos. A própria abertura para o diálogo já é em si mesma, um gesto de amor. Para finalizar, algumas indicações que poderão ajudar na aproximação das igrejas no tocante a compreensão do papel de Maria: As Igrejas Protestantes devem conscientizar-se do seu crescente afastamento da linha original da Reforma ao não darem o devido espaço para a veneração (não invocação!) dos santos. Teríamos que começar já pelo Novo Testamento. Por que não chamar Paulo de São Paulo e Mateus de São Mateus? Um diálogo sobre a compreensão de comunhão dos santos certamente contribuiria para situar Maria na nuvem das testemunhas. Nem a morte rompe a comunhão daqueles que, em Cristo, estiveram fraternalmente unidos durante sua vida. Certamente há elementos não teológicos que dificultam a compreensão do papel de Maria na história da salvação. Por isso, o estudo juntos e a história poderá se constituir em importante contribuição para a aproximação. Deve-se tomar a sério que, desde o Concilio Vaticano II, a Igreja Católica oficialmente tem assumido uma orientação de menor euforia mariana. É importante também observar que o Vaticano II admite uma hierarquia de verdades (hierarchia veritatum) [11]. Os dogmas marianos de 1854 e 1950 poderiam, assim, receber menos destaque por amor aos irmãos que tem grandes dificuldades na compreensão deles. Recomenda-se que a Igreja Católica Apostólica Romana busque entender as dificuldades que as Igrejas da Reforma têm com certas expressões muito em voga na espiritualidade mariana, como: a Cristo através de Maria (ad Christum per Mariam), Rainha dos Céus, Advogada, Consoladora, Auxiliadora, Cooperadora na Graça e Medianeira. Para as Igrejas da Reforma, por sua vez, é importante procurar compreender todo o vasto campo da religiosidade popular. Religião age sobre os sentimentos. Estes, em seu curso, fogem ao consenso doutrinário que buscamos. Para o diálogo é decisivo reconhecer o esforço que, de parte a parte, está sendo feito no sentido de uma reconsideração da própria posição. A Igreja Católica, em boa medida, está tomando a sério o que diz o Vaticano II: Tanto nas palavras quanto nos fatos, evitem diligentemente qualquer coisa que possa induzir a erro os irmãos separados ou qualquer outra pessoa sobre a verdadeira doutrina da igreja. De qualquer modo, também nas afirmações sobre Maria não se deve pretender unanimidade, mas aceitar um legitimo pluralismo teológico das diversas igrejas. www.ecclesia.com.br/biblioteca. Abraço. Davi.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

O MITO DE ER

 

Filosofia. www.ensaiosenotas.com. Tradutor desconhecido. Livro A República de Platão. PLATÃO (428aC328) – O MITO DE ER. Na parte final de A República, Sócrates conta a experiência de quase morte de Er e sua viagem ao mundo dos mortos. Passou a ser um texto fundamental para a visão de mundo Ocidental de que a alma ou consciência sobrevive além da morte e fora do corpo. Em contraste com concepções de ressurreição presente nas religiões monoteístas cristãs, judaicas e islâmicas.

