Budismo
Nitiren Daishonin.
“É menino!, disse a parteira. Mas, o que foi que viu a parteira para
lançar semelhante afirmação? Os genitais do bebê, evidentemente”.
Isto dos genitais parece ter sido sempre
algo muito importante para os pais, que querem saber se o bebê tem boa
saúde, se não nasce com algum problema ou malformação e, claro, se é
fêmea ou macho. Inclusive no registro obrigatório
do nascimento da criança se requer justamente esse dado. O que é? Homem
ou mulher?
E na realidade o dado sobre os genitais
não é algo banal, se levamos em consideração que no futuro terá peso
sobre âmbitos tão díspares como a carreira profissional, o possível
ingresso nas forças armadas, a escolha de uma pessoa
para compartilhar a vida. Dependendo do âmbito cultural e sócio
econômico ao qual esta criança pertencer, já desde o seu primeiro choro
nos braços da parteira terá se depositado sobre ele uma grande
quantidade de anseios diferentes sobre como esta criança
se desenvolverá no futuro e o que chegará a ser. Quer dizer que, para
muitos de nós, a identidade está intimamente ligada ao gênero sexual.
As diferentes culturas e sociedades
através da história têm lidado com o tema das condutas sexuais de
diversas maneiras, as vezes desde a lei, as vezes pelo costume, as vezes
com sanções contra aqueles que romperam os códigos
estabelecidos. Os códigos morais tem se transformado e evoluído,
decidindo sempre o que pode ser catalogado como correto ou natural e o
que não é, e as pessoas têm sido compelidas a aceitar uns ou outros
códigos, talvez para pôr um sentido a um tema que não
deixa de ser bastante confuso. Dentro
dos diferentes contextos culturais, o do Budismo resulta sumamente
refrescante se pensamos que não propõe regras sobre o que está bem ou o
que está mal, o que é ou não apropriado em
relação à conduta sexual. Não existe uma lista do que deve e não deve
se fazer para aqueles que praticam o Budismo de
Nitiren Daishonin.
Pelo contrário, aqui a responsabilidade cai completamente em cada um
dos indivíduos que praticamos esta filosofia, que nos assumimos como
responsáveis de tudo o que ocorre nas nossas
vidas, incluindo a maneira em que decidimos viver a nossa sexualidade.
O Budismo ensina que devemos ter um respeito fundamental por cada
indivíduo e pela dignidade da vida em si mesma. Não existe nenhum
mandamento que nos obrigue a renunciar a nada para poder praticar o
Budismo, já que a sabedoria de como devemos comportar-nos
emerge, justamente, da prática, quando oramos Nam myoho
rengue kyo, compreendendo que cada causa que realizemos terá um efeito sobre nossas vidas.
Nitiren Daishonin (1222-1282) nos diz que todos podemos manifestar o estado de
Budha tal como somos.
A discriminação. Partindo
de que ninguém é incapaz de atingir a iluminação, está claro que não
existe lugar para a discriminação baseada no gênero ou a tendência
sexual nos ensinamentos budistas.
Em termos do carma, somos quem somos pelas causas realizadas que nos
levaram a nascer em determinado âmbito cultural, em determinado momento,
com as características particulares que afetam nossa personalidade,
habilidades e capacidades físicas e mentais, e
também, evidentemente, nossos genitais. Nitiren
Daishonin escreve: Não deve haver discriminação entre as pessoas que propagam os cinco caracteres de
Myoho rengue
kyo durante os Últimos Dias da Lei, sejam homens ou mulheres. Se não fossem
Bodhisattvas da Terra, seria impossível recitar este
Daimoku". (END, vol. I, pág. 367). Nossa verdadeira entidade não
tem forma, mas se manifesta com as características que nos
individualizam.
Em termos da visão budista da eternidade
da vida, temos nascido em diferentes circunstâncias e em diferentes
tempos, as vezes como homens e as vezes como mulheres. Nossa entidade
não tem gênero, não tem sexualidade, de fato, não
tem forma alguma. De qualquer maneira, ao nascer dentro de uma
existência em particular, manifestamos características físicas mentais e
emocionais próprias, por meio das quais nos relacionamos com o resto da
sociedade.
A integração.
O Budismo ensina que todos e tudo encontra-se inter
relacionado no universo. Nossa luta, então, é encontrar o caminho para
expressar nossa individualidade enquanto que, ao mesmo tempo, vivemos em
harmonia com o resto da sociedade,
da qual somos parte integrante. Muitos de nós sofremos ao tentar
expressar nossa identidade como indivíduos dentro de uma sociedade na
que existem todo tipo de discriminações, a qual muitas vezes ataca
aqueles que não se conformam com certas normas. De fato,
os papéis sexuais têm variado através da história e nas diferentes
culturas. Os costumes de que sejam as mulheres as que se encarreguem de
criar as crianças, em vez dos homens, tem sido utilizado muitas vezes
para delinear certas normas. Apesar de que, naturalmente,
existem fatores biológicos que nos diferenciam a uns de outros, o que é
questionável é que o fator biológico em si seja parâmetro para definir
nosso papel na sociedade.
Troca de papéis.
Os papéis costumam mudar de acordo com variações sócio econômicas. Por
exemplo, na Grã Bretanha, durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres
começaram a executar uma série de tarefas que tradicionalmente
realizavam os homens. Esta mudança, que permitiu à
mulher assumir maior responsabilidade social na ausência dos homens,
resultou crucial na dinâmica posterior da relação homem e mulher. Levou
depois a modificações mais profundas como, por exemplo, o voto feminino.
As mudanças costumam acontecer a partir das
ações daqueles que negam-se a aceitar passivamente essas normas. Se
aquele que se opõe resulta ou não discriminado, isso depende do clima
social que prevalecer nesse momento. Antes da Primeira Guerra Mundial,
os homens e mulheres que lutavam pelo voto feminino,
eram socialmente condenados; mais tarde, o meio tinha mudado o
suficiente para permitir-lhes o sucesso na sua luta.
O grupo que possui maior poder econômico
é, geralmente, quem maior influência exerce na definição das normas
sociais. O mesmo ocorre numa simples relação entre duas pessoas e pode
ser exemplificado também claramente ao fazer uma
descrição de classes sociais em qualquer sociedade. Quando existe
desequilíbrio aparecem normas doentias que servem para sustentar o abuso
de poder. Os papéis de vítimas e
vitimário evolucionam em relações que criam
uma perpetuação do esquema cristalizando às vítimas numa determinada
camada social, ou grupo humano que se sente demasiado débil para
reconhecer seu próprio poder e exerce-lo.
A ausência de mandamentos no Budismo.
