quarta-feira, 29 de julho de 2015

Mestre e Discípulo.

Budismo Nitiren Daishonin. Texto de Greg Martin. Gostaria de referir-me sobre a relação de Mestre e Discípulo. Tenho vários motivos para escolher este assunto. Em primeiro lugar, porque ouvimos falar muito a respeito disso nesses últimos dias. Na realidade, e na opinião de alguns, ouvimos falar muito sobre o assunto. De fato, passaram-se trinta anos quando comecei a praticar, e já se falava sobre esse assunto, hoje ouço falar muito mais de que naquele tempo e, para ser honesto, este assunto de Mestre Discípulo me incomodou durante muito tempo. Não sei exatamente porque me incomodava, mas posso lhes dizer que me alegrou quando deixamos de chamá-lo "Mestre Discípulo" e passamos a chamá-lo "Mentor Discípulo", me deu um certo alívio. Mas continuava a me preocupar. Somente a ideia do Mentor, a simples imagem dessa pessoa, era muito difícil de aceitar. Mas paralelamente, ao estudar, algo que desfruto fazendo, quando lia o Gosho, quando lia o Sutra de Lótus ou a orientação do presidente Ikeda, ficava evidente que não podia descartar esta parte do ensinamento. Não podia ignorá-la: era importante. Realmente, o Sutra de Lótus na sua totalidade gira em torno da relação, diálogo e interação entre o Budha Sakyamuni e seus discípulos. O Gosho de Nitiren Daishonin (1222-1282) é constituído de cartas escritas de um mestre aos seus alunos e pelo diálogo que ele criava nos seus escritos. Defrontava-me, então, com um verdadeiro dilema: por um lado, tinha aqui algo que não podia realmente compreender e que me sentia incomodado. Por outro lado era consciente da extrema importância de entender este ponto para poder compreender o budismo. Portanto, gostaria de referir-me a alguns aspectos de minha atual (já que ela continua crescendo e desenvolvendo-se) perspectiva sobre a relação Mentor Discípulo. E antes de mais nada desejaria ler um fragmento de uma orientação do presidente Ikeda extraída de Fé em ação: "O sangue vital do Budismo existe somente dentro da fé correta e manifesta-se na Lei. Uma correta fé, veículo da corrente vital do Budismo, só se transmite através da relação Mentor Discípulo. Nitiren Daishonin escreveu no Gosho Advertências sobre os atos contra a Lei: “Se alguém esquecer o mestre original que trouxe a água da sabedoria desde o grande oceano do Sutra de Lótus, para seguir a outro certamente se afundará no interminável sofrimento da vida e da morte. E minha análise sobre o assunto tem me levado à conclusão de que Mestre Discípulo é, de fato, um modelo de fé religiosa válido para o próximo milênio. E não somente para nós, constitui um modelo de postura religiosa orientadora para todas as filosofias. Até agora, o modelo aceito de fé religiosa em quase todas as tradições tem sido aquele de relação entre "ser superior e ser inferior". Com grande frequência o mestre se eleva ao nível de um deus, deixa de ser um ser humano para situar-se num posto elevado. O mesmo encontramos dentro do ser humano em sua postura da fé: olhar para cima procurando alguma entidade maior ou poderosa. Não só "esta pessoa" encontra-se sobre nós, ela é melhor do que nós, mais poderosa do que nós, mais sábia do que nós, mas também supõe que estejamos "aqui embaixo". Esta relação "mais alto e mais baixo" conduz ao modelo básico de fé religiosa: o de adoração. Acaba-se adorando a este ser, esta entidade ou qualquer que seja o nome que queiram lhe dar. Será este o modelo correto de fé religiosa válido para nossos dias, para esta época? Minha conclusão é "Não". No exato momento em que o fundador de uma religião, por mais grandioso que tenha sido, é colocado num pedestal (...) o que acontece conosco? Somos situados embaixo. Isto nada mais é do que o resultado de uma tendência humana profundamente enraizada que é a falta de fé em nós mesmos, e a dificuldade de acreditar nas nossas próprias possibilidades. É algo difícil, certo? Recitamos o Nam myoho rengue kyo, fazemos o Gongyo de manhã e à noite, aprendemos que nós somos o Budha (,,,), mas é difícil acreditar. É difícil de vivê-lo colocando em prática. Para os seres humanos é difícil aceitar nossa grandiosidade. Existe uma citação atribuída a Nelson Mandela (1918-2013) que afirma que não é da nossa fraqueza que temos medo, e sim de nossa luz, de nossa grandeza. Tememos que possamos chegar a ser, de fato, muito mais do que acreditamos ser. Temos a tendência de considerar outros como melhores, mais benevolentes, mais sábios, etc, e os colocamos num pedestal. Depositamos neles nossa confiança, esta é a história das religiões humanas. Em algumas tradições religiosas, se o fiel simplesmente pensasse em estar "lá em cima", esta arrogância já constituía uma heresia. Houve uma época na era Cristã em que torturavam e queimavam vivas às pessoas que afirmavam isso. Na A Sabedoria do Sutra de Lótus, o presidente Ikeda trata sobre esse ponto. Em referência ao Budha Sakyamuni (563 AC 480), Sensei cita a Jawaharlal Nehru (1889-1964), discípulo de Gandhi e primeiro governante da Índia após sua independência da Inglaterra em 1947, que afirmou uma vez que: no momento em que Sakyamuni foi elevado ao status de ser sobre humano pelos seus discípulos, sem dúvida cheios de boas intenções, e deixou de ser um ser humano para converter-se num deus, numa divindade, alguém melhor do que vocês e eu, foi nesse instante que desapareceu o humanismo do budismo. As pessoas começaram a venerar e buscar os poderes do Budha e, nesse processo, implicitamente aceitaram que eles mesmos careciam de poder. Viram como funciona? No mesmo instante em que começamos a buscar "fora", já estamos nos auto negando. E quanto mais o fazemos, mais difícil é acreditar naquilo que poderíamos ser. A maioria das religiões concluem que "nós não somos isso", "nós não podemos fazer" e que a única esperança que podemos ter é que, ao morrer, acabaremos indo para um lugar melhor. Ralph Waldo Emerson (1803-1882) afirmou que nos Evangelhos sempre lemos a respeito da grandiosidade do homem (...), mas na igreja somente escutamos sobre a grandiosidade de Jesus. É aqui onde está o problema: devemos implorar a Jesus que nos devolva o poder, que nos permita que Deus entre em nossas vidas (...). Esta é uma visão muito pessimista da condição humana! Num sábado à noite, há dois anos atrás, estava na minha casa quando recebi um chamado de um membro da Califórnia, ela trabalhava como produtora de um programa de televisão do Reverendo Lawson, um ministro batista de Los Angeles. Um convidado agendado não poderia ir ao programa, então me convidou no lugar dele para o programa do Domingo, que seria transmitido por um canal cristão. "Mas antes de responder a ela, ela advertiu-me" devo lembrá-lo que amanhã é domingo de Páscoa e o Reverendo certamente perguntará: O que pensam vocês os budistas a respeito da ressurreição de Cristo? Respondi a esta senhora: "A verdade é que não pensamos frequentemente sobre este assunto!". Ela disse: "Mas, Greg, esta seria uma grande oportunidade para estabelecer um vínculo, porque você se lembra que o Rev. Lawson, que foi um dos discípulos do famoso libertário Martin Luther King (1929-1968), e já ouvirá falar a respeito da SGI". Então eu disse: "Não tenho a mínima ideia do que possa falar com ele". E ela me respondeu: "Bom, acredito que você pensará em alguma coisa" (conhecia-me muito bem!). Acabei aceitando. Então comecei a orar sobre o assunto e a pensar. E o que eu faço se me fizer esta pergunta? O que vou responder?. Eu acabava de terminar um novo fragmento de "A sabedoria do Sutra de Lótus" que aborda o modelo de fé religiosa de Mestre Discípulo e segundo o qual poderíamos considerar Jesus, sua vida e sua ressurreição como um mestre, um guia, um modelo para nossa própria vida e não como alguém especial a quem não nos parecemos. Então disse a mim mesmo: "Teremos que ir corajosamente onde nenhum budista jamais foi e vejamos no que acontecerá!". Iniciou-se o programa e começamos a conversar, tal como havíamos previsto, olhou-me e me perguntou: "O que os budistas pensam a respeito da crucificação e da ressurreição de Cristo?". Respondi baseando-me no conceito de "Mentor Discípulo" como modelo de fé religiosa para o século XXI. (Nesse momento, o programa estava sendo assistido em 15 milhões de lares nos Estados Unidos, tinha certeza de que haviam vários cristãos me vendo e avisando: "Olha o que vai responder!. De todos os modos, fui em frente: "Bem, meu Mestre ensina que o modelo correto de fé religiosa deveria ser o de Mentor Discípulo e não o de Deus Seres humanos. Portanto, se estudamos a vida e a morte de Jesus como ser humano e modelo de vida para nos ensinar sobre nossas próprias vidas, então podemos ter algumas conclusões. Antes de mais nada, ele foi ressuscitado. Isso significa que a vida não termina com a morte, e sim que há algo além: voltaremos a renascer. E, também, ele