Sócrates (470aC399) — Não é a história de Alcino que te vou contar, mas a de um homem valoroso: Er, filho de Armênio, originário de Panfília. Ele morrera numa batalha; dez dias depois, quando recolhiam os cadáveres já putrefatos, o seu foi encontrado intacto. Levaram-no para casa, a fim de o enterrarem, mas, ao décimo segundo dia, quando estava estendido a pira, ressuscitou. Assim que recuperou os sentidos, contou o que tinha visto no além. Quando, disse ele, a sua alma deixara o corpo, pusera-se a caminhar com muitas outras, e juntos chegaram a um lugar divino onde se viam na terra duas aberturas situadas lado a lado, e no céu, ao alto, duas outras que lhes ficavam fronteiras. No meio estavam sentados juízes, que, tendo dado a sua sentença, ordenavam aos justos que se dirigissem à direita na estrada que subia até o céu, depois de terem posto à sua frente um letreiro contendo o seu julgamento. E aos maus que se dirigissem à esquerda na estrada descendente, levando, eles também, mas atrás, um letreiro em que estavam indicadas todas as suas ações. Como ele se aproximasse, por seu turno, os juízes disseram-lhe que devia ser para os homens o mensageiro do além e recomendaram-lhe que ouvisse e observasse tudo o que se passava naquele lugar. Viu as almas que se iam, uma vez julgadas, pelas duas aberturas correspondentes do céu e da terra; pelas duas outras entravam almas que, de um lado, subiam das profundezas da terra, cobertas de sujeira e pó. Do outro, desciam, puras, do céu, e todas essas aí que chegavam sem cessar, pareciam ter feito uma longa viagem. Chegavam à planície com alegria e acampavam aí como num dia de festa. As que se conheciam desejavam-se as boas-vindas, e as que vinham do seio da terra informavam-se do que se passava no céu. As demais, que vinham do céu, informavam do que se passava debaixo da terra. As primeiras contavam as suas aventuras gemendo e chorando. À lembrança dos inúmeros males e de tudo que tinham sofrido ou visto sofrer, durante a sua estada subterrânea, que tem mil anos de duração. Ao passo que as outras, que vinham do céu, falavam de prazeres deliciosos e de visões de extraordinário esplendor. Diziam muitas coisas, Glauco, que exigiriam muito tempo para ser relatadas. Mas aqui está o resumo, segundo Er. Por determinado número de injustiças que tinha cometido em detrimento de uma pessoa e por determinado número de pessoas em detrimento das quais tinha cometido a injustiça. Cada alma recebia, para cada falta, dez vezes a sua punição e cada punição durava cem anos, ou seja, a duração da vida humana, a fim de que a expiação fosse o décuplo do crime. Por exemplo, os que tinham causado a morte de muitas pessoas, seja traindo cidades ou exércitos, seja reduzindo homens à escravidão, seja se prestando a cometer qualquer outro tipo de maldade. Eram atormentados dez vezes mais por cada um desses crimes. Os que, em vez disso, tinham praticado o bem à sua volta, tinham sido justos e piedosos, recebiam, na mesma proporção, a recompensa merecida. A respeito dos que foram mortos ainda na infância ou que viveram apenas alguns dias, Er dava outros pormenores que não merece a pena referir. Para a impiedade e a piedade em relação aos deuses e aos pais e para o homicídio, havia, segundo ele, castigos e recompensas ainda maiores. Ele dizia ter estado presente quando uma alma perguntou a outra onde estava Ardieu, o Grande. Este Ardieu fora tirano de uma cidade de Panfília mil anos antes dessa época. Havia matado o seu velho pai, o irmão primogénito e cometido, dizia-se, muitos outros sacrilégios. Bem, a alma interrogada respondeu: “Não veio, não virá nunca a este lugar. Porque, entre outros espetáculos horríveis, vimos este: quando estávamos perto da abertura e prestes a subir. Depois de termos sofrido as nossas penas, vimos de súbito esse tal Ardieu com outros, a maior parte, tiranos como ele. Mas havia também particulares que se tinham tornado culpados de grandes crimes. Estes julgavam poder subir, mas a abertura recusou-lhes a passagem e mugia sempre que tentava sair um desses homens que se tinham consagrado inteiramente ao mal ou que não tinham expiado o suficiente. Então, dizia ele, seres selvagens, com os corpos em chamas, que estavam ali perto, ouvindo o mugido, agarraram alguns e levaram-nos. Quanto a Ardieu e aos outros, depois de lhes terem manietado e amarrado os pés e a cabeça, derrubaram-nos, esfolaram-nos, depois