sexta-feira, 30 de agosto de 2019

DEUS E SUAS QUASE MORTES


Hare Krishna. www.voltaaosupremo.com.br. Texto de Satyaraja Dasa. DEUS E SUAS QUASE MORTES. Esqueça Nietzsche: ele é quase inocente. Foram protestos no século XX que realmente tentaram “matar” Deus.  Embora Friedrich Nietzsche (1844-1900) não tenha sido o primeiro filósofo a declarar que “Deus está morto” – com efeito, seu predecessor Georg Wilhelm F. Hegel (1770-1831) usou os mesmos dizeres quase vinte anos antes dele – foi Nietzsche que popularizou a ideia. Em Die frohliche Wissenschaft -geralmente traduzido como A Gaia Ciência - publicado em 1882, Nietzsche coloca essas palavras na boca de um personagem fictício, conhecido simplesmente como “o louco”. Depois de entrar em uma praça mercantil movimentada, o personagem pergunta: “Onde está Deus?” Reagindo à audácia dele, muitas das pessoas ali se agrupam e começam a ridicularizá-lo, instigando-o a responder seu próprio questionamento, o que ele faz: Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Assim, a declaração de Nietzsche não foi uma negação de Deus, mas uma proclamação de que o mundo moderno - para ele, a Alemanha do século XIX - havia se afastado do Deus tradicional do cristianismo e do senso de moralidade oriundo da Bíblia. Quando Nietzsche escreveu “Deus está morto”, ele se referia à situação da modernidade, indicando que as pessoas desse tempo haviam saído da sociedade europeia de então, junto de suas leis, costumes e instituições religiosas. Mas e agora? Através da boca de um louco, Nietzsche questiona o que devemos fazer agora que a sociedade tirou Deus – ao menos como Ele era entendido anteriormente – da equação. Nietzsche não quer dizer que Deus experimentou uma morte física - visto que Deus não é um ser físico. Em vez disso, ele levanta a hipótese de que, caso a sociedade cristã comece a duvidar da existência de um ser espiritual, a estrutura moral de tal sociedade se desintegrará. Nietzsche não está, pessoalmente, tentando matar Deus; a sociedade já fizera isso. Ele está tentando postular um caminho para a humanidade se reconstruir no vácuo deixado pela destruição da moralidade cristã. “DEUS ESTÁ MORTO” REPRISADO. Depois da época de Nietzsche, a noção de “Deus está morto” morreu – até a década de 1960, quando reencarnou através de um grupo informal de teólogos protestantes, incluindo Thomas Altizer (1927-  ), Gabriel Vahanian (1927-2012), Paul van Buren (1924-1998), William Hamilton (1805-1865) e outros. Eles expressaram a necessidade de tornar Deus mais relevante no mundo moderno. Preferindo a concepção de divino de Paul Tillich (1886-1985) como “o fundamento do ser” - em oposição a uma deidade pessoal -, e dando ouvidos à insistência de (1) Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) de que os cristãos estavam em seu momento de maior glória. Esses teólogos queriam recriar a religião desde a base, começando com a “morte de Deus” como o conhecemos. O empenho deles foi de tentar acomodar na religião a secularização e um mundo mais apaixonado pela ciência do que por espiritualidade. Para esse fim, fizeram um uso prodigioso dos dizeres de Nietzsche. A posição modernista deles reuniu considerável popularidade no Ocidente, atingindo seu ponto alto quando a capa da revista Time de 8 de abril de 1966 estampou a matéria “Deus Está Morto?”. O artigo discutia as possíveis razões para o crescente ateísmo nos Estados Unidos e as obras dos teólogos do “Deus está morto”. Poucos meses antes, em 9 de janeiro de 1966, o jornal The New York Times publicara uma matéria similar, também centrada na nova teologia protestante. Nietzsche teria ficado orgulhoso. Mas nem todos compraram a ideia, nem na época, nem agora. Por exemplo, teólogos como Karl Barth (1856-1968) e John Warwick Montgomery (1931- ) contra argumentaram a teologia de “Deus está morto” com considerável sucesso. Mais atualmente, o artigo de Michael Shermer (1954- ) intitulado “Por que Nietzsche e a Revista Time Estavam Errados” feriu tanto a predição de Nietzsche de uma crescente secularização quanto a posição filosófica dos teólogos do “Deus está morto”. Como evidência, ele cita o fato de que um número continuamente crescente de pessoas no Ocidente ainda são religiosas ou espiritualistas, apesar da ênfase em ciência. Além disso, Shermer aponta, estatísticas indicam que poucas pessoas sentiram a necessidade de mudar suas crenças para um Deus despersonalizado ou para formas não tradicionais de religião.RESSUSCITANDO DEUS. Na primavera de 1966 – quando a Time e outros periódicos faziam ampla cobertura da temática “Deus está morto” –, Srila Prabhupada (1896-1977) estava iniciando seu movimento na cidade de Nova Iorque. Julgando pela frequência com que ele usava os dizeres “Deus está morto”, ele estava ciente das notícias relevantes de então. Seu primeiro uso documentado da expressão, de fato, aconteceu em abril de 1966, precisamente quando as publicações nacionais traziam pela primeira vez ao conhecimento do público essa nova tendência na teologia cristã. Desde então, a máxima aparecia consistentemente em seus discursos públicos. “Quando fui pela primeira vez aos Estados Unidos”, ele disse, “eles estavam popularizando a teoria de que ‘Deus está morto’. Mas eles voltaram a aceitar e disseram: ‘Deus não está morto, senão que Ele está aqui, com o Swamiji. Parece que Prabhupada também estava ciente da dimensão protestante, ou ao menos que a ideia havia penetrado na tradição cristã: “No momento atual, em muitas igrejas cristãs, está sendo ensinada essa filosofia de que Deus está morto. Porém, no que diz respeito a nós, não nos é possível aceitar essa filosofia de que Deus está morto. Ao contrário, pregamos que Deus não apenas não está morto, mas pode ser finalmente abordado face a face. E o método é muito simples: cantar o santo nome de Deus”. O guru de Prabhupada, Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakura, (1874-1937) se referiu brevemente ao tema de “Deus está morto” em sua introdução à Brahma-samhita, escrita na década de 1930. Uma vez que isso antecede o artigo da revista Time em algumas décadas, ele provavelmente estava fazendo referência a Nietzsche, mas o uso por parte de Prabhupada parece sugerir sua ciência da manifestação mais contemporânea do assunto. No tocante aos livros de Prabhupada, a expressão “Deus está morto” aparece nas obras Bhagavad-gita Como Ele ÉSrimad-BhagavatamAlém da Ilusão e da DúvidaMukunda Mala StotraElevação à Consciência de Krishna, Uma Segunda Chance e muitos outros. Aparece com ainda maior frequência em livros que são compilações de discursos e conversas dele, como A Ciência da Auto realização Em Busca do Verdadeiro Eu, o que indica que ele considerou o tópico relevante e útil para palestras ao público. Uma pesquisa online revela que ele se valeu dos dizeres mais de cem vezes em diálogos, palestras e cartas. POR QUE PRABHUPADA ESTAVA TÃO INTERESSADO? A máxima “Deus está morto” resume muito do que Prabhupada veio retificar no mundo ocidental. Por exemplo, consideremos a última frase proferida pelo personagem louco da obra de Nietzsche: “Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele?” Prabhupada iguala a noção de “Deus está morto” com a tentativa de usurpar a posição de Deus. Afinal, por que mataríamos o Supremo se não quiséssemos, ao menos em um nível subliminar, substituí-lo? Prabhupada diz: “Então, essas teorias ateístas de que ‘todos são Deus’, ‘eu sou Deus’, ‘Deus está morto’, ‘não existe um Deus’, ‘Deus não é uma pessoa’ – estamos lutando contra esses princípios. Nós dizemos: ‘Deus é KRISHNA. A Suprema Personalidade de Deus é KRISHNA. Ele é uma pessoa, e Ele não está morto’. Essa é a nossa pregação. Portanto, há embate”. Implícito em “Deus está morto”, está isto: “Se Deus está morto, posso agir como eu bem entenda. Não devo respostas pelos meus atos a ninguém. Com efeito, eu sou Deus.” Nas palavras de Prabhupada: Há um ótimo provérbio bengali: sakuni svape garu more naSakuni significa abutre. Um abutre almejava ter a carcaça de algum animal, especialmente uma vaca. Então, porque por muitos dias não conseguiu obter isso, está amaldiçoando uma vaca qualquer. “Morra!” Por que ele está amaldiçoando, isso quer dizer que a vaca morrerá? De igual modo, esses abutres, sakuni, querem que Deus morra. Eles, ao menos, sentem prazer com isso. “Ah! Agora Deus está morto. Eu posso fazer qualquer bobagem que eu queira.” Isso está acontecendo. Sakuni está amaldiçoando. O abutre está amaldiçoando a vaca. Muitos dos teólogos do “Deus está morto” basearam sua obra no proeminente filósofo protestante do século XX Paul Tillich, que se referia a Deus como o “fundamento do ser”, em oposição a uma Pessoa Suprema, ou como “o Deus que está acima do Deus do teísmo.” Assim, ele perpetuou a doutrina mayavada de um Absoluto impessoal, mas em termos ocidentais. Com efeito, a palavra BRAHMAN, o termo sânscrito para o Supremo impessoal, é frequentemente traduzida como o “fundamento do ser”, a expressão popularizada por Tillich. Prabhupada veio para o Ocidente a fim de mostrar as limitações dessa concepção imperssonalista. Para Deus ser completo, Prabhupada ensina, Ele tem que ter tanto os atributos impessoais quanto pessoais. Muitos dos teólogos do “Deus está morto” basearam sua obra no proeminente filósofo protestante do século 20 Paul Tillich, que se referia a Deus como o “fundamento do ser”, em oposição a uma Pessoa Suprema, ou como “o Deus que está acima do Deus do teísmo.” Assim, ele perpetuou a doutrina mayavada de um Absoluto impessoal, mas em termos ocidentais. Com efeito, a palavra BRAHMAN, o termo sânscrito para o Supremo impessoal, é frequentemente traduzida como o “fundamento do ser”, a expressão popularizada por Tillich. Prabhupada veio para o Ocidente a fim de mostrar as limitações dessa concepção impersonalista. Para Deus ser completo, Prabhupada ensina, Ele tem que ter tanto os atributos impessoais quanto pessoais. Prabhupada via a filosofia do “Deus está morto” como mera falta de inteligência, ou, pelo menos, falta do tipo de inteligência que permite a pessoa distinguir entre matéria e espírito. Deus não está morto; a sua inteligência está morta. Você tem um corpo morto, e se orgulha disso. O corpo é como um carro. O carro é algo morto, e, se não houver motorista, ele não funciona. Similarmente, o corpo é algo morto, e, tão logo você, a alma, deixa o corpo, ele para de funcionar. Isso significa que você está ocupando um corpo morto. Ele está funcionando apenas enquanto você está ali, mas, na verdade, o corpo é morto. E você está decorando um corpo morto. Todas as suas aquisições são simplesmente decorações em um corpo morto. Apranasyaiva dehasya mandanam loka-ranjanam. Algum sujeito baixo talvez aplauda: “Ah! Você é muito inteligente! Você está decorando seu corpo muito bem.” Contudo, um homem inteligente dirá: “Como ele é tolo! Ele está decorando um cadáver.” NO MÍNIMO, UMA CONCEPÇÃO IMPRECISA. Na Bhagavad-gita (2,27), KRISHNA declara: “Para aquele que nasce, a morte é certa.” Consequentemente, a morte de Deus é necessariamente algo impreciso, no mínimo, visto que Ele nunca nasce. Ele mesmo diz mais adiante na Bhagavad-gita (7,25): “Eu jamais Me manifesto aos tolos e destituídos de inteligência. Para eles, estou encoberto por Minha potência interna, em virtude do que eles não sabem que sou não nascido e infalível.” É claro, proponentes da doutrina do “Deus está morto” não dizem literalmente que Deus sofre uma morte convencional. Contudo, a concepção deles tem muitas outras falhas, como Prabhupada demonstrou nos exemplos citados acima. Hari Sauri Dasa, que serviu como secretário de Prabhupada e viajou com ele amplamente nos anos de 1975 e 1976, documentou como Prabhupada falou sobre o “Deus está morto” enquanto em sua presença: Na aula, Srila Prabhupada continuou a pregar com base nos pontos levantados durante a caminhada, especialmente a ideia do “Deus está morto”. Mais uma vez, o bom senso lógico de Srila Prabhupada revelou o pensamento tacanho e limitado dos pensadores ateístas. “Esta é a nossa opinião […]: Deus não está morto… O que é a morte? Você tem que mudar de corpo. Pode ser que obtenha um corpo de um nível superior ou inferior, mas você tem que mudar seu corpo. Existem 8.400.000 espécies de vida, formas de vida. Você tem que aceitar alguma delas. Esse é o nosso verdadeiro problema. Se esquecermos do verdadeiro problema e dissermos cega ou tolamente que Deus está morto… Deus pode estar morto, a lei de Deus não está morta. Suponha que um rei morra. Isso significa que o governo morre? Significa? O governo continuará. Você pode dizer que Deus está morto – Deus não está morto, tampouco você está morto –, mas você dizer tolamente que Deus está morto não significa que a lei dele esteja morta. A lei continua. O rei pode estar morto. O próximo, o filho dele ou outra pessoa se tornará rei, e a lei do governo irá adiante. Então, qual é a utilidade de dizer uma tolice como “Deus está morto”? Prabhupada declarou que todos que proclamam tal filosofia estão de fato mortos, porque se identificam com o corpo físico grosseiro, que é sempre morto. Trata-se simplesmente de uma máquina e se move apenas devido à presença da alma. Assim como KRISHNA censurou Arjuna no começo da Bhagavad-gita, dizendo que suas preocupações corpóreas eram tolice, Srila Prabhupada também criticou os pensadores modernos: “Então, todos esses filósofos baixos estão tentando escrever sobre o corpo. Nada além disso. Contudo, essa não é a temática para os estudiosos eruditos. O que é este corpo? Uma combinação de matéria. Ele se move, mas tão logo a alma saia do corpo, ele se torna inútil. Então, qual é a importância de se falar sobre esse cadaver?” A conclusão de Prabhupada foi tão esmagadora quanto a própria morte. “Quando a morte vier, ninguém salvará vocês. Com a declaração de que Deus está morto, vocês estão desafiando. Quando Deus vier [na forma do tempo] e matar você, ninguém poderá salvar você. Somos muito tolos por pensar que Deus está morto e que podemos continuar com nossa vida, e minha esposa, meus filhos, meus compatriotas, minha nação me salvarão. Isso não é possível.” Em sua filosofia do “Deus está morto”, Nietzsche estava reagindo ao cristianismo atado a regras de sua era rígida, como estavam os teólogos protestantes da década de 1960. Mas eles foram longe demais. Prabhupada veio para esclarecer e retificar tudo através de um processo devocional de canto e dança. Nietzsche, com efeito, teria apreciado o processo de Prabhupada, pois se diz que o filósofo alemão demonstrava seu apreço pelo Sagrado através da dança. Na verdade, Nietzsche dançava todos os dias, dizendo que essa era sua “única forma de piedade”, seu “serviço divino”. Para concluir, então, invocarei um dos dizeres mais famosos de Nietzsche: “Eu somente poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar”.Satyaraja Dasa, discípulo de Srila Prabhupada, é editor associado da Volta ao Supremo norte-americana e editor fundador do Journal of Vaishnava Studies. É autor de mais de 30 livros sobre a consciência de KRISHNA. www.voltaaosupremo.com.br. Abraço. Davi. (1).