ressuscitou em melhores circunstâncias, não é mesmo? Sentou-se à direita de Deus, se meu conhecimento sobre cristianismo não estiver errado: uma esplêndida circunstância para renascer. O que o fez merecedor de tal magnífico renascimento? Como ganhou isso?" E logo acrescentei: "Para compreendê-lo, deveríamos analisar sua vida". "Algumas conclusões são: primeiro, o simples fato de que alguém viva por muitos anos não determina em que condições renascerá. A duração da própria vida não constitui o ponto, porque Jesus não viveu muitos anos. Segundo, quanto sofrimento nós podemos evitar, ou quão fácil e cheia de conforto seja sua vida, também não constitui o ponto, porque Jesus, pelo contrário, viveu e morreu com sofrimento e dificuldades. Em compensação, deveríamos analisar a história de sua vida e tentar perceber a verdadeira mensagem que ela transmite, encontra-se em como ele tratou aos outros, especialmente àqueles que as pessoas ignoravam, discriminavam ou marginalizavam: aos doentes, aos que sofriam, aos pobres, aqueles das camadas mais baixas da sociedade. E a maneira com que ele tratou seus semelhantes é que define a dimensão deste homem. É devido a isso que renasceu numa circunstância melhor". Portanto nós, como budistas, poderíamos considerar Jesus como um grande mestre e encontraríamos sabedoria neste ponto. Podemos extrair o sábio ensinamento de que a maneira como vivemos esta vida determinará a próxima, qualquer que esta seja. E, que o ponto chave é a maneira como atravessamos esta vida, deveríamos seguir seu comportamento, ser nós mesmos Jesus, em vez de venerar seu poder. Por isso, poderíamos considerar Jesus um mestre. O Reverendo Lawson olhou-me firmemente e eu pensei: "Ah aqui vai ter encrenca". Mas disse: "Isto é absolutamente correto! Como lhe ocorreu isso?" Tinha tido a mesma conversa com Dean Carter no fim de semana passado e ele tinha me confessado: "Sim, isto é absolutamente correto. O triste é que a maioria dos cristãos não o sabem". Do ponto de vista do modelo Mentor Discípulo, o Mentor nunca deixa de ser um ser humano, e devido ao Mentor continuar sendo um ser humano, é que faz o modelo transforma-se em algo que podemos alcançar. Não somente temos a possibilidade, mas encontra-se imbuído da imagem de que nós estamos fazendo o mesmo que ele. Assim como o presidente Ikeda diz no "A sabedoria do Sutra de Lótus": a relação de Mentor Discípulo nos desafia como discípulos a ter uma visão fundamentalmente diferente de nós mesmos. Podemos deixar de nos ver como inadequados, incapazes, ou não possuidores das mesmas qualidades que ele. Como discípulos, como estudantes, se optarmos pelo modelo Mentor Discípulo, ao reconhecer que o Mestre põe uma meta muito alta, ele acaba por nos mostrar a incrível capacidade do ser humano. O propósito da vida do Mestre (Sakyamuni, T'ienTai, Nitiren Daishonin, o presidente Ikeda ou quem for) não é dizer: "Olhem como sou grande!". E sim expressar: "Considerem-me como um exemplo de o quão grandes vocês podem chegar a ser!". Isto constitui uma visão completamente diferente do assunto: é um desafio, é difícil de acreditar. Quando admiramos um grande Mentor e aquilo que têm conseguido com o seu incentivo, sua coragem, sua benevolência e sua sabedoria, a primeira coisa que pensamos é dizer: "Ele deve ser diferente de nós" porque sentimos uma lamentável consciência de nossas fraquezas, limitações, maldades, pensamentos negativos e tudo mais, é impossível imaginar, que dentro de nossa vida humana, existam exatamente as mesmas qualidades. Aí reside o ponto: a possessão mútua dos Dez Estados, ela nos ensina que o Budha se manifesta como um mortal comum mesmo que cheio de fraquezas, preguiça e todo tipo de tendências negativas, e que também possui todas as qualidades de um Budha. Sakyamuni no Sutra de Lótus tentava nos ensinar à sua maneira não somente o quanto era grande sua vida, mas o mais importante era que o quanto grande é a vida de cada ser humano individual, já que eternamente possuímos a natureza de Budha e podemos manifestá-la na nossa vida cotidiana. Infelizmente, poucos anos após sua morte, seus discípulos perderam esta visão e começaram a acreditar que Sakyamuni era alguém especial, diferente, alguém que vocês e eu jamais poderíamos alcançar. Foi então, evidentemente, que o Budha histórico foi promovido a algo superior e nós fomos rebaixados, esta é a lacuna que existe entre ele e nós. E quem apareceu convenientemente entre ele e nós? Os sacerdotes: eles mesmos criaram seus próprios empregos. Se eles nos tivessem elevado ao mesmo nível do fundador, não teria existido o negócio. Portanto, se nos basearmos nas suas fracas naturezas, não está entre os principais interesses dos sacerdotes lembrar-nos que nós leigos também possuímos esse poder. Assim foi que os sacerdotes transformaram-se em emissários, em enviados. Eles dizem: "Não se preocupe, irei à cima da montanha e regressarei trazendo-lhe a mensagem do Budha, confie em mim. Lhe contarei o que ele me disse, mas você (...) não, você não pode ir, não não não". No instante em que isto aconteceu, o humanismo do Budismo se perdeu. Centralizou-se nos sacerdotes e intermediários, enquanto que para as pessoas comuns, você e eu, que vivemos vidas comuns, o budismo transformou-se em algo impraticável em nossa vida diária, e assim nos tornamos dependentes dos "intermediários", que diziam, interpretavam, ajudavam a entender e nos "concediam" a sabedoria. Pedíamos ajuda a eles, e eles oravam por nós, por algum motivo sua oração era mais poderosa que a nossa. Eles estavam mais próximos de Deus porque encontravam-se sempre em cima da montanha. O mesmo aconteceu com Jesus. O Jesus humano converteu-se assim no "Senhor Jesus Cristo". Um exemplo muito interessante desse modelo de fé religiosa é estabelecido no feudalismo. Do mesmo modo, há um Senhor Jesus Cristo, um Senhor Sakyamuni e nós não somos mais do que os camponeses "vassalos da fé", não é assim? E eternamente permaneceremos como vassalos ou meeiros da fé, por assim dizer. E sempre estaremos endividados com o armazém da companhia e o mesmo acontecerá com os nossos filhos, que herdarão nossa dívida. O Budha possui três virtudes: a de pai, mestre e soberano. Graças ao fato de Nitiren Daishonin inscrever o Gohonzon, este também possui essas três virtudes. Mas isto gera três relações: a de Pai Filho, a de Mestre Estudante a de Amo Subordinado. Então, se o budismo tem a função de pai, então seus discípulos são os filhos do Budha. Frequentemente ouvimos que "todos somos filhos do Budha". Na verdade, se o budismo influenciou o cristianismo, assim como dizem que fez, então isto equivale ao "Filho de Deus". Todos somos filhos e filhas de Deus sob este aspecto. Mas o modelo de Pai Filho é o mais adequado para a fé budista? Apesar de constituir um aspecto importante, para que o Gohonzon funcione como um pai que nos abraça com amor e benevolência, que cumpra as funções que todo pai deve cumprir (...) então deve existir um filho. Portanto, um aspecto da fé consiste em aproximar-se do Gohonzon e à prática, e confiantes como crianças. Não quero dizer que permaneçamos sendo infantis, mas que a pureza e a sinceridade da confiança no Budha constituem um importante aspecto da fé e assim entendemos porque as dúvidas interferem na fé. Se o bebê duvidar do leite materno e falar: "Espera um minuto, quero uma análise disso antes de bebê-lo", então se defrontaria com um verdadeiro problema! Claro que não se trata de fé cega e de confiança cega. Não deveríamos ser incondicionais, mas possuir confiança. Quantas vezes nossos antecessores nos pedem que "confiemos no Gohonzon?". Para ser capaz de confiar, é necessário impedir e ultrapassar as próprias dúvidas, sem escondê-las. Casualmente numa destas noites me perguntava como seria ter uma fé livre de dúvidas. Escutamos muito frequentemente que "Se realmente tivéssemos fé, se verdadeiramente fôssemos sérios, nunca deveríamos duvidar". Então, assim que temos dúvida, nós sentimos envergonhados por isso, ou escondemos, ou queremos suprimir, não podemos contar a ninguém porque estaríamos evidenciando algo que anda mal em nós mesmos. E isto é incorreto. Todos duvidamos. De fato, o Budha usou a dúvida no Sutra de Lótus para despertar o espírito de procura dos seus discípulos e ajudá-los a atravessar o lugar no qual se encontravam crentes de que já tinham atingido um novo estágio na fé. A dúvida constitui o primeiro passo para aprofundar nossa fé, portanto, não deveríamos nos envergonhar de nossas dúvidas, pelo contrário deveríamos ser honestos, assumi-las, enfrentá-las, explorá-las, porque uma fé mais profunda nos aguarda no final desse processo. Quanto mais profundas são nossas dúvidas, mais profunda é a fé que conquistamos uma vez que as vencemos. Portanto, deveríamos nos esforçar para ter uma fé "libertadora de dúvidas". Não livre de dúvidas e sim "libertadora de dúvidas", porque ao aplicar a força de nossa fé e prática para resolver nossas dúvidas nasce uma fé mais profunda. Esse é o verdadeiro aspecto de uma "criança". Mas a relação Pai Filho possui suas implicações. Uma criança depende do seu pai, não é igual ao pai. E, por isso, não constitui o modelo adequado de fé religiosa para nós, já que não desejamos ser dependentes de nosso mentor, sempre obrigados a lhe pedir nosso alimento, sempre escutando o que temos que fazer e necessitando da sabedoria necessária para decidir por nós mesmos. Ser dependente do Mentor também não é o modelo correto de fé. Por outro lado, existe a relação Soberano Súdito. Este é o modelo feudal do senhor e seus vassalos. A função do senhor feudal é proteger. No sistema feudal, os senhores tinham as armas e os soldados e assim protegiam as aldeias. Os vassalos faziam suas tarefas, cultivavam os campos e serviam ao seu senhor feudal. Este, em troca, os protegia. Portanto, a função de proteção surge quando participamos na nossa fé como bons soldados, como bons cidadãos da comunidade budista. Em nossos dias de democracia, predomina o pensamento de que a união dos budistas é o verdadeiro soberano, e não um indivíduo em particular. Na medida em que servimos a um grande objetivo, participando na grande tarefa do Kossen-rufu e concretizando o desejo do Budha como bons cidadãos da comunidade, estaremos protegidos. Mas a relação Soberano Súdito também tem implicações que não são apropriadas para um modelo de fé religiosa. O sujeito, o vassalo, nunca chegará a ser um senhor do sistema feudal: existe uma diferenciação entre classe alta, classe baixa, poderoso e fraco: definitivamente não é uma relação igualitária. Por isso, é importante servir à comunidade isso é correto e não o descartamos, mas também não constitui o modelo principal. O principal modelo de fé religiosa é o de Mestre Estudante porque constitui uma relação humana dentro da qual o estudante pode aspirar não somente se igualar ao seu mestre como também até ultrapassá-lo podendo ir mais longe do que ele. De fato, o desejo do mestre é que o estudante não só alcance ser igual a ele, partindo do que o mestre o ensinou, mas que o leve ainda a um nível mais alto. Este é o modelo correto de fé religiosa. Nós não escolhemos nossos pais, não escolhemos nosso soberano, ainda que desde o ponto de vista cármico o façamos, mas nós escolhemos nosso mestre. É uma escolha voluntária que fazemos e, devido ao fato de ser voluntária, constitui uma das relações mais importantes que podemos vir a ter na nossa vida. Existe um termo japonês chamado "judoshu" que significa "espírito de procura ao longo de uma vida". Não é nada fácil manter o espírito de procura ao longo da vida, é mais fácil quando somos jovens. Mas à medida que envelhecemos, torna-se mais difícil continuar buscando esse espírito, permanecer no caminho sem fim do crescimento pessoal e nunca chegar a um ponto no qual estamos satisfeitos e dizer: "eu consegui". De fato, minha própria experiência me ensina que quando penso que "Consegui" é onde corro mais perigo, isto porque é evidente que não o consegui, pelo contrário estou continuamente "conseguindo". Estou buscando constantemente e este é um aspecto importante de nossa fé. Existe um termo chamado "juji soku ganjin" que significa: abraçamos o Gohonzon com estas três orientações espirituais que acabamos de ver: como crianças, buscamos e confiamos no Gohonzon. Como estudantes, buscamos e confiamos no Gohonzon, buscamos nosso mentor Nitiren Daishonin ou o presidente Ikeda, que encarna o mentor porque é um excelente exemplo do que deve ser um discípulo. O presidente Ikeda está nos mostrando "Assim é como devemos caminhar nesta vida como discípulos de Nitiren Daishonin. Observem-me, eu lhes ensinarei. Lhes explicarei, lhes direi como serem excelentes discípulos". E "excelente discípulo" significa para Sensei "compartilhar o mesmo coração de Nitiren Daishonin". Os discípulos de Sakyamuni Budha, sem dúvida que por causa da sua sincera devoção, o elevaram a um plano especial, como alguém que se encontrava acima do ser humano comum e, nesse momento, a humanidade do budismo perdeu-se de vista. Nitiren Daishonin compreendeu perfeitamente este ponto. No Gosho "Sobre atingir o estado de Budha", Nitiren Daishonin afirma "Jamais pense que os 80.000 ensinos de Sakyamuni, assim como todos os Budhas e Bodhisattvas do universo, existem fora de sua vida". Está enfatizando esse exato ponto. O Budha Sakyamuni não está fora de nós, e sim que ele, o estado de Budha, encontra-se dentro de nós, e repete esta mensagem sempre em todos os seus Goshos. Nitiren Daishonin escreveu o Gosho "A abertura dos olhos" para abrir os olhos das pessoas para o seu próprio estado de Budha. Então, quem é o pai, mestre e soberano de todos os seres vivos? É Nitiren Daishonin. Mas essa não foi a única razão pela qual ele escreveu este tratado, e também o fez para abrir nossos olhos para as nossas próprias possibilidades. Mas, pouco após à sua morte e no fim de poucas gerações, Nitiren Daishonin, um ser humano incrível, benevolente, sábio, etc., mas ser humano em última instância, foi endeusado e nós começamos a nos auto degradar e a ideia do Budha Verdadeiro ou do tesouro do Budha deixou nos excluídos a vocês e a mim. Aquele ser humano converteu-se em algo "especial" e seus discípulos tinham esquecido sua mensagem. O 26º Sumo Prelado, Nitikan Shonin, lembrou isto e retornou ao ponto primordial. Ele disse: "O estado de vida de Nitiren está dentro de vocês, dentro das vidas de todas as pessoas que recitam o Nam myoho rengue kyo ao Gohonzon: vocês são Nitiren Daishonin". Mas, logo, esta mensagem voltou a ficar de lado. E então não foi um monge quem a reencontrou, e sim Tsunessaburo Makiguti, e depois a transmitiu para Jossei Todda. E Todda pela sua vez a transmitiu ao presidente Ikeda e ele está hoje tentando transmiti-la a todos nós. A chave é: nunca, mas nunca, jamais permitam a ninguém que se coloque acima de vocês mesmos. A relação Mentor Discípulo constitui um vínculo humano. É verdade que os grandes mentores são pessoas incríveis que elevam os padrões até uma altura que às vezes é difícil de alcançar. Mas o propósito e significado de suas vidas e ensinos não é a respeito deles mesmos, e sim de nós. Trata-se de nos imaginarmos fazendo o mesmo que eles, encontrando dentro de nós suas maravilhosas qualidades. O Mentor nos diz: "Observem-me, lhes mostrarei o que podem chegar a fazer (...) o que podem chegar a ser". Mas, de novo, nos custa acreditar. Muitas vezes tenho ouvido os membros referirem-se ao presidente Ikeda com frases do tipo : "O presidente Ikeda pode fazer isso, mas eu não poderia". Falamos dele como se fosse alguém especial. Sim, é verdade que ele é grande, e eu também sinto-me assim com respeito a ele, mas no mesmo instante em que pensei que ele tem algo que eu não tenho (...) ele realiza e eu ainda estou na possibilidade. E tenho o mesmo potencial dentro de mim ao ponto que posso aprender com ele através de seu exemplo, das suas orientações e das suas ações que me mostram o que posso fazer e como posso desafiar meus próprios limites para chegar a ser um dos milhares de milhões de presidentes Ikeda e Shin iti Yamamoto que vivemos neste planeta. Devo me tornar num deles, não simplesmente buscar seu poder. Neste sentido, a relação Mentor Discípulo é realmente um modelo de fé religiosa. Representa uma orientação diferente e desafia o discípulo a pensar por si mesmo de uma perspectiva completamente diferente, e possuir um paradigma próprio a respeito de si mesmo. Um dia desses li um livro interessante: "Por que o cristianismo deve mudar ou morrer", escrito por um bispo episcopal, um tanto radical, de nome Spong. Ele enumera uma série de pontos importantes: primeiro, Deus deve deixar de ser visualizado ou idealizado sob o que ele chama de "imagens elevadas". Enquanto os cristãos continuarem considerando que Deus está "lá em cima" e "lá fora", a igreja estará condenada a morrer porque fica claro que não há nenhum lugar "lá em cima". E onde mais poderia estar? E responde numa linguagem muito interessante: "Devemos começar a pensar em Deus do ponto de vista de imagens de profundidade, e acrescenta "Devemos pensar em Deus como uma força que emerge da terra". Segundo, devemos deixar de considerar a Jesus como Deus e, ao contrário, começar a vê-lo como um mestre. Na medida em que os cristãos não o façam, a igreja seguirá o caminho para a sua própria morte. Os velhos modelos não funcionam mais. As pessoas já têm evoluído além do modelo feudal". Terceiro, "devemos deixar de pensar na igreja como numa instituição ou uma entidade formal e começar a vê-la como um conjunto de seres humanos". Interessante, não é mesmo? Quando terminei o livro, disse a mim mesmo: "Nós vemos o cristianismo converter-se em budismo porque