sábado, 31 de outubro de 2015

Sexo, Sexualidade e Gênero.

Budismo Nitiren Daishonin. “É menino!, disse a parteira. Mas, o que foi que viu a parteira para lançar semelhante afirmação? Os genitais do bebê, evidentemente”. Isto dos genitais parece ter sido sempre algo muito importante para os pais, que querem saber se o bebê tem boa saúde, se não nasce com algum problema ou malformação e, claro, se é fêmea ou macho. Inclusive no registro obrigatório do nascimento da criança se requer justamente esse dado. O que é? Homem ou mulher? E na realidade o dado sobre os genitais não é algo banal, se levamos em consideração que no futuro terá peso sobre âmbitos tão díspares como a carreira profissional, o possível ingresso nas forças armadas, a escolha de uma pessoa para compartilhar a vida. Dependendo do âmbito cultural e sócio econômico ao qual esta criança pertencer, já desde o seu primeiro choro nos braços da parteira terá se depositado sobre ele uma grande quantidade de anseios diferentes sobre como esta criança se desenvolverá no futuro e o que chegará a ser. Quer dizer que, para muitos de nós, a identidade está intimamente ligada ao gênero sexual. As diferentes culturas e sociedades através da história têm lidado com o tema das condutas sexuais de diversas maneiras, as vezes desde a lei, as vezes pelo costume, as vezes com sanções contra aqueles que romperam os códigos estabelecidos. Os códigos morais tem se transformado e evoluído, decidindo sempre o que pode ser catalogado como correto ou natural e o que não é, e as pessoas têm sido compelidas a aceitar uns ou outros códigos, talvez para pôr um sentido a um tema que não deixa de ser bastante confuso. Dentro dos diferentes contextos culturais, o do Budismo resulta sumamente refrescante se pensamos que não propõe regras sobre o que está bem ou o que está mal, o que é ou não apropriado em relação à conduta sexual. Não existe uma lista do que deve e não deve se fazer para aqueles que praticam o Budismo de Nitiren Daishonin. Pelo contrário, aqui a responsabilidade cai completamente em cada um dos indivíduos que praticamos esta filosofia, que nos assumimos como responsáveis de tudo o que ocorre nas nossas vidas, incluindo a maneira em que decidimos viver a nossa sexualidade. O Budismo ensina que devemos ter um respeito fundamental por cada indivíduo e pela dignidade da vida em si mesma. Não existe nenhum mandamento que nos obrigue a renunciar a nada para poder praticar o Budismo, já que a sabedoria de como devemos comportar-nos emerge, justamente, da prática, quando oramos Nam myoho rengue kyo, compreendendo que cada causa que realizemos terá um efeito sobre nossas vidas. Nitiren Daishonin (1222-1282) nos diz que todos podemos manifestar o estado de Budha  tal como somos. A discriminação.  Partindo de que ninguém é incapaz de atingir a iluminação, está claro que não existe lugar para a discriminação baseada no gênero ou a tendência sexual nos ensinamentos budistas. Em termos do carma, somos quem somos pelas causas realizadas que nos levaram a nascer em determinado âmbito cultural, em determinado momento, com as características particulares que afetam nossa personalidade, habilidades e capacidades físicas e mentais, e também, evidentemente, nossos genitais. Nitiren Daishonin escreve: Não deve haver discriminação entre as pessoas que propagam os cinco caracteres de Myoho rengue kyo durante os Últimos Dias da Lei, sejam homens ou mulheres. Se não fossem Bodhisattvas da Terra, seria impossível recitar este Daimoku". (END, vol. I, pág. 367). Nossa verdadeira entidade não tem forma, mas se manifesta com as características que nos individualizam. Em termos da visão budista da eternidade da vida, temos nascido em diferentes circunstâncias e em diferentes tempos, as vezes como homens e as vezes como mulheres. Nossa entidade não tem gênero, não tem sexualidade, de fato, não tem forma alguma. De qualquer maneira, ao nascer dentro de uma existência em particular, manifestamos características físicas mentais e emocionais próprias, por meio das quais nos relacionamos com o resto da sociedade. A integração. O Budismo ensina que todos e tudo encontra-se inter relacionado no universo. Nossa luta, então, é encontrar o caminho para expressar nossa individualidade enquanto que, ao mesmo tempo, vivemos em