quarta-feira, 31 de agosto de 2016

DILMA PERDE O CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA.



Dia 29/08/16 no Plenário do Senado Federal a Presidenta afastada Dilma Rousseff fez sua defesa pessoal perante os senadores da República. O discurso teve um tom emotivo, histórico e temporâneo, pois enfatizou sua resistência quanto a imputação do crime de responsabilidade do qual está sendo julgada. Devido, notoriamente, a seu passado de lutas e coragem, teve forças para enfrentar à exposição deste evento que infringe desgaste e fricção psicológicas. Ela foi capaz de manter-se firme e resoluta diante da bancada de senadores, principalmente os que querem o impedimento, não por meios legais e meritórios que não existem; mas num contexto sócio político que vem sendo arquitetado pela elite brasileira de Direita, desde o final das eleições (outubro de 2014) passadas, quando a então candidata, venceu no segundo turno o Senador Aécio Neves.  O ministro do TCU José Múcio Monteiro (30/08) desabafou dizendo: "que se fosse o ex presidente Lula seria diferente" em relação as pedaladas fiscais. Ele, possivelmente, tomaria o dinheiro emprestado dos Bancos Oficiais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) quitando o valor ainda no exercício financeiro vigente. Segundo o Ministro, a Presidente afastada” fez pouco caso do fato”, saldando a dívida no exercício seguinte. Disse que “houve soberba, arrogância e falta de humildade” na condução desse desvio de finalidade, que é um dos fatores que embasa o impeachment; segundo ele um “excesso de autoridade”. Houve também a edição de decretos suplementares ao Orçamento da União que não foram aprovados pelo Congresso Nacional. Mas a incoerência desse pressuposto dos favoráveis ao impedimento, está em que a Lei de Responsabilidade Fiscal autoriza a edição dos decretos suplementares, adicionais e especiais desde que se justifique a sua necessidade. E, segundo a Presidente afastada, foram usados para cobrir as despesas faltantes dos programas sociais: bolsa família, bolsa escola, fies, proune, pronatec e outros. Estes consolidam o suposto crime de responsabilidade, segundo os Opositores, pelo qual Dilma estar sendo inquirida. Pondero que as explicações técnicas do Ministro tenham sentido prático em alguns pormenores, mas por trás dessa fala, se esconde o machismo, sexismo e discriminação do lado feminino pela nossa sociedade, ainda arraigada numa masculinidade autoritária e excludente. Os dois argumentos acima são factíveis de contraposição, e largamente foram enfatizados nesse processo desde sua autorização na Câmara dos Deputados. Lamentamos profundamente, essa perseguição velada da liderança da Esquerda no Brasil. O enfraquecimento da ala política que defende os pobres, necessitados e que trabalha para a inserção dos humanos e natureza na preservação do meio ambiente, nos causa tristeza. Que desse revés ressurja uma militância mais comprometida com as causas sociais e o desejo de justiça (no campo e na cidade) e paridade entre as classes sociais. Priorizando sempre os menos favorecidos e os desprovidos de conhecimentos, educação e formalidade profissional. Esses devem ser os alvos preferenciais de nossos recursos orçamentários, para que eles ascendam na sociedade, exercitando sua individualidade como seres singulares que são. A Presidente afastada abrilhantou mais sua biografia, nestes momentos que antecedem a finalização do processo de impeachment quando esteve no Plenário do Senado. Hoje 31/08/16, a partir das 11 horas, os senadores farão a decisiva sessão onde votarão a cassação do mandato ou o retorno ao cargo de Presidente da República de Dilma Rousseff. Serão necessários 54 votos dos 81 senadores, para que, se confirme o afastamento definitivo seguido de inelegibilidade por oito anos. Essa hipótese, validada, efetiva o Presidente Interino Michel Temer como o novo Presidente da República Federativa do Brasil. A história será nosso juiz quanto a esse desfecho da condenação ou absolvição da Presidente afastada Dilma Rousseff. Qualquer que seja o resultado deste julgamento, invocamos aos deuses (Christo, Deus, Masiach, D'us, Mohammad, Aláh, Krishna, Brahman, os Budhas) que estejam conosco nesse delicado momento político e econômico da vida nacional brasileira. Impeachment de Dilma é aprovado e põe fim a era do Partido dos Trabalhadores (PT). Placar registrou 61 votos a favor, 20 contra, 0 ausência e 0 abstenção. Os direitos políticos da ex presidente Dilma foram mantido pelo Senado Federal, contrariando assim o antigo procedimento questionável da inelegibilidade por oito anos. Um comportamento que abre precedente para futuros julgados como esse. Abraço. Davi.