é exatamente isso o que estamos presenciando. E é precisamente esta a razão pela qual, quando os budistas acabam descobrindo uma linguagem comum, poderemos comunicar-nos com tantos e tantos cristãos. Spong também escreve: "Existem milhões que chamamos cristãos no exílio que possuem uma crença básica, mas não conseguem ligarem-se com os ensinamentos que descem do púlpito nos nossos dias". Quando encontrarmos a linguagem precisa que necessitamos usar, quando começarmos a nos ligar à eles, emergindo da terra, e Jesus como mestre e tudo isso, então haverá muitas pessoas que se sentirão como no seu próprio lar conosco. Outro livro, "Soka Gakkai na América", é um estudo de nossa organização realizado por Phillip Hammond (1962-  ) da Universidade de Califórnia em Santa Bárbara. Ele fez um levantamento de nossos membros e conseguiu uma análise muito boa de nossa organização. Há muito para aprendermos e faz uma observação muito interessante: Existem investigações demográficas que mostram a identificação de três linhas básicas de pensamento na América do Norte atualmente. A primeira é representada pelo que se nomeou como "Habitantes Primordiais", que são os fundamentalistas. Essas pessoas tendem a viver à margem das mudanças do mundo. Cerca de 30% dos norte-americanos são "Habitantes Primordiais". Estas pessoas gostariam que retornassem os valores de antigamente, são os que acreditam que o passado é melhor do que o presente e que a questão é regredir àquele tipo de vida. São tradicionalistas, do ponto de vista religioso são fundamentalistas. O segundo grupo constituem os "Modernistas". Cerca de 40% dos norte-americanos são "Modernistas". Essas pessoas acreditam no progresso e na ciência e, vivem atrás do dinheiro e do êxito, e todas essas coisas, acreditam que obtendo-as serão felizes. O restante 30% dos norte-americanos são os denominados "Trans modernistas". Esse grupo acredita na ciência, no progresso e tudo mais, mas sabem que não conseguirão o que o grupo anterior acredita que conseguirá e, por isso, vão além: dão grande importância à espiritualidade. Esse grupo se aproxima de nossas crenças quase que exatamente. Acredita-se que existam aproximadamente 44 milhões de norte-americanos que se poderiam chamar de "pró budistas". Já são budistas, mas ainda não o sabem. Hammond também ressalta que a maioria de nós, quando encontramos o budismo, não experimentamos uma mudança radical de pensamento. Pelo contrário, quando temos encontrado este Budismo, nos sentimos em casa desde o começo. Sentimos: "Isto é o que eu vinha acreditando!". Hammond diz que, surpreendentemente, não existe um processo de conversão definido, mas há um processo de descobrimento e a sensação de que "finalmente encontrei um grupo, um local, um ensinamento de acordo com aquilo que venho acreditando esse tempo todo". Ele acredita que existam 44 milhões de pessoas esperando somente descobrir que nós existimos. É um pensamento muito estimulante se o analisarmos profundamente. Por último, creio que a relação Mentor Discípulo trata principalmente a respeito do desenvolvimento espiritual, moral e de caráter do discípulo. Constitui um desafio para todos nós. É um modelo que nos exige pensemos de maneira diferente, para irmos além de nossos limites. Já rejeitamos o conceito tradicional de ser humano, e também deixamos de implorar a algum poder externo para que nos ajude porque sentimos que não somos capazes em conseguir outro conhecimento. Então, agora o desafio que enfrentamos está em aceitar e olhar no nosso interior e descobrir a grandeza que existe nas profundezas e nos corações de cada um dos seres humanos, as imensas qualidades de coragem, autoconfiança, esperança, sabedoria e perseverança que todos possuímos em idêntica medida, mas que teimamos em negar. Vivíamos na descrença pois nunca tínhamos encontrado um método pelo qual pudéssemos abrir a chave de nosso depósito de grandeza para deixá-lo fluir livremente. Pelo contrário, a religião, a filosofia, a educação, vêm nos ensinando que somos limitados. Que é arrogância pensar o contrário, que tais aspirações estão além de nossas possibilidades humanas. Então acabamos depositando nossa confiança e nossa fé naqueles que acreditamos serem melhores do que nós. É preciso que isto mude. O estado de Budha reside no despertar para o nosso verdadeiro eu. Nitiren Daishonin nos transmitiu a prática do auto despertar. Inscreveu sua vida no Gohonzon, mas não para que venerássemos sua vida e seu poder, e sim para que, quando defrontamos o Gohonzon, possamos perceber que a chave está ali. E a chave é "Nam myoho rengue kyo Nitiren". Devotem-se com suas mentes, suas vozes, com seus corpos à Lei Mística de causa e efeito e manifestarão a vida de Nitiren Daishonin no seu interior. A Lei e o Budha dentro de nossas vidas são um só. O Gohonzon é uma mensagem às gerações futuras pois Nitiren compreendeu a natureza humana: sabia que a chave se perderia assim que ele desaparecesse. Imagino o que ele se perguntou: "Como posso enviar uma mensagem ao futuro de maneira tal que, ainda que percam a chave, qualquer um possa redescobri-la para revelar o grande significado, o grande poder do Budismo e da prática budista?" Então a colocou diante de nós. Sim, à nossa frente está a chave. Mas se recitarmos daimoku frente ao Gohonzon pensando que o poder está fora de nós, achando que o Gohonzon irá sair por aí para fazer as coisas por nós, então não compreendemos a chave. Com certeza, o clero da Nitiren Shoshu tem mal interpretado a chave. Eles acreditam (e é o que ensinam) que o Dai-Gohonzon constitui a raiz, que o Sumo Prelado é o tronco e que o sacerdote é o galho. Que nosso Gohonzon é a folha e que o poder de nossos Gohonzon provêm dele . Acreditam que Nam myoho rengue kyo significa "Eu o tenho" em vez de "Nós o temos". Acham que "Nam myoho rengue kyo Nitiren" significa "Eu sou o Budha Verdadeiro" em vez de "Todos nós somos os Budhas Verdadeiros e Originais". (Diga-se de passagem, as "folhas" de nossos Gohonzon caíram da árvore (segundo disse o reverendo Nagasaki em New York). Obviamente, isto é incorreto. Se vocês leem o Gosho fica claro que não é este o caso. Mas é compreensível porque, nas profundezas dos seres humanos sempre existe esta absurda descrença em nós mesmos, esta falta de vontade e este impulso de confiar em alguém para que dirija nosso leme. "Estou rodeado de todas estas pessoas (os bonzos) que parece que sabem o que fazem, por isso depositarei minha confiança neles". E este é um grande erro. O verdadeiro benefício da problemática do clero reside em que finalmente podemos aprender o verdadeiro modelo de fé religiosa, porque nós, antes desta ruptura, também depositamos nossa fé neles. Se bem que a confiança constitui um aspecto importante da fé, devemos usá-la para confiar nos nossos antecessores, para confiar nas outras pessoas mas, sem perder de vista que, em última instância, nós somos os únicos responsáveis de nossa própria vida. A vida é uma viagem. Existem passageiros e existem motoristas. Mas necessita-se de motoristas. Existem muitas, muitíssimas pessoas que são simples passageiros de suas próprias vidas, deixando sempre que outro as conduza. Quantas vezes a gente diz: "Você está me deixando bravo (...). Chega!"? Quem fala isto é alguém que está atrás do motorista. Esse é um passageiro. O que estamos dizendo é: "Você tem poder sobre às minhas emoções. Não tenho controle. Você conduz minha ira, e enquanto continuar fazendo o que está fazendo, eu continuarei a me sentir irado. Chega!". E assim a vida transforma-se num passageiro que obedece ao motorista. Nós nos vemos obrigados a manipular o comportamento dos outros, a dar-lhes instruções, a pedir-lhes que façam o que necessitamos para que nossas emoções não fujam do controle. É um conceito totalmente absurdo. Não há dúvida de que, com esta maneira de pensar, entregamos o volante de nossa vida a outros, e agora nos sentimos frustrados e furiosos porque não dirigem bem. Recuperemos a direção. Comecemos a conduzir e dirigir nossas próprias vidas. Possuímos o poder mais importante do universo que é o poder que se encontra dentro de nossas vidas, podemos escolher nosso estado de vida. Quando alguém fizer algo que não gostemos, não é necessário que fiquemos bravos. Sempre nos comportamos assim porque acreditávamos que era a única opção, mas temos dez opções. Se alguém faz algo que não gostamos, podemos ir para o Inferno. Podemos comer algo. Vejamos (...) animalidade (...) poderíamos maltratar ou algo parecido, poderíamos ficar irados, essa também é uma escolha. Podemos nos retirar, nos retirar ao nosso quarto, pôr os fone de ouvido e escutar música. Ou entrar em êxtase e dizer: "Oh, adoro quando você faz isso". Ou poderíamos até ser um pouco mais provocadores: "Bom, realmente estou aprendendo graças ao que você faz". E ainda mais, "estou sentindo um despertar", ou