harmonia com o resto da sociedade, da qual somos parte integrante. Muitos de nós sofremos ao tentar expressar nossa identidade como indivíduos dentro de uma sociedade na que existem todo tipo de discriminações, a qual muitas vezes ataca aqueles que não se conformam com certas normas. De fato, os papéis sexuais têm variado através da história e nas diferentes culturas. Os costumes de que sejam as mulheres as que se encarreguem de criar as crianças, em vez dos homens, tem sido utilizado muitas vezes para delinear certas normas. Apesar de que, naturalmente, existem fatores biológicos que nos diferenciam a uns de outros, o que é questionável é que o fator biológico em si seja parâmetro para definir nosso papel na sociedade. Troca de papéis. Os papéis costumam mudar de acordo com variações sócio econômicas. Por exemplo, na Grã Bretanha, durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres começaram a executar uma série de tarefas que tradicionalmente realizavam os homens. Esta mudança, que permitiu à mulher assumir maior responsabilidade social na ausência dos homens, resultou crucial na dinâmica posterior da relação homem e mulher. Levou depois a modificações mais profundas como, por exemplo, o voto feminino. As mudanças costumam acontecer a partir das ações daqueles que negam-se a aceitar passivamente essas normas. Se aquele que se opõe resulta ou não discriminado, isso depende do clima social que prevalecer nesse momento. Antes da Primeira Guerra Mundial, os homens e mulheres que lutavam pelo voto feminino, eram socialmente condenados; mais tarde, o meio tinha mudado o suficiente para permitir-lhes o sucesso na sua luta. O grupo que possui maior poder econômico é, geralmente, quem maior influência exerce na definição das normas sociais. O mesmo ocorre numa simples relação entre duas pessoas e pode ser exemplificado também claramente ao fazer uma descrição de classes sociais em qualquer sociedade. Quando existe desequilíbrio aparecem normas doentias que servem para sustentar o abuso de poder. Os papéis de vítimas e vitimário evolucionam em relações que criam uma perpetuação do esquema cristalizando às vítimas numa determinada camada social, ou grupo humano que se sente demasiado débil para reconhecer seu próprio poder e exerce-lo. A ausência de mandamentos no Budismo. No Budismo não existe o conceito de pecado. Todas as pessoas somos igualmente merecedoras de respeito, pois todos possuímos o estado de Budha. Mas só quando tomamos uma completa responsabilidade sobre a nossa situação podemos usar o imenso poder de nosso estado de Budha para modificar nossa situação; então, o vitimário pode modificar seu impulso de gerar sofrimento, e a vítima mudar sua tendência de ser oprimida. Neste sentido, todos somos livres de usar nosso potencial. O Budismo carece de uma lista de mandamentos, porque considera que basear a conduta humana em regras externas pode gerar uma sensação de temor a uma retribuição negativa de origem externa, por parte de um outro que decidiria nosso destino segundo nossa resposta ao código de conduta, o que vai contra a filosofia da Causa e Efeito. Nas religiões que tem este tipo de mandamentos, romper esse código moral equivale a pecar, e isso gera uma sensação de culpa, conceito ao qual também não lhe é dada uma entidade verdadeira no Budismo. Não podemos mudar nossas ações passadas (a série de causas efeitos correspondentes já estão gravados, mas podemos reconhecer de coração o dano que temos causado à dignidade de nossa própria vida ou de outras, e orar ao Gohonzon aceitando plenamente a Lei de Causa e Efeito. Cada recitação sincera do Daimoku o é. E é importante também interiorizar a ideia de que não existe força externa que nos castigue, e sim retribuições cármicas de nossas próprias ações, das quais só nós mesmos somos responsáveis. Somos responsáveis por tudo o que nos acontece. O respeito. Ao abraçar a Lei Mística e orar Nam myoho rengue kyo perante o Gohonzon, estamos expressando um profundo respeito para a função única que tem cada existência no Universo, baseados em que toda vida possui o estado de Budha inerente, latante, cujas qualidades são: benevolência, sabedoria, coragem e força vital. Sobre o equilíbrio numa relação, Nitiren Daishonin comparou a marido e mulher com as asas de uma ave, que deviam