“Leia abaixo a íntegra do discurso da Presidente afastada Dilma Rousseff:
"Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil. No dia 1º de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais 54 milhões de votos. Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. Ao exercer a Presidência da República respeitei fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo. Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram. Nesta jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade. Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros. Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo violentados, e até assassinados. Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando pela democracia. Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça. Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta. Aos quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram. Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública. Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio. E por isso, como no passado, resisto. Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito. Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram. E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir. Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu bem-estar. Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos. Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que fiz, no exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente. Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment. No passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando em golpes de Estado. O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda trama orquestrada pela chamada "República do Galeão, que o levou ao suicídio. O Presidente Juscelino Kubitscheck, que construiu essa cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no episódio de Aragarças. O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas. Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos. As provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica. Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O autor da representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles defendidas. São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas. São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador. A eleição indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido pelo povo em 2014. Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras "nenhum direito a menos". O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição. O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa própria. O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de nosso país no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns. O que está em jogo é a autoestima dos brasileiros e brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade do País de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e Paraolimpíadas. O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população. O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais. Senhoras e senhores senadores. No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime. Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo "conjunto da obra". Quem afasta o Presidente pelo "conjunto da obra" é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores. O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos. Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios. A revisão dos direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime de responsabilidade. Conquistas importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores. O nosso patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas. A ameaça mais assustadora desse processo de impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por 20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias possam sonhar com casa própria. Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs. Senadores, A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira. Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment. Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a qualquer preço. Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo. Só é possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a produção de bens e serviços. Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o País. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do "quanto pior melhor", na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a população. A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical. Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da crise econômica. Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas aprovadas. As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da crise. Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade. Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e fiscal. Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo período. Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra poderosa força política a elas se agregou: a força política dos que queriam evitar a continuidade da "sangria" de setores da classe política brasileira, motivada pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público. É notório que durante o meu governo e o do Presidente Lula foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar e punir os culpados. Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação da Polícia Federal. Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive. Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição. Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista. Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, para construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado eleitoral de 2014. Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma "chantagem explícita" do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação. Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de Presidenta da República. É fato, porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações. Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente. Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética. Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida. Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha destituição. Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira. Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim pretextos acusatórios infundados. Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado. Senhoras e Senhores Senadores, Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei? A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo Congresso Nacional. Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal. Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado. Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são consequência da desaceleração econômica e não a sua causa. Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma expressiva queda da receita ao longo do ano — foram R$ 180 bilhões a menos que o previsto na Lei Orçamentária. Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009. Além disso, a responsabilidade com a população justifica também nossa decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da União. Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho. Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o comportamento que adotei em meus dois mandatos. Somente depois que assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação. O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos. Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001? Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta fiscal? A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma "operação de crédito", o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Como minha defesa e várias testemunhas já relataram, a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente. A controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião. Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não caber falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são operações de crédito. Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime. Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes. Não é possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação. Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da Constituição que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao patrimônio público. Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao fim, por um clamoroso desvio de poder. É isto que explica a absoluta fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas. Tem-se afirmado que este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação. Ouso dizer que em vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de "devido processo legal". Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa. Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito. Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência. Senhoras e senhores senadores, Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida. Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito. Jamais o faria porque nunca renuncio à luta. Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo país afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o golpe. As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher Presidenta do Brasil. Chego à última etapa desse processo comprometida com a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir, nas urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia. Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política. Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela história. Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores. Apesar das diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história. Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência. Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços. Reitero: respeito os meus julgadores. Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha destituição. Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata. Neste momento, quero me dirigir aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos. Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal. Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas. Condenar um inocente. Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo brasileiro. Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia. Muito obrigada." http://www.uol.com.br. Abraço. Davi.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

AUTOCONHECIMENTO.