poderíamos sentir benevolência "Realmente gostaria de poder te ajudar" (...) ou poderíamos alcançar o estado de Budha. Todas estas opções estão ao nosso alcance. Mas enquanto acreditarmos que não temos opção, estaremos presos nos seis estados mais baixos e continuaremos sendo somente passageiros de nossas próprias vidas. O Nam myoho rengue kyo trata a respeito do instante, de escolher a cada instante, de escolher a cada pequeno e único instante de nossas vidas, de retomar o controle e o poder sobre nossas opções. Nós não determinamos o comportamento dos outros, nem sequer podemos controlá-los. E isto é algo bom porque francamente não acredito que faríamos um bom trabalho controlando a vida de outra pessoa. Recuperemos o controle de nossas vidas. Desejemos ardentemente ao maior. Isto está no nosso interior, não há nada que nos falte. Tudo o que necessitamos para ser absolutamente felizes já se achava em nós desde o primeiro dia das nossas vidas. O que acontece é que não acreditamos nisso. Não confiamos. Nos custa aceitá-lo. Parece que não possuímos, parece que nos falta algo. Pelo motivo de que nós estivemos passando por coisas ruins ao longo dos anos, sentimos que algo anda mal com nós mesmos. Mas não há absolutamente nada de mal em nós. Se existe algo errado é a nossa maneira de pensar, contudo não há nada de errado "conosco". E esta distinção marca a diferença: podemos facilmente mudar nossa maneira de pensar. Mudar a nós mesmos por completo seria muito mais difícil, mas não é necessário, porque não há nada de errado conosco. Os budistas vieram em diferentes medidas, formas e estilos, com muitas variações de caráter e todos vivemos imersos na ilusão. Concluindo, minha esperança é que, de alguma forma, este conceito de Mentor-Discípulo esteja agora um pouco mais claro, ou ao menos um pouco mas fácil de compreender. Creio firmemente que, em última instância, seguimos a Lei. Mas a Lei não nos fala, então precisamos de mestres. Também podemos aprender uns com outros, mas no fim, só resta mesmo eu, meu carma e o Gohonzon. Ninguém mais. Somente eu mesmo posso ultrapassar minhas próprias dificuldades. Somente eu mesmo posso ultrapassar minhas ilusões. Só eu mesmo posso abrir e revelar minha grandeza interior. A prática budista é o método, e é sensacional ter um treinador que nos diga como alcançá-lo. Que nos incentive quando estamos desanimados, sem esperança, quando nos esquecemos, quando não acreditamos que somos Budas. É maravilhoso quando lemos algo que nos incentiva, que nos lembra: "Sim, você é um Buda". É esse o papel de um bom mestre. O Budha é o treinador, mas somos nós os que devemos jogar a partida e ninguém pode jogar por nós. Então, a partir de agora, se ainda vocês não têm conseguido experimentar a relação Mentor Discípulo nas suas vidas, pelo menos, desejo que possam terminar este dia sentindo: "Bom, acho que pelo menos vale a pena tentar". Pode ser que tenha que lutar corpo a corpo com minhas dúvidas e incertezas, talvez tenha que tentar compreender aquilo que me faz sentir incomodado. Não devo disfarçar este assunto, não devo achar que desaparecerá sozinho nem devo encará-lo de maneira superficial ou simplesmente seguir o hábito como os outros". Acredito que a relação Mentor Discípulo é a chave para ter acesso aos nossos tesouros, para nos enxergar de uma perspectiva diferente, para despertar de nosso sonho e descobrir o Budha Verdadeiro, o estado original de Budha que existe dentro de todas as pessoas. Muito obrigado e tenha um grande dia! http://www.maisbelashistoriasbudista.com.br. Abraço. Davi.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Budismo: Sexo, Sexualidade e Gênero.

Texto de Win Hunter e John Delnevo. É menino!", disse a parteira. Mas, o que foi o que viu a parteira para lançar semelhante afirmação? Os genitais do bebê, evidentemente. Isto dos genitais parece ter sido sempre algo muito importante para os pais, que querem saber se o bebê tem boa saúde, se não nasce com algum problema ou malformação e, claro, se é fêmea ou macho. Inclusive no registro obrigatório do nascimento da criança se requer justamente esse dado. O que é? Homem ou mulher? E na realidade o dado sobre os genitais não é algo banal, se levamos em consideração que no futuro terá peso sobre âmbitos tão díspares como a carreira profissional, o possível ingresso nas forças armadas, a escolha de uma pessoa para compartilhar a vida. Dependendo do âmbito cultural e sócio econômico ao qual esta criança pertencer, já desde o seu primeiro choro nos braços da parteira terá se depositado sobre ele uma grande quantidade de anseios diferentes sobre como esta criança se desenvolverá no futuro e o que chegará a ser. Quer dizer que, para muitos de nós, a identidade está intimamente ligada ao gênero sexual. As diferentes culturas e sociedades através da história têm lidado com o tema das condutas sexuais de diversas maneiras, as vezes desde a lei, as vezes pelo costume, as vezes com sanções contra aqueles que romperam os códigos estabelecidos. Os códigos morais tem se transformado e evoluído, decidindo sempre o que pode ser catalogado como "correto" ou "natural" e o que não é, e as pessoas têm sido compelidas a aceitar uns ou outros códigos, talvez para pôr um sentido a um tema que não deixa de ser bastante confuso. Dentro dos diferentes contextos culturais, o do Budismo resulta sumamente refrescante se pensamos que não propõe regras sobre o que está bem ou o que está mal, o que é ou não apropriado em relação à conduta sexual. Não existe uma lista do que deve e não deve se fazer para aqueles que praticam o Budismo de Nitiren Daishonin. Pelo contrário, aqui a responsabilidade recai completamente em cada um dos indivíduos que praticam esta filosofia, que assumem como responsáveis tudo o que ocorre em suas vidas, incluindo a maneira em que decidem viver a sua sexualidade. O Budismo ensina que devemos ter um respeito fundamental por cada indivíduo e pela dignidade da vida em si mesma. Não existe nenhum mandamento que nos obrigue a renunciar a nada para poder praticar o Budismo, já que a sabedoria de como devemos comportar-nos emerge, justamente, da prática, quando oramos Nam-myoho-rengue-kyo, compreendendo que cada causa que realizemos terá um efeito sobre nossas vidas. Nitiren Daishonin nos diz que todos podemos manifestar o estado de Budha tal como somos. A discriminação. Partindo de que ninguém é incapaz de atingir a iluminação, está claro que não existe lugar para a discriminação baseada no gênero ou a tendência sexual nos ensinamentos budistas. Em termos do carma, somos quem somos pelas causas realizadas que nos levaram a nascer em determinado âmbito cultural, em determinado momento, com as características particulares que afetam nossa personalidade, habilidades e capacidades físicas e mentais, e também, evidentemente, nossos genitais. Nitiren Daishonin escreve: "Não deve haver discriminação entre as pessoas que propagam os cinco caracteres de Myoho-rengue-kyo durante os Últimos Dias da Lei, sejam homens ou mulheres. Se não fossem Bodhisattvas da Terra, seria impossível recitar este Daimoku". (END, vol. I, pág. 367). Nossa verdadeira entidade não tem forma, mas se manifesta com as características que nos individualizam. Em termos da visão budista da eternidade da vida, temos nascido em diferentes circunstâncias e em diferentes tempos, as vezes como homens e as vezes como mulheres. Nossa entidade não tem gênero, não tem sexualidade, de fato, não tem forma alguma. De qualquer maneira, ao nascer dentro de uma existência em particular, manifestamos características físicas mentais e emocionais próprias, por meio das quais nos relacionamos com o resto da sociedade. A integração. O Budismo ensina que todos e tudo encontra-se inter relacionado no universo. Nossa luta, então, é encontrar o caminho para expressar nossa individualidade enquanto que, ao mesmo tempo, vivemos em harmonia com o resto da sociedade, da qual somos parte integrante. Muitos de nós sofremos ao tentar expressar nossa identidade como indivíduos dentro de uma sociedade na que existem todo tipo de discriminações, a qual muitas vezes ataca aqueles que não se conformam com certas "normas". De fato, os papéis sexuais têm variado através da história e nas diferentes culturas. Os costumes de que sejam as mulheres as que se encarreguem de criar as crianças, em vez dos homens, tem sido utilizado muitas vezes para delinear certas normas. Apesar de que, naturalmente, existem fatores biológicos que nos diferenciam uns de outros, o que é questionável é que o fator biológico em si seja parâmetro para definir nosso papel na sociedade. Troca de papéis. Os papéis costumam mudar de acordo com variações sócio econômicas. Por exemplo, na Grã Bretanha, durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres começaram a executar uma série de tarefas que tradicionalmente