No Budismo não existe o conceito de pecado. Todas as pessoas somos
igualmente merecedoras de respeito, pois todos possuímos o estado de
Budha. Mas só quando tomamos uma completa responsabilidade sobre a nossa situação podemos usar o imenso poder de nosso estado de
Budha para modificar nossa situação; então, o
vitimário pode modificar seu impulso de gerar sofrimento, e a
vítima mudar sua tendência de ser oprimida. Neste sentido, todos somos
livres de usar nosso potencial.
O Budismo carece de uma lista de
mandamentos, porque considera que basear a conduta humana em regras
externas pode gerar uma sensação de temor a uma retribuição negativa de
origem externa, por parte de um outro que decidiria nosso
destino segundo nossa resposta ao código de conduta, o que vai contra a
filosofia da Causa e Efeito. Nas religiões que tem este tipo de
mandamentos, romper esse código moral equivale a pecar, e isso gera uma
sensação de culpa, conceito ao qual também não lhe
é dada uma entidade verdadeira no Budismo.
Não podemos mudar nossas ações passadas (a série de causas efeitos
correspondentes já estão gravados, mas podemos reconhecer de coração o
dano que temos causado à dignidade de nossa própria vida ou de outras, e
orar ao
Gohonzon aceitando plenamente a Lei de Causa e Efeito. Cada recitação sincera do
Daimoku o é. E é importante também interiorizar a ideia de que não existe força externa que nos castigue, e sim retribuições
cármicas de nossas próprias ações, das quais só nós mesmos somos responsáveis. Somos responsáveis por tudo o que nos acontece.
O respeito. Ao abraçar a Lei Mística e orar Nam
myoho rengue kyo perante o
Gohonzon, estamos expressando um profundo
respeito para a função única que tem cada existência no Universo,
baseados em que toda vida possui o estado de
Budha inerente, latante, cujas qualidades são: benevolência, sabedoria, coragem e força vital.
Sobre o equilíbrio numa relação,
Nitiren Daishonin comparou a marido e
mulher com as asas de uma ave, que deviam movimentar-se harmoniosamente
para poder permitir-lhe à ave voar. Isto significa que ambos os
integrantes do casal devem basear sua relação no
respeito mútuo. Desejos mundanos e sexualidade.
O sexo é uma força dominante na vida. Até porque é o meio da nossa
perpetuação e sobrevivência e é nesse aspecto no qual muitas sociedades
fundamentam seu conceito de que a procriação é a única função legítima
da sexualidade. Porém, nós temos notáveis diferenças
com o resto do mundo animal. Para começar, não respondemos a estações
para a procriação, pelo contrário, somos capazes de manter um sexo ativo
a qualquer momento, inclusive após a menopausa feminina. Nosso corpo
está coberto de zonas erógenas e, além do mais,
expressamos nossas emoções também através da sexualidade.
Se dermos uma olhada geral, podemos afirmar sem temor a equivocar-nos
que o ser humano não tem se destacado por ser incrivelmente destro na
condução da sua sexualidade. Talvez nos custe admiti-lo, porque sabemos
que algo muito forte esconde-se detrás de tudo
isso que reunimos sob a categoria de sexo. Todos reconhecemos na nossa
própria experiência aquele momento de nossa adolescência no qual
começamos a lidar com o sexo, aonde ainda nem sequer tratava-se do temor
para com o outro, para como acercar-nos ao nosso
objeto de desejo, e sim do profundo temor para com nós mesmos, ao
perceber essas forças que começavam a mexer-se no nosso interior e com
as quais não sabíamos o que fazer.
Algumas pessoas mostram-se profundamente
contrariadas ao conhecer as práticas sexuais de outros, ainda quando
estas pessoas nada tenham a ver com a sua vida. Por quê? Se, por outro
lado, os gostos das pessoas com alimentos, decoração,
moda, não parecem provocar os mesmos sentimentos nos outros, pelo menos
não com o mesmo grau de emoção. O Budismo vê a sexualidade como um dos
nossos desejos mundanos, e sabemos, pela filosofia do Budismo de
Nitiren Daishonin que, sempre que oramos Nam
myoho rengue
kyo, os desejos mundanos são a iluminação. Não emite o Budismo
juízo algum sobre as virtudes e defeitos da sexualidade. A sexualidade,
para o Budismo, não é nem boa nem má, simplesmente é. O fato de que a
expressão desta sexualidade seja conduzida por
um caminho positivo ou negativo depende unicamente do nosso estado de
vida quando damos curso aos nossos desejos (ou quando os reprimimos).
Por exemplo, se nos sentimos atraídos para com alguém a quem não
respeitamos realmente, seguramente a relação sexual
estará baseada em algum dos estados baixos da vida, talvez o de
Animalidade. Em tal caso, nosso comportamento será governado unicamente
pelos nossos instintos, sem deixar espaço à reflexão sobre a
consequência da nossa ação. Se, ao contrário, oramos
Daimoku para esclarecer-nos a nós mesmos sobre o manter ou não uma relação, já estamos inscrevendo essa relação desde o estado de
Budha. O resultado poderia ser, inclusive,
que decidamos não tê-la, ou que decidamos tê-la e o façamos baseados no
mútuo respeito. As pessoas somos diferentes, e reagimos de maneira
diferente perante circunstâncias similares, dependendo
isto dum verdadeiro Cocktail, coquetel, de
elementos, no qual o estado de vida é um dos mais importantes. É por
isso, também, que no Budismo não poderiam existir mandamentos ou regras
fixas, sem contradizer sua própria filosofia.
Recitar Daimoku permite-lhe à pessoa tomar a
decisão correta para a sua vida, mas esta decisão pode ser
completamente diferente num caso e outro, ainda que desde fora as
circunstâncias pareçam as mesmas.
As ilusões. Naturalmente torna-se extremamente difícil descobrir se estamos deixando guiar pelo estado de
Budha ao manter uma relação, ou simplesmente
nos conduz à paixão. Talvez se deva a isto que religiões e sociedades
têm se encarregado de estabelecer parâmetros com os quais regular uma
“sexualidade correta". Claro que podemos compreender
que a expressão indiscriminada da sexualidade não seja, provavelmente,
uma boa base para a criação de valor; mas o que também devemos saber é
que a supressão dos nossos desejos sem examinar a sua natureza pode
resultar altamente destrutiva. É justamente a
partir deste encontro com os nossos desejos mundanos, de qualquer tipo
que sejam, onde atingimos a nossa iluminação.
O tema do poder.