Editor do Mosaico. Bonhoeffer foi um cristão polonês com forte testemunho de fé. Injustamente acusado de participar de conspiração contra a vida do Fuhrer – Adolf Hitler – foi preso pela SS, e levado para o campo de concentração Flossenburg na Polônia onde morreu em 1945. Permaneceu fiel a sua fé cristã. Sua obra publicada com o nome de Ética tornou-se pretexto à que as autoridades alemãs o ligassem a resistência antinazista. 


quinta-feira, 29 de agosto de 2019

MILAGRES NA FILOSOFIA JUDAICA MEDIEVAL


Judaísmo. www.morasha.com.br. MILAGRES NA FILOSOFIA JUDAICA MEDIEVAL. Os milagres eram um tema importante nos escritos dos filósofos medievais. Muitos dentre eles tinham dificuldade em aceitar a noção bíblica referente aos milagres. Era difícil explicar certos milagres bíblicos em termos de ciência contemporânea e, por outro lado, a aceitação de milagres requeria a crença na Criação e na Divina Providência -noções rejeitadas pela filosofia grega. Saadia Gaon (882-942). Saadia ben Joseph, também conhecido como Rabi Saadia Gaon por ter sido apontado como Gaon (chefe) da Academia de Sura, na Babilônia, pode ser considerado o pai da filosofia medieval. Seu sistema filosófico é amplamente detalhado em seu livro Emunot Vedeot, O livro das Crenças e Opiniões. Ele não questiona os milagres. Saadia Gaon coloca a possibilidade de que D'us considere apropriado alterar sua Criação com o intuito de confirmar suas revelações aos profetas. Em seu livro, O livro das Crenças e Opiniões (cap.3:4,5), Saadia insiste que o propósito dos milagres é confirmar o profeta como mensageiro de D'us e suas palavras como verdadeiras. Ele também acredita que há uma correlação completa entre o conteúdo da revelação e as conclusões da investigação racional - a existência de D'us, sua unicidade e a criação do mundo. Entretanto como a verificação intelectual das doutrinas reveladas é acessível a poucas pessoas, Saadia é da opinião que revelações e milagres eram necessários para a maioria do povo. A interpretação alegórica dos milagres é feita por Saadia apesar do próprio Midrash ter registrado muitas interpretações alegóricas. Enquanto aceitava o fato de que todas as palavras da Torá eram divinas, ele insistia que a verdade da Bíblia está na razão e que sempre que a Bíblia parece entrar em conflito com a razão, as palavras devem ser entendidas em um sentido metafórico e alegórico. (Gênese 3:1). Desta forma, ele explica as palavras da serpente e do asno falante de Bilaam (Números 22:28). Em relação à compreensão do texto da Torá em geral, Saadia argumenta que um texto pode ser interpretado contrariamente ao seu sentido literal, quando contradiz a razão. Tudo isto é baseado em provas ou comprovado por milagres. Os profetas, por exemplo, deveriam, em sua opinião, provar sua missão através de milagres públicos. Esta teoria levou à doutrina da tradição, de Saadia, que afirma existirem três fontes de sabedoria: percepção sensorial, evidência racional e conclusões racionais tomadas a partir de dados fornecidos pela razão e aliadas à percepção. A convicção numa tradição fidedigna fundamentou sua noção de fé religiosa. Yehuda Ha-Levi (1075-1141). Os ensinamentos de Rabi Yehuda Ha-Levi se baseiam no conceito de que a experiência religiosa imediata é superior às deduções racionais. Desta forma Ha-Levi define o profeta como aquele que atingiu o mais alto grau de perfeição possível à imaginação. Apesar do raciocínio humano negar facilmente a possibilidade da ocorrência de milagres, estes fatos são sustentados pela autenticidade da tradição que os presenciou. Yehuda Ha-Levi não considera os milagres como Saadia Gaon, que os considerava uma afirmação da Revelação. Por sua vez ele considera os milagres como uma revelação direta de D'us. Considera milagre a comunicação direta de D'us com as pessoas ou com as nações. O desvio da ordem natural das coisas com o propósito de guiar o ser humano a seu destino religioso é um milagre. A autenticidade da revelação de D´us no Monte Sinai foi estabelecida pelo fato de que todos os israelitas, tanto crianças como adultos, foram presenteados com a profecia por intermédio de Moisés e puderam testemunhar a Revelação como experiência própria. Resumindo, para Yehuda Ha-Levi a Revelação bíblica é a fonte da verdade religiosa e como foi um ato público no Sinai, é inquestionável. Somente a clara determinação do relacionamento entre D'us e o indivíduo está além do que pode ser conhecido como filosofia. Maimônides (1135-1204). A maior obra filosófica escrita por Rabi Moses ben Maimon, também conhecido como Maimônides, é o Guia dos Perplexos. Esta obra foi feita para conciliar algumas diferenças entre revelação e filosofia e para ser uma espécie de guia àqueles que têm dúvidas sobre a filosofia ou a religião devido à aparente contradição entre ambas. Maimônides não considera que uma seja contrária à outra. Filosofia é o meio através do qual o indivíduo compreende a Revelação. A fé religiosa é uma forma de sabedoria. A filosofia é um elemento central dentro da própria religião. Desta forma aprender a filosofia é uma tarefa religiosa e a filosofia pavimenta o caminho para D'us. Para Maimônides, os milagres foram predeterminados no momento da Criação e desta forma não constituem uma mudança na vontade de D'us. Em sua opinião, são necessários para sustentar a autoridade da Revelação perante o povo. Maimônides é muito cauteloso em não definir o milagre como uma anulação das Leis Divinas sobre a natureza. Ele também é cuidadoso ao evitar que a afirmação da atividade sobrenatural de D'us seja utilizada como meio de interrupção da ordem natural da criação. Em seu comentário da Mishná, Maimônides ensina que os milagres foram inseridos na natureza no momento em que D'us criou o mundo. Em seu Guia dos Perplexos, Maimônides não parece mais se ater a esta posição extrema que excluiria qualquer interferência de D'us no curso da natureza. Ele admite a possível suspensão temporária da ordem natural das coisas como parte do plano Divino. Muitas narrativas milagrosas, especialmente as mais extraordinárias, como a de Bilaam falando com um asno ou a fala da serpente no Jardim de Éden, são explicadas por Maimônides alegoricamente ou através de interpretações de histórias como parte da visão profética. Quando um profeta descreve a ruína de um reinado ou a destruição de uma grande nação com expressões como "as estrelas caíram" ou "a terra está perdida e treme", utiliza metáforas para se referir aos derrotados. Enquanto os vitoriosos aproveitam a Luz e a alegria, os derrotados estão na escuridão. Para explicar a linguagem figurada da Bíblia, em seu Guia dos Perplexos, Maimônides cita o Salmo 77, cap. 17-19, referindo-se à morte dos egípcios no Mar Vermelho: "As águas viram-nos e ficaram com medo, as profundezas tremeram... a terra tremeu e estava confusa." Maimônides afirma que um milagre não pode provar aquilo que é impossível. Serve apenas para confirmar o que é possível. Maimônides, pois, explica que realidade deriva da Razão Divina e que nem tudo que é imaginável é necessariamente possível. Ele eleva os milagres de Moshé acima de todos os outros. A verdade metafísica vem de momentâneos flashes de iluminação, algo comum na filosofia e na profecia. Os profetas costumavam usar parábolas e metáforas porque o indivíduo comum não consegue compreender a verdade em sua forma pura. Somente o filósofo é capaz de fazê-lo, já que o conhecimento metafísico exige a perfeição do intelecto e a purificação da personalidade humana. Gershon ben Levi (1288-1344). Para explicar a natureza dos milagres, Rabi Gershon ben Levi (Gershonides) estudou os milagres bíblicos, concluindo que podem ser classificados em aqueles que envolvem mudança na matéria e outros em que a matéria permanece a mesma. Como exemplo dos primeiros, há a transformação do bastão de Moshé em serpente, e do rio Nilo em sangue. E como exemplo dos segundos há a mão de Moshé quando se torna leprosa. Indo mais além, divide os milagres entre aqueles em que o profeta foi avisado antes (Dez Pragas do Egito) e aqueles nos quais não houve aviso prévio. Sua análise dos milagres mostra que todos foram realizados ou relacionados com os profetas e que foram feitos com bom propósito. Segundo Rabi Gershon, como os milagres não parecem ser acidentais, devem ter como autores alguém que tem conhecimento espiritual de D'us, a chamada Inteligência Divina ou o próprio profeta). Conclui que o Autor de milagres é o mesmo que o Inspirador dos profetas, cujo Intelecto tem como conteúdo o sistema da criação unificado como uma idéia abstrata (por exemplo, o Intelecto Ativo). Assim, para Gershon ben Levi, o profeta sabe dos milagres porque o Intelecto Ativo, seu Autor, é também a Causa da inspiração profética. Nachmânides (1194-1270). Durante a vida de Rabi Moshe ben Nachman havia filósofos que continuavam a repudiar a crença em milagres, explicando-os com alegorias, enquanto outros tentavam provar que eles de fato ocorreram. Nachmânides, diferentemente de Maimônides, sugere que o milagre precede a natureza. Desta forma, para Nachmânides o milagre não é um acontecimento isolado, mas uma realidade sobrenatural imutável. Em sua opinião, a natureza e a ordem do mundo não afetam o propósito da Torá e desta forma o destino de Israel é passível de milagres. Entretanto os milagres não conflitam necessariamente com a ordem natural das coisas. Nachmânides postula uma distinção entre os milagres evidentes (por exemplo, aqueles que desviam da ordem natural, servindo para trazer fé aos céticos), e os milagres ocultos, que consistem de coincidências não usuais de um certo número de eventos. Os milagres ocultos e sua natureza milagrosa serão evidentes somente para os que têm fé. Hasdai Crescas (1340-1410). Rabi Hasdai Crescas desenvolve a mais completa crítica da posição de Maimônides sobre os milagres. Assumindo que o mundo foi criado a partir do nada, mas não teve início temporal, o mundo é continuamente renovado pela infinita graça de D'us. Já que D'us é o Todo Poderoso e a Bondade Infinita, os milagres (instrumentos do bem) não estão meramente no poder de D'us mas são um efeito necessário de Sua existência. Para Crescas, os milagres nem são desvios da natureza nem conflitam com esta, mas sim uma expressão da ordem sobrenatural. Enquanto as ocorrên- cias naturais são trazidas por D'us indiretamente, expressando sua força limitada, o milagre é trazido diretamente por D'us, expressando o seu poder ilimitado e tendo uma existência absoluta. Para Crescas, o mundo em si é na verdade um milagre perpétuo que abrange a ordem natural. O milagre precede a natureza e seu verdadeiro propósito é trazer a fé aos céticos e reforçar a fé daqueles que já a têm. Para Crescas, a cada evento no qual a onipotência de D'us é revelada, D'us Se torna presente para os humanos. Como a graça de D'us é infinita, deve forçosamente se revelar a toda a humanidade. www.morasha.com.br. Abraço. Davi

