quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Yoga Sutra de Patanjali. Introdução.



Hinduísmo. Civa Nataraja, o deus dos mímicos e dos dançarinos, patrono das artes profanas e das artes ocultas na Índia. É também o inspirador primitivo do sistema do Yoga. A Índia é um país exótico e misterioso aos olhos dos milhares de viajante ocidentais que têm percorrido suas terras e sua Cultura. Com sua mística e sua sabedoria profunda, que desafiam os milênios, desenvolveu artes e ciências que a muito custo conseguimos igualar e raramente ultrapassar, e guarda segredos que segundo a tradição só serão revelados em séculos vindouros para as nações que ostentarem os méritos exigidos para tal recompensa. Para os Pandits, os eruditos da Índia, seu país tem um destino traçado por mãos invisíveis. A Índia teria sido feita depositária das lições que um dia devolverão ao resto da humanidade a pureza espiritual perdida num passado remoto que teria levado consigo o manancial de saber que nutria o coração dos primeiros homens. O destino da Índia seria então o de educar o mundo, ou melhor, reeduca-lo. A veracidade dessas assertivas não nos é possível  comprovar. O fato é que desde o final do século dezoito, quando Sir William Jones (1746-1794) traduziu para o inglês um grande número de manuscritos da língua sânscrita, que ele próprio ajudou a decifrar, um poderoso movimento se formou arrastando as produções do intelecto indiano para todas as partes do mundo. Um fascínio irresistível levou o pensamento e a espiritualidade indianas para a Alemanha, a Itália, a França, a Inglaterra, e dai para quase todos os demais países do ocidente. Desse corrente migratória que já tem dois séculos faz parte a popularização da prática e do estudo do Yoga. No entanto, esta disciplina indiana chegou ao ocidente de uma maneira um tanto inadequada, descrita pelo ponto de vista de alguns mestres modernos que se atêm excessivamente às práticas corporais deixando omissos os elementos filosóficos do Sistema. A solução para cobrir essa lacuna histórica é promover a difusão dos Yogas Sutras de Patanjali, que devolvem o caráter filosófico ao estudo do Yoga. Nosso entusiasmo com o conteúdo dos ensinamentos do Yoga nos estimulou a desenvolver um trabalho que nos permitisse oferecer aos interessados uma tradução simples e direta. Baseada em nossa experiência particular com a matéria, tem se mostrado bastante eficiente nos cursos que temos ministrado para futuros professores de Yoga nas últimas décadas. Queremos deixar claro que não é uma tradução que siga a interpretação de alguma Escola ou mestre em particular e que também está longe de se considerar definitiva, devendo ser objeto de retificações futuras por tradutores mais habilitados. Este é o nosso sincero desejo. O Yoga é talvez o mais difundido Sistema Filosófico Darçana (1) indiano. Cada Sistema Filosófico da Índia está baseado numa obra fundamental que lhe dá os princípios gerais e delineia sua estrutura lógica. (1) A palavra indiana Darçana, expressa uma maneira de observar as coisas, um ponto de vista. Com ela se designavam os sistemas filosóficos. Os Sutras ou Aforismos do Yoga, de autoria atribuída a um sábio de nome Patanjali, foram a obra fundamental do sistema filosófico do Yoga. Resumem aquilo que se convencionou chamar de Ashtangayoga, e que Swami Vivenkananda rebatizou com Raja Yoga. Patanjali teria sido o compilador desta obra que, segundo a tradição, é o resumo e o resultado de alguns séculos de debates entre filósofos e praticantes do Yoga. Não se sabe a data precisa de sua redação original, mas o estilo Clássico da versão atual indica que esta última deve ter sido preparada durante a dinastia Gupta, entre os séculos II e V DC. O conteúdo, por outro lado, sugere que sua composição possa ter ocorrido antes disso, por volta do século IV AC, quando o Budismo estava em seus primórdios. Seus ensinamentos básicos concordam com a ortodoxia Brahmânica, que está apoiada nos Vedas e subsequentes textos interpretativos. Por esta razão o Yoga é considerado como um dos seis Sistemas Filosóficos (2) que compõem