movimentar-se harmoniosamente para poder permitir-lhe à ave voar. Isto significa que ambos os integrantes do casal devem basear sua relação no respeito mútuo. Desejos mundanos e sexualidade. O sexo é uma força dominante na vida. Até porque é o meio da nossa perpetuação e sobrevivência e é nesse aspecto no qual muitas sociedades fundamentam seu conceito de que a procriação é a única função legítima da sexualidade. Porém, nós temos notáveis diferenças com o resto do mundo animal. Para começar, não respondemos a estações para a procriação, pelo contrário, somos capazes de manter um sexo ativo a qualquer momento, inclusive após a menopausa feminina. Nosso corpo está coberto de zonas erógenas e, além do mais, expressamos nossas emoções também através da sexualidade. Se dermos uma olhada geral, podemos afirmar sem temor a equivocar-nos que o ser humano não tem se destacado por ser incrivelmente destro na condução da sua sexualidade. Talvez nos custe admiti-lo, porque sabemos que algo muito forte esconde-se detrás de tudo isso que reunimos sob a categoria de sexo. Todos reconhecemos na nossa própria experiência aquele momento de nossa adolescência no qual começamos a lidar com o sexo, aonde ainda nem sequer tratava-se do temor para com o outro, para como acercar-nos ao nosso objeto de desejo, e sim do profundo temor para com nós mesmos, ao perceber essas forças que começavam a mexer-se no nosso interior e com as quais não sabíamos o que fazer. Algumas pessoas mostram-se profundamente contrariadas ao conhecer as práticas sexuais de outros, ainda quando estas pessoas nada tenham a ver com a sua vida. Por quê? Se, por outro lado, os gostos das pessoas com alimentos, decoração, moda, não parecem provocar os mesmos sentimentos nos outros, pelo menos não com o mesmo grau de emoção. O Budismo vê a sexualidade como um dos nossos desejos mundanos, e sabemos, pela filosofia do Budismo de Nitiren Daishonin que, sempre que oramos Nam myoho rengue kyo, os desejos mundanos são a iluminação. Não emite o Budismo juízo algum sobre as virtudes e defeitos da sexualidade. A sexualidade, para o Budismo, não é nem boa nem má, simplesmente é. O fato de que a expressão desta sexualidade seja conduzida por um caminho positivo ou negativo depende unicamente do nosso estado de vida quando damos curso aos nossos desejos (ou quando os reprimimos). Por exemplo, se nos sentimos atraídos para com alguém a quem não respeitamos realmente, seguramente a relação sexual estará baseada em algum dos estados baixos da vida, talvez o de Animalidade. Em tal caso, nosso comportamento será governado unicamente pelos nossos instintos, sem deixar espaço à reflexão sobre a consequência da nossa ação. Se, ao contrário, oramos Daimoku para esclarecer-nos a nós mesmos sobre o manter ou não uma relação, já estamos inscrevendo essa relação desde o estado de Budha. O resultado poderia ser, inclusive, que decidamos não tê-la, ou que decidamos tê-la e o façamos baseados no mútuo respeito. As pessoas somos diferentes, e reagimos de maneira diferente perante circunstâncias similares, dependendo isto dum verdadeiro Cocktail, coquetel, de elementos, no qual o estado de vida é um dos mais importantes. É por isso, também, que no Budismo não poderiam existir mandamentos ou regras fixas, sem contradizer sua própria filosofia. Recitar Daimoku permite-lhe à pessoa tomar a decisão correta para a sua vida, mas esta decisão pode ser completamente diferente num caso e outro, ainda que desde fora as circunstâncias pareçam as mesmas. As ilusões. Naturalmente torna-se extremamente difícil descobrir se estamos deixando guiar pelo estado de Budha ao manter uma relação, ou simplesmente nos conduz à paixão. Talvez se deva a isto que religiões e sociedades têm se encarregado de estabelecer parâmetros com os quais regular uma “sexualidade correta". Claro que podemos compreender que a expressão indiscriminada da sexualidade não seja, provavelmente, uma boa base para a criação de valor; mas o que também devemos saber é que a supressão dos nossos desejos sem examinar a sua natureza pode resultar altamente destrutiva. É justamente a partir deste encontro com os nossos desejos mundanos, de qualquer tipo que sejam, onde atingimos a nossa iluminação. O tema do poder. Nossa filosofia nos ensina que, tentar ser alguém que não