realizavam os homens. Esta mudança, que permitiu à mulher assumir maior responsabilidade social na ausência dos homens, resultou de forma crucial na dinâmica posterior da relação homem mulher. Levou depois a modificações mais profundas como, por exemplo, o voto feminino. As mudanças costumam acontecer a partir das ações daqueles que negam-se a aceitar passivamente essas normas. Se aquele que se opõe resulta ou não ao discriminado, isso depende do clima social que prevalecer nesse momento. Antes da Primeira Guerra Mundial, os homens e mulheres que lutavam pelo voto feminino, eram socialmente condenados; mais tarde, o ambiente tinha mudado o suficiente para permitir-lhes o sucesso na sua luta. O grupo que possui maior poder econômico é, geralmente, quem maior influência exerce na definição das normas sociais. O mesmo ocorre numa simples relação entre duas pessoas e pode ser exemplificado também claramente ao fazer uma descrição de classes sociais em qualquer sociedade. Quando existe desequilíbrio aparecem normas doentias  que servem para sustentar o abuso de poder. Os papéis de "vítimas" e "vitimado" evolucionam em relações que criam uma perpetuação do esquema, cristalizando às vítimas numa determinada camada social ou grupo humano que se sente demasiado débil para reconhecer seu próprio poder e exerce-lo. A ausência de mandamentos no Budismo. No Budismo não existe o conceito de "pecado". Todas as pessoas igualmente são merecedoras de respeito pois todos possuímos o estado de Budha. Mas só quando tomamos uma completa responsabilidade sobre a nossa situação podemos usar o imenso poder de nosso estado de Budha para modificar nossa situação; então, o "vitimado" pode modificar seu impulso de gerar sofrimento, e a "vítima" mudar sua tendência de ser oprimida. Neste sentido, todos somos livres para usar nosso potencial. O Budismo carece de uma lista de "mandamentos", porque considera que basear a conduta humana em regras externas pode gerar uma sensação de temor à uma retribuição negativa de origem externa, por parte do "outro" que decidiria nosso destino segundo nossa resposta ao código de conduta, o que vai contra a filosofia da Causa e Efeito. Nas religiões que tem este tipo de mandamentos, romper esse código moral equivale a "pecar", e isso gera uma sensação de "culpa", conceito ao qual também não lhe é dada uma entidade verdadeira no Budismo. Não podemos mudar nossas ações passadas (a série de causas efeitos correspondentes já estão gravadas), mas podemos reconhecer de coração o dano que temos causado à dignidade de nossa própria vida ou de outras, e orar ao Gohonzon aceitando plenamente a Lei da Causa e Efeito. Cada recitação sincera do Daimoku o é. E é importante também interiorizar a ideia de que não existe força externa que nos castigue, e sim retribuições cármicas de nossas próprias ações, das quais só nós mesmos somos responsáveis. Somos responsáveis por tudo o que nos acontece. O respeito. Ao abraçar a Lei Mística e orar Nam-myoho-rengue-kyo perante o Gohonzon, estamos expressando um profundo respeito pela função única que tem cada existência no universo, baseados em que toda vida possui o estado de Budha inerente, cujas qualidades são: benevolência, sabedoria, coragem e força vital. Sobre o equilíbrio numa relação, Nitiren Daishonin comparou a marido e mulher com as asas de uma ave, que deviam movimentar-se harmoniosamente para poder permitir-lhe voar. Isto significa que ambos os integrantes do casal devem basear sua relação no respeito mútuo.
Desejos mundanos e sexualidade.
O sexo é uma força dominante na vida. Até porque é o meio da nossa perpetuação e sobrevivência e é nesse aspecto no qual muitas sociedades fundamentam seu conceito de que a procriação é a única função legítima da sexualidade. Porém, nós temos notáveis diferenças com o resto do mundo animal. Para começar, não respondemos a "estações" para a procriação, pelo contrário, somos capazes de manter um sexo ativo a qualquer momento, inclusive após a menopausa feminina. Nosso corpo está coberto de zonas erógenas e, além do mais, expressamos nossas emoções também através da sexualidade. Se dermos uma olhada geral, podemos afirmar sem temor a equivocar-nos que o ser humano não tem se destacado por ser incrivelmente destro na condução da sua sexualidade. Talvez nos custe admiti-lo, porque sabemos que algo muito forte esconde-se detrás de tudo isso que reunimos sob a categoria de "sexo". Todos reconhecemos na nossa própria experiência aquele momento de nossa adolescência no qual começamos a lidar com o sexo, aonde ainda nem sequer tratava-se do temor para com o outro, para como acercar-nos do nosso objeto de desejo, e sim do profundo temor para com nós mesmos, ao perceber essas "forças" que começavam a mexer-se no nosso interior e com as quais não sabíamos o que fazer. Algumas pessoas mostram-se profundamente contrariadas ao conhecer as práticas sexuais de outros, ainda quando estas pessoas nada tenham a ver com a sua vida. Por quê? Se, por outro lado, os gostos das pessoas com alimentos, decoração, moda, não parecem provocar os mesmos sentimentos nos outros, pelo menos não com o mesmo grau de emoção. O Budismo vê a sexualidade como um dos nossos desejos mundanos, e sabemos, pela filosofia do Budismo de Nitiren Daishonin que, sempre que oramos Nam-myoho-rengue-kyo, os desejos mundanos são a iluminação. Não emite o Budismo juízo algum sobre as virtudes e defeitos da sexualidade. A sexualidade, para o Budismo, não é nem boa nem má, simplesmente é. O fato de que a expressão desta sexualidade seja conduzida por um caminho positivo ou negativo depende unicamente do nosso estado de vida quando damos curso aos nossos desejos (ou quando os reprimimos). Por exemplo, se nos sentimos atraídos para com alguém a quem não respeitamos realmente, seguramente a relação sexual estará baseada em algum dos estados baixos da vida, talvez o de Animalidade. Em tal caso, nosso comportamento será governado unicamente pelos nossos instintos, sem deixar espaço à reflexão sobre a consequência da nossa ação. Se, ao contrário, oramos Daimoku para esclarecer-nos a nós mesmos sobre o manter ou não uma relação, já estamos inscrevendo essa relação desde o estado de Budha. O resultado poderia ser, inclusive, que decidamos não tê-la, ou que decidamos tê-la e o façamos baseados no mútuo respeito. As pessoas são diferentes, e reagimos de maneira diferente perante circunstâncias similares, dependendo isto dum verdadeiro cocktail de elementos, no qual o estado de vida é um dos mais importantes. É por isso, também, que no Budismo não poderiam existir "mandamentos" ou regras fixas, sem contradizer sua própria filosofia. Recitar Daimoku permite à pessoa tomar a decisão correta para a sua vida, mas esta decisão pode ser completamente diferente num caso e outro, ainda que desde fora as circunstâncias pareçam as mesmas. As ilusões. Naturalmente torna-se extremamente difícil descobrir se estamos deixando guiar-nos pelo estado de Budha ao manter uma relação, ou simplesmente nos conduzir à paixão. Talvez isso se deva a isto que religiões e sociedades têm se encarregado de estabelecer parâmetros com os quais regular uma "sexualidade correta". Claro que podemos compreender que a expressão indiscriminada da sexualidade não seja, provavelmente, uma boa base para a criação de valores; mas o que também devemos saber é que a supressão dos nossos desejos sem examinar a sua natureza pode resultar altamente destrutiva. É justamente a partir deste encontro com os nossos desejos mundanos, de qualquer tipo que sejam, onde atingimos a nossa iluminação. O tema do poder. Nossa filosofia nos ensina que, tentar ser alguém que não somos, nos conduz necessariamente a sentirmo-nos seres inadequados e faltos de poder, sentimentos negativos que inclusive podem gerar problemas de natureza sexual. Por exemplo, uma pessoa que se sente débil e inadequada, pode maltratar a outros para sentir-se poderoso. Sabe-se que a violação sexual é algo que se refere mais ao exercício do poder do que à sexualidade. O poder sexual também pode ser utilizado de maneira "subversiva". Um dos dois pode usar os desejos sexuais do outro para conseguir algo concreto em troca. Os que usam o poder sexual desta maneira, sem dúvida desrespeitam a si mesmos e aos envolvidos. Criar valor: o tema da missão. Confundir a nossa identidade atenta contra a nossa missão. Nam-myoho-rengue-kyo, a Lei universal da vida, abraça todas as coisas, pelo que é absolutamente natural orar Daimoku pela nossa sexualidade. A pergunta que necessitamos fazer-nos perante cada relação sexual é: Cria valor?. Esta pergunta vale tanto para quando estamos casados, comprometido ou trata-se de uma relação informal. Os códigos morais vigentes na sociedade da qual somos parte podem nos causar dificuldades a nível pessoal, ou não. Em termos de Budismo, o importante é