Hinduísmo.
Civa Nataraja, o deus dos mímicos e dos dançarinos, patrono das artes profanas
e das artes ocultas na Índia. É também o inspirador primitivo do sistema do
Yoga. A Índia é um país exótico e misterioso aos olhos dos milhares de viajante
ocidentais que têm percorrido suas terras e sua Cultura. Com sua mística e sua
sabedoria profunda, que desafiam os milênios, desenvolveu artes e ciências que
a muito custo conseguimos igualar e raramente ultrapassar, e guarda segredos
que segundo a tradição só serão revelados em séculos vindouros para as nações
que ostentarem os méritos exigidos para tal recompensa. Para os Pandits, os
eruditos da Índia, seu país tem um destino traçado por mãos invisíveis. A Índia
teria sido feita depositária das lições que um dia devolverão ao resto da
humanidade a pureza espiritual perdida num passado remoto que teria levado
consigo o manancial de saber que nutria o coração dos primeiros homens. O
destino da Índia seria então o de educar o mundo, ou melhor, reeduca-lo. A
veracidade dessas assertivas não nos é possível
comprovar. O fato é que desde o final do século dezoito, quando Sir
William Jones (1746-1794) traduziu para o inglês um grande número de
manuscritos da língua sânscrita, que ele próprio ajudou a decifrar, um poderoso
movimento se formou arrastando as produções do intelecto indiano para todas as
partes do mundo. Um fascínio irresistível levou o pensamento e a
espiritualidade indianas para a Alemanha, a Itália, a França, a Inglaterra, e
dai para quase todos os demais países do ocidente. Desse corrente migratória
que já tem dois séculos faz parte a popularização da prática e do estudo do
Yoga. No entanto, esta disciplina indiana chegou ao ocidente de uma maneira um
tanto inadequada, descrita pelo ponto de vista de alguns mestres modernos que
se atêm excessivamente às práticas corporais deixando omissos os elementos
filosóficos do Sistema. A solução para cobrir essa lacuna histórica é promover
a difusão dos Yogas Sutras de Patanjali, que devolvem o caráter filosófico ao
estudo do Yoga. Nosso entusiasmo com o conteúdo dos ensinamentos do Yoga nos
estimulou a desenvolver um trabalho que nos permitisse oferecer aos
interessados uma tradução simples e direta. Baseada em nossa experiência
particular com a matéria, tem se mostrado bastante eficiente nos cursos que
temos ministrado para futuros professores de Yoga nas últimas décadas. Queremos
deixar claro que não é uma tradução que siga a interpretação de alguma Escola
ou mestre em particular e que também está longe de se considerar definitiva,
devendo ser objeto de retificações futuras por tradutores mais habilitados.
Este é o nosso sincero desejo. O Yoga é talvez o mais difundido Sistema
Filosófico Darçana (1) indiano. Cada Sistema Filosófico da Índia está baseado
numa obra fundamental que lhe dá os princípios gerais e delineia sua estrutura
lógica. (1) A palavra indiana Darçana, expressa uma maneira de observar as
coisas, um ponto de vista. Com ela se designavam os sistemas filosóficos. Os
Sutras ou Aforismos do Yoga, de autoria atribuída a um sábio de nome Patanjali,
foram a obra fundamental do sistema filosófico do Yoga. Resumem aquilo que se
convencionou chamar de Ashtangayoga, e que Swami Vivenkananda rebatizou com
Raja Yoga. Patanjali teria sido o compilador desta obra que, segundo a tradição,
é o resumo e o resultado de alguns séculos de debates entre filósofos e
praticantes do Yoga. Não se sabe a data precisa de sua redação original, mas o
estilo Clássico da versão atual indica que esta última deve ter sido preparada
durante a dinastia Gupta, entre os séculos II e V DC. O conteúdo, por outro
lado, sugere que sua composição possa ter ocorrido antes disso, por volta do
século IV AC, quando o Budismo estava em seus primórdios. Seus ensinamentos
básicos concordam com a ortodoxia Brahmânica, que está apoiada nos Vedas e
subsequentes textos interpretativos. Por esta razão o Yoga é considerado como
um dos seis Sistemas Filosóficos (2) que compõem a ortodoxia filosófica da
Índia. Cabe dizer, porém, a título de informação, que dentre os demais Sistemas,
chamados heterodoxos, encontramos produções cuja profundidade e alcance
histórico igualaram ou mesmo superaram a ortodoxia como é o caso do Jainismo e
do Budismo. (2) Os sistemas considerados
ortodoxos dentro da tradição hinduísta eram: Samkhya, Yoga, Nyaha, Vaiçeshika,
Purva Mimamsa (Vedanta) e Uttara. O principal mérito dos Sutras do Yoga foi o
de estabelecer um código regulador da prática, baseado em preceitos éticos e
numa delimitação dos conceitos teóricos envolvidos. A prática indiscriminada do
Yoga induz muitos praticantes a erros de método, que podem causar danos ao
organismo físico e psíquico. Mas o erro mais frequente é de natureza
conceitual, fazendo uma boa parte dos praticantes considerar que a perfeição do
corpo é imprescindível para a prática adequada do Yoga. Os Sutras tornam
evidente o fato de que o Yoga é uma disciplina que trabalha com a mente, e que
o corpo é apenas uma ferramenta adicional para o correto desempenho prático.