somos, nos conduz necessariamente a sentirmo-nos seres inadequados e faltos de poder, sentimentos negativos que inclusive podem gerar problemas de natureza sexual. Por exemplo, uma pessoa que se sente débil e inadequada, pode maltratar a outros para sentir-se poderoso. Sabe-se que a violação sexual é algo que se refere mais ao exercício do poder do que à sexualidade. O poder sexual também pode ser utilizado de maneira subversiva: Um dos dois pode usar os desejos sexuais do outro para conseguir algo concreto em troca. Os que usam o poder sexual desta maneira, sem dúvida desrespeitam a si mesmos e aos envolvidos. Criar valor: o tema da missão. Confundir a nossa identidade atenta contra a nossa missão. Nam myoho rengue kyo, a Lei universal da vida, abraça todas as coisas, pelo que é absolutamente natural orar Daimoku pela nossa sexualidade. A pergunta que necessitamos fazer-nos perante cada relação sexual é: Cria valor?. Esta pergunta vale tanto para quando estamos casados, comprometido ou trata-se de uma relação informal. Os códigos morais vigentes na sociedade da qual somos parte podem nos causar dificuldades a nível pessoal, ou não. Em termos de Budismo, o importante é desenvolver sabedoria para compreender o melhor caminho pelo qual podemos viver nosso papel, e criar valor na sociedade, independente das normas que prevaleçam. Quando conseguimos levar nossa natureza de Budha à todas as áreas da nossa vida, só então, podemos considerar que estamos nos movimentando com verdadeira liberdade. É através da nossa prática que encontraremos a coragem de expressar-nos tal qual somos, formos quem formos. Como nos diz Nitiren Daishonin (1222-1282), a relação entre o nosso estado de Budha e o nosso corpo físico é importante: Em meu coração tenho alguma fé no Sutra de Lótus, mas em meu corpo não sou melhor do que um mortal comum, comendo peixe e carne. Minha vida existe neste tolo corpo, tal como a lua é refletida num lago turvo ou como o ouro é carregado em um saco sujo. (END, vol. I, pág. 200). A nossa natureza de Budha é a nossa verdadeira identidade e manifesta-se através das nossas características físicas e mentais. É quando nos sentimos bem com a nossa identidade que fazemos uma boa contribuição à sociedade da qual somos membros. Quando nossas ações baseiam-se numa identidade forte, podemos criar valor, mas para isso é requisito que a gente se conheça a si mesmo sem negar nenhum aspecto da nossa maneira de ser. O Kossen rufu. O Budismo é profundamente não julgador. Ao movimento pelo Kossen rufu podem-se somar socialistas e conservadores, carnívoros e vegetarianos, heterossexuais e homossexuais; homens, mulheres e transexuais. Baseamo-nos no respeito ao estado de Budha inerente ao outro, sem fixar-nos em opiniões prévias que nos levem a sermos preconceituosos. O único que importa realmente é o respeito pela Lei Mística e o respeito pelo próprio estado de Budha. Se ferimos a outra pessoa, estamos desrespeitando o nosso próprio estado de Budha, além do da outra pessoa. Se ferimos a nós mesmos, também desrespeitamos à outra pessoa, porque ela necessita de mim completamente e tal como sou, para que eu possa cumprir com a minha função única no universo, e que a outra necessita de mim. Existe algo claramente proibido no Budismo? Nitiren Daishonin nos orienta para que tenhamos cuidado com a calúnia para com nós mesmos, para com os outros e para com a Lei Mística. Isto está dito com espírito benevolente, porque a calúnia nos causará infalivelmente muito sofrimento, já que quem calunia não respeita a dignidade da vida. Mas mesmo se temos caluniado e sofremos por essa causa, não estamos condenados pela eternidade. Nitiren Daishonin ensina que, por meio de recitar Daimoku perante o Gohonzon, a gente transforma o veneno em remédio. Inclusive o responsável dos atos mais terríveis contra a dignidade da vida pode mudar radicalmente a partir da prática sincera e transformar o seu ambiente. O ensino do Budismo é uma luta constante para conquistar o respeito para si mesmo e para os outros. Em palavras de Ikeda Sensei (1928-  ): Nada é mais digno de respeito que você mesmo, essa é a mensagem do Sutra de Lótus. http://www.belashistoriasbudistas.blogspot.com.br. Abraço. Davi.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Yom Kipur e o Poder do Perdão.