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

CABALA


Judaísmo. www.wikipedia.org. CABALA. Amigos leitores, segue algumas ponderações do misticismo esotérico da Cabala e alguns fatos históricos quanto a essa importante Escola de Mistério, que a despeito de fortes perseguições desde os primórdios, inclusive de facções conservadoras do judaísmo continua viva e atuante até hoje. Grande parte dos ensinos profundos do microcosmo (homem) e macrocosmo (universo) estão descritos em seus livros de interpretação apenas para os iniciados em ocultismo, teurgia e magia. A Cabala prática e a Cabala revelada podem ser acessadas por interessados e neófitos nos mistérios exotéricos da ciência oculta, como nós que pela leitura entendemos num nível epidermial aquilo que os místicos cabalistas levaram anos para compreenderem. A "Cabala" é uma doutrina esotérica que diz respeito a Deus e o Universo, sendo afirmado que nos chegou como uma revelação para eleger santos de um passado remoto, e preservada apenas por alguns privilegiados. Formas antigas de misticismo judaico consistiam inicialmente de doutrina empírica. Mais tarde, sob a influência da filosofia neoplatónica e neopitagórica, assumiu um carácter especulativo. Na era medieval desenvolveu-se bastante com o surgimento do texto místico, Sepher Yetzirah, ou Sheper Bahir que significa Livro da Luz, do qual há menção antes do século XIII. Porém o mais antigo monumento literário sobre a cabala é o Livro da Formação (Sepher Yetzirah), considerado anterior ao século VI, onde se defende a idéia de que o mundo é a emanação de Deus. Transformou-se em objeto de estudo sistemático do eleito, chamado o "baale ha-kabbalah-kabbalah" (בעלי הקבלה "possuidores ou mestres da Cabala "). Os estudantes da Cabala tornaram-se mais tarde conhecidos como "maskilim" (משכילים "o iniciado"). Do décimo terceiro século para frente ramificou-se em uma literatura extensiva, ao lado e frequentemente na oposição ao Talmud. Grande parte das formas de Cabala ensinam que cada letra, palavra, número, e acento da Escritura contêm um sentido escondido; e ensina os métodos de interpretação para verificar esses significados ocultos. Alguns historiadores de religião afirmam que devemos limitar o uso do termo Cabala, apenas ao sistema místico e religioso que apareceu depois do século XX e usam outros termos para referir-se aos sistemas esotéricos-místicos judeus de antes do século XII. Outros estudiosos vêm esta distinção como sendo arbitrária. Neste ponto de vista, a Cabala depois do século XII é vista como a fase seguinte numa linha contínua de desenvolvimento que surgiram dos mesmos elementos e raízes. Desta forma, estes estudiosos sentem que é apropriado o uso do termo Cabala para referir-se ao misticismo judeu desde o primeiro século da Era Comum. O Judaísmo ortodoxo discorda com ambas as escolas filosóficas, assim como rejeita a ideia de que a Cabala causou mudanças ou desenvolvimento histórico significativo. Desde o final do século XIX, com o crescimento do estudo da cultura dos Judeus, a Cabala também tem sido estudada como um elevado sistema racional de compreensão do mundo, mais que um sistema místico. Um pioneiro desta abordagem foi Lazar Gulkowitsch. A Qabalah literal possui três matérias principais:


1.       Gematria (GMTRIA): baseada nos valores numéricos das palavras;
2.       Notariqon (NVTRIQVN): em uma de suas formas, as letras de uma palavra são usadas como iniciais de outra; e na sua segunda forma, a letra inicial de várias palavras forma uma só;
3.       Temurá (TMVRH): as letras de uma palavras são permutadas com outra, conforme uma tabela de substituição.
4.        
Antiguidade do misticismo esotérico. Formas iniciais de misticismo esotérico existem já há 2.000 anos. Ben Sira alerta sobre isto ao dizer: "Você não deve ter negócios com coisas secretas" (Sirach) ii.22; compare com o Talmud Hagigah 13a; Midrash Genesis Rabbah VIII. Literatura Apocalíptica pertence aos séculos II e I do pré-Cristianismo contendo alguns elementos da futura Cabala e, segundo Josephus, tais escritos estavam em poder dos Essênios, e eram cuidadosamente guardados por eles para evitar sua perda, o qual eles alegavam ser uma antiguidade valiosa (veja Fílon de Alexandria, "De Vita Contemplativa", III, e Hipólito, "Refutation of all Heresies", ix. 27). Estes muitos livros contém tradições secretas mantidas ocultas pelos "iluminados" como declarado em IV Esdras XIV. 45-46, onde Pseudo-Ezra é chamado a publicar os vinte e quatro livros canônicos abertamente, de modo a que merecedores e não merecedores pudessem igualmente ler, mas mantendo sessenta outros livros ocultos de forma a "fornece-los apenas àqueles que são sábios" (compare Dan. xii. 10); pois para eles, estes são a primavera do entendimento, a fonte da sabedoria, e a corrente do conhecimento. Instrutivo ao estudo do desenvolvimento da Cabala é o Livro dos Jubilados, escrito no reinado do Rei João Hircano, o qual refere a escritos de Jared, Cainan, e Noé, e apresenta Abraão como o renovador, e Levi como o guardião permanente, destes escritos antigos. Ele oferece uma cosmogênese baseada nas vinte e duas letras do Alfabeto Hebraico, e conectada com a cronologia judaica e a messianologia, enquanto ao mesmo tempo insiste na Heptade como número sagrado ao invés do sistema decádico adotado por Haggadistas posteriores e pelo "Sefer Yetzirah". A ideia Pitagórica do poder criador de números e letras, sobre o qual o "Sepher Yetzirah" está fundamentado, o qual era conhecido no tempo da Mishnah (antes de 200DC). Gnosticismo e Cabala. A literatura gnóstica dá testemunho da antiguidade da Cabala. Gnosticismo — isto é, a "Chokmah" cabalística (חכמה "sabedoria") - parece ter sido a primeira tentativa por parte dos sábios judeus em fornecer uma tradição mística empírica, com ajuda de idéias Platônicas e Pitagóricas (ou estóicas), um retorno especulativo. Isto conduziu ao perigo da heresia pela qual as personalidades rabínicas judias Akiva e Ben Zoma esforçaram-se por libertar-se. Dualidade Cabalística. O sistema dualístico de poderes divinos bons e maus, o qual provêm do Zoroastrismo, pode ser encontrado no Gnosticismo; tendo influenciado a cosmologia da antiga Cabala antes de ela ter atingido a idade média. Assim é o conceito em torno da árvore cabalística (Árvore da Vida), onde o lado direito é fonte de luz e pureza, e o esquerdo é fonte de escuridão e impureza, encontrado entre os Gnósticos. O fato também que as Qliphoth (קליפות as "cascas" primevas de impureza), os quais são tão proeminentes na Cabala medieval, são encontradas nos velhos encantamentos babilônicos, é evidência em favor da antiguidade da maioria das idéias cabalísticas. Doutrinas Místicas nos Tempos do Talmude. Nos tempos do Talmude os termos "Ma'aseh Bereshit" (Trabalhos da Criação) e "Ma'aseh Merkabah" (Trabalhos do Divino Trono/Carruagem) claramente indicam a vinculação com o Midrash nestas especulações; elas eram baseadas em Gen. i. e Ezequiel i. 4-28; enquanto os nomes "Sitre Torah" (Talmude Hag. 13a) e "Raze Torah" (Ab. vi. 1) indicam seu carater secreto. Em contraste com a afirmação explícita das Escrituras que Deus criou não somente o mundo, mas também a matéria da qual ele foi feito, a opinião é expressa em tempos muito recentes que Deus criou o mundo da matéria que encontrou disponível — uma opinião provavelmente atribuida a influência da cosmogênese platônica. Eminentes professores rabinos palestinos conservam a teoria da preexistência da matéria (Midrash Genesis Rabbah i. 5, iv. 6), em contrariedade com Gamaliel II. (ib. i. 9). Ao discorrer sobre a natureza de Deus e do universo, os místicos do período Talmúdico afirmaram, em contraste com o transcedentalis,o Bíblico, que "Deus é o lugar-morada do universo; mas o universo não é o lugar-morada de Deus". Possivelmente a designação ("lugar") para Deus, tão frequentemente encontrada na literatura Talmúdica-Midrashica, é devida a esta concepção, assim como Philo, ao comentar sobre Gen. xxviii. 11 diz, "Deus é chamado 'ha makom' (המקום "o lugar") porque Deus abarca o universo, mas Ele próprio não é abarcado por nada" ("De Somniis," i. 11). Baruc Spinoza (1632-1677) devia ter esta passagem em mente quando disse que os antigos judeus não separavam Deus do mundo. Esta concepção de Deus pode ser panteísta. Isto também postula a união do homem com Deus; ambas as idéias foram posteriormente desenvolvidas na Cabala mais recente.Até em tempos bem recentes,teologos da Palestina e de Alexandrei reconheceram dois atributos de Deus,"middat hadin",o atributo da justiça,e missa ha-rahamim", o atributo da misericórdia(Midrash Sifre,Deut.27);e esse é o contraste entre misericórdia e justiça,uma doutrina fundamental da Cabala. Cabala no cristianismo e na sociedade não judaica. O termo "Cabala" não veio a ser usado até meados do século XI, e naquele tempo referia-se à escola de pensamento (Judaica) relacionada ao misticismo esotérico. Desde esses tempos, trabalhos Cabalísticos ganharam uma audiência maior fora da comunidade Judaica. Assim versões Cristãs da Cabala começaram a desenvolver-se; no início do século XVIII a cabala passou a ter um amplo uso por filósofos herméticos, neo-pagãos e outros novos grupos religiosos. Hoje esta palavra pode ser usada para descrever muitas escolas Judaicas, Cristãs ou neo-pagãs de misticismo esotérico. Leve-se em conta que cada grupo destes tem diferentes conjuntos de livros que eles mantem como parte de sua tradição e rejeitam as interpretações de cada um dos outros grupos. Principais textos judaicos. O primeiro livro na Cabala a ser escrito, existente ainda hoje, é o Sepher Yetzirah ("Livro da criação"). Os primeiros comentários sobre este pequeno livro foram escritos durante o século X, e o texto em si é citado desde o século VI. Sua origem histórica não é clara. Como muitos textos místicos Judeus, o Sefer Yetzirah foi escrito de uma maneira que pode parecer insignificante para aqueles que o lêem sem um conhecimento maior sobre o Tanakh (Bíblia Judaica) e o Midrash. Outra obra muito importante dentro do misticismo judeu é o Bahir ("iluminação"), também conhecido como "O Midrash do Rabino Nehuniah ben haKana". Com aproximadamente 12.000 palavras. Publicado pela primeira vez em 1176 em Provença, muitos judeus ortodoxos acreditam que o autor foi o Rabino Nehuniah ben haKana, um sábio Talmúdico do século I. Historiadores mostraram que o livro aparentemente foi escrito não muito antes de ter sido publicado. O trabalho mais importante do misticismo judeu é o Zohar (זהר "Esplendor"). Trata-se de um comentário esotérico e místico sobre o Torah, escrito em aramaico. A tradição ortodoxa judaica afirma que foi escrito pelo Rabino Shimon ben Yohai durante o século II. No século XII, um judeu espanhol chamado Moshe de Leon declarou ter descoberto o texto do Zohar, o texto foi então publicado e distribuído por todo o mundo judeu. Célebre historiador e estudante da Cabala, Gershom Scholem mostrou que o próprio de Leon era o autor do Zohar. Entre suas provas, uma era que o texto usava a gramática e estruturas frasais da língua espanhola do século XII, e que o autor não tinha um conhecimento exato de Israel. O Zohar contém e elabora sobre muito do material encontrado no Sepher Yetzirah e no Sefer Bahir, e sem dúvida é a obra cabalística por excelência. Ensinamentos cabalísticos sobre a alma humana. O Zohar propõe que a alma humana possui três elementos, o nefesh, ru'ach, e neshamah. O nefesh é encontrado em todos os humanos e entra no corpo físico durante o nascimento. É a fonte da natureza fisica e psicológica do indivíduo. As próximas duas partes da alma não são implantadas durante o nascimento, mas são criadas lentamente com o passar do tempo; Seu desenvolvimento depende da ações e crenças do indivíduo. É dito que elas só existem por completo em pessoas espiritualmente despertas. Uma forma comum de explicar as três partes da alma é como percebido a seguir:

·                     Nefesh (נפש) - A parte inferior, ou animal, da alma. Está associada aos instintos e desejos corporais.
·                     Ruach (רוח) - A alma mediana, o espírito. Ela contêm as virtudes morais e a habilidade de distinguir o bem e o mal.
·                     Neshamah (נשמה) - A alma superior, ou super alma. Essa separa o homem de todas as outras formas de vida. Está relacionada ao intelecto, e permite ao homem aproveitar e se beneficiar pós vida. Essa parte da alma é fornecida tanto para judeus quanto para não-judeus no nascimento. Ela permite ao indivíduo ter alguma consciência da existência e presença de Deus.
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Raaya Meheimna, uma adição posterior ao Zohar por um autor desconhecido, sugere que haja mais duas partes da alma, a chayyah e a yehidah. Gershom Scholem escreve que essas "eram consideradas como representantes dos níveis mais elevados de percepção intuitiva, e estar ao alcance somente de alguns poucos escolhidos". 

·                     Chayyah (חיה) - A parte da alma que permite ao homem a percepção da divina força.
·                     Yehidah (יחידה) - O mais alto nível da alma, pelo qual o homem pode atingir a união máxima com Deus
Tanto trabalhos Rabínicos como Kabalísticos sugerem que haja também alguns outros estados não permanentes para a alma que as pessoas podem desenvolver em certas situações. Essas outras almas ou outros estados da alma não tem nenhuma relação com o pós-vida. 

·                     Ruach HaKodesh (רוח הקודש) - Um estado da alma que possibilita a profecia. Desde o fim da era da profecia clássica, ninguém mais recebeu a alma da profecia.
·                     Neshamah Yeseira - A alma suplementar que o Judeu demonstra durante o Shabbat. Ela permite um maior prazer espiritual do dia. Ela existe somente quando se observa o Shabbat e pode ser ganha ou perdida dependendo na observação do Shabbat da pessoa.
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·                     Neshoma Kedosha - Cedida aos Judeus quando alcançam a maioridade (13 anos para meninos, 12 para meninas), e está relacionada com o estudo e seguimento dos mandamentos da Torah; pode ser ganha ou perdida dependendo do estudo e prática da Torah pela pessoa.
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Predizendo o Futuro. Um pequeno número de Cabalistas tentou predizer acontecimentos pela cabala. A palavra passou a ser usada como referência às ciências secretas em geral, à arte mística, ou ao mistério. Depois disso, a palavra cabala veio a significar uma associação secreta de uns poucos indivíduos que buscam obter posição e poder por meio de práticas astuciosas. Outros termos que originalmente se referiam a associações religiosas, mas que passaram a se referir de alguma forma a comportamentos perigosos e suspeitos incluem fanático, assassino e brutamontes. Cabala e a Tradição Esotérica Ocidental A Tradição Esotérica Ocidental (ou Hermética) é a maior precursora dos movimentos do Neo-Paganismo e da Nova Era, que existem de diversas formas atualmente, estando fortemente intrincados com muitos dos aspectos da Cabala. Muito foi alterado de sua raiz Judaica, devido à prática esotérica comum do sincretismo. Todavia a essência da tradição está reconhecidamente presente. A Cabala “Hermética”, como é muitas vezes denominada, provavelmente alcançou seu apogeu na “Ordem Hermética do Alvorecer Dourado” (Hermetic Order of the Golden Dawn), uma organização que foi sem sombra de dúvida o ápice da Magia Cerimonial (ou dependendo do referencial, o declínio à decadência). Na “Alvorecer Dourado”, princípios Cabalísticos como as dez emanações (Sephiroth), foram fundidas com deidades Gregas e Egípcias, o sistema Enochiano da magia angelical de John Dee, e certos conceitos (particularmente Hinduístas e Budistas) da estrutura organizacional estilo esotérico- (Maçônica ou Rosacruz). Muitos rituais da Alvorecer Dourado foram expostos pelo legendário ocultista Aleister Crowley e foram eventualmente compiladas em formato de Livro, por Israel Regardie, autor de certa notoriedade. Crowley deixou sua marca no uso da Cabala, em vários de seus escritos; destes, talvez o mais ilustrativo seja Liber 777. Este livro é basicamente um conjunto de tabelas relacionadas: às várias partes das cerimônias de magias religiosas orientais e ocidentais; a trinta e dois números que representam as dez esferas e vinte e dois caminhos da Árvore da Vida Cabalística. A atitude do sincretismo demonstrada pelos Cabalistas Herméticos é plenamente evidente aqui, bastando checar as tabelas, para notar que Chesed corresponde a Júpiter, Isis, a cor azul (na escala Rainha), Poseidon, Brahma e ametista – nada, certamente, do que os Cabalistas Judeus tinham em mente. Cabalistas em fuga. A expulsão dos judeus da Espanha gerou uma profunda transformação na Cabala, que ergueu sua nova sede em Safed, Israel. No exílio, os cabalistas inventaram uma nova teoria para o Big Bang e passaram a aguardar o retorno do Messias. Poucas pessoas viajaram tanto no século 13 quanto o místico judeu Abraham Abuláfia. Nascido na cidade espanhola de Zaragoza em 1240, o mestre cabalista passou a juventude perambulando pelos países da Europa e do Oriente Médio. Voltou para casa aos 31 anos, convencido de que a Espanha era seu lugar no mundo. Tinha uma razão forte para isso: foi nas encruzilhadas do país ibérico que o sábio desenvolveu uma técnica de meditação que, segundo ele, seria capaz de libertar a alma e proporcionar um encontro único com o Criador. Foi também na Espanha do século 13 que o rabino Moisés de León publicou o Zohar, o Livro do Esplendor, uma das obras fundamentais do misticismo judaico. Assim como eles, Joseph ben Gikatilla, Moshe ben Nahman e outros sábios integraram o restrito clube dos "eleitos" e fizeram da Espanha o berço da cabala na Idade Média. Cidades como Guadalajara e Barcelona viraram a paisagem espiritual perfeita para a busca do divino. O principal centro era Gerona, um povoado ribeirinho da Catalunha, quase na fronteira com a França. No século 15, porém, a idade do ouro da cabala espanhola chegou ao fim de forma trágica: com a expulsão dos judeus da península Ibérica. Os cabalistas então vagaram pelo mundo até encontrar refúgio na cidade de Safed, na Alta Galileia (atual Israel). Esses acontecimentos teriam profunda repercussão no misticismo judaico, com reflexos permanentes na forma como a cabala é entendida e praticadaDas fogueiras à expulsão. A perseguição da Igreja contra os cabalistas (e judeus em geral) não aconteceu de repente. Ela começou a se intensificar a partir do 4º Concílio de Latrão: em 1215, a Igreja Católica determinou que os judeus não poderiam se casar com cristãos nem exercer funções públicas. Também obrigou a usar distintivos sobre as roupas, como a estrela amarela imposta pelo rei Luís 9º na França. Em meio ao crescente antissemitismo na Europa, a Inglaterra expulsou-os de seu território em 1290. A França fez o mesmo em 1306. Na Espanha, a situação não era melhor. "Em 1391, uma onda de violentos ataques contra as comunidades judaicas varreu o país. Judeus de Sevilha, Córdoba, Toledo, Barcelona e outras cidades foram mortos, e suas propriedades incendiadas", diz o historiador britânico John Edwards no livro Inquisition ("Inquisição", sem tradução no Brasil). Para escapar da morte, milhares de judeus espanhóis recorreram ao batismo. Mas, mesmo assim, continuaram sendo objeto de repúdio e suspeitas. Judeus não eram o único alvo da Inquisição medieval. Protestantes, cátaros, bruxas e outros "hereges" também estavam entre as vítimas da caçada religiosa, que espalhou o terror pela França, pela Itália e outros países europeus. Os Tribunais do Santo Ofício entraram em decadência com o Renascimento, no século 15, mas foram revigorados na península Ibérica após a boda da rainha Isabel, de Castela, com o rei Fernando, de Aragão. Os chamados "reis católicos" se casaram em 1469 e promoveram a unificação da Espanha, mas logo viram que precisavam do apoio da Igreja para consolidar seu poder. Além disso, tinham de encher os cofres para expulsar os mouros de Granada, o último bastião muçulmano na península. A solução? Reeditar a Inquisição, tendo como alvo principal os judeus e convertidos, e usar os lucros dos confiscos das vítimas para financiar a guerra contra os mouros. Deu certo. Em 1478, o papa Xisto 