Nossa filosofia nos ensina que, tentar ser alguém que não somos, nos
conduz necessariamente a sentirmo-nos seres inadequados e faltos de
poder, sentimentos negativos que inclusive podem gerar problemas de
natureza sexual. Por exemplo, uma pessoa que se sente
débil e inadequada, pode maltratar a outros para sentir-se poderoso.
Sabe-se que a violação sexual é algo que se refere mais ao exercício do
poder do que à sexualidade.
O poder sexual também pode ser utilizado
de maneira subversiva: Um dos dois pode usar os desejos sexuais do outro
para conseguir algo concreto em troca. Os que usam o poder sexual desta
maneira, sem dúvida desrespeitam a si mesmos
e aos envolvidos. Criar valor: o tema da missão. Confundir a nossa identidade atenta contra a nossa missão. Nam
myoho rengue
kyo, a Lei universal da vida, abraça todas as coisas, pelo que é absolutamente natural orar
Daimoku pela nossa sexualidade. A pergunta
que necessitamos fazer-nos perante cada relação sexual é: Cria valor?.
Esta pergunta vale tanto para quando estamos casados, comprometido ou
trata-se de uma relação informal.
Os códigos morais vigentes na sociedade
da qual somos parte podem nos causar dificuldades a nível pessoal, ou
não. Em termos de Budismo, o importante é desenvolver sabedoria para
compreender o melhor caminho pelo qual podemos
viver nosso papel, e criar valor na sociedade, independente das normas
que prevaleçam. Quando conseguimos levar nossa natureza de
Budha à todas as áreas da nossa vida, só
então, podemos considerar que estamos nos movimentando com verdadeira
liberdade. É através da nossa prática que encontraremos a coragem de
expressar-nos tal qual somos, formos quem formos.
Como nos diz Nitiren Daishonin (1222-1282), a relação entre o nosso estado de
Budha e o nosso corpo físico é importante:
Em meu coração tenho alguma fé no Sutra de Lótus, mas em meu corpo não
sou melhor do que um mortal comum, comendo peixe e carne. Minha vida
existe neste tolo corpo, tal como a lua é refletida num lago turvo ou
como o ouro é carregado em um saco sujo. (END,
vol. I, pág. 200). A nossa natureza de Budha
é a nossa verdadeira identidade e manifesta-se através das nossas
características físicas e mentais. É quando nos sentimos bem com a nossa
identidade que fazemos uma boa contribuição
à sociedade da qual somos membros. Quando nossas ações baseiam-se numa
identidade forte, podemos criar valor, mas para isso é requisito que a
gente se conheça a si mesmo sem negar nenhum aspecto da nossa maneira de
ser.
O Kossen rufu.
O Budismo é profundamente não julgador. Ao movimento pelo Kossen
rufu podem-se somar socialistas e
conservadores, carnívoros e vegetarianos, heterossexuais e homossexuais;
homens, mulheres e transexuais. Baseamo-nos no respeito ao estado de
Budha inerente ao outro, sem fixar-nos em
opiniões prévias que nos levem a sermos preconceituosos. O único que
importa realmente é o respeito pela Lei Mística e o respeito pelo
próprio estado de
Budha. Se ferimos a outra pessoa, estamos desrespeitando o nosso próprio estado de
Budha, além do da outra pessoa. Se ferimos a
nós mesmos, também desrespeitamos à outra pessoa, porque ela necessita
de mim completamente e tal como sou, para que eu possa cumprir com a
minha função única no universo, e que a outra
necessita de mim. Existe algo claramente proibido no Budismo?
Nitiren Daishonin nos orienta para
que tenhamos cuidado com a calúnia para com nós mesmos, para com os
outros e para com a Lei Mística. Isto está dito com espírito
benevolente, porque a calúnia nos causará infalivelmente muito
sofrimento, já que quem calunia não respeita a dignidade da vida. Mas
mesmo se temos caluniado e sofremos por essa causa, não estamos
condenados pela eternidade.
Nitiren Daishonin ensina que, por meio de recitar
Daimoku perante o Gohonzon,
a gente transforma o veneno em remédio. Inclusive o responsável dos
atos mais terríveis contra a dignidade da vida pode mudar radicalmente a
partir da prática sincera e transformar
o seu ambiente. O ensino do Budismo é uma luta constante para
conquistar o respeito para si mesmo e para os outros. Em palavras de
Ikeda
Sensei (1928- ): Nada é mais digno de respeito que você mesmo, essa é a mensagem do Sutra de Lótus.
http://www.belashistoriasbudistas.blogspot.com.br. Abraço. Davi.
sábado, 31 de outubro de 2015
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Yom Kipur e o Poder do Perdão.
Judaísmo. Rabino Gabriel Aboultboul. Yom Kipur é a oportunidade dada por
D’us de virar a página de nossa vida e acreditar em nossa capacidade de
melhorar. Devemos corrigir os erros, mas não nos tornarmos reféns do passado,
incapazes de olhar para o futuro. Durante os dias que antecedem o Yom
Kipur, o Dia da Expiação, recitamos antes das orações matinais as Selichot,
os pedidos de perdão a D’us. Sempre nos referimos a essas orações no plural, Selichot,
e não no singular, Selichá. Nossos Sábios explicam que isso
significa que o pedido de perdão tem duas vias: não apenas pedimos perdão, mas,
também, perdoamos. A quem precisamos perdoar? Às outras pessoas, a D’us e a nós
mesmos. Na língua hebraica, há várias palavras que significam perdão. As preces
de perdão foram chamadas de Selichot porque o valor numérico
de Selach é 98, que é o número de maldições mencionadas na
Torá (os cinco primeiros livros da bíblia chamada Tanake em hebraico). Isso
para nos ensinar que o perdão tem o poder de transformar a maldição em bênção,
neutralizando tudo o que há de negativo no mundo. Mas o que significa perdoar,
de acordo com o judaísmo? O que significa perdoar?. Na Torá, há
mandamentos que determinam tanto nossa relação com D’us quanto com relação a
outros seres humanos. Consequentemente, há dois tipos de erros que o homem pode
cometer contra: D’us e contra seus semelhantes. O que significa pedir perdão a
D’us pelos erros e transgressões cometidas contra Ele? Significa reconhecer
que, ao longo do ano, nem sempre cumprimos Seus mandamentos. Em Yom
Kipur, D’us pode perdoar-nos apenas por esse tipo de transgressões e não
pelas faltas que cometemos contra outros seres humanos. E o que implica pedir
perdão a uma pessoa? Não significa apenas dizer Me perdoe, apesar disto ser um
bom começo. Pedir perdão implica procurar reparar o erro. Se tivermos
prejudicado alguém financeiramente, devemos devolver o que devemos ou, no
