Filosofia. Por Ubaldo Nicola.
Os Enganos do Verbo Ser. É possível formular em termos lógicos a ideia de
Verdade? A revelação recebida por Parmênides consiste na doutrina do Ser,
sintetizada na célebre formula o Ser É, o Não Ser Não É. Toda a argumentação
baseia-se na redução da ontologia (o estudo do Ser) à linguística e, assim, a
procura da realidade última do mundo coincide com a análise linguística do
Verbo Ser. E enquanto aquilo que é pode ser dito, portanto, pensado, aquilo que
não é afasta-se, por definição, de qualquer formulação linguística e
intelectual. É impossível pensar o nada. No cotidiano, usamos o Verbo Ser de
modo impróprio e acabamos por atribuir realidade a condições de ausência, a
coisas que não existem; a escuridão e o silêncio, por exemplo, são condições de
não ser da luz e do som, portanto, pela lógica, não existem. Somente o Ser pode
ser pensado. Pois bem, eu te direi e tu acolhes a minha palavra: quais são os
únicos caminhos de busca que se podem pensar; um diz que é e que não é possível
que não seja, é a vereda da Persuasão (porque acompanha a Verdade). O Não Ser é
uma noção contraditória em si mesma. O outro diz que não é e que é preciso que
não seja, eu te digo que esta é uma vereda em que nada se pode aprender. De
fato, não poderias conhecer o que não é, porque tal não é factível, nem poderia
expressá-lo. Homens com duas cabeças. o Devir é pensável? Todas as vezes em que
afirmamos uma negação, ou seja, a existência de uma condição de Não Ser,
incorremos em um erro lógico. Por isso o Devir, que Heráclito colocava como
fundamento de toda realidade, não existe. Como passagem de uma condição de ser
a uma de Não Ser, toda mutação, qualquer que seja a sua espécie, é sempre pura
aparência; a verdadeira estrutura do mundo consiste em um ser imutável e
eterno. Os homens que usam tanto o verbo Ser quanto o Não Ser acabam por
raciocinar com duas cabeças. É necessário dizer e pensar que o Ser É; de fato,
o Ser É; o Nada Não É; te exorto a que consideres isso. E, portanto, desse
caminho de busca te conservo distante, mas depois, também daquele sobre o qual
os mortais que nada sabem seguem vagando, homens de duas cabeças; de fato, é a
incerteza que ao seu peito conduz uma desatinada mente. Afirmar a existência do
Não Ser leva a paradoxos insolúveis. Estes são arrastados, surdos e cegos ao
mesmo tempo, estupefatos, raça de homens sem juízo, para os quais Ser e Não Ser
são considerados a mesma coisa e a não mesma coisa; e, portanto, para todas as
coisas, há um caminho que é reversível. O Olho que Não Vê. Real é o que é
constatável pelos sentidos ou o que é demonstrável pela razão? Os cinco
sentidos parecem testemunhar a todo momento a existência de muitas formas do
Devir; o movimento dos corpos, por exemplo, parece uma passagem de uma condição
de estar (em um lugar) a uma de não estar mais. Cada transformação natural
parece poder ser descrita como a passagem de um estado a outro; como, por
exemplo, negar que a morte é um Devir? Tudo isso, segundo Parmênides, não
demonstra absolutamente que os sentidos enganam. É verdade que a vida cotidiana
requer o uso dos órgãos dos sentidos, mas por meios deles não se chega à
verdade. A razão, não o olho, vê o real. Não julgues a doutrina do ser com base
em sensação, mas, sim com base na lógica racional. Mas afastes desse caminho de
busca o teu pensamento, nem o hábito, nascido de muitas experiências, a esse
caminho te obrigues a mover o olho que vê, o ouvido que ribomba e a língua, mas
julgues com a razão a prova muito debatida que por mim te foi fornecida. E
permaneças falando somente sobre o caminho que diz o que é. O Ser é uma esfera
bem redonda. Os atributos do Ser não podem ser encontrados por via experimental
ou sensorial, mas deduzidos com coerência lógica do próprio conceito de Ser.
Isso significa que é impossível que existam todos os modos em que se explica o
não ser; o nascimento (como passagem de um estado de não existência ao de
existência), a morte (pelo motivo inverso), o movimento como passagem do estar
em um lugar a não mais estar, e todas as formas de Devir. O que é será,
portanto, por definição, eterno, imperecível, homogêneo. São teses contrárias
ao senso comum, que sugerem a evidência do Devir, mas conduzidas com rigor
lógico formalmente incontestável. O Ser é Eterno. Não era uma vez, nem será,
porque é agora, ao mesmo tempo, uno, contínuo. Que origem poderás dele
encontrar? Como e de onde teria nascido? Do não ser não te concedo dizê-lo ou
pensá-lo, porque não é possível dizer nem pensar o que não é. O Ser não pode
ser gerado de um Não Ser. Que necessidade te constrangeria a nascer, depois ou
antes, se derivasses do nada? Por isso é necessário que sejas por inteiro, ou
que não sejas por nada. Não existe uma terceira possibilidade o Ser é ou Não é.