Teosofia. Por Jiddu Krshnamurti (1895-1986). AUTOCONHECIMENTO. São tão colossais os problemas do mundo, tão extremamente complexos, que, para compreendê-los e resolvê-los, temos de estuda-los de maneira muito simples e direta; e a simplicidade, a ação direta não dependem de circunstâncias exteriores nem de nossos preconceitos e caprichos pessoais. A solução não se encontra em conferências e em projetos, nem na substituição de velhos por novos líderes etc. A solução encontra-se evidentemente no criador do problema, no criador de malefícios, do ódio e da enorme incompreensão existente entre os seres humanos. O criador desse mal, desses problemas, é o indivíduo, você e eu, não o mundo, tal como o concebemos. O mundo são as nossas relações com os outros; não é uma coisa separada de você e de mim;  o mundo a sociedade, são as relações que estabelecemos ou procuramos estabelecer entre nós. Você e eu, por conseguinte, somos o problema, e não o mundo, porque o mundo é a “projeção” de nós mesmos, e para compreendê-lo precisamos compreender a nós mesmos. O mundo não está separado de nós, nós somos o mundo, e nossos problemas são os problemas do mundo. Nunca é demais reprisar isso; porque temos uma mentalidade tão indolente; pensamos que os problemas do mundo não nos dizem respeito e têm de ser resolvidos pelas Nações Unidas (ONU) ou pela substituição dos velhos por novos líderes. Denotamos uma mentalidade muito elementar ao pensar dessa maneira, porque somos os responsáveis por essa aterradora miséria e pela confusão que vai no mundo, por este constante perigo de guerra. Para transformarmos o mundo, precisamos começar por nós mesmos; e o que é relevante no começar por nós mesmos é a intenção. A intenção deve ser a de compreendermos a nós mesmos e não de esperarmos que outros se transformem ou realizem uma alteração superficial pela revolução da esquerda ou da direita. Importa compreendermos que essa obrigação é nossa, sua e minha. Porque, por mais insignificante que seja o mundo em que vivemos, se pudermos nos transformar, introduzir na existência diária um ponto de vista radicalmente diferente, então, talvez, venhamos a influir no mundo como um todo, o que é fruto de nossas relações com os outros, em escala ampliada. Vamos buscar descobrir o processo da compreensão de nós mesmos, que não é um processo isolado. Ele não implica retirar-se para longe do mundo, porquanto não se pode viver no isolamento. Ser é estar em relação, e não existe uma coisa tal como viver no isolamento. É a falta de relações corretas que gera conflitos, angústias e lutas. Por menor que seja nosso mundo, se pudermos transformar nossas relações dentro desse pequeno mundo, essa transformação, qual onda sonora, irá se dilatando constantemente, no mundo exterior, por mais limitadas que sejam: e que, se pudermos operar uma transformação ai, não uma transformação superficial, porém radical, começaremos a transformar o mundo. A verdadeira revolução não se relaciona com um padrão especial, quer da esquerda, quer da direita; é uma revolução de valores, uma revolução em que passamos dos valores sensuais aos que não são sensoriais nem criados por influências ambientais.  Para descobrir esses valores verdadeiros, que devem produzir uma revolução radical, uma transformação ou regeneração, é imprescindível que compreendamos a nós mesmos. O AUTOCONHECIMENTO é o começo da sabedoria e por conseguinte o começo da transformação ou regeneração. Para compreendermos a nós mesmos, é necessária a intenção de compreender, e ai reside nossa dificuldade. Embora descontentes, quase todos nós desejamos realizar uma alteração súbita; nosso descontentamento é canalizado no sentido de consecução de certo resultado. Quando estamos descontentes, procuramos uma ocupação diferente, ou então sucumbimos ao ambiente. Nosso descontentamento, ao invés de inflamar-nos de entusiasmo, fazendo-nos investigar a vida, o processo inteiro da existência, canaliza-se, e, em consequência disso, tornamo-nos medíocres, perdendo aquele ímpeto, aquela intensidade necessária