mínimo, admitir a dívida. Se tivermos denegrido a imagem de alguém, devemos
tomar as medidas necessárias para redimi-la. Vale ressaltar, porém, que quando
ofendemos ou prejudicamos outra pessoa, é necessário um pedido de perdão duplo,
tanto a ela quanto a D’us. Pois ofender, ferir ou prejudicar outra pessoa de
qualquer forma é, também, uma transgressão dos mandamentos Divinos, que nos
ordenam amar a todos, fazer o bem e nunca fazer mal a ninguém. Portanto, para
se obter o perdão em Yom Kipur, precisamos procurar consertar nosso
relacionamento tanto com D’us como com as outras pessoas. Porém, não adianta
bater no peito e confessar os pecados, e esperar que D’us nos perdoe inclusive
pelos erros que cometemos contra os outros. Para sermos perdoados desses erros,
precisamos, antes do início de Yom Kipur, pedir desculpas àqueles
que, de alguma forma, prejudicamos ou magoamos. Precisamos fazer de tudo para
retificar nossos erros, tanto com atos como com palavras. A verdade é que cada
um de nós precisa pedir perdão e também perdoar os outros. Assim como quem
falhou com outra pessoa deve pedir perdão, cabe à pessoa que recebeu um pedido
de desculpas perdoar, contanto que o pedido dela seja sincero e de fato faça o
possível para corrigir o erro cometido. Acima, mencionamos que há três tipos de
perdão. Devemos perdoar as outras pessoas, devemos perdoar a D’us e devemos
perdoar a nós mesmos. Para muitos, é mais fácil perdoar aos outros seres humano
e a D’us do que a si próprio. Muitas pessoas se condenam por suas falhas e são
incapazes de se perdoar. Esta inabilidade é algo negativo, pois nossa vida fica
presa ao passado. O auto perdão é uma demonstração de humildade, pois demonstra
que reconhecemos que somos humanos e não infalíveis. A grandeza de Rosh
Hashaná e Yom Kipur é que D’us instituiu um dia no
qual temos a oportunidade de “virar a página”. Precisamos estar cientes de
nossos erros, e fazer todo o possível para corrigi-los, mas não podemos
permitir que eles nos definam. Não podemos nos tornar reféns dos erros do
passado, incapazes de olhar para frente. Yom Kipur não é o dia
em que falamos para D’us que somos “inocentes”, e sim, em que admitimos nossa
culpa. Mas é, também, o dia em que expressamos o desejo de melhorar. Assumir
nossos erros já é parte integrante da obtenção do perdão. Há uma enorme
diferença entre o que a pessoa é, e o que ela faz. Fazer algo errado não
significa ser errado. Um mau comportamento, uma má atitude não pode definir
quem a pessoa é. Isso, evidentemente, não significa que nossos atos não sejam
importantes e significativos. Significa que eles não podem nos definir: talvez
erramos ontem, talvez erramos hoje, mas amanhã podemos agir corretamente. O
fato de uma pessoa errar não significa que ela não deva ser perdoada ou que não
possa modificar-se. Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1812), o Alter
Rebe, fundador do movimento Chabad Lubavitch, explica o significado de um
verso nos Salmos que, aparentemente, não faz sentido. Está escrito que “D’us
nos perdoa para que possamos temê-Lo”. À primeira vista, esse conceito parece
ser ilógico: se alguém sabe que será perdoado, deveria ter menos medo de pecar.
O Alter Rebe explica esse verso com uma metáfora. Suponhamos
que alguém tomou um grande empréstimo no banco para investir em um negócio.
Infelizmente, não teve sucesso. Se o gerente do banco for exigir a devolução do
empréstimo, além do pagamento de todos os juros, ele fará com que a dívida se
torne impagável. Mesmo se o devedor quisesse pagar a dívida, não conseguiria.
Consequentemente, ele não fará qualquer tentativa para devolver o dinheiro que
tomou emprestado. Contudo, se o gerente do banco estiver disposto a negociar,
se oferecer um plano viável para o devedor pagar o que deve, haverá mais chance
de o banco recuperar o empréstimo. Um fenômeno parecido ocorre no
relacionamento entre o homem e D’us. Se D’us fosse excessivamente exigente, se Ele
cobrasse todo pecado cometido, romperíamos a relação com Ele: passaríamos a
fugir Dele, a ignorá-Lo. O Eterno, então, propõe um acordo. Ele nos perdoa e
facilita o pagamento de nossa dívida com Ele, para que seja possível manter o
relacionamento. Muitas pessoas acreditam que perdoar é um sinal de fraqueza. Na
realidade, é exatamente o oposto. A falta de perdão é sinal de fraqueza e
insegurança enquanto perdoar é um ato de coragem, de força. Perdoar não
significa dar permissão para que a pessoa volte a cometer o mesmo erro.
Significa ter fé que a pessoa que errou não voltará a errar no futuro. Perdoar
alguém significa acreditar nela. D’us nos perdoa porque Ele acredita em nós:
Ele confia que nosso futuro será melhor que nosso passado. Em muitos casos, não
conseguimos compreender por que alguém deveria merecer ser perdoado: por que
deveria ter uma segunda ou até uma terceira chance. Daí ocorre que D’us nos faz
passar por algo parecido, nós, também, acabamos falhando, e clamamos por
perdão, algo que não queríamos dar a outra pessoa. Muitas pessoas não querem
perdoar os outros, mas a pergunta que se deve fazer a elas é: se fosse você que
tivesse errado, você também gostaria de não ser perdoado? Nossos Livros
Sagrados nos ensinam que D’us se comporta conosco da forma como nos comportamos
com as outras pessoas. Se formos tolerantes com outros, Ele será tolerante
conosco. Por outro lado, se formos excessivamente rigorosos com as outras
pessoas, Ele será excessivamente rigoroso conosco. O Baal Shem Tov
(1698-1760), fundador do Movimento Chassídico, ensinou que depois que a
pessoa deixa este mundo, é ela própria que decreta seu próprio veredicto
perante a Corte Celestial. Mostram a ela os atos de uma pessoa, sem revelar que
se trata dela mesmo, e se lhe pergunta: Qual deve ser o veredicto?. Após a
pessoa julgar o caso, é revelado a ela que se trata dela própria. Isso
significa que as pessoas que estão acostumadas a julgar os outros
favoravelmente acabarão julgando-se favoravelmente perante a Corte Celestial.
Por outro lado, aqueles que são demasiadamente rigorosos com os outros,
arriscam-se a se autocondenar. Quando alguém é rigoroso demais, esse rigor
acaba se voltando contra si próprio. O que impede o ato de perdoar ou de pedir
perdão? Orgulho, arrogância e medo. E esses sentimentos estão entrelaçados.