desenvolver sabedoria para compreender o melhor caminho pelo qual podemos viver nosso "papel" e criar valor na sociedade, independente das normas que prevaleçam. Quando conseguimos levar nossa natureza de Budha a todas as áreas da nossa vida, só então, podemos considerar que estamos nos movimentando com verdadeira liberdade. É através da nossa prática que encontraremos a coragem de expressar-nos tal qual somos, formos quem formos. Como nos diz Nitiren Daishonin, a relação entre o nosso estado de Budha e o nosso corpo físico é importante: "Em meu coração tenho alguma fé no Sutra de Lótus, mas em meu corpo não sou melhor do que um mortal comum, comendo peixe e carne. Minha vida existe neste tolo corpo, tal como a lua é refletida num lago turvo ou como o ouro é carregado em um saco sujo”. (END, vol. I, pág. 200). A nossa natureza de Budha é a nossa verdadeira identidade e manifesta-se através das nossas características físicas e mentais. É quando nos sentimos bem com a nossa identidade que fazemos uma boa contribuição à sociedade da qual somos membros. Quando nossas ações baseiam-se numa identidade forte, podemos criar valor, mas para isso é requisito que a gente se conheça a si mesmo sem negar nenhum aspecto da nossa maneira de ser. O Kossen-rufu. O Budismo é profundamente não julgador. Ao movimento pelo Kossen-rufu  podem-se somar socialistas e conservadores, carnívoros e vegetarianos, heterossexuais e homossexuais; homens, mulheres e transexuais. Baseamo-nos no respeito ao estado de Budha inerente do outro, sem fixar-nos em opiniões prévias que nos levem a sermos preconceituosos. O único que importa realmente é o respeito pela Lei Mística e o respeito pelo próprio estado de Budha. Se ferimos a outra pessoa, estamos desrespeitando o nosso próprio estado de Budha, além do da outra pessoa. Se ferimos a nós mesmos, também desrespeitamos à outra pessoa, porque ela necessita de mim completamente e tal como sou, para que eu possa cumprir com a minha função única no universo, e que a outra necessita de mim. Existe algo claramente proibido no Budismo? Nitiren Daishonin nos orienta para que tenhamos cuidado com a calúnia para com nós mesmos, para com os outros e para com a Lei Mística. Isto está dito com espírito benevolente, porque a calúnia nos causará infalivelmente muito sofrimento, já que quem calunia não respeita a dignidade da vida. Mas mesmo se temos caluniado e sofremos por essa causa, não estamos "condenados" pela eternidade. Nitiren Daishonin ensina que, por meio de recitar Daimoku perante o Gohonzon, a gente transforma o veneno em remédio. Inclusive o responsável dos atos mais terríveis contra a dignidade da vida pode mudar radicalmente a partir da prática sincera e transformar o seu ambiente. O ensino do Budismo é uma luta constante para conquistar o respeito para si mesmo e para os outros. Em palavras de Ikeda Sensei: "Nada é mais digno de respeito que você mesmo, essa é a mensagem do Sutra de Lótus". http://www.maisbelashistoriasbudistas.com.br. Abraço. Davi.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Bem Aventurança em Abrir Mão.

Texto de Ajaan Brahmavamso. No mundo Budista de hoje há muita discussão entre os meditadores sobre a relevância de Jhana (1). A primeira pergunta geralmente feita: "É necessário primeiro experimentar Jhana para tornar-se plenamente iluminado (Arahant), ou será possível realizar o objetivo supremo, sem qualquer experiência de Jhana?" Quem faz essa pergunta geralmente são aqueles que ainda não experimentaram Jhana. É difícil fazer aquilo que é necessário para experimentar Jhana; por isso a maioria das pessoas fazem essa pergunta querendo ouvir que Jhana não é essencial. Elas querem ouvir que a sua inabilidade não é um obstáculo. Elas querem um acesso rápido e fácil a Nibbana (2). Essas pessoas ficarão satisfeitas, e até mesmo inspiradas, por algum professor que lhes diga o que elas querem ouvir de qualquer jeito, que esses estados de Jhana são desnecessários, e elas irão seguir esses ensinamentos, porque é conveniente. Infelizmente, a verdade raramente é conveniente, e raramente está de acordo com o que queremos ouvir. Por outro lado, um meditador que tenha familiaridade com os Jhanas irá reconhecê-los como estados de Bem Aventurança originários de abrir mão, e é nesse ponto mesmo, na experiência de abrir mão, do abandono, que a relevância de Jhana é compreendida. O primeiro Jhana é o resultado natural do abandono da preocupação com o prazer dos sentidos (Kama Sukha), pelo qual se entende toda a preocupação com o mundo dos cinco sentidos externos (visão, audição, olfato, paladar e toque), e até mesmo com o mero conforto. No primeiro Jhana, através da remoção completa e sustentada de todo o interesse pelos cinco sentidos, o praticante perde toda a noção do corpo, e os cinco sentidos externos desaparecem. Ele permanece por completo no sexto sentido que é a mente pura, na quietude, no prazer e felicidade do silêncio interior. O Budha chamou isso de "o prazer da renúncia", ou a felicidade em abrir mão. O segundo Jhana é o resultado natural do abandono do movimento muito sutil da atenção na direção, e o apego, ao objeto mental prazeroso. Quando esta "oscilação" da atenção é finalmente abandonada, o praticante experimenta ainda mais prazer e felicidade originário da completa quietude interior (Samadhi), em que a mente está absolutamente unificada e imóvel. O terceiro Jhana é o resultado natural do abandono da excitação sutil do prazer, e o quarto Jhana é o resultado natural do abandono da própria felicidade, desfrutando então a mais profunda e imóvel equanimidade mental. No Budismo, há experiência, não há especulação, e muito menos há crença cega, sendo o critério o entendimento. Um meditador simplesmente não compreende o significado completo de quietude, prazer, felicidade ou equanimidade, até que tenha se familiarizado com os Jhanas. Mas a experiência dos Jhanas, esses estágios de abrir mão, proporcionam o entendimento direto, com base na experiência, desses fenômenos mentais, em especial a felicidade (Sukha) e o sofrimento (Dukkha). É semelhante a um girino que passou toda a sua vida na água, mas que não é capaz de entender a água, porque ele não conhece nada além disso. Então, ao tornar-se um sapo, ele deixa a água e vai para a terra seca, e assim compreende tanto a natureza da água como a forma de superá-la. Nesta comparação, a água equivale a Dukkha, a terra seca a Jhana, não Nibbana, pois o sapo ainda leva à terra seca um pouco de água na sua pele, e a forma de superá-la significa abir mão.
Desta forma, a prática de Jhana revela o caminho para a completa extinção de Dukkha. O meditador que experimenta Jhana eventualmente irá se perguntar: "Por que esses Jhanas são tão profundamente prazerosos?" Ele irá descobrir por si mesmo a resposta óbvia. Porque são estágios de abandono daquilo que ele agora vê como formas sutis de sofrimento! Quando alguém está familiarizado com os Jhanas e compreende a origem da felicidade neles, irá ver por si mesmo que todos os prazeres mundanos, ou seja, dos cinco sentidos externos (que incluem a sexualidade), são simplesmente Dukkha. O apego ao corpo e às suas aventuras sensoriais começará a desaparecer. Ele irá entender com clareza porque todos os Seres Iluminados são celibatários. Então, na medida em que progredir para os Jhanas mais elevados e contemplar porque cada um é ainda mais prazeroso, ele compreende que é devido ao abandono de apegos mentais muito sutis, tais como o apego ao prazer, à felicidade e à equanimidade. Fica evidente que mesmo esses estados mentais mais sublimes são apenas formas refinadas de sofrimento, porque ao abrir mão deles, em seguida, mais sofrimento também é abandonado. Quanto mais longe for o praticante, mais Dukkha é abandonado, e através deste processo ocorre a compreensão de Dukkha. Não é possível conhecer por completo a Verdade do Sofrimento, e por conseguinte as Quatro Nobres Verdades do Budha, exceto abrindo mão do sofrimento através da experiência de Jhana. É muito estranho, portanto, que algumas pessoas sugerem que a prática de Jhana conduz ao apego. Como é possível que a prática de abrir mão, do abandono, conduza ao apego? Na verdade, o Budha disse repetidamente que esses Jhanas não devem ser temidos, mas devem ser desenvolvidos, e que quando alguém se entrega aos Jhanas regularmente, estes conduzem aos estados de Sotapanna, Sakadagami, Anagami, e Arahant, os quatro estágios da Iluminação, (veja o Pasadika Sutta). Uma vez que a completa iluminação seja atingida e que todos os apegos tenham sido removidos, então o processo de abrir mão e penetrar os Jhanas se torna tão natural como uma folha que cai de uma árvore até o chão. Na verdade, a habilidade que alguém tenha para o abandono e experimentar Jhana, é uma medida de sua verdadeira compreensão do Dhamma, e da conseqüente ausência de apego. 