para compreender o significado total da existência. Por essa razão, é importante descobrirmos essas coisas por nós mesmos, visto que o AUTOCONHECIMENTO não nos pode ser dado por outrem e não se encontra com a ajuda de livro algum. Devemos descobrir, e para descobrir são necessárias a intenção, a busca, a pesquisa. Enquanto for débil ou inexistente essa intenção de descobrir, de investigar profundamente, a mera asserção ou o desejo esporádico de nos esclarecermos sobre nós mesmos serão de pequeníssima importância. Assim, a transformação do mundo efetua-se pela transformação do indivíduo porque o indivíduo é o produto e uma parte do processo total da existência humana. Para nos transformarmos é essencial o AUTOCONHECIMENTO; se não sabemos o que somos não há base para o pensamento correto; se não conhecemos não pode haver transformação. Deve o indivíduo conhecer a si mesmo tal como é, e não como deseja ser, pois isto é apenas um ideal, e portanto, fictício, imaginário. Só o que é pode ser transformado, e não aquilo que desejamos ser. Para um indivíduo conhecer a si mesmo, tal como é, precisa de extraordinária vigilância por parte da mente, porquanto o que é está sujeito a transformação constante, constante mudança, e para o acompanhar com presteza não deve a mente estar restringida por nenhum dogma ou crença, nenhuma norma particular de ação. Se desejamos seguir uma coisa, não há vantagem alguma em estarmos amarrados. Para o indivíduo conhecer-se a si mesmo, deve ter lucidez, vigilância, por parte da mente, com inteira independência de todas as crenças, de toda idealização, uma vez que as crenças e os ideais, só nos oferecem uma cor, pervertendo o exato percebimento. Se você é ganancioso, invejoso, violento, o simples fato de nutrir um ideal de não violência, de não ganância, é de pouco valor. Saber porém, que somos gananciosos ou violentos, sabe-lo e compreendê-lo, requer um percebimento extraordinário, não é verdade? Requer honestidade, lucidez de pensamento, ao passo que seguir um ideal apartado do que é, representa uma fuga, que nos impede de descobrir e de atuar diretamente sobre o que somos. A compreensão do que somos, não importa como somos – feios, belos, perversos, malignos – sem disfarce, é o começo da virtude. A virtude é essencial, porque dá liberdade. É só na virtude que se pode descobrir que se pode viver – não no cultivo da virtude, que leva só à respeitabilidade, e não à compreensão e à liberdade. Há diferença entre ser virtuoso e “vir a ser” virtuoso. O ser virtuoso vem com a compreensão do que é, ao passo que o “vir a ser” virtuoso é adiamento, ocultação do que é com o que desejaríamos ser. Por conseguinte, no “vir a ser” virtuosos, evita-se a ação direta sobre o que é. Esse processo de evitar o que é, pelo cultivo do ideal, é considerado virtuoso; se o observarmos, porém, muito atenta e diretamente, veremos que não tem essa qualidade. É um mero adiamento do nosso encontro com o que é. Virtude não é “vir a ser” o que não é; virtude é compreensão do que é, portanto, o estado em que estamos livres do que é. A virtude é essencial numa sociedade que se está desintegrando rapidamente. Para criar um novo mundo, uma nova estrutura, diversa da velha, é preciso liberdade para descobrir; e para ser livre, é indispensável a virtude, porque sem virtude não há liberdade. Pode o homem imoral, que luta para se tornar virtuoso, chegar a conhecer a virtude? O homem que não é moral nunca pode ser livre e, por conseguinte, nunca descobrirá o que é a realidade. A realidade só se encontra na compreensão do que é, para compreender o que é, deve haver liberdade, libertação do medo do que é. Para compreender esse processo, deve haver a intenção de conhecer o que é, de seguir cada pensamento, cada sentimento, cada ação. É dificílimo compreender o que é, porquanto o que é nunca está em repouso, nunca é estático, está sempre em movimento. O que é é o que você é, e não o que desejaria ser; não é o ideal, porque o ideal é fictício: é aquilo que você faz, que pensa e sente, momento por momento. O que