E tampouco do ser se originará a força de uma certeza que nasça de algo que
esteja ao lado de uma outra coisa. Por essa razão nem o nascer nem o perecer
concedem a ele a justiça, livrando-o das cadeias, mas prendendo-o fortemente. A
decisão quanto a tais coisas reside nisto; é ou não é. Decidiu-se,
portanto, como é necessário, que um caminho deve ser abandonado, por ser
impensável e inexprimível, porque não é o caminho da verdade e que, no entanto,
o outro é, e é verdadeiro. o Ser não pode estar submetido ao Devir. E como o
ser poderia existir no futuro? E como poderia ter nascido? De fato, se nasceu,
não é, e tampouco é, se deverá ser no futuro. Assim, o nascimento se apaga e a
morte permanece ignorada. O Ser é indivisível, não pode ser decomposto em
partes. E tampouco é divisível, porque é inteiramente igual, nem existe em
algum lugar um de mais que possa lhe impedir de ser unido, nem um de menos, mas
todo inteiro está pleno de ser. Portanto, é continuamente todo inteiro; o Ser,
de fato, se estreita com o Ser. O Ser é sempre idêntico a si mesmo. Mas imóvel,
dentro dos limites de potentes liames, é sem um princípio e sem um fim, pois
nascimento e morte foram expulsos para longe e os repeliu uma verdadeira
certeza. E permanecendo idêntico e no idêntico, em si mesmo jaz, e deste modo
lá se mantém, firme. Ao Se nada pode faltar, deve, portanto, ser perfeito. De
fato, necessidade inflexível o mantém nos liames do limite, que o estreita todo
em volta, pois está estabelecido que o Ser não seja sem complemento; de fato,
não carece de nada; se, no entanto, o fosse, careceria de tudo. Todas as palavras
que indicam uma condição de não ser são falsas. De fato nada é ou será outra
coisa além do ser, pois a sorte o obrigou a ser uno, inteiro e imóvel. Por
isso, serão nomes todas aquelas coisas que os mortais definiram, convencidos de
que fossem verdadeiras: nascer e perecer, ser e não ser, trocar de lugar e
mudar a luminosa cor. A esfera é idêntica em cada uma das suas partes, possui
perfeição, homogeneidade, unidade. É a melhor imagem do Ser. Além disso, posto
que tem um limite extremo, está completo em cada parte, semelhante à massa de
bem redonda esfera, a partir do centro, igual em cada parte; de fato, não deve
ser maior nem menor, de um lado ou do outro. Nem, de fato, existe um não ser
que lhe possa impedir de alcançar o igual, nem é possível que o ser seja do ser
mais de uma parte e menos da outra, pois é um todo inviolável. De fato, igual
em cada parte, de modo igual se mantém entre os seus limites. O Paradoxo de
Zenão (490 AC 430). É possível demonstrar com argumentações racionais a verdade
da doutrina de Parmênides, segundo a qual somente o Ser existe? É possível
demonstrar a existência do Não Ser? Para realizar um movimento é preciso
completar a metade dele, depois a metade da metade e ir subdividindo,
sucessivamente, sem jamais concluir. 1. A argumentação da dicotomia. A primeira
das argumentações sustenta a inexistência do movimento, pelo motivo de que o
movido deve chegar primeiro a metade, e não ao final. Motivo pelo qual a
argumentação que não se pode percorrer elementos espaciais infinitos ou tocar,
na translação, um a um, infinitos elementos espaciais, em um tempo determinado.
Aquiles jamais alcançará a tartaruga, porque antes fará a metade do percurso,
depois a metade da metade, depois a metade da metade, ao infinito. 2. O
paradoxo do veloz Aquiles. Esta argumentação sustenta que o mais lento não será
jamais alcançado, na sua corrida, pelo mais veloz. De fato, é preciso que
aquele que segue ao encalço chegue primeiro ao lugar de onde partiu aquele que
foge, de modo que necessariamente o mais lento terá sempre uma certa vantagem.
Se fotografamos a flecha em cada instante do seu movimento, obteremos uma série
de instantâneos em que a flecha aparece parada. Mas um movimento não pode
nascer da soma de tantos momentos de repouso. 3. O movimento não é real. O
raciocínio de Zenão, assumindo que tudo aquilo que ocupa um espaço igual a si
mesmo ou se move ou está parado, e que nada se move em um instante e que o
movido sempre ocupa um espaço igual a si mesmo em todos os instantes, parece
que se processa da seguinte forma: a flecha que se move, e que em cada instante
ocupa um espaço igual a si mesma, não se move, posto que nada se move em um
instante; mas o que não se move está parado, posto que tudo ou se move ou está
parado; então, a flecha que se move, enquanto se move, está parada durante todo
o tempo da translação. Se as coisas são multíplices, então deveriam ser tanto
finitas (uma quantidade determinada) quanto infinitas, porque separadas umas
das outras por outras coisas (as quais precisariam de outras coisas, para
resultarem separadas). 4. Esta argumentação nega a multiplicidade, sustentando
que se os entes são muitos é necessário que sejam tantos quantos são e não a
mais nem a menos. E se são tantos quantos são, serão limitados, finitos. Mas se
os entes são muitos, são também infinitos; de fato, entre os entes sempre
existem outros, e entre esses, novamente outros. E, desse modo, os entes são
infinitos. Livro Antologia Ilustrada de Filosofia. Das Origens à Idade Moderna. Abraço. Davi.
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