4º autorizou a criação oficial do Tribunal da Inquisição na Espanha. Segundo o historiador medieval Andrés Bernáldez, mais de 700 convertidos seriam queimados e outros 5 mil presos até 1488. A morte na fogueira era o clímax do auto de fé, a representação terrena do Dia do Juízo. Os condenados iam em procissões carregando uma cruz, usando um chapéu em forma de cone (coroza) e vestidos com o sambenito, uma túnica com desenhos do demônio. Depois ardiam vivos na fogueira, sob os aplausos da multidão alvoroçada. "Durante a Inquisição espanhola, os judeus tinham duas alternativas. Uma era praticar sua fé nos porões das casas, com as cortinas fechadas, arriscando a vida. A outra era emigrar", diz o escritor americano-português Richard Zimler, autor do best seller O Último Cabalista de Lisboa. "Assim, a maioria dos judeus, incluindo os cabalistas, emigrou para lugares como Marrocos, Itália, Istambul, Salônica, norte da Europa e Palestina." O golpe final contra a cabala veio em 1492, quando os reis católicos expulsaram os judeus da Espanha. "Em Portugal, os judeus foram primeiro convertidos à força pelo rei dom Manuel, em 1497. E a partir daí emigraram", diz Zimler. Para os poucos que ficaram na península Ibérica, escondidos como judeus secretos, era impossível praticar a cabala, já que os livros em hebraico haviam sido confiscados. A nova capital da Cabala. Cerca de 40 anos após a expulsão da Espanha, os cabalistas se reuniram para formar um novo núcleo, a 3 mil quilômetros de distância dali. Assim como a cabala antiga havia florescido em Gerona, a nova cabala também encontrou sua máxima expressão numa pequena cidade: Safed, em Israel. Foi nesse vilarejo encravado no cume de uma montanha, ao norte do lago Tiberíades, que as novas doutrinas místicas foram formuladas pela primeira vez. Um dos expoentes da nova cabala foi Yossef Caro, autor do Schulchan Aruch (Código da Lei Judaica). Sua família foi expulsa da Espanha quando ele tinha 4 anos e se refugiou em Istambul, na Turquia, onde Caro começou os estudos rabínicos. Depois de vagar por Bulgária, Grécia e Egito, apontou sua bússola para Safed - uma antiga fortaleza do Reino Cruzado na Terra Santa. Diversos sábios tiveram histórias de vida semelhantes. E imprimiram suas experiências no novo misticismo. "O êxodo da Espanha gerou uma profunda transformação na cabala. Uma catástrofe de tal dimensão, que desarraigou um dos principais ramos do povo judeu, não podia deixar de afetar quase toda a esfera de vida judaica", diz o historiador Gershom Scholem no livro As Principais Correntes do Misticismo Judaico. Segundo o estudioso, a primeira transformação foi o início da popularização do misticismo judeu. Na Espanha, a cabala havia sido praticada por uma elite de judeus mais estudiosos, os "eleitos", que não faziam questão de divulgar seus conhecimentos. Esse hermetismo diminuiu em Safed. Diversas referências cabalísticas começaram a aparecer em contos e livros sobre ética, por exemplo. As lendas judaicas passaram a falar de reencarnação, outro provável fruto das noções cabalísticas. Além de mais popular, a nova cabala também incorporou a ideia de exílio. "Não se tratava apenas do exílio da Espanha mas de Deus", afirma Zimler: era como se os cabalistas tivessem sido obrigados a se "separar" da divindade. "Essa noção estava intimamente ligada a outra: a de que o exílio acabaria quando o Messias viesse à Terra." Isso significava um baita cisma em relação à velha cabala. Afinal, Abuláfia e os antigos mestres recusavam qualquer tendência messiânica. "Eles concentravam seus esforços mentais não no fim messiânico do mundo, e sim no começo. Estavam mais interessados na Criação que na Redenção", diz Scholem. Por meio da cabala, tinham a esperança de retornar à estrutura primordial do Universo. Ou seja: o propósito era voltar ao ponto de partida. A expulsão da Espanha mudou esse pensamento. Em lugar de tentar retornar ao preâmbulo do mundo, os novos cabalistas tentaram apressar os capítulos finais. Afinal, eles acreditavam que, caso todos se comprometessem a viver em santidade, a recompensa seria a volta do Messias à Terra, e o retorno dos seres humanos à divindade. "Assim, se esforçavam para que a comunidade fosse a mais unida e forte possível", diz o professor de espiritualidade judaica Daniel C. Matt, no livro O Essencial da Cabala. O leão de Safed. Três palavras sintetizam a essência da nova cabala: morte, arrependimento e renascimento. Era preciso saborear o amargor do exílio ao máximo e se arrepender junto com toda a humanidade para reencontrar a luz divina. Assim, ao tentar acabar com o exílio por meio do misticismo, os cabalistas de Safed assumiram um papel quase político. Eles mesmos se encarregaram de conquistar a comunidade e prepará-la para a vinda do Messias no teatro da Redenção, Israel. No século 16, um grande sábio se destacou na transmissão dessas ideias a cada lar judeu: Moisés Cordovero, fundador da Academia de Cabala de Safed. Ele descreveu e reinterpretou todo o legado da velha cabala, em particular o Zohar. Sua capacidade para escrever era enorme, comparável à de Tomás de Aquino. Quando o sábio morreu, em 1570, seus seguidores tinham uma obra imensa para basear seus estudos. Mas o maior expoente da cabala de Safed foi o rabino Isaac Luria. Ao contrário de Cordovero, Luria não deixou quase nada escrito. Sua sabedoria, que ficaria conhecida como "cabala luriânica", foi registrada pelos discípulos, sobretudo pelo rabino Chaim Vital. Embora tenha vivido pouco mais de dois anos em Safed, Luria exerceu tanto fascínio entre os colegas que foi adorado como um santo após sua morte, aos 38 anos. Não é à toa que ficou conhecido como Ha-Ari ("O Leão"), acrônimo de "o divino rabi Isaac". Luria trouxe uma ideia inovadora para explicar a criação do mundo: o tzimtzum, ou "contração" de Deus (veja quadro). E relacionou-a com o tikun, ou seja, a reparação do mundo por meio dos atos diários das pessoas. Mesmo que o povo de Safed não entendesse exatamente o que esses conceitos queriam dizer, de alguma forma eles passaram a fazer parte da vida de todos. Muitos se referiam ao tikun como um simples ato de generosidade. Somados, vários atos assim tornariam mais fácil o retorno do Messias. Em meados do século 17, essas ideias haviam se disseminado por grande parte do mundo judaico. "A cabala luriânica também exerceu forte influência sobre o hassidismo, o movimento de renascimento da fé judaica que ocorreu durante o século 18 no Leste Europeu", diz Matt. De lá para cá, rastros do misticismo de Safed têm sido encontrados na obra de diversos escritores, entre eles o checo Franz Kafka (1883-1924), o alemão Walter Benjamin (1892-1940) e o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Não fosse a expulsão dos judeus da Espanha, provavelmente nada disso teria acontecido. E hoje, quem diria, Luria não seria considerado o pai da cabala contemporânea. O exílio de Deus. Os antigos cabalistas espanhóis diziam que o Universo havia começado quando Deus decidiu liberar seu poder criativo - e a partir daí emanou tudo o que existe. O rabino Isaac Luria, porém, ofereceu uma resposta diferente, criando o conceito de tzimtzum (contração). Grosso modo, Deus foi compelido a dar espaço ao mundo, abandonando uma região dentro de sua infinidade. Ao se contrair, Ele deixou um lugar primordial para o mundo se desenvolver. Portanto, segundo Luria, o primeiro ato de Deus não foi um passo para fora, mas para dentro. Ok, essa é uma ideia complexa, mas o ponto é: o tzimtzum foi como um exílio de Deus dentro dele mesmo. "No vácuo criado, Deus lançou um raio de luz que foi canalizado por vasos. Mas, à medida que a emanação progredia, alguns vasos não resistiram à força da luz e se estilhaçaram", diz Daniel C. Matt. "A maior parte da luz voltou para sua fonte infinita, mas a restante caiu como centelhas - que ficaram presas na existência material. Portanto, a tarefa humana é libertar as centelhas para restituí-las à divindade. Esse processo de tikun ("reparo") é cumprido por meio de uma vida de santidade." Na visão luriânica, as ações humanas favorecem ou impedem o tikun, apressando ou adiando a vinda do Messias. De certo modo, o Messias é moldado por nossa atividade ética e espiritual - o que não deixa de ser um paradoxo. Como disse o escritor Franz Kafka (1883-1924), "o Messias só virá quando não for mais necessário". www.wikipedia.org. Abraço. Davi.