Muitas pessoas não pedem perdão às outras por motivo de orgulho: Por que eu
deveria pedir perdão a tal pessoa? Afinal, sou muito mais importante, mais
experiente, mais inteligente, mais bem-sucedido do que ela (...). O outro
motivo é o medo da resposta. Muitos temem não serem atendidos e que isso seja
motivo de vergonha, ou seja, de orgulho ferido. Em Yom Kipur,
pedimos perdão a D´us, mas, também, precisamos perdoar D’us. Conta-se a
seguinte história sobre um grande mestre chassídico, o Rabi Elimelech de
Lijensk (1717-1787). Na noite que antecede Yom Kipur, ele enviou um
de seus alunos a certo botequim, para que este aprendesse o significado do
perdão duplo. Ao chegar ao botequim, o aluno nota que o dono pede à sua esposa
uma caderneta. Ela leva uma caderneta para o marido onde ele havia recordado,
ao longo do ano, tudo que D’us fizera de errado com ele: todos os sofrimentos
que ele tinha passado durante o ano. Após terminar de ler essa caderneta, ele
pede à sua esposa uma outra caderneta onde ele havia escrito todos os pecados
que ele fizera contra D’us, ao longo do ano. Após ler essa caderneta, o dono do
botequim se dirige a D’us, diz: Le Chaim e toma uma dose de bebida. Aí,
diz: D’us, você me perdoa por tudo que eu fiz de errado com o Senhor ao longo
do ano e eu O perdoo por tudo de mal que o Senhor fez comigo ao longo do ano.
Essa história pode fazer as pessoas sorrirem, mas é algo sério. Cada um de nós
falha contra D’us ao longo da vida, mas todos nós temos, também, nossas
chateações e ressentimentos em relação a Ele. Às vezes, brigamos com D’us,
mesmo quando certas coisas acontecem em nossa vida que não têm nenhuma ligação
com Ele. Por exemplo, brigamos com alguém na sinagoga, e deixamos de
frequentá-la, ou algo não ocorre como esperávamos e deixamos de colocar Tefilin
(caixinhas de couro). Em certos casos, porém, é justificado o sentimento de
que D’us nos desapontou. Muitos de nós carregamos esse tipo de sentimento,
principalmente, quando coisas difíceis acontecem ao longo do ano. Infelizmente,
esse tipo de sentimento negativo acaba tomando conta de nosso coração. Yom
Kipur é o período do ano em que devemos livrar-nos desse tipo de
sentimento. Yom Kipur, e os dias que antecedem essa data, é a época
do ano para abrir um espaço para D’us em nossa vida, mesmo se acharmos que Ele
“não merece”: mesmo se acreditamos que Ele não foi tão bom conosco no ano que
se passou. Muitas pessoas pensam, Fiz tantas coisas boas e como é possível que
D’us permitiu que tal coisa ruim acontecesse comigo? Na realidade, nenhum de
nós tem noção da Contabilidade Celestial e do que é, de fato, bom ou ruim para
nós. De qualquer forma, vale ressaltar que mesmo esse tipo de ressentimento
contra D’us é uma grande mostra de fé. Pois nós não nos zangamos com alguém em
quem não acreditamos, tampouco nos chateamos com alguém de quem não esperamos
nada de bom. As pessoas se chateiam com D’us porque acreditam Nele e esperam
que Ele faça apenas o bem. Portanto, decepcionar-se com D’us é um sinal de
grande fé, tanto na existência como na bondade infinita Dele. Mas apesar desses
sentimentos serem um sinal de fé, precisamos removê-los do nosso coração, pois
eles obstruem nosso caminho e nossa felicidade. Sentimentos de dor, raiva e
ressentimento, mesmo que totalmente justificáveis, são um grande obstáculo para
tudo de bom na vida. Sentir raiva é o mesmo que tomar um copo de veneno e
desejar que outra pessoa morra. Quem se prejudica é quem sente raiva, não o
objeto da raiva. Como então, lidar com a dor, principalmente quando ela é
profunda? A forma de lidar com a dor é tentar enxergar as coisas de forma
diferente. Yom Kipur é o dia de lembranças. Nesse dia, lembramo-nos
de Amalek (o arqui inimigo histórico do Povo Judeu), do mal, do Holocausto, das
perseguições, dos 10 mártires que foram assassinados por Roma. Em Yom
Kipur, lembramo-nos de nossos entes queridos que não mais estão entre nós.
Quando nos lembramos desses entes queridos, podemos lembrar a dor causada pela
perda e pela ausência ou podemos nos lembrar dos momentos alegres com eles.
Quando se recita o Hashkabah ou Yizkor em Yom Kipur
lembramos as almas que partiram deste mundo, devemos nos lembrar dos momentos
preciosos que passamos com elas e do privilégio de as termos tido entre nós.
O Midrash (é uma maneira de interpretar histórias bíblicas que vai além
de simples destilação de ensinamento religioso, legal ou moral. Ele preenche
muitas lacunas deixadas na narrativa bíblica sobre eventos e personalidades que
são apenas insinuados) nos ensina o seguinte: Quando Moshé
Rabenu ensinou ao Povo de Israel o verso da Torá, Lembre-se o que
Amalek fez quando você saiu do Egito, o povo disse a ele: Moshé, nosso mestre.
Um verso da Torá afirma, Lembre-se o que Amalek fez para ti. Outro verso diz:
Lembre-se do dia do Shabat para santificá-lo. Como se cumprem
ambos os versos? Um nos ordena lembrar e o outro, também. Moshé respondeu: Um
copo de vinho não é o mesmo que um copo de vinagre, mas esse é um copo e aquele
também é um copo. Existe a lembrança do Shabat e a lembrança de
Amalek. Esse Midrash contém lições profundas. O vinagre é um
derivado do vinho, mas este é doce e aquele é azedo. Ambos, o vinho e o
vinagre, advêm da uva e ambos são bebidos em um copo. Na vida, temos a opção de
beber um copo de vinho ou de vinagre. Tudo depende de como enxergamos as
coisas, como lidamos com as lembranças. Isso é uma lição muito importante para
esta e para as futuras gerações de judeus. Evidentemente, elas precisam
aprender sobre a dor que nosso povo passou, as perseguições, o Holocausto. Mas
também precisam aprender que o judaísmo é um copo de vinho e não de vinagre.
Quando o pai traz o filho à sinagoga, deve ser não apenas em Yom Kipur,
mas em Simchat Torá também, para que o filho aprenda que o
judaísmo não se restringe a orações e jejuns, mas é também, um modo de vida
baseado na alegria. De fato, um dos fundamentos da Torá é o mandamento de
servir a D´us com alegria. Mas para poder viver com alegria, precisamos
aprender a perdoar. Precisamos perdoar a D’us, as outras pessoas e a nós mesmos.