é é o fato real, e a compreensão do fato real requer vigilância, requer uma mente muito atenta e veloz. Mas se começamos condenando o que é, se começamos reprovando-o ou resistindo-lhe, não compreenderemos seu movimento. Se desejo compreender alguém, não devo condená-lo, devo observá-lo, estuda-lo. Devo amar a coisa que estou estudando. Se desejamos compreender uma criança, devemos amá-la e não condená-la. Devemos brincar com ela, observar-lhe os movimentos, as idiossincrasias, os modos de conduta, se apenas a condenamos, se resistimos a ela ou a reprovamos, não pode haver compreensão da criança. Da mesma forma, para compreendermos o que é, temos de observar o que pensamos, sentimos e fazemos momento por momento. É isso que tem existência real. Qualquer outra ação, qualquer ideal ou ação ideológica, não tem existência real; é um simples desejo, desejo fictício de sermos diferentes do que é. Para compreender o que é necessita-se de um estado mental em que não haja identificação ou condenação, o que requer um espírito ao mesmo tempo alerta e passivo. Achamo-nos nesse estado, quando realmente desejamos compreender uma coisa; quando há intensidade de interesse, esse estado mental torna-se existente. Quando estamos interessados em compreender o que é, compreender o real estado da mente, não precisamos força-la, discipliná-la ou controla-la; pelo contrário, há uma vigilância, um alertar passivo. Esse estado de vigilância vem quando existe o interesse, quando existe a intenção de compreender. A compreensão fundamental de si mesmo não resulta da aquisição de conhecimentos ou da acumulação de experiências, pois isso é só cultivo da memória. A compreensão de si mesmo acontece momento por momento: se apenas acumulamos o conhecimento do “eu”, esse conhecimento impede a compreensão mais profunda, porque o conhecimento e a experiência acumulados tornam-se o centro que permite ao pensamento focalizar-se e ter existência. O mundo não é diferente de nós e de nossas atividades, porque o que somos é o que cria os problemas do mundo/ a dificuldade, no que respeita à maioria de nós, é que cria os problemas do mundo; a dificuldade, no que respeita à maioria de nós, é que não nos conhecemos diretamente, mas queremos um sistema, um método, um meio de ação, pelo qual possam ser resolvidos os numerosos problemas humanos. Ora, existe algum meio, algum sistema de nos conhecermos? Qualquer pessoa talentosa, qualquer filósofo pode inventar um sistema, um método; mas, naturalmente, a observância de um sistema só produzirá um resultado criado por esse sistema, não é verdade? Se sigo um determinado método de conhecer a mim mesmo, terei o resultado que esse sistema necessariamente produz; mas o resultado, é evidente, não será a compreensão de mim mesmo, quer dizer, se sigo um método, um sistema, um meio de me conhecer, estou moldando meu pensar, minhas atividades segundo um padrão, e a observância de um padrão não é compreensão de si mesmo. Por conseguinte, não há método para alcançar o AUTOCONHECIMENTO. A busca de método implica invariavelmente o desejo de alcançar algum resultado, e é isso justamente o que todos nós queremos. Seguimos a autoridade, se não a de uma pessoa, pelo menos a de um sistema, de uma ideologia, porque desejamos um resultado que seja satisfatório, que nos dê segurança. Na realidade não desejamos compreender a nós mesmos, nossos impulsos e reações, o inteiro processo do nosso pensar, tanto consciente como inconsciente. Preferimos seguir um sistema que nos garanta um resultado. Seguir um sistema é invariavelmente o resultado do nosso desejo de segurança, de certeza, e daí, é claro, não resulta a compreensão de nós mesmos. Quando seguimos um método, necessitamos de autoridades – instrutor, guru, salvador, Mestre – que nos garantam o que desejamos, e esse, por certo, não é o caminho do AUTOCONHECIMENTO. A autoridade impede a compreensão de nós mesmos, não é verdade? Sob a égide de uma autoridade, de um guia, podemos ter, por algum tempo, um sentimento de segurança, um sentimento de bem estar, que