arrastaram-nos para fora do caminho e fizeram-nos dobrar sobre arbustos espinhosos. Declarando a todos os que passavam por que motivo os tratavam assim e que iam precipitá-los no Tártaro”. Nesse lugar, acrescentava, tinham sentido terrores de toda espécie, mas este sobrepunha-se a todos: cada um temia que o mugido se fizesse ouvir quando deveria subir e foi para eles uma viva alegria poderem subir sem que ele rompesse o silêncio. Tais eram, mais ou menos, as penas e os castigos, assim como as recompensas correspondentes. Cada grupo passava sete dias na planície. Ao oitavo, devia levantar o acampamento e pôr-se a caminho para chegar, quatro dias mais tarde, a um lugar de onde se via uma luz direita como uma coluna estendendo-se desde o alto. Através de todo o céu e de toda a terra, muito semelhante ao arco-íris, mas ainda mais brilhante e mais pura. Chegaram lá após um dia de marcha; e aí, no meio da luz, viram as extremidades dos vínculos do céu, porque essa luz é o laço do céu: como as armaduras que cingem os flancos das trirremes, mantêm o conjunto de tudo o que ele arrasta na sua revolução. A essas extremidades está suspenso o fuso da Necessidade, que faz girar todas as esferas; a haste e a agulha são de aço, e a roca, uma mistura de aço e outras matérias. É a seguinte a natureza da roca: quanto à forma, assemelha-se às deste mundo, mas, segundo o que dizia Er. Deve-se representá-la como uma grande roca oca por dentro, à qual se ajusta outra roca semelhante, mas menor, do modo como se ajustam umas caixas às outras, e, igualmente, uma terceira, uma quarta e mais quatro. Com efeito, há ao todo oito rocas inseridas umas nas outras, deixando ver no alto os seus bordos circulares e formando a superfície contínua de uma única roca em tomo da baste, que passa pelo meio da oitava. O bordo circular da primeira roca, a que fica no exterior, é a mais larga, depois seguem esta ordem: na segunda posição o da sexta, na terceira posição o da quarta na quarta posição o da oitava, na quinta a sétima, na sexta o da quinta, na sétima o da terceira e na oitava o da segunda. O primeiro círculo, o maior de todos, é o mais cintilante; o sétimo brilha com o mais vivo esplendor; o oitavo tinge-se da luz que vem do sétimo; o segundo e o quinto, que têm mais ou menos a mesma tonalidade, são mais amarelos que os anteriores; o terceiro é o mais branco de todos; o quarto é avermelhado; e o sexto é o segundo mais alvo. Todo o fuso gira com um mesmo movimento circular, mas, no conjunto arrastado por este movimento, os sete círculos interiores realizam lentas revoluções de sentido contrário ao do todo. Destes círculos, o oitavo é ornais rápido, depois seguem-se o sétimo, o sexto e o quinto, que ocupam a mesma posição em velocidade. Nesta mesma ordem, o quarto ocupava a terceira posição nesta rotação inversa; o terceiro, a quarta posição, e o segundo, a quinta. O próprio fuso gira sobre os joelhos da Necessidade. No alto de cada círculo está uma Sereia, que gira com ele fazendo ouvir um único som, uma única nota; e estas oito notas compõem em conjunto uma única harmonia. Três outras mulheres, sentadas ao redor a intervalos iguais, cada uma num trono, as filhas da Necessidade, ou seja, as Moiras, vestidas de branco, com a cabeça coroada de grinaldas. Elas cantam acompanhando a harmonia das Sereias, e são três: Láquesis canta o passado, Cloto, o presente, e atropo, o futuro. E Cloto toca de vez em quando com a mão direita no círculo exterior do fuso, para fazê-lo girar, enquanto atropo, com a mão esquerda, faz girar os círculos interiores. Quanto a Láquesis, toca alternadamente no primeiro e nos outros, com uma e outra mão. Assim, quando chegaram, tiveram de se apresentar imediatamente a Láquesis. Antes disso, um hierofante os pôs por ordem; depois, tirando dos joelhos de Láquesis destinos e modelos de vida, subiu a um estrado elevado e falou assim: “Declaração da virgem Láquesis, filha da Necessidade, Almas efêmeras, ides começar uma nova carreira e renascer para a condição mortal. Não é um gênio que vos escolherá, vós mesmas escolhereis o vosso gênio. Que o primeiro designado pela sorte seja o primeiro a escolher a vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor: cada um de vós, consoante a venera ou a desdenha, terá mais ou menos. A responsabilidade é daquele que escolhe. Deus não é responsável”. A estas palavras, lançou os destinos e cada um apanhou o