Uma história verídica. Cabe relatar uma história verídica, que expressa
as ideias transmitidas acima. Em certa ocasião, um judeu religioso, um rabino,
estava viajando pela British Airways para Nova York. Ao lado dele, estava
sentado um homem que, após o avião decolar, vira-se para ele e diz: Shalom,
e revela, também, ser judeu. Ambos passam a conversar e descobrem que ambos
estão a caminho de Israel. O rabino, que estava viajando para passar Rosh
Hoshaná e Yom Kipur em Israel, começa a falar de
religião, mas o judeu sentado ao lado dele diz: Não me fale de D’us. Tenho
raiva Dele. Não posso perdoá-Lo pelo que Ele me fez. Este homem, que tinha 70
anos de idade, havia passado pelo Holocausto. Ele teve um filho, mas tinha sido
separado dele durante a guerra e presumia que havia morrido. Disse ao rabino
que nunca perdoaria D’us por lhe ter tirado seu filho. O rabino pergunta: Por
que então você vai a Israel? E o homem responde. Não quero saber de D’us, mas o
Povo Dele é ótimo. Não existe lugar no mundo como Israel. O rabino tenta
convencer o homem a ir à sinagoga, em Israel, durante as Grandes Festas, diz
que a sinagoga que frequenta em Israel é pequena, mas possui um ótimo chazan
(cantor litúrgico treinado para recitar as orações e benção com a congregação).
O homem se recusa. Dias mais tarde, o rabino está em Israel. É Yom
Kipur. Após a leitura da Torá, ele sai da sinagoga, durante o curto
intervalo em que é recitado o Yizkor. Ele vai a uma pracinha e nota
que há alguém fumando: é o seu amigo da viagem. Ele se aproxima dele e tenta
convidá-lo à sinagoga. Venha rezar um pouco, diz o rabino. Mas o homem se
recusa. O rabino diz o seguinte: Pelo menos entre para recitar o Yizkor pelo
seu filho. Sim, você brigou com D’us, mas por que seu filho deveria sofrer por
isso? Todos serão lembrados no Yizkor, seu filho deveria ser um
deles. O homem responde que por seu filho faria tudo, inclusive ir à sinagoga
para o Yizkor. Era uma sinagoga pequena. E por ser pequena, havia o
costume de que quem quisesse, podia ir ao chazan, dar o nome do
falecido e o próprio chazan recitava o nome da pessoa cuja
memória seria lembrada. Ao entrar na sinagoga, esse senhor se aproxima do chazan que
lhe pergunta o nome do filho. Quando o chazan ouve o nome, ele
olha para esse senhor, fica pálido e grita em iídiche: Pai! Durante muitos
anos, esse senhor pensou que seu filho havia morrido no Holocausto. Na
realidade, seu filho havia sobrevivido, imigrara para Israel e se tornara um
judeu religioso. Ele manteve as tradições que aprendeu com o pai, a mesma
pessoa que desde a guerra não queria mais se relacionar com D’us. Se o pai
nunca tivesse entrado em uma sinagoga em Yom Kipur, se não tivesse
dado essa brecha para D’us, ele passaria o restante da vida acreditando que seu
filho havia morrido. No momento em que ele deu uma chance a D´us e entrou na
sinagoga em Yom Kipur, mesmo que fosse apenas para recitar Yizkor pelo
seu filho, ele reencontrou aquilo na vida de mais caro, que ele acreditava ter
perdido. Essa história, além de verídica, serve também como metáfora. O pai da
história é D’us e todos nós somos Seus filhos. Yom Kipur é o
dia em que nos reencontramos; em que Ele e nós descobrimos que Ele não nos
perdeu. Yom Kipur é o dia em que vamos à sinagoga para dizer a
D’us que ainda estamos juntos e que assim continuaremos, eternamente. Mas como
na história relatada acima, esse nível de ligação e conexão com D´us só é
alcançado quando retiramos de nós sentimentos negativos contra Ele, contra
outras pessoas e contra nós mesmos. Yom Kipur é o dia mais sagrado
do ano. É o momento em que se revela a essência de nossa alma. Nesse dia,
revela-se o nível de conexão essencial que existe entre nós e D’us. Nesse dia
do Perdão não interessa o que fizemos, e sim, o que somos. Ao tomarmos
consciência de quem somos, torna-se possível expressar a essência do nosso ser.
Por que as pessoas que não vão à sinagoga o ano inteiro fazem questão de ir
em Yom Kipur? Há judeus que praticamente não cumprem nenhuma mitzvá,
mas jejuam em Yom Kipur. A única explicação é que em Yom
Kipur, o dia mais importante do ano, revelamos quem, na verdade, somos.
Nesse dia, é revelado que nossa conexão com D’us é atemporal e independente de
nossas ações. Em Yom Kipur, nós nos sentimos conectados com D’us,
com a comunidade judaica e também com as almas dos falecidos. É na sinagoga que
recitamos o Yizkor e nos lembramos dos falecidos, porque no
Mundo da Verdade, as almas desejam ser lembradas em um lugar sagrado, na
sinagoga. Yom Kipur é, portanto, um dia de amor: amor a D’us e
amor às outras pessoas, as que se encontram conosco e as que estão no Mundo da
Verdade. Sabe-se que quando um pai deseja fazer uma festa de aniversário, ele
quer que todos os seus filhos estejam presentes, independentemente de onde
vivam. Se todos os filhos não puderem comparecer, o pai prefere que não haja
festa. Yom Kipur é o dia em que nosso Pai deseja que todos os
Seus filhos venham à sinagoga. É por esse motivo que antes de se iniciarem as
orações em Yom Kipur, o chazan recita uma frase, Anu
Matirim, afirmando que todos, mesmo aqueles que cometeram grandes pecados e
renunciaram ao judaísmo, podem rezar juntos na sinagoga naquele dia. Pois nesse
momento, o Pai convoca todos os Seus filhos. Ele não quer apenas alguns deles,
os que se comportaram bem. Ele quer todos eles. Em Yom Kipur,
recita-se o Avinu Malkenu, Nosso Pai, nosso Rei. O Baal Shem Tov transmitiu
um ensinamento a respeito dessa prece, que nos ajuda a ter uma percepção
bastante diferente a respeito do Yom Kipur. De fato, é um dia em
que somos julgados. Por que, então, é um dia de tanta alegria, felicidade e
união? Porque o Juiz é o nosso Pai. Diz-se que nunca se sabe o que pode sair da
cabeça de um juiz, mas se o Juiz é o próprio Pai, podemos ficar tranquilos.