terça-feira, 27 de agosto de 2019

RELIGIÃO NÃO É LUTA. É PURA COMPREENSÃO


Espiritualidade. Texto de Osho (1931-1990). RELIGIÃO NÃO É LUTA. É PURA COMPREENSÃO. Pergunta: Osho, frequentemente eu ouço você falar sobre rebelião. Os padres e as freiras e os pais que definiram minha educação, agora estão velhos. A maioria já morreu. Parece que não vale a pena rebelar-me contra aquelas pessoas velhas e desamparadas. Agora, eu mesmo sou o padre e as doutrinas. Eu sinto que me rebelar contra qualquer coisa do lado de fora de mim é um desperdício de tempo e esse não é exatamente o ponto. Isso torna a situação muito mais frustrante e embaraçosa. Parece que algo dentro de mim  tem que se rebelar contra algo dentro de mim. Eu aceito que não é o meu ser essencial – a face original – que tem que se rebelar. É o self treinado – o subterfúgio. Mas, para me rebelar, eu tenho que usar esse "self", pois ele é o único que eu conheço. Como pode o subterfúgio se rebelar contra o subterfúgio?". A rebelião da qual eu tenho falado não tem que ser feita contra ninguém. Ela não é na verdade uma rebelião, mas somente uma compreensão. Não, você não tem que lutar contra os padres, as freiras e os pais externos. E você não tem também que lutar contra os padres, freiras e pais internos. Porque, internos ou externos, eles estão separados de você. O externo está separado, e o interno também está separado. O interno é apenas o reflexo do externo.  Você está perfeitamente certo ao dizer: 'parece que não vale a pena rebelar-me contra aquelas pessoas velhas e desamparadas'. Eu não estou dizendo a você para se rebelar contra aquelas pessoas velhas e desamparadas.  E eu também não estou dizendo a você para se rebelar contra tudo o que eles incutiram em você. Se você se rebelar contra sua própria mente, isso será uma reação, não uma rebelião. Note a diferença. A reação surge a partir da raiva; a reação é violenta. Numa reação você se torna cego de raiva. Numa reação você passa para o outro extremo. Por exemplo, se os seus pais ensinaram você a ficar limpo e tomar um banho todo dia, e mais isso e mais aquilo, e se foi ensinado a você desde pequenino que a limpeza está próxima de Deus; o que você fará, se um dia você começar a se rebelar? Você vai parar de tomar banho. Você vai começar a viver imundo. Isso é o que os Hippies seguiram fazendo ao redor do mundo. Eles pensavam que isso era rebelião. Eles passaram para o outro extremo. A eles foi ensinado que a limpeza era divina; agora eles estão pensando que a imundície é divina, que a sujeira é divina. De um extremo, eles passaram para o outro. Isso não é rebelião. Isso é raiva, isso é ira, isso é desforra. Enquanto você estiver reagindo aos seus pais e às suas ideias de limpeza, você ainda está apegado àquelas mesmas ideias. Elas ainda estão dentro de você, elas ainda têm um poder sobre você, elas ainda são dominante, elas ainda são decisivas. Elas ainda decidem a sua vida, embora você tenha se tornado o oposto delas; mas elas decidem. Você não pode tomar um banho tranquilo, pois você se lembrará de seus pais que o forçavam a tomar banho todos os dias. Agora você não quer tomar mais banho, de jeito algum. Quem está dominando você? Ainda os seus pais. O que eles fizeram com você, você ainda não foi capaz de desfazer. Isso é uma reação, isso não é rebelião. Então o que é rebelião? Rebelião é pura compreensão. Você simplesmente compreende qual é o caso. Então você não fica mais obcecado por limpeza, e isso é tudo. Isso não quer dizer que você vá se tornar sujo. A limpeza tem sua própria beleza. Mas a pessoa não deve ficar obcecada por ela, porque obsessão é doença. Por exemplo, uma pessoa lavando suas mãos continuamente por todo o dia – isso é neurose. Lavar as mãos não é uma coisa ruim, mas lavar suas mãos por todo o dia é loucura. Mas se, de lavar as mãos por todo o dia, você passar a não lavá-las; se você parar de lavá-las para sempre, então de novo você terá caído na armadilha, num outro tipo de loucura, o tipo oposto. Um homem de compreensão lava suas mãos quando é necessário, ele não está obcecado com isso. Ele é simplesmente espontâneo e natural a respeito disso. Ele vive inteligentemente e isso é tudo. Mas, se você não prestar muita atenção nos pequenos detalhes, não verá muita diferença entre obsessão e inteligência . Por exemplo, se você cruzar com uma cobra no caminho e você der um salto, naturalmente você deu um salto devido ao medo. Mas esse medo é inteligência. Se você não for inteligente, for estúpido, você não vai pular para fora do caminho e, desnecessariamente, estará colocando a sua vida em perigo. A pessoa inteligente irá pular imediatamente - a cobra está ali. Isso é devido ao medo, mas esse medo é inteligente, positivo, está a serviço da vida. Mas esse medo pode se tornar obsessivo. Por exemplo, você pode não querer sentar dentro de uma casa. Quem sabe? Ela pode desmoronar. E sabe-se que casas  se desmoronam, isso é verdade. Algumas vezes, elas têm desmoronado; você não está absolutamente errado. Você pode argumentar: 'se outras casas desmoronaram, por que não esta?' Agora você está com medo de viver sob qualquer teto - ele pode desabar. Isso é uma obsessão. Isso agora se tornou não inteligente. É bom estar alerta de que você está comendo um alimento limpo. Mas eu conheço um homem, um grande poeta (...). Certa vez ele viajava comigo. Sua esposa me contou, 'Agora você saberá o quanto é difícil viver com esse homem.' Eu perguntei: 'Qual é o problema?'. Ela disse: 'Você vai saber por si próprio.' Ele não bebia nenhum chá, nem água, em nenhum lugar. Era muito difícil, porque ele dizia, 'quem sabe se não existem germes no chá ou na água?' Ele não comia em nenhum hotel. Isso se tornou um tal problema... E nós tínhamos que viajar trinta e seis horas de trem e ele estava morrendo de fome e com sede e ele não bebia água. Eu tentei de toda maneira persuadi-lo. Ele dizia, 'Não. Quem sabe? E se houver germes? É melhor,' dizia ele, 'passar fome por trinta e seis horas e não comer. Eu não vou morrer, não se preocupe,' Mas eu podia ver que o homem estava torturando a si mesmo. Era um verão muito quente e ele estava com sede. E eu tentava em toda estação - eu trazia soda, trazia coca cola, eu trazia tudo que podia. Mas ele dizia, 'Esqueça isso - eu não posso tomar nada a não ser que eu esteja absolutamente seguro. Qual é a segurança? Qual é a garantia?' E ele não estava absolutamente errado, isso é verdade. Você conhece a Índia, e você conhece as estações indianas e os hotéis indianos. Você sabe. Ele está certo, mas agora ele está levando essa lógica longe demais. Então eu disse a ele, 'Pare de respirar também!' Ele disse: 'Por que?' Eu disse: 'Quem sabe, qual é a garantia? Pare de respirar! Ou beba esta água ou pare de respirar!' Então ele olhou para mim assustado, porque eu estava realmente raivoso. 'Por que você segue respirando? Quem sabe, podem existir germes, existem germes em toda parte. Ele tomou uma xícara de chá, mas a maneira como ele tomou (...)! Sua face (...). Eu não consigo esquecer. Já se passaram dez anos, mas eu não consigo esquecer a sua face – era como se eu estivesse matando aquele homem! Eu era um assassino! E ele estava obrigando-me a isso. Na estação seguinte, ele desceu e disse, 'Eu não posso viajar com você; eu vou voltar para casa. 'Eu disse, 'Qual é o problema? 'Ele disse, 'Você estava com tanta raiva, e parecia que você ia começar a me bater ou alguma coisa assim. E você disse: Não respire mais. Como eu posso parar de respirar?' Eu disse, 'Eu só estava dando a você um argumento, que se você pode respirar, por que não beber a água? É a mesma água indiana e o mesmo ar indiano. Não há com que se preocupar. Ele se recusou a viajar comigo. Eu tive que viajar sozinho. Ele retornou e desde então eu nunca mais o vi. A pessoa pode se tornar obsessiva a respeito de qualquer coisa. Qualquer coisa que pode ser inteligente dentro de certos limites, pode se tornar uma neurose se você ampliar esses limites. Reagir é passar para o outro extremo. Rebelião é uma compreensão muito profunda, compreensão profunda de um certo fenômeno. A rebelião sempre mantém você no meio, ela dá a você um equilíbrio. Você não tem que brigar com ninguém, as freiras e os padres e os pais, externos e internos. Você não tem que brigar com ninguém, porque numa briga você nunca sabe onde vai parar. Numa briga a pessoa perde a consciência; numa briga a pessoa passa logo para os extremos. Você pode observar isso. Por exemplo, você está sentado com seus amigos e, no meio da conversa, você diz, 'Aquele filme que eu vi ontem não vale a pena ser visto.' Isso pode ter sido um comentário à-toa, mas então alguém diz, 'Você está errado. Eu também vi o filme. Ele é um dos mais belos filmes que já foram feitos.' Você foi provocado, desafiado; e agora você se enche de argumentos. Você diz, 'ele não tem valor, é a coisa mais sem valor que existe!'  E você começa a criticar. E se o outro também insistir, você vai se tornar mais e mais raivoso e vai começar a dizer coisas que você nem mesmo tinha pensado a respeito. E mais tarde, se você olhar para trás e ver todo o fenômeno que aconteceu, você ficará surpreso pois quando você mencionou que o filme não valia a pena ser visto era uma afirmação muito moderada, mas com o passar do tempo você adotou argumentos e você já estava numa posição extremada. Você usou tudo que era possível, todas as palavras mais desagradáveis que você conhecia. Você condenou de toda maneira, você usou toda a sua habilidade para condenar. E você não estava com disposição para fazer isso no começo. Se ninguém tivesse contestado você, você poderia ter esquecido aquele assunto, você não iria nunca fazer aquelas afirmações pesadas. Isso acontece – quando você começa a brigar, a tendência é você passar para os extremos. Eu não estou ensinando você a brigar com seus condicionamentos. Compreenda-os. Torne-se mais inteligente a respeito deles. Simplesmente veja como eles dominam você, como eles influenciam o seu comportamento, como eles modelam a sua personalidade, como eles seguem atingindo você pela porta dos fundos. Simplesmente observe! Seja meditativo. E um dia, quando você tiver visto o funcionamento dos seus condicionamentos, de repente um equilíbrio será alcançado. Em sua real compreensão você estará livre. Compreensão é liberdade, e essa liberdade eu chamo rebelião. O verdadeiro rebelde não é um lutador; ele é um homem de compreensão. Ele simplesmente cresce em inteligência, não em raiva, não em ira. Você não consegue transformar a si mesmo tendo raiva de seu passado. Dessa maneira, o passado irá continuar dominando você, o passado continuará sendo o centro de seu ser, o passado permanecerá o seu foco. Você permanecerá focado, preso ao passado. Você poderá passar para o outro extremo, mas você ainda continuará preso ao passado. Fique alerta quanto a isso! Esse não é o caminho de um meditador, esse não é o caminho de um sannyasin. Sannyas é rebelião – rebelião através da compreensão. Simplesmente compreenda. Você passa ao lado de uma igreja e um profundo desejo surge em você de ir ao interior e orar. Ou você passa ao lado de um templo e inconscientemente você se curva diante de uma divindade do templo. Simplesmente observe. Por que você está fazendo essas coisas? Eu não estou dizendo para brigar. Eu estou dizendo para observar. Por que você se curva diante do templo? Porque foi ensinado a você que esse é o templo certo, que a divindade desse templo é a imagem verdadeira de Deus. Você sabe? Ou isso foi simplesmente dito a você e você continua seguindo isso? Observe! Vendo isso, que você está simplesmente repetindo um programa que foi dado a você, que você está simplesmente repetindo um mesmo disco em sua cabeça, que você está sendo um autômato, um robô, você irá parar de se curvar. Não que você tenha que fazer qualquer esforço, você simplesmente irá se esquecer de tudo a respeito disso. Isso irá desaparecer, isso abandonará você sem deixar qualquer traço. Quando você reage, o traço permanece lá. Mas, na rebelião não fica nenhum traço; é liberdade completa. Você tem simplesmente que ser um observador. E o observar é a sua face original; aquele que observa é a sua consciência verdadeira. Aquilo que é observado é o condicionamento. Aquele que observa é a fonte divina de seu ser.www.oshobrasil.com.br. Abraço. Davi. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