que caíra perto dele, exceto Er, porque não lhe foi permitido. Cada um ficou então sabendo qual a posição que lhe tinha cabido por sorte. Depois, o hierofante estendeu diante deles modelos de vida em número muito superior ao das almas presentes. Havia de toda espécie: todas as vidas dos animais e todas as vidas humanas; viam-se tiranias, umas que duravam até a morte, outras, interrompidas a meio caminho, que acabavam na pobreza, no exilio e na mendicância. Havia também vidas de homens famosos, quer pelo seu aspecto físico, beleza, força ou aptidão para a luta, quer pela sua nobreza, e grandes qualidades dos seus antepassados. Havia também as obscuras em todos os aspectos, e o mesmo acontecia para as mulheres. Mas essas vidas não implicavam nenhum caráter determinado da alma, porque esta devia por lei mudar consoante a escolha feita. Todos os outros elementos da existência estavam misturados com a riqueza, a pobreza, a doença e a saúde, e os meios termos entre eles. Parece que é aqui, Glauco, que reside para o homem o maior perigo. Aqui está a razão por que cada um de nós, pondo de lado qualquer outro estudo, deve, sobretudo, preocupar-se em procurar e cultivar este, ver se está em condições de conhecer e descobrir o homem que lhe dará a capacidade e a ciência de distinguir as boas e as más condições e, na medida do possível, escolher sempre as melhores. Tendo em mente qual é o efeito dos elementos de que acabamos de falar, tomados juntos e depois em separado, sobre a virtude de uma vida, conhecerá o bem e o mal que proporciona uma certa beleza, unida à pobreza ou à riqueza e acompanhada desta ou daquela disposição da alma; quais são as consequências de um nascimento ilustre ou obscuro, de uma condição privada ou pública, da força ou da fraqueza, da facilidade ou da dificuldade em aprender e de todas as qualidades semelhantes da alma, naturais ou adquiridas, quando se misturam umas com as outras, para que, confrontando todas estas considerações e não perdendo de vista a natureza da alma, possa escolher entre uma vida má e uma vida boa, chamando má à que possa tomar a alma mais injusta e boa à que a torne mais justa, sem atender ao resto. Na verdade, vimos que, durante esta vida e depois da morte, é a melhor escolha que se pode fazer. E é preciso defender esta opinião com absoluta inflexibilidade ao descer ao Hades, para que também lá não se deixe deslumbrar pelas riquezas e pelos miseráveis objetos desta natureza; não se exponha, lançando-se sobre tiranias ou condições afins, causando, assim, males sem número e sem remédio e sofrendo, por conseguinte, outros ainda maiores; para saber, pelo contrário, escolher sempre uma condição intermediária e evitar os excessos nos dois sentidos, nesta vida, tanto quanto possível e em toda a vida futura, porque é a isto que se liga a maior felicidade humana. Pois bem, segundo o relato do mensageiro do além, o Hierofante dissera, ao lançar os destinos: “Mesmo para o último a chegar, se fizer uma escolha sensata e perseverar com ardor na existência escolhida, há uma condição agradável, e não má. Que o primeiro a escolher não se mostre negligente e que o último não perca a coragem”. Quando acabou de pronunciar estas palavras, disse Er, aquele a quem coubera o primeiro destino escolheu de imediato a maior tirania e, arrebatado pela loucura e avidez, apossou-se dela sem prestar a devida atenção ao que fazia; e não viu que o destino implicava que o seu possuidor comeria os próprios filhos e cometeria outros horrores; mas, depois de cair em si, bateu no peito e deplorou a sua escolha, esquecendo os avisos do hierofante, pois que, em vez de acusar a si mesmo por seus males, voltava-se contra a sorte, os demônios e tudo o mais. Era um dos que vinham do céu: tinha passado a vida anterior numa cidade bem policiada e aprendido a virtude por hábito e sem filosofia. E pode-se afirmar que, entre as almas assim pegas, as que vinham do céu não eram as menos numerosas, porque não tinham sido postas à prova pelos sofrimentos; pelo contrário, a maior parte das que chegavam da terra, havendo sofrido e visto sofrer as outras, não se precipitavam na escolha. Daí que, como dos acasos do sorteio, a maior parte das almas trocasse um bom destino por um mau e vice-versa. E assim, se sempre que um homem nascesse para a vida terrestre se dedicasse salutarmente à filosofia e o destino não o convocasse a escolher entre os