D’us é nosso Rei, que nos julga, mas antes de ser Rei, Ele é Pai. Por esse
motivo, falamos Avinu Malkenu, não Malkenu Avinu. E um
pai é sempre misericordioso e bondoso com seus filhos. Yom Kipur é
o Dia da Expiação, o Dia do Perdão. Pedimos perdão a D’us e perdoamos aos outros,
mas só podemos perdoar a D’us quando sabemos que Ele é nosso Pai, pois quando é
nosso Pai quem fala, ouvimos apenas bênçãos. http://morasha.com.br.
Abraço. Davi.
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
A Verdade Está Além da Realidade.
Refletiremos sobre
a escritura de João 14:1-12 "Não se turbe o vosso coração; credes em Deus,
crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim,
eu não teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar,
virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver
estejais vós também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho.
Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o
caminho? Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem
ao Pai, senão por mim. Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu
Pai; e já desde agora o conheceis, e o tendes visto. Disse-lhe Filipe: Senhor,
mostra-nos o Pai, o que nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo
convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como
dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está
em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que
está em mim, é quem faz as obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai em mim;
crede-me, ao menos, por causa das mesmas obras. Na verdade, na verdade vos digo
que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores
do que estas, porque eu vou para meu Pai". Dois aspectos para
compreendermos a humanidade e divindade de Jesus Cristo é o que os estudiosos
da ciência esotérica costumam chamar de o Cristo mítico e o Cristo histórico.
Há consenso na literatura universal e tradição religiosa de todas as
espiritualidades de que Jesus o filho de Deus, como homem, nasceu provavelmente
no início de nossa era, até a primeira metade do século I. A data de seu
nascimento é controversa, mas as alusões referentes ao culto do deus sol,
praticado na Roma antiga, advindo da mitologia do deus egípcio hórus, que era
realizada no equinócio de verão no hemisfério sul, pode trazer a data de sua
natividade para 21 de junho a 23 de setembro. Assim o 25 de dezembro em todas
as pesquisas científicas não tem embasamento confiável. Foi uma data
convencionada pela igreja, a partir do ano 353, quando era papa Damaso I
(305-384), sendo apoderada pelo capitalismo como motivo de consumo e
entretenimento, muito mais, que um momento de comunhão, reflexão e meditação
sobre o nascimento do salvador do mundo. Inclusive o historiador judeu Flávio
Josefo (37-100) atestando a veracidade da vida do Cristo não sabe precisar
quando ele veio ao mundo. Sua infância foi normal como de qualquer criança.
Entretanto em sua adolescência um fator marcou sua excepcionalidade aos doze
anos, pois quando seus pais visitavam o templo em Jerusalém, na festa anual da
páscoa, ele acabou se perdendo de seu genitores. E dias depois foi encontrado
entre os doutores da lei judaica, os fariseus, saduceus e escribas discutindo
com eles a respeito dos preceitos mosaicos. É sabido que o Jesus histórico era
um iniciado nos mistérios dos Essênios, uma seita judaica asceta e austera que
abstinha-se inclusive do casamento, procurando um viver de pureza física e mental.
Praticavam também a meditação e invocação as divindades estabelecidas pela
comunidade. Imagina-se que pela experiência com esse movimento, Jesus,
adquirirá conhecimento sobre magia, teurgia, poderes ocultos da natureza e uso
da consciência evolutivo pela telepatia, telecinesia e taumaturgia (milagres).
Também o conhecimento da cultura, espiritualidade e mistérios do judaísmo
especificamente contidos na Cabala. Com essas características sobre-humanas. O
Mestre Jesus, desenvolveu seu ministério apostólico de amor ao próximo,
acolhimento dos oprimidos, conforto aos desesperançados, alívio aos doentes e
certeza de vida eterna sem dor, sofrimento ou morte. O Cristo Mítico envolve
seu aspecto divino quando se percebe elementos não humanos em sua constituição espiritual.
Nesse panorama ele, em muitas aparições, mostrava-se num corpo sutil e
plasmado. Particularmente, para uma explicação mais razoável, traçamos uma
linha imaginária, procurando comparações da vida do Cristo com outras divindade
de espiritualidade divergentes do cristianismo. O estudo das mitologias e
religiões comparadas, ajuda-nos a desvendar inúmeras situações ocorrida com o
Cristo, vistas anteriormente em importantes divindades de outras tradições com
semelhanças impressionantes. A pessoa de Krishna que viveu aproximadamente 3.000 AC, se encaixa nesse suposto
modelo que estamos imaginando. Assim como o Cristo foi perseguido em seu
nascimento por um rei, Herodes, e um grupo de magos guiados por uma estrela
encontraram o menino Deus em uma manjedoura. Krishna quando criança, foi também
perseguido por um rei que, tentando encontrá-lo ordenou que as crianças, recém
nascidas da cidade fossem mortas. Como no caso específico de Cristo, Krishna
era visto desde seu nascimento como ameaça ao destronamento do soberano.
