segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Yoga Sutra de Patanjali. O Plano da Obra.



Hinduísmo. Os Sutras do Yoga têm por objetivo dar ao estudante uma noção precisa do que é o Yoga e de que maneira se deve praticá-lo. Não se trata de um manual prático, no sentido de que não são ensinadas as posturas ou os exercícios respiratórios que caracterizam o Hatha Yoga, nem se dá informações sobre o local das práticas, as datas e horários propícios, a duração, a extensão das atividades, nem tantos outros detalhes que muitos estudantes gostariam talvez de conhecer. Para esse tipo de informações há outras obras clássicas de Yoga que podem ser consultadas, como o Gheranda Samhita e o Hatha Yoga Pradipika. Este corpo resumido de doutrina filosófica trata apenas de esclarecer os conceitos envolvidos na prática do Yoga, sem detalhar as formas assumidas por essa mesma prática. Seria um exagero, porém, considera-lo um texto puramente teórico, pois toda a sua orientação é voltada para a viabilização mais segura dessa mesma prática. Os Sutras do Yoga se estendem por 96 aforismos, repartidos em quatro capítulos. Estão dispostos sequencialmente de modo a traçar um roteiro de fácil memorização abrangendo todos os pontos essenciais do sistema. O primeiro capítulo é o que traz a maior variedade de assuntos, uma vez que trata de apresentar resumidamente todos os requisitos à prática do Yoga. Esses mesmos requisitos serão observados no segundo capítulo sob uma ótica mais prática, que apresenta os oito passos da realização do Yoga (Yama, Niyama, Asanas, Pranayama, Pratyahara, Dharana, Dhyana e Samadhi). O terceiro capítulo tem por tema a meditação do Yoga (Samyama) e os resultados que ela produz. O último capítulo trata do objetivo final do Yoga, o Kaivalyam. No início do texto, a preocupação do autor é com o estabelecimento do escopo do seu trabalho. As duas primeiras frases do texto dão conta da natureza dos Sutras e da natureza do Yoga. O primeiro Sutra diz: Aqui estão os postulados mais elevados do Yoga. Os termos utilizados são enfáticos. As palavras são: Atha, que é o termo de abertura de boa parte dos tratados indianos, que pode ser traduzida como uma apresentação do tipo Aqui estão ou Eis aqui; e Yoganuçasana que é um composto nominal. Nesse composto aparece a palavra Anuçasana, formada pelo prefixo Anu que significa elevado, proeminente, máximo, e pela palavra Çasana que é um ensinamento imposto, ou seja, um postulado. A raiz é Cas que significa açoitar, castigar. Patanjali deixa bem claro nesta frase de abertura que não está apresentando um texto aberto a sugestões. Quem deseja estudar o Yoga deve aceitar o conteúdo dos Sutras tal como é apresentado, sem alterações. O Sutra é um tipo de texto que, habitualmente, surgia no final de longos períodos de debates, durante os quais as ideias tratadas amadureciam no calor de acirradas disputas verbais. Quando o consenso se formava e o sistema filosófico resultante parecia consistente, algum dentre os melhores praticantes do sistema era convidado para elaborar os aforismo (sentenças curtas) que o perpetuariam. Dai o zelo em relação ao seu questionamento. Um debate de séculos entre indivíduos que orientavam suas vidas pelos preceitos que apregoavam, como sempre fazem os sábios iniciados, não poderia ser reaberto, sem mais nem menos, por um iniciante qualquer. Depois de deixar bem claro que os Sutras devem ser preservados da forma que estão, o autor entra no assunto definindo com brevidade o que é o Yoga. É aqui que começam as disputas entre tradutores. São apenas quatro palavras sânscritas, que precisam ser adequadamente compreendidas para que tenhamos uma definição precisa do que é o que se identifica pelo nome Yoga. Embora a leitura dos Sutras seja o caminho natural para encontrar seu significado, vamos passar agora de forma abreviada o sentido geral de que elas estão investidas nesta obra. Utilizando as palavras originais, a frase diz apenas: O Yoga é o Nirodha das Vrttis de Citta. Precisamos, portanto, buscar o significado de cada uma das três palavras utilizadas para descrever o Yoga. Começamos com Nirodha, que se origina da raiz verbal Rundh impedir, reter, segurar, modificada pelo prefixo Ni que indica um movimento para dentro. Nirodha é o recolhimento, o ato de trazer para dentro algo que se espalhou do lado de fora. Aquilo que se espalhou do lado