últimos, parece, segundo o que se conta do além, que não só seria feliz neste mundo, mas que a sua passagem deste mundo para o outro e o regresso se fariam não pelo rude caminho subterrâneo, mas pela via unida do céu. O espetáculo das almas que escolhem a sua condição, acrescentava Er, valia a pena ser visto, porque era digno de dó, ridículo e estranho. Com efeito, era segundo os hábitos da vida anterior que, a maioria das vezes, faziam a sua escolha. Ele dizia ter visto a alma que foi um dia a de Orfeu escolher a vida de um cisne, porque, por ódio ao sexo que lhe dera a morte, não queria nascer de uma mulher. Tinha visto a alma de Tâmiras escolher a vida de um rouxinol, um cisne trocar a sua condição pela do homem e outros animais canoros fazerem o mesmo. A alma chamada em vigésimo lugar a escolher optou pela vida de um leão: era a de Ajax, filho de Télamon, que não queria voltar a nascer no estado de homem, pois não tinha esquecido o julgamento das armas. A seguinte era a alma de Agamenon; tendo também aversão pelo gênero humano, por causa das desgraças passadas, trocou a sua condição pela de uma águia. A alma de Atalanta, estando junto com as que tinham obtido uma situação intermediária, considerando as grandes honras prestadas aos atletas, não pôde ir mais além e escolheu-as. Em seguida, viu a alma de Epeio, filho de Panopeu, passar à condição de mulher perita, e, ao longe, nas últimas filas, a do bobo Tersites revestir-se da forma de um macaco. Por fim, a alma de Ulisses, a quem a sorte fixara o último lugar, adiantou-se para escolher; despojada da sua ambição pela lembrança das fadigas passadas, andou muito tempo à procura da condição tranquila de um homem comum. Com certa dificuldade, descobriu uma que jazia a um canto, desdenhada pelos outros; e, quando a viu, disse que não teria agido de maneira diferente se a sorte a tivesse chamado em primeiro lugar e, alegre, escolheu-a. De igual modo os animais passavam à condição humana ou à de outros animais, os injustos nas espécies ferozes, os justos nas espécies domesticadas; faziam-se assim cruzamentos de todas as espécies. Depois que todas as almas escolheram a sua vida, avançaram para Láquesis pela ordem que a sorte lhes fixara. Esta deu a cada uma o gênio que tinha preferido, para lhe servir de guardiã durante a existência e realizar o seu destino. O gênio conduzia-a primeiramente a Cloto e, fazendo-a passar por baixo da mão desta e sob o turbilhão do fuso em movimento, ratificava o destino que ela havia escolhido. Depois de ter tocado o fuso, levava-a para a trama de Átropo, para tomar irrevogável o que tinha sido fiado por Cloto; então, sem se voltar, a alma passava por baixo do trono da Necessidade; e, quando todas chegaram ao outro lado, dirigiram-se para a planície do Lete, passando por um calor terrível que queimava e sufocava, pois, esta planície está despida de árvores e de tudo o que nasce da terra. Ao anoitecer, acamparam nas margens do rio Ameles, cuja água nenhum vaso pode conter. Cada alma é obrigada a beber uma certa quantidade dessa água, mas as que não usam de prudência bebem mais do que deviam. Ao beberem, perdem a memória de tudo. Então, quando todas adormeceram e a noite chegou à metade, um trovão se fez ouvir, acompanhado de um tremor de terra, e as almas, cada uma por uma via diferente, lançadas de repente nos espaços superiores para o lugar do seu nascimento, faiscaram como estrelas. Quanto a ele, dizia Er, tinham-no impedido de beber a água; contudo, ele não sabia por onde nem como a sua alma se juntara ao corpo: abrindo de repente os olhos, ao alvorecer, vira-se estendido na pira. E foi assim, Glauco, que o mito foi salvo do esquecimento e não se perdeu, e pode salvar-nos, se lhe prestarmos fé; então atravessaremos com facilidade o Lete e não mancharemos a nossa alma. Portanto, se a editas em mim, crendo que a alma é imortal e capaz de suportar todos os males, assim como todos os bens, nos manteremos sempre na estrada ascendente e, de qualquer maneira, praticaremos a justiça e a sabedoria. Assim estaremos de acordo conosco e com os deuses, enquanto estivermos neste mundo e quando tivermos conseguido os prêmios da justiça, como os vencedores que se dirigem à assembleia para receberem os seus presentes. E seremos felizes neste mundo e ao longo da viagem de mil anos que acabamos de relatar. www.ensaiosenotas.com. Livro A República de Platão 10.614-10.621. Abraço. Davi