SIMCHAROTEM, CODINOME KAZIK


Judaísmo. www.morasha.com.br. SIMCHA ROTEM, CODINOME KAZIK. Último combatente vivo do Levante do Gueto de Varsóvia, Simcha Rotem morreu em dezembro de 2018, aos 94 anos. Alma de guerreiro, lutou incansavelmente em inúmeras batalhas contra os inimigos de seu povo. Uma de suas missões mais importantes foi conseguir retirar do gueto, em chamas, os combatentes judeus ainda vivos. Sua atuação foi tão simbólica do espírito de heroísmo dos jovens judeus, que Claude Lanzmann (1925-2018) o escolheu para a cena final de seu épico filme, “Shoah”. Os comandantes da Organização Judaica de Combate que liderou o Levante do Gueto de Varsóvia, conhecida por seu acrônimo em polonês, ZOB (Zydowska Organizacja Bojowa), sabiam que estava perdida a luta dentro do gueto, que ardia em chamas. Kazik foi então incumbido de ir para o lado ariano organizar a fuga dos companheiros, que assim teriam a possibilidade de continuar a luta. No filme “Shoah”, Kazik relata o momento em que, após dias planejando a fuga, volta para o gueto. “Não vi nenhuma alma viva.... E pensei, sozinho, em meio àquela total desolação, ‘Sou o último judeu’”. O filme termina com essas palavras de desespero. Mas, na vida real, a história da ZOB e de Kazik não termina aí. O jovem guerreiro não sucumbe ao desespero; levanta-se para continuar a luta. Repentinamente ele encontra mais de 80 companheiros e consegue levá-los para um local seguro. Entre eles, estavam dois de seus comandantes, Zivia Lubetkin1 e Marek Edelman2. Em seu livro “Memórias de um Combatente do Gueto de Varsóvia”3, publicado em 1994, Kazik reconta sua história. UM JUDEU DE VARSÓVIA. Simcha nasceu em 10 de fevereiro de 1924, em Czerniaków, um bairro de Varsóvia. Era o mais velho dos quatro filhos de Miriam e Zvi Ratheiser. Seus pais sobreviveram à guerra, mas de seus três irmãos - Israel, Dina e Raya – apenas Raya sobreviveu. A mãe era uma mulher bonita e afável. Os poloneses cristãos diziam que “ela não parecia judia”, “elogio torto” que ela detestava. O pai era um chassid que trabalhava duro para sustentar a família, e era o chazan da sinagoga. A família vivia em um apartamento em um bairro de classe trabalhadora, onde havia poucos judeus, e Simcha cresceu brincando principalmente com crianças cristãs. Fisicamente ele se parecia com a mãe, ademais tinha modos e fala “de polonês de Varsóvia”. Essas características permitiram-lhe esconder sua identidade judaica durante a Guerra, fato determinante para a ZOB em sua luta contra os nazistas. Ele era o courrier ideal, transitando para dentro e fora do gueto, por toda a Polônia, sem despertar suspeitas. “Durante a Guerra, enquanto eu estava fora do gueto, não usava faixa no braço com a estrela de David e nem o triângulo amarelo nas minhas roupas. Tomava o trem em direção à estação mais próxima do meu destino e ia aonde era preciso”. Em 1934, a família muda-se para um apartamento mais espaçoso. Na época, os pais tinham uma loja que vendia materiais de construção. A maioria dos clientes eram cristãos e mantinham um bom relacionamento com seus pais, em particular com Miriam, sua mãe. Simcha estudou num cheder, indo em seguida para uma escola pública administrada pela comunidade judaica. Bom aluno, adorava matemática. Foi nessa época que sentiu na pele, pela primeira vez, o antissemitismo polonês. A caminho da escola era assediado por cristãos, mas sempre revidava os ataques. Em 1938, um ano antes de seu Bar Mitzvá, filiou-se ao movimento da juventude sionista, Ha-No’ar Ha-ZioniINÍCIO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Em 1º de setembro de 1939 inicia-se a 2ª Guerra. Os exércitos do Terceiro Reich invadem a Polônia e sitiam Varsóvia, debaixo de pesado bombardeio. A família de Simcha decide mudar-se para o bairro judeu. Desde os primeiros dias há escassez de alimentos e era ele, na época com 15 anos, quem ia ao antigo bairro buscar pão com um amigo de seu pai, um volksdeutsch4. À medida que o bairro judeu vai sendo mais castigado pelos bombardeios alemães, seus pais e avós voltam para o antigo apartamento. No entanto, não havia local seguro. Um dia após Yom Kipur, uma bomba atinge o prédio onde moravam e mata seu irmão, Israel, e seus avós maternos. Ferido, Simcha fica preso nos escombros. Quando conseguiu libertar-se, correu para o abrigo na casa ao lado, onde encontrou seus pais e as duas irmãs. No dia 29 de setembro, os alemães tomam Varsóvia e a perseguição aos judeus é iniciada. Eles são cruelmente maltratados e levados ao trabalho forçado, enquanto são promulgados decretos para humilhar, isolar e minar sua sobrevivência. O tratamento que lhes reservavam os alemães era infinitamente pior do que o reservado aos poloneses cristãos. E, quando se tratava da população judaica, estabelecia-se uma “colaboração” entre poloneses e nazistas, principalmente na prática de “entregar”, de bom grado, os judeus aos alemães.   Com o contínuo racionamento, pelos alemães, dos alimentos destinados aos judeus, Simcha passa a ir às aldeias onde conseguia adquirir alimentos, ainda que a um preço salgado. No fatídico dia 15 de novembro de 1940, os nazistas trancafiaram os 375 mil judeus de Varsóvia dentro do gueto - uma área pequena e decadente. Nos meses seguintes, despejam outros 150 mil das regiões vizinhas no gueto já superpovoado. A área era cercada por um muro alto e as portas de saída vigiadas por homens armados. Nenhum judeu podia entrar nem sair. Os Ratheiser encontram um quarto pequeno onde vivem até conseguir um lugar maior. As terríveis condições de vida pioram. Nas palavras de Simcha, “Precisávamos, a todo custo, de comida, e assim fui tentando minha sorte com o contrabando..., mas foi minha mãe quem mais ajudou. Ela visitava seus antigos conhecidos no lado ariano e voltava com alimentos”. Os riscos que o rapaz assumia eram cada vez maiores, e seus pais, temendo que fosse morto durante uma de suas “empreitadas”, convencem-no a deixar o gueto e ir para Klwów, uma pequena aldeia onde viviam alguns parentes. Ao chegar, encontra trabalho com um camponês que sabia que ele era judeu. Todos os dias o jovem ia à casa do patrão, onde podia comer à vontade. Mas, a culpa lhe corroía a alma: “Os habitantes do gueto, inclusive minha família, sofrem de fome e doenças enquanto eu aqui estou, entre a grama verde e o céu azul” (...). Por seis meses ele sequer teve notícias do que se passava no Gueto de Varsóvia. Nem imaginava que durante as sete semanas da Grande Deportação, a grande “Aktion”, iniciada na noite de 22 de julho de 1942, véspera de 9 de Av, dia de luto para o Povo Judeu, os nazistas haviam deportado 235.741 mil judeus do gueto para Treblinka, onde a maioria deles foram assassinados nas câmaras de gás e outros 12 mil enviados para outros campos. Tampouco sabia que qualquer judeu, onde quer que estivesse, era alvo da fúria homicida alemã. Na aldeia onde estava viviam apenas 20 famílias judias. Mas, mesmo assim, os alemães instituíram um gueto no local. Simcha viu, pela primeira vez, “um alemão matar a sangue frio, à luz do dia, um judeu que fora visto fora do gueto”. Ele decide voltar para Varsóvia, mas antes de deixar o vilarejo compra um documento que “comprovava” que ele era polonês cristão. A VOLTA PARA VARSÓVIA. Ao chegar ao gueto descobre que sua família estava numa fazenda em Czemiakow, considerada local de trabalho pelos alemães. O nome de Simcha não constava na lista dos trabalhadores, a maioria jovens do movimento sionista Dror, mas ao chegar à fazenda ele consegue ficar com o pai. É lá que lhe contam sobre a Grande Deportação. Um membro do movimento juvenil Akiva, do partido Sionistas Gerais, incumbe-o de voltar ao gueto para entregar um pacote a Lutek Rotblatt, líder do movimento. Ao lá chegar, ele fica abalado. “Era um lugar fantasmagórico… ruas inteiras sem vivalma (...)” Ele retorna à fazenda, mas, em dezembro, os nazistas obrigam os judeus a voltar para o Gueto de Varsóvia, onde estima-se que restavam apenas 70 mil judeus. Simcha passa a trabalhar num dos armazéns onde os   alemães   “reuniam” as propriedades pilhadas aos judeus. Nessa altura, ele já era membro ativo na ZOB, na unidade da rua Mila. Um de seus comandantes era Zivia Lubetkin (1914-1978). Os jovens da ZOB estavam decididos a enfrentar os nazistas, mas para uma ação militar eram necessárias armas e ajuda. Movimentam-se em busca de fundos para a compra de armamento, sendo alguns enviados ao lado ariano para pedir ajuda. A resposta da resistência polonesa foi “Aguardem”. Mas o tempo se esgotava para os judeus.... Após inúmeros apelos, a resistência polonesa lhes fornece dez pistolas velhas e uma pequena quantidade de munição. REBELIÃO DE JANEIRO DE 1943. A ZOB sabia que os nazistas não tardariam a liquidar o gueto. Discursando na Polônia, em 2013, na cerimônia que marcou o 70º aniversário do Levante, Simcha lembrou que, “no início de 1943, a maioria dos judeus do Gueto de Varsóvia já haviam sido assassinados e os que restavam sabiam que seu fim seria o mesmo. O que os jovens da ZOB queriam era o direito de escolher o tipo de morte que lhes tocaria”. Em janeiro de 1943 os nazistas reiniciaram as deportações, mas os integrantes da ZOB estavam dispostos a enfrentá-los, mesmo com seu mísero arsenal de algumas pistolas. O grupo de Simcha nem isso tinha; suas armas eram facas e barras de ferro. Mas os judeus foram ao ataque e, em todo o gueto, podiam ser ouvidos tiroteios. Alguns alemães morreram e suas armas foram tomadas. Três dias depois, chocados pela inesperada reação judaica, os nazistas interromperam as deportações. A ZOB festejou: “Não podíamos sonhar com mais do que isso”. Sabiam, no entanto, que os alemães voltariam (...). Simcha convence sua família a deixar o gueto. Vai até Siekierki, perto de Varsóvia, onde vivia um polonês que dissera à sua mãe que os esconderia. Com esse polonês, cavou um pequeno esconderijo no palheiro e depois foi buscar sua família, voltando logo em seguida para o gueto. Numa de suas visitas percebeu que a irmã Raya, de dez anos, não sobreviveria naquelas condições. Levou-a consigo e conseguiu que duas irmãs polonesas cristãs, Anna Wachalska e Marysia Sawicka, escondessem a menina em sua casa. Quando Stefan Siewierski5, sobrinho das irmãs, foi detido pela Gestapo, Raya foi enviada para outro local. PREPARANDO A REVOLTA DE ABRIL. Dentro do Gueto o tempo dos jovens combatentes era voltado à preparação para a luta com os nazistas. Uma das primeiras operações de que Simcha participou foi a libertação de judeus detidos pela Polícia Judaica e que seriam entregues à Gestapo. Entre eles havia membros da ZOB. Simcha foi enviado para sondar o local onde estavam os presos. Conseguiram libertá-los. Essa ação deu um grande impulso à credibilidade da organização. Até então, a revolta armada recebia apoio apenas de um grupo restrito entre os judeus que ainda viviam no gueto. Nesse período, Simcha fazia parte do grupo de combate liderado por Hanoch Gutman, localizado na Área dos Fabricantes de Vassouras (Brush makers)6. Os jovens de cada grupo viviam e treinavam juntos e sabiam que juntos lutariam e provavelmente morreriam. Mesmo em meio à desesperança brotaram relacionamentos amorosos. Simcha se apaixonou por Dvora Baran, uma jovem encantadora. Quando a revolta eclodiu, eles estavam juntos. A moça tombou em combate, aos 23 anos, enquanto Simcha estava em missão no lado ariano. O INÍCIO DA REVOLTA. Os nazistas iniciam a liquidação final do gueto em 18 de abril de 1943, véspera de Pessach. Queriam “presentear” Hitler com uma Varsóvia “Judenfrei” (livre de judeus), em seu aniversário, dia 30 de abril. Durante a madrugada, dois mil nazistas e colaboradores, pesadamente armados, cercam o gueto com tanques e, às quatro da manhã, entram no Gueto Central. “Quando vi o tamanho da força alemã, senti que não éramos nada”, recorda Rotem em um testemunho ao Memorial do Holocausto de Yad Vashem. “O que poderíamos fazer com nosso patético armamento, quase inexistente, diante do tremendo poder de fogo alemão... e sua enorme força de Infantaria... Senti-me totalmente impotente. Mas essa impotência foi seguida por um extraordinário sentimento de exaltação espiritual (…). Aquele era o momento pelo qual estávamos esperando (...) de enfrentar a todo-poderosa Alemanha (...)”