(1). Jhana. Poucas são as práticas que desempenham um papel tão central no caminho Budista e que são tão pouco conhecidas e praticadas no Ocidente como os Jhanas. Jhana é a palavra em Pali para absorção mental ou meditativa e se refere a estados profundos de concentração da mente. Nos suttas em Pali, o Budha em geral se refere a quatro jhanas, sendo que cada um que segue é mais profundo e sutil que o anterior. Depois do quarto Jhana, há um outro conjunto de quatro estados de concentração, ainda mais profundos, mencionados com menos frequência nos Suttas e referidos como realizações imaterias. Nos comentários esses estados são mencionados como Jhanas imateriais. A Concentração Correta, (Samma Samadhi), do Nobre Caminho Óctuplo é sinônimo de Jhana e de acordo com o Budha, a maestria na concentração é chave para a iluminação. O próprio Budha os praticou na noite da sua iluminação. Os jhanas lhe proporcionaram uma “mente concentrada, purificada, luminosa, pura, imaculada, livre de defeitos, flexível, maleável, estável, atingindo a imperturbabilidade”, a mente que é capaz de penetrar a verdadeira natureza da realidade. Jhana em pali é o mesmo que Dhyana em sânscrito, Cha’n em chinês e Zen em japonês. Todas essas palavras se referem à mesma absorção meditativa descrita pelo Budha. Nos Nikayas há um vasto número de Suttas que mencionam a prática dos Jhanas. Apesar disso, a prática dos Jhanas ainda é objeto de controvérsia no Budismo Theravada como poderá ser observado em alguns dos textos abaixo. O objetivo deste guia é direcionar os leitores para os textos disponíveis no Acesso ao Insight que tratam dos Jhanas.

(2). Nibbana, a libertação última de toda delusão (engano), possui muitos aspectos e com frequência é mal compreendido; algumas vezes tido por aniquilação, outras, por felicidade suprema, raramente como a cessação da ignorância através do insight, e ainda mais raramente como o fim de todo o esforço, como a solução de um problema através da dissolução do mesmo. Não é através do pensamento que o insight faz surgir o despertar do entendimento, se a mente finita, com as suas limitações de pensamento, pudesse compreender Nibbana, então Nibbana também seria limitado e finito, relativo e condicionado. Não seria Nibbana. O insight ocorre através da compreensão de que todos os problemas e conflitos surgem de um mal entendido quanto à origem de toda ação, o “eu”. Só com a experiência da cessação de todo o pensamento volitivo (determinado pela vontade) é que uma negação poderá ser entendida, sem a busca de uma resposta para um problema que será sempre no interesse de um “eu”. Aspectos do Nibbana. Primeiro, o aspecto ético. Nibbana implica a destruição de todas as impurezas mentais, (Asava), a remoção definitiva de todos os obstáculos, (Nivarana), e a libertação de todos os grilhões, (Samyojana). Em vista de todas essas remoções, Nibbana é chamado libertação, (Vimutti). Nibbana não pode ser mirado como um ideal positivo, pois “o fim do mundo não pode ser conhecido, visto ou alcançado viajando” (se esforçando). A remoção temporária dos obstáculos, no entanto, depende do esforço. Segundo, o aspecto mental, que é a culminação de uma evolução no processo de entendimento. É o desenvolvimento gradual através dos quatro estágios da iluminação. Finalmente, o aspecto filosófico e metafísico, que proporciona ao conceito de Nibbana certo caráter positivo, muito embora a maioria dos seus sinônimos seja negativa. Nesse sentido, Nibbana é visto como o imortal, (Amata), o incondicionado, (Asankhata), o summum bonum, sumo bem (Parama Sukha). É o absoluto por não haver relatividade, não havendo assim, distinção entre eu e não eu, nenhuma oposição e nenhum conflito. Como tal, é não fabricado, não causado, não criado, não condicionado. Não há um eu que realiza Nibbana. Apesar de inconcebível, ele pode ser experimentado, não através do esforço e prática, mas com o entendimento, experimentando e vivendo de acordo com a verdade. Uma vez que a verdade seja vista, não mais ocorrerá nenhuma alucinação, porque as fontes, que produzem esses mal-entendidos, que são o desejo e a fabricação do eu, foram esgotadas. http://www.acessoaoinsight.net/. abraço. Davi.



sábado, 25 de julho de 2015

A Amizade que Acabou Nunca Começou.

Públio Siro (85 AC 43) "A amizade que acaba nunca principiou". Texto de Iara Biderman. Amizades, paixões, ternura: temas que, à primeira vista, parecem ser de interesse apenas da vida privada, assunto particular, já atraem pesquisadores de várias ciências, das humanas às médicas. No Brasil, o Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção (Grem), especialização ainda pouco conhecida, estuda os mecanismos que sustentam fenômenos considerados subjetivos como as amizades e o modo como estas moldam a sociedade e são moldadas por ela.
"Ao ser amigo, eu deixo de ser singular, tenho regras, mesmo que implícitas, de conduta, de comportamento, de afeto. Amizades fazem com que as pessoas consigam administrar um tipo de vida, ter projetos como indivíduo, atuar e cumprir seu destino na sociedade", diz o antropólogo Mauro Koury, professor da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Grem.
Amizade aqui é entendida como a duradoura, a sólida, ressalva que se faz ainda mais necessária por causa da banalização da palavra o brasileiro chama de amigo o garçom, o flanelinha (aquele que limpa, ou olha, o carro no estacionamento) e até o desconhecido a quem pede uma informação na rua. Mas as amizades longas são as que contam.
"Amizade que acaba é porque nunca começou. Se não for algo que sai do pragmático, do imediato, não é verdadeiro", diz o filósofo e colunista da Folha Mario Sergio Cortella.
Esse "ciclo longo" de relacionamento, segundo denomina o antropólogo José Guilherme Magnani, do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, Brasil, não tem como base o trabalho ou lealdades específicas. A disponibilidade de trocas a longo prazo é o que sustenta as parcerias no decorrer do tempo, diz o antropólogo.
O que faz surgir aquela amizade "para sempre" está além das explicações da razão. "Não é optativo. Todos tropeçam em pessoas com quem teriam esse tipo de relacionamento, mas podem reconhecê-las ou não naquele momento", diz o psicanalista Armando Colognese Jr., supervisor do curso de formação em psicanálise do Instituto Sedes Sapientae, de São Paulo.
Embora não se conheça por completo a química da amizade, Colognese acredita que ela não acontece, pelo menos na forma duradoura e produtiva, com pessoas muito iguais entre si. "A amizade requer aquele raro ponto médio entre semelhança e diferença", escreveu o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882).
Outra característica que diferencia as amizades de longa data é a possibilidade de confronto sem ruptura. "Se você me importa, eu me incomodo com você. Incomoda-me se você está certo, errado, o que você fala e até a forma de você se vestir", diz Cortella.
Amigo é quem pode falar aquilo que não gostamos de ouvir. O administrador de bufê Walter Pires Jr., 46, viveu essa situação com a fonoaudióloga Gláucia Domingues, 45, sua amiga há mais de 30 anos. Pires conta que, certa vez, disse à Gláucia que discordava do caminho que ela estava tomando no campo sentimental. A resistência da fonoaudióloga à ouvir os conselhos do amigo o levou a encerrar o assunto, mas não sem antes avisar: "Tudo bem, mas não peça mais a minha ajuda". Pires acredita que essa frase tenha feito "cair a ficha" e, passado o tempo regulamentar de cicatrização de mágoas, a amizade voltou a ser o que era.
A possibilidade de superar mágoas também é pressuposto e resultado de amizades duradouras, diz Colognese. Requer maturidade, é óbvio, e também uma das maiores virtudes do ser humano, segundo o psicanalista, que é a capacidade de reconhecer os próprios limites e saber onde procurar o que falta, sendo a amizade um espaço privilegiado para essa busca.
As amizades longas são mais raras porque, mesmo que surgidas num golpe do acaso, dão muito mais trabalho. "Amigo pede dinheiro emprestado, bebe, dá um trabalhão, mas você sabe que um dia estará carregando a alça do caixão dele e chorando sua partida sem saber bem o motivo", diz Cortella. É um esforço mais de compreensão e aceitação do diferente do que de convivência física. "Nem é preciso encontrar-se sistematicamente, há um pressuposto de que a amizade exista", diz o antropólogo Mangnani. Na amizade sólida, o tempo é uma contingência (eventualidade). Não afasta, apenas adia.
Ao lado da afinidade e do respeito, a criação de certos rituais reaviva o pacto de confiança ou lealdade, que para Koury, é elemento fundamental da amizade longa. Ele diz que, em certas sociedades, como as indígenas, os rituais são muito precisos, com regras predeterminadas. Na sociedade ocidental, os rituais são criados um pouco aleatoriamente. http://www.folha.uol.com.br. Abraço. Davi.