Krishna foi concebido de uma virgem que não havia tido contato com nenhum homem
conforme a tradição hindu. Sendo seu nascimento referendado por uma estrela. Um
detalhe importante essa virgem, sua mãe, faz parte do arcabouço da tradição de
divindades veneradas pelo povo hindu. Igualmente a Santíssima Virgem e
Imaculada Maria é adorada pelos cristãos católicos como a Mãe de Deus. Deusa de
todos os anjos e seres espirituais. O Cristo teve uma concepção virginal,
concebido por obra e graça do Espírito Santo. Krishna operava milagres e maravilhas,
usando parábolas para falar as pessoas sobre amor e caridade; foi transfigurado
diante dos discípulos e mortos flechado, encostado a uma árvore aos 30 anos. O
Cristo foi atravessado por uma lança quando estava numa cruz de madeira. Na mitologia
hindu Krishna ressuscitou dos mortos ascendendo aos céus. Esses eventos
aconteceram com Cristo, mostrando que as religiões se interpenetram e suas
mitologias estão entrelaçadas num inconsciente coletivo arquetípico, que desde
o surgimento do homem na terra, forma todas as tradições espirituais
universais. Desse modo através das divindades antigas, podemos aprender lições
para nossa busca espiritual, comparando a vida dos mitos e encarnações de seres
divinos com a realidade de caminhar nessa mesma direção em nossa encarnação
atual e nas reencarnações futuras. Lembrando que assim como o Cristo representa
a segunda pessoa da Trindade Divina, sendo a encarnação do Logos Eterno, o Pai;
Krishna é também a encarnação de Vishnu, o Deus Conservador e Harmonizador na
Trimurti Hindu. Esse texto de João 14, que estão abordando, não tem margem à uma interpretação literal, a
essência do argumento foge aos sentidos e percepção do observador, que
precisará intuir os conceitos apresentados para uma compreensão razoável. As
muitas moradas da casa do Pai, evidentemente, não são no sentido denotativo
real. Como pensar que Deus estaria construindo no céu casas, mansões,
apartamentos e alojamento para seus servos, conforme a fidelidade e
desprendimento de cada um em servir a Ele? Essas muitas moradas é explicado na
narrativa como sendo o próprio Pai, Deus. Um dia no tempo, eternidade, saímos
da casa do Pai, mas todos os seres humanos sem exceção, retornarão à mesma casa
do Pai na eternidade futura. Se é que podemos mensurar o mistério da eternidade
no tempo. A figura do filho pródigo em Lucas 15, incluindo seu irmão que ficou
na casa, é um exemplo dessa trajetória que percorreremos à evoluir através de
erros, pecados, obstáculos e vicissitudes enfrentadas em nosso cotidiano. A
disciplina cármica é corretiva e pedagógica, nos aperfeiçoando nos vícios à que
não caíamos novamente neles. Quanto as virtudes, tentações e provações que
suportamos hoje, retificam as situações que somos reprovados em nossa
encarnação presente, que está ligada a passada. Como o Pai nos ama
incondicionalmente, estará sempre de braços abertos à receber-nos novamente. O
Mestre em sua sabedoria, conhecia a profundidade do coração de seus discípulos,
por isso incitou-os a ponderar sobre o caminho, verdade e vida. Apesar deles
estarem envolvidos no ministério do Cristo, ainda não conheciam seu propósito
último. A verdade é o objetivo daqueles que se aproximam de Deus com coração
puro e mente sensível a divindade. Onde há mentira não existe verdade. A
verdade tem como esfera mística o amor, que é sua outra face; a praticidade da
teoria colocada em atividade ao benefício do próximo. O conceito de verdade
apenas como conhecimento imóvel fica vazio sem um direcionamento à convivência
relacional. Entendo que quando Jesus diz ser a verdade, ele está mostrando aos
discípulos que todos nós, temos a oportunidade de tomar posse da verdade
praticando o voluntariado, fraternidade e virtuosidade. A mentira é o oposto da
verdade, como é explicado pelo Mestre aos fariseus hipócritas em João 8:44 "Vós
tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer aos desejos de vosso pai. Ele foi
homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade
nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso, e pai da mentira". Como verdade, imagino que o Mestre quis
dizer, uma construção realizada por cada indivíduo em sua encarnação passada,
presente e futura. A partir do princípio chrístico ou búdhico contido em todos
os humanos chegaremos a essa verdade, mais cedo ou mais tarde. Claro que para
assimilarmos a totalidade da verdade passaremos por inúmeras vidas, mas cada
encarnação é uma oportunidade de vivermos a verdade de maneira intensa e mútua
com o nosso próximo. Jesus respondeu a Felipe, quando este perguntou mostra-nos
o pai e isso nos basta? Dizendo: Quem me vê a mim vê o Pai. Aqui é manifestado
a identificação em substância do Cristo, correspondente ao Messias no hebraico,
como o encarnado foi de Deus Pai. Ele era humano, mas divinizou-se pela
natureza espiritual, sendo Deus e homem simultaneamente. Aquilo que o budismo
chama de estado iluminado ou desperto. Esse texto em epígrafe na introdução, é
anterior a Mateus 17 referente a sua transfiguração, iluminação, nirvana ou
samadhy do Cristo. Ele como o Messias, enviado de Deus, em seu corpo etéreo era
atemporal, entrando no tempo ao encarnar no ventre da Virgem Santíssima e
Imaculada Maria. Esse fato é provado num diálogo que o Mestre teve com os
judeus descrito em João 8:56-59 "Abraão, o vosso pai, exultou por ver o
meu dia, e viu-o e alegrou-se. Disseram-lhe pois os judeus. Ainda não tens
cinquenta anos e viste Abraão? Disse-lhes Jesus: em verdade, em verdade vos
digo; que antes que Abraão existisse Eu Sou. Então pegaram em pedras para lhe
atirarem, mas Jesus ocultou-se e saiu do templo, passando pelo meio deles, e
assim se retirou". O Eu Sou é uma referência ao inpronunciável nome de
D'us manifestado nas quatro consoantes YHWH, que os místicos cabalista
consideram a totalidade da substância divina. Jesus era a encarnação do EU SOU,
vivendo num tempo anterior a Abraão. Segundo o esoterismo cristão o
Melquisedeque que aparece no texto de Gênesis 14:18, rei de Salém e sacerdote
do Deus Altíssimo que trouxe pão e vinho a Abrão, abençoando-o após vencedor de
uma batalha; este é o Cristo filho de Deus. Plotino (204-270) num de seus
aforismo fala "Os olhos não veriam o sol, se não fossem parecidos com o
sol. A alma não verá a beleza se ela não for bela". Podemos inferir um
paralelo nessa máxima com o entendimento de verdade que estamos elaborando. Só
temos condições de enxergar, compreender a verdade daquilo que corresponde a
nossa experiência espiritual; ela deve conformar-se com nosso modelo de vida
transcendente. Nesse conceito, percebemos que a verdade deve evoluir em nosso ser
de dentro para fora. O contrário, de fora para o interior, não representará a
verdade além da realidade, pois a realidade nem sempre é a verdade, mas a
verdade sempre é a realidade individual e pessoal que você desfruta na sua
consciência presente e no seu inconsciente passado. Nossos sentidos, percepções
e emoções não são confiáveis à compreendermos a verdade como realidade. Um
exemplo simples foi mostrado por Issac Newton (1643-1727) quando fez uma
experiência em que girava um disco com as cores do arco-íris em alta
velocidade. A impressão, ilusão, que se tem quando o disco é visualizado é que
ele tem apenas a cor branca, mas na realidade ele tem sete cores. O mesmo
princípio se aplica a verdade, como o Mestre nos mostrou em João 14; nem sempre
o que vemos ou sentimos corresponde a realidade como verdade. Em nossa
experiência interior e mística (êxtase) poderemos acessar fragmentos dessa
verdade, pois ela é um feixe de luz dentro de nosso inconsciente universal.
Abraço, Davi.
terça-feira, 27 de outubro de 2015
Se Eu Quiser Falar com Deus.
Se Eu Quiser Falar com Deus.
Compositor brasileiro Gilberto Gil (1942- )
Ano 1980
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
Abraço. Davi.
Assinar:
Postagens (Atom)