. Em todo o gueto os judeus ouviam os sons de metralhadoras e explosões de granadas vindos do Gueto Central, mas na área Brush makers, onde estavam Simcha e seu grupo, a calmaria prevaleceu naquele primeiro dia. Às cinco da tarde, os alemães bateram em retirada. “Quando nos reunimos, à noite, constatamos que nossas baixas tinham sido irrisórias – apenas duas. Sabíamos que naquele dia centenas de alemães tinham tombado, mortos ou feridos”. Os judeus festejam, eufóricos. Haviam provado a si mesmos e ao resto do mundo que enfrentariam os alemães com armas em punho. “Mas não tínhamos ilusões sobre nossas chances. Mataríamos todos os que pudéssemos, mas sabíamos o que nos esperava” (...). No dia seguinte, Simcha vê uma unidade das SS se aproximando. Alguns minutos depois, explode a grande carga de explosivos que seu grupo colocara sob a entrada. Os nazistas fogem sob o fogo dos jovens judeus, abandonando seus feridos. Uma centena de nazistas são mortos. Retornam mais tarde, temerosos, correndo rente aos muros. Os rebeldes atacam, novamente, com coquetéis Molotov e tiros de pistola; e os alemães novamente batem em retirada. Durante três dias as tentativas alemãs de entrar no gueto falharam, e as baixas em vidas judias eram poucas. Mas, no terceiro dia, os nazistas mudam de estratégia, não mais enfrentando os judeus de frente. Tomam posições fora do muro do gueto, castigando os judeus com metralhadoras, canhões, aviões e lança-chamas. Os jovens combatentes se veem lutando contra um inimigo fora de seu alcance. Os nazistas começam, sistematicamente, a incendiar o gueto. Centenas de judeus são queimados vivos. A ZOB não planejara um esquema de retirada nem preparara seus próprios bunkers. Os jovens pretendiam lutar corpo-a-corpo com o inimigo até o fim; mas, com os prédios ruindo, os rebeldes tiveram que abandonar suas posições. Hanoch Gutman encarregou Simcha de encontrar um bunker para se abrigarem. Escolhido por sua “aparência de ariano”, saiu vestindo um uniforme das SS. Arriscava ser morto pelos próprios judeus, mas assim podia movimentar-se livremente. Encontrou um bunker. Os judeus lá escondidos receberam os combatentes, e queriam se juntar a eles. Mas não havia armas suficientes. Após se reunirem com os outros dois grupos na área, cerca de 100 combatentes estavam abrigados no bunker. Mas, apesar do perigo, decidem sair e se juntar à luta dos que estavam no Gueto Central. A vida dentro dos bunkers era desesperadora: o calor era insuportável, não havia ar, água ou comida. No décimo dia, o gueto já estava destruído. Não sobrara nada além de ruínas ardentes e corpos carbonizados. A maioria dos guerreiros judeus ainda estavam vivos, mas sem possibilidade de revidar já que o inimigo se mantinha fora de seu alcance. Os comandantes da ZOB sabiam que chegara a hora de deixar o gueto para ter alguma chance de continuar a luta. Em 29 de abril, o comando geral da ZOB – Mordechai Anielewicz (1919-1943), Zivia Lubetkin, Michael Rosenfeld e Hirsh Berlinski-Met – decidiu enviar Simcha e Zygmunt Fryderych ao lado ariano para se reunirem com Yitzhak Zuckerman7, conhecido por seu codinome, “Antek”. Este, que já estava lá há duas semanas tentando obter ajuda da Resistência Polonesa, costumava dizer que Simcha era “seu assistente e assessor de campo”. RESGATE DOS REMANESCENTES. Em suas missões de reconhecimento, Simcha descobrira um túnel que levava ao outro lado do muro do Gueto. Ele e Zygmunt o utilizaram para chegar ao lado ariano. Um polonês viu Simcha sair e este disse-lhe ser um comerciante polonês que ficara preso dentro do gueto. Após felicitá-lo por ter conseguido sair, o homem o instruiu como evitar a patrulha alemã postada por perto para impedir a fuga de judeus. Simcha e Zygmunt foram rapidamente ao apartamento de Anna Wachalska, sendo em seguida levados por Stefan Siewierski para o de Feigl Peltel, a courrier do partido Bund. O local se tornara a base de operações. Ao chegar, Antek ouviu, abalado, as notícias do Gueto, mas não havia tempo para desespero. Cada minuto era crucial; tinham que encontrar uma forma de retirar seus camaradas. Sabiam que não encontrariam ajuda, só poderiam contar consigo mesmo e com os dedicados poloneses que os ajudavam: Stefan Siewierski, Ana Wachalska e Marysia Sawicka, Kostek, Tadek Shayngut e Wladyslaw Gajek (codinome, Krzaczek) do PPR (o Partido dos Trabalhadores Poloneses). Os obstáculos à sua frente eram enormes: teriam que voltar ao Gueto, encontrar os companheiros e levá-los para fora do muro; conseguir um meio de transporte e levá-los a um esconderijo relativamente seguro. Sabiam que a única forma de entrar e sair do Gueto era através dos esgotos, e eles precisavam encontrar pessoas que trabalhassem nos esgotos de Varsóvia para guiá-los. Já se haviam passado cinco dias desde que Kazik deixara o Gueto, e ainda não haviam conseguido colocar o plano em prática. Não haviam achado quem aceitasse guiá-los e nem meios de transporte. O grande receio era chegarem tarde demais. Conseguiram a ajuda do chamado “Rei dos Chantagistas”, o rei dos Shmaltsovniks8, em troca de uma grande quantia. Não lhe revelaram que pretendiam resgatar judeus, disseram-lhe que “um grupo de cristãos poloneses entrara no Gueto antes da revolta e a AK9 (Armia Krajowa) queria resgatá-los”. A ROTA PELOS ESGOTOS. Sete dias se passaram até conseguirem pôr o plano em prática. No dia 8 de maio, às 22h, um grupo liderado por Simcha, acompanhado por dois trabalhadores, desceu no bueiro do esgoto em frente do apartamento do “Rei” dos Shmaltsovniks. Com cerca de dois metros de altura, o esgoto central em Varsóvia era um labirinto com um fluxo poderoso de detritos. O trajeto era longo, difícil e os guias ameaçavam abandoná-los. Chegaram ao gueto às duas da manhã. Simcha subiu a escada de ferro na parede do esgoto enquanto os demais permaneceram embaixo, com os guias. O que ele viu o deixou desesperado (...) corpos e mais corpos (...) e ruínas (...). Freneticamente, começou a percorrer os locais onde sabia que havia grupos de luta. Corria de um lado para outro, sinalizava com sua lanterna, chamava, gritava as senhas. No filme de Lanzmann, ele relembra que, de repente, (...) “Uma calma súbita se apoderou de mim. Sentia-me tão bem no silêncio do gueto em ruínas, próximo aos corpos inertes que me eram tão queridos, que senti vontade de ficar ali, esperando pela aurora, pelos alemães... Mataria alguns deles e depois seria morto (…). Via-me tombando em batalha como o último judeu do Gueto de Varsóvia”. Mas sua alma combatente, que lutava pela salvação de seu povo, não o deixou desistir. Levantou, voltou ao bueiro e gritou: “Vamos embora! Não há mais ninguém”. Foi quando ouviu um barulho. Ia disparar sua arma, mas decidiu gritar a senha da ZOB. Dez camaradas apareceram. Em poucos minutos, Simcha soube que chegara com um dia de atraso (...). Os jovens lhe relataram os últimos oito dias. A morte de Mordechai Anielewicz, o lendário comandante do Levante, que será sempre lembrado por seu legado de coragem e idealismo, e dos 100 combatentes que estavam com ele na rua Mila 18. E de milhares de outros judeus. Decidido a salvar quem ainda podia ser salvo, mandou dois do grupo de volta ao gueto com a ordem de reunir o restante dos sobreviventes e trazê-los para o esgoto. De volta ao lado ariano, ao anoitecer, Simcha e seu grupo contataram os companheiros que estavam nos esgotos, para alertá-los de que, na manhã seguinte, à saída do bueiro, haveria um transporte esperando para levá-los para a floresta. Às cinco horas da manhã seguinte eles estavam de prontidão cercando o bueiro; seus companheiros de luta começaram a sair. Pareciam fantasmas. Ao ver um policial polonês se aproximando, Simcha foi até ele para dizer-lhe para não se intrometer, pois se tratava de uma operação clandestina da Resistência polonesa. Quando perceberam que ninguém mais saía, a tampa do bueiro foi fechada e o caminhão seguiu em direção à floresta Lomianki, onde já havia um grupo de combatentes do gueto. Driblando milagrosamente as patrulhas alemãs, chegaram à floresta. Mas, era um esconderijo temporário, pois sendo pequena, não havia muito onde se esconder. De volta a Varsóvia, Simcha passou para Antek os nomes dos cerca de 80 combatentes que haviam sido resgatados, entre eles, Zivia Lubetki, com quem Antek viria a se casar em 1947, já em Israel. Simcha manteve contato com sua família até o início da revolta e, depois disso, só conseguiu ter notícias deles em maio. Soube, então, que sua irmã Dina, de 12 anos, voltara ao gueto à sua procura, pouco antes do início da Revolta, e fora morta. No restante da guerra Simcha continua suas atividades clandestinas junto à ZOB e a Resistência polonesa, ajudando, especialmente, de todas as formas, as centenas de judeus que ainda permaneciam em Varsóvia, escondidos. Continuou lutando ao lado dos partisans poloneses contra os nazistas, participando, em agosto de 1944, da fracassada Revolta de Varsóvia. Após o término da guerra, junto com Abba Kovner, passa a integrar uma nova organização com mais de 50 participantes: os “Vingadores”, Nakam. Nas palavras de Kovner, “Não imaginávamos que sobreviveríamos e, enquanto não acertarmos as contas com os alemães, não teremos o direito de seguir em frente”. Simcha Rotem também foi ativo na organização Brichá, que ajudava os judeus europeus remanescentes a atravessar fronteiras e emigrar ilegalmente para a Palestina do Mandato, apesar das restrições impostas pelas políticas da Grã Bretanha, como o White Paper, de 1939. APÓS A GUERRA. Em 1947, ele e os sobreviventes de sua família emigraram para a então Palestina. Simcha juntou-se à Haganá e lutou na Guerra da Independência. “Em teoria, um período de minha vida terminara e um novo se iniciava, em nossa Pátria ancestral. Mas aquela, época, de minha vida é parte inseparável do meu ser até hoje, um eixo em torno do qual gira o meu pequeno mundo”. Simcha casou-se e teve dois filhos. Ao mais velho, ele deu o nome de Eyal, um acrônimo para “Irgun Yehudi Lochem”, ZOB, em hebraico. Posteriormente, dirigiu uma cadeia de supermercados, até se aposentar, em 1986. Rotem foi ativo porta-voz e membro do comitê de Yad Vashem responsável por selecionar os “Justos entre as Nações”, os não-judeus que ajudaram a salvar nossos irmãos durante o Holocausto. Em 2013, participou de uma cerimônia em Varsóvia, pelos 70 anos do Levante do Gueto, onde recebeu, das mãos do chefe de Estado polonês, Bronislaw Komorowski, a comenda da Grã-Cruz da Polônia Restituta, uma das mais altas condecorações do governo polonês. No entanto, em abril de 2018, Simcha Rotem, eterno vigilante das atrocidades contra o Povo Judeu, manifestou sua censura ao atual presidente polonês, Andrzej Duda: “Fiquei muito frustrado, desapontado e mesmo surpreso com seu sistemático desrespeito à diferença fundamental entre o sofrimento da nação polonesa depois de ter sido tomada pela Alemanha nazista, que eu não desmereço, e o metódico genocídio de meus irmãos e irmãs, cidadãos judeus poloneses, pela máquina exterminadora da Alemanha nazista, ignorando o fato de que essa máquina de extermínio contou com vários cúmplices poloneses”. E continuou: “Somente quando a sociedade polonesa enfrentar realmente a amarga verdade histórica, revelando seu escopo e intensidade, poderá haver uma chance de que tais horrores não se repitam”. O nome Simcha Rotem está gravado na história do heroísmo do Povo Judeu e, como declarou o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, por ocasião de seu falecimento, em 22 de dezembro de 2018, em Jerusalém, “Sua história será guardada para sempre nos anais de nosso povo”. Rotem deixou dois filhos e cinco netos. 1Uma das líderes e única mulher na Alto Comando do grupo de resistência ZOB, Zivia Lubetkin sobreviveu ao Holocausto e emigrou para a então Palestina sob Mandato Britânico, em 1946. Ajudou a organizar a Brichá, cuja missão era levar ilegalmente os sobreviventes judeus à Palestina do Mandato. Casou-se com Yitzhak Zuckerman, sub-comandante da ZOB. Juntamente com outros combatentes e partisans, fundou o Kibutz Lohamei HaGueta’ot e o museu Casa dos Combatentes. 2Co-fundador da ZOB, Marek Edelman se tornou o líder do Levante do Gueto de Varsóvia, após a morte de Mordechai Anielewicz. Após a guerra, ele permaneceu na Polônia, tornando-se cardiologista. Faleceu aos 90 anos, em outubro de 2009, celebrado como herói pelos judeus e poloneses nacionalistas. Este ano, a cidade de Varsóvia instituiu o ano de 2019 como “o ano de Marek Edelman”. 3Não havendo menção em contrário, todas as demais referências mencionadas neste artigo são desse livro de memórias de Simcha Rotem. 4Volksdeutsch – Nome dado pelos nazistas aos alemães que viviam fora do Reich. 5  Por suas ações em prol dos judeus, Ana Wachalska, Marysia Sawicka e Stefan Siewierski foram agraciados por Yad Vashem como “Justos entre as Nações”. 6O Gueto de Varsóvia era dividido em três áreas distintas: Gueto Central, Área dos Fabricantes de Vassouras (Brush makers) e a área Tobbens-Schultz. 7  Yitzhak Zuckerman, “Antek”, era o sub-comandante da ZOB. Servia de intermediário entre o comando da Organização e os comandantes da AK – Armia Krajowae, e AL- Armia Ludowa, organizações polonesas de resistência. 8  Shmaltsovnik é uma gíria polonesa pejorativa usada na 2ª Guerra Mundial para as pessoas que chantageavam judeus escondidos ou poloneses que protegiam judeus durante a ocupação. 9  Armia Krajowa, organização clandestina na Polônia ocupada pelos nazistas. Atuava em conjunto com o governo polonês no exílio e tinha como intenção libertar a Polônia de seus invasores nazistas e russos na 2ª Guerra Mundial. BIBLIOGRAFIA: Rotem, Simcha (Kazik), Memoirs of a Warsaw Ghetto Fighter, Yale University Press, 2002. www.morasha.com.br. Abraço. Davi