de fora, e que precisa ser recolhido é designado pela palavra Vrtti. O significado literal desta palavra é o de um movimento circular de expansão ou avanço, como uma espiral, um desdobramento a partir de um ponto original (é também a palavra utilizada para o rolar das lágrimas). Uma palavra que temos em português derivada da mesma origem é vórtice, (redemoinho, turbilhão) com um significado bastante semelhante. O sentido do termo Vrtti está vinculado à ideia de uma manifestação exterior. As Vrttis seriam, portanto, expansões radiais de uma entidade central, espiritual, que partem em direção ao mundo manifestado. A entidade central, cujas expressões manifestadas, ou Vrttis, estariam sendo recolhidas com a prática do Yoga, é designada pela palavra Citta. Derivada do verbo Cint, pensar, essa palavra remete a um aspecto muito peculiar da estrutura anímica do ser humano. Ela nomeia o centro espiritual da mente humana. É a fonte da qual derivam todos os fenômenos da consciência. Citta é um eixo em torno do qual giram as atividades mentais do ser humano, e que lhe dá as Vrttis, suas ferramentas para a existência consciente e para a percepção de sua própria individualidade. Apesar de estar na origem da nossa vida consciente, Citta não está limitado à esfera dos fenômenos da consciência. Sua verdadeira natureza está mais próxima do que a psicologia identifica como o lado inconsciente de nossa mente. Citta nos dá todas as características que diferenciam nossa existência daquela de um simples animal, entre as quais merece destaque no hinduísmo a nossa capacidade de sentir Ananda, uma espécie de felicidade espiritual. Esse sentimento é uma exclusividade humana, que percebemos como uma satisfação indescritível que experimentamos ao fruir uma obra de arte, ou ao realizar um trabalho que nos agrada e nos absorve inteiramente a atenção. Citta, além de ser a origem e sustentáculo de nossa vida mental consciente, é também descrito como um observador silencioso das ocorrências do mundo. Não um mero observador, mas também um canal pelo qual grandes forças espirituais se encontram com as formas materiais inertes, iniciando uma luta entre naturezas opostas. Uma luta da qual resulta a vida, tal como a conhecemos. Essas forças são justamente as Vrttis. Citta jamais se apresenta diretamente no mundo, senão por meio das Vrttis, e como uma presença essencial por trás de nossa própria presença pessoal. Citta tem a capacidade de projetar concretamente no mundo essa sua presença, de forma espontânea e natural. O poder dessa projeção é aquela força da alma que os alquimistas identificam como indispensável a execução de sua obra, e é também o conjunto das forças criadoras da matéria, representadas pela figura simbólica da cornucópia (um vórtice em forma de chifre, que tem a propriedade de materializar os desejos de quem o possui). Também em formato de chifre retorcido numa espiral é o animal aquático misterioso que os indianos chamam de Makaram. Ele é o mesmo que dá nome ao décimo signo do zodíaco hindu (equivalente idêntico do nosso capricórnio) e que está associado ao elemento Akasham, a substancia que é o veículo das forças criadoras do universo mítico indiano. Todos símbolos representativos dos movimentos de circunvolução (volta inteira em termo de um centro comum) das Vrttis em seu frenesi, exaltação violenta de manifestação. Citta projeta no mundo seus desdobramentos, as Vrttis, e com elas dá origem à nossa existência individual e consciente. As Vrttis, porém, animadas pela força projetiva que as originou, continuam a se dividir e espalhar pelo mundo com uma necessidade crescente de se associar aos objetos diferenciados que encontram. Cada objeto que seja capaz de apresentar alguma característica que surgira a presença de Citta, atrai essas projeções com uma força irresistível e as Vrttis buscam se apropriar desses objetos como se a sua própria existência dependesse disso. Dai se originam os desejos, que por uma deformação de orientação, afastam as Vrttis de sua origem, em lugar de facilitar sua reintegração com Citta. A prática do Yoga (um esforço de atrelamento ou integração) tem por objetivo justamente a reintegração das Vrttis, ou seja, o seu recolhimento Nirodha novamente em Citta. Este é o significado literal da segunda frase dos Sutras de Patanjali. Abraço. Davi.

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