a ortodoxia filosófica da Índia. Cabe dizer, porém, a título de informação, que dentre os demais Sistemas, chamados heterodoxos, encontramos produções cuja profundidade e alcance histórico igualaram ou mesmo superaram a ortodoxia como é o caso do Jainismo e do Budismo. (2) Os  sistemas considerados ortodoxos dentro da tradição hinduísta eram: Samkhya, Yoga, Nyaha, Vaiçeshika, Purva Mimamsa (Vedanta) e Uttara. O principal mérito dos Sutras do Yoga foi o de estabelecer um código regulador da prática, baseado em preceitos éticos e numa delimitação dos conceitos teóricos envolvidos. A prática indiscriminada do Yoga induz muitos praticantes a erros de método, que podem causar danos ao organismo físico e psíquico. Mas o erro mais frequente é de natureza conceitual, fazendo uma boa parte dos praticantes considerar que a perfeição do corpo é imprescindível para a prática adequada do Yoga. Os Sutras tornam evidente o fato de que o Yoga é uma disciplina que trabalha com a mente, e que o corpo é apenas uma ferramenta adicional para o correto desempenho prático. Fica claro que um deficiente físico está tão apto à prática do Yoga quanto um saudável atleta, desde que em ambos exista uma sincera disposição à disciplina do pensamento e do comportamento. A prática do Yoga também não exige a clausura ou isolamento do praticante senão nos momentos de meditação, quando é conveniente a ausência de perturbações no local do exercício. No mais ele pode, e até deve, ser realizado dentro do ambiente social habitual do yogue. Ao seguir os preceitos do Yoga descobrimos maneiras mais adequadas para a vida comunitária. A simplicidade na forma foi o critério adotado para a redação sânscrita deste teto. As frases trazem apenas o essencial, reservando-se os necessários esclarecimentos para o ensinamento direto, dado de viva voz pelo instrutor. Alguns mestres mais destacados foram imortalizados em comentários escritos que acompanham o texto em certos manuscritos. O comentarista mais famoso é Vyasadeva, a quem se atribui um bom punhado de outras obras, entre as quais o célebre épico Mahabharata, de onde saiu o mais popular texto literário da Índia, a Bhagavad Gita. A palavra sânscrita Sutra vem da raiz Siv que significa costurar. Os textos chamados Sutras apresentam, de fato, a característica da linearidade em que cada frase é uma decorrência lógica da frase anterior e leva o fio do raciocínio a um encadeamento necessário com a frase que se segue. Os Sutras eram escritos para o aprendizado de temas complexos, e deviam ser memorizados integralmente pelo estudante. A finalidade de sua estrutura linear era facilitar o esforço de memorização. Além disso, nenhum Sutra deveria ser muito extenso, pela mesma razão. São menos de duzentos os aforismos que descreve e explicam todo o Sistema. Seu número exato varia de conformidade com o manuscrito consultado, que pode ter algumas frases a mais ou a menos. É praticamente impossível identificar interpolações ou adulterações, já que não conhecemos a versão original e autêntica deste texto. Devido a estas características, é evidente que a tradução de um Sutra precisa necessariamente oferecer como resultado um texto no qual a leitura linear, frase a frase, seja formal e semanticamente coerente. Este é o melhor critério a ser adotado na leitura crítica do texto que ora apresentamos. O original sânscrito que adotamos para esta nossa tradução tem 196 aforismos. Curiosamente em nenhuma das publicações que pudemos consultar são citadas as fontes desses originais. No entanto o texto apresentado por todas elas é idêntico, exceto em alguns poucos detalhes. Há três aforismos que aparecem no terceiro capítulo, os Sutras 20 e 22 não aparecem em todas as edições, e o Sutra 41 aparece com uma pequena variação em determinadas versões. Neste trabalho optamos por não omitir qualquer dos Sutras, e apresentar a variação do 41 em uma nota complementar. Em Vivekananda (1863-1902) e William Quan Judge (1851-1896), o quarto capítulo tem apenas 33 Sutras, em lugar dos 34 dos demais. Abraço. Davi.

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