Fica claro que um deficiente físico está tão apto à prática do Yoga quanto um
saudável atleta, desde que em ambos exista uma sincera disposição à disciplina
do pensamento e do comportamento. A prática do Yoga também não exige a clausura
ou isolamento do praticante senão nos momentos de meditação, quando é conveniente
a ausência de perturbações no local do exercício. No mais ele pode, e até deve,
ser realizado dentro do ambiente social habitual do yogue. Ao seguir os
preceitos do Yoga descobrimos maneiras mais adequadas para a vida comunitária.
A simplicidade na forma foi o critério adotado para a redação sânscrita deste
teto. As frases trazem apenas o essencial, reservando-se os necessários
esclarecimentos para o ensinamento direto, dado de viva voz pelo instrutor.
Alguns mestres mais destacados foram imortalizados em comentários escritos que
acompanham o texto em certos manuscritos. O comentarista mais famoso é
Vyasadeva, a quem se atribui um bom punhado de outras obras, entre as quais o
célebre épico Mahabharata, de onde saiu o mais popular texto literário da Índia,
a Bhagavad Gita. A palavra sânscrita Sutra vem da raiz Siv que significa
costurar. Os textos chamados Sutras apresentam, de fato, a característica da
linearidade em que cada frase é uma decorrência lógica da frase anterior e leva
o fio do raciocínio a um encadeamento necessário com a frase que se segue. Os
Sutras eram escritos para o aprendizado de temas complexos, e deviam ser
memorizados integralmente pelo estudante. A finalidade de sua estrutura linear
era facilitar o esforço de memorização. Além disso, nenhum Sutra deveria ser
muito extenso, pela mesma razão. São menos de duzentos os aforismos que
descreve e explicam todo o Sistema. Seu número exato varia de conformidade com
o manuscrito consultado, que pode ter algumas frases a mais ou a menos. É praticamente
impossível identificar interpolações ou adulterações, já que não conhecemos a
versão original e autêntica deste texto. Devido a estas características, é
evidente que a tradução de um Sutra precisa necessariamente oferecer como
resultado um texto no qual a leitura linear, frase a frase, seja formal e
semanticamente coerente. Este é o melhor critério a ser adotado na leitura
crítica do texto que ora apresentamos. O original sânscrito que adotamos para
esta nossa tradução tem 196 aforismos. Curiosamente em nenhuma das publicações
que pudemos consultar são citadas as fontes desses originais. No entanto o
texto apresentado por todas elas é idêntico, exceto em alguns poucos detalhes.
Há três aforismos que aparecem no terceiro capítulo, os Sutras 20 e 22 não
aparecem em todas as edições, e o Sutra 41 aparece com uma pequena variação em
determinadas versões. Neste trabalho optamos por não omitir qualquer dos
Sutras, e apresentar a variação do 41 em uma nota complementar. Em Vivekananda (1863-1902)
e William Quan Judge (1851-1896), o quarto capítulo tem apenas 33 Sutras, em
lugar dos 34 dos demais. Abraço. Davi.
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