não é a compreensão do processo total de nós mesmos. A autoridade, por sua própria natureza, impede o pleno conhecimento de nós mesmos; por conseguinte, acaba destruindo a liberdade; e só na liberdade pode haver criação. Só pode haver criação pelo AUTOCONHECIMENTO. A maioria dentre nós não é criadora; somos relógios de repetição, meros gramofones a tocar e a retocar certas cantigas da experiência, certas conclusões e lembranças, nossas próprias ou de outrem. Essa repetição não constitui um existir criador – mas é o que desejamos. Desejando estar inteiramente seguros, vivemos em busca de métodos e meios para alcançar essa segurança e criamos, assim, a espontânea tranquilidade da mente, em que existe a única possibilidade do estado de criação. Nosso problema resulta, sem dúvida, de termos perdido o sendo criador. Ser criador não significa pintar quadros ou escrever poesias e tornar-se famoso. Tal ação não é criadora, mas simples capacidade de expressar uma ideia, que o público aplaude ou despreza. Não se devem confundir capacidade e potência criadora. Capacidade não é criação. A potência criadora é um “estado de ser” inteiramente diferente, não é? É um estado em que o “eu” está ausente, em que a mente já não é o foco de nossa experiência, de nossas ambições, de nossos apetites e desejos. A criação não é um estado contínuo, renova-se a cada momento, é um movimento em que não existe ou “eu” ou “meu”, em que a mente não se foca em nenhuma experiência particular, em nenhuma ambição, realização, fim e incentivo. Só quando não existe o “eu”, pode haver criação – esse único estado de ser em que pode existir a realidade, a criadora de todas as coisas. Esse estado não se concebe nem se imagina, não se formula nem se copia, não se alcança por meio de sistema, de filosofia ou de disciplina alguma; ao contrário, só pode nascer da compreensão do processo total de nós mesmos. A compreensão de nós mesmos não é um resultado, uma culminação, é o nos vermos a cada momento, no espelho das relações – em nossas relações com a propriedade, as coisas, as pessoas e as ideias. Mas achamos difícil estar alertas, estar vigilantes, e por isso preferimos amortecer nossas mentes seguindo um método, aceitando autoridades, superstições e teorias que nos deem satisfação. Desse modo, nossas mentes se tornam lassas, exaustas, insensíveis. A mente em tais condições nunca se achará em estado de criação. Esse estado de criação vem tão somente quando o “eu”, que é o processo de reconhecimento e acumulação, deixa de existir, porque, afinal de contas, a consciência, como “eu”, é o centro do reconhecimento, e reconhecimento é mero processo de acumulação de experiência. Todos temos medo de “ser nada”, porque todos desejamos “ser alguma coisas”. O homem pequeno quer tornar-se um grande homem, o não virtuosos quer ser virtuoso, o fraco e obscuro anseia pelo poder, por posição e autoridade. É essa a incessante atividade da mente, que nunca pode estar quieta para compreender o estado de criação. Para que se possa transformar o mundo que nos rodeia, esse mundo de angústias, guerras, desemprego, fome, divisões de classes e confusão extrema, urge operar uma transformação em nós mesmos. A revolução deve começar dentro de nós mesmos, mas não de acordo com alguma crença ou ideologia, porque revolução baseada em ideia ou na observância de determinado padrão, não é, em absoluto, e, obviamente, revolução. Para que se possa operar uma revolução fundamental em nós mesmos, temos de compreender o processo integral do nosso pensamento e do nosso sentimento, nas relações. É essa a única solução para todos os nossos problemas, pois não é solução o fato de termos mais disciplinas, mais crenças, mais ideologias e mais instrutores. Se pudermos compreender a nós mesmos, como somos, de momento em momento, sem processo de acumulação, ganharemos uma tranquilidade, que não é produto da mente, uma tranquilidade não imaginada e não cultivada. E é só neste estado de tranquilidade que pode haver criação. Sociedade Teosófica no Brasil – Brasília – DF. Abraço Davi.