Judaísmo. Rabino Gabriel Aboultboul. Yom Kipur é a oportunidade dada por D’us de virar a página de nossa vida e acreditar em nossa capacidade de melhorar. Devemos corrigir os erros, mas não nos tornarmos reféns do passado, incapazes de olhar para o futuro. Durante os dias que antecedem o Yom Kipur, o Dia da Expiação, recitamos antes das orações matinais as Selichot, os pedidos de perdão a D’us. Sempre nos referimos a essas orações no plural, Selichot, e não no singular, Selichá. Nossos Sábios explicam que isso significa que o pedido de perdão tem duas vias: não apenas pedimos perdão, mas, também, perdoamos. A quem precisamos perdoar? Às outras pessoas, a D’us e a nós mesmos. Na língua hebraica, há várias palavras que significam perdão. As preces de perdão foram chamadas de Selichot porque o valor numérico de Selach é 98, que é o número de maldições mencionadas na Torá (os cinco primeiros livros da bíblia chamada Tanake em hebraico). Isso para nos ensinar que o perdão tem o poder de transformar a maldição em bênção, neutralizando tudo o que há de negativo no mundo. Mas o que significa perdoar, de acordo com o judaísmo? O que significa perdoar?. Na Torá, há mandamentos que determinam tanto nossa relação com D’us quanto com relação a outros seres humanos. Consequentemente, há dois tipos de erros que o homem pode cometer contra: D’us e contra seus semelhantes. O que significa pedir perdão a D’us pelos erros e transgressões cometidas contra Ele? Significa reconhecer que, ao longo do ano, nem sempre cumprimos Seus mandamentos. Em Yom Kipur, D’us pode perdoar-nos apenas por esse tipo de transgressões e não pelas faltas que cometemos contra outros seres humanos. E o que implica pedir perdão a uma pessoa? Não significa apenas dizer Me perdoe, apesar disto ser um bom começo. Pedir perdão implica procurar reparar o erro. Se tivermos prejudicado alguém financeiramente, devemos devolver o que devemos ou, no mínimo, admitir a dívida. Se tivermos denegrido a imagem de alguém, devemos tomar as medidas necessárias para redimi-la. Vale ressaltar, porém, que quando ofendemos ou prejudicamos outra pessoa, é necessário um pedido de perdão duplo, tanto a ela quanto a D’us. Pois ofender, ferir ou prejudicar outra pessoa de qualquer forma é, também, uma transgressão dos mandamentos Divinos, que nos ordenam amar a todos, fazer o bem e nunca fazer mal a ninguém. Portanto, para se obter o perdão em Yom Kipur, precisamos procurar consertar nosso relacionamento tanto com D’us como com as outras pessoas. Porém, não adianta bater no peito e confessar os pecados, e esperar que D’us nos perdoe inclusive pelos erros que cometemos contra os outros. Para sermos perdoados desses erros, precisamos, antes do início de Yom Kipur, pedir desculpas àqueles que, de alguma forma, prejudicamos ou magoamos. Precisamos fazer de tudo para retificar nossos erros, tanto com atos como com palavras. A verdade é que cada um de nós precisa pedir perdão e também perdoar os outros. Assim como quem falhou com outra pessoa deve pedir perdão, cabe à pessoa que recebeu um pedido de desculpas perdoar, contanto que o pedido dela seja sincero e de fato faça o possível para corrigir o erro cometido. Acima, mencionamos que há três tipos de perdão. Devemos perdoar as outras pessoas, devemos perdoar a D’us e devemos perdoar a nós mesmos. Para muitos, é mais fácil perdoar aos outros seres humano e a D’us do que a si próprio. Muitas pessoas se condenam por suas falhas e são incapazes de se perdoar. Esta inabilidade é algo negativo, pois nossa vida fica presa ao passado. O auto perdão é uma demonstração de humildade, pois demonstra que reconhecemos que somos humanos e não infalíveis. A grandeza de Rosh Hashaná e Yom Kipur é que D’us instituiu um dia no qual temos a oportunidade de “virar a página”. Precisamos estar cientes de nossos erros, e fazer todo o possível para corrigi-los, mas não podemos permitir que eles nos definam. Não podemos nos tornar reféns dos erros do passado, incapazes de olhar para frente. Yom Kipur não é o dia em que falamos para D’us que somos “inocentes”, e sim, em que admitimos nossa culpa. Mas é, também, o dia em que expressamos o desejo de melhorar. Assumir nossos erros já é parte integrante da obtenção do perdão. Há uma enorme diferença entre o que a pessoa é, e o que ela faz. Fazer algo errado não significa ser errado. Um mau comportamento, uma má atitude não pode definir quem a pessoa é. Isso, evidentemente, não significa que nossos atos não sejam importantes e significativos. Significa que eles não podem nos definir: talvez erramos ontem, talvez erramos hoje, mas amanhã podemos agir corretamente. O fato de uma pessoa errar não significa que ela não deva ser perdoada ou que não possa modificar-se. Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1812), o Alter Rebe, fundador do movimento Chabad Lubavitch, explica o significado de um verso nos Salmos que, aparentemente, não faz sentido. Está escrito que “D’us nos perdoa para que possamos temê-Lo”. À primeira vista, esse conceito parece ser ilógico: se alguém sabe que será perdoado, deveria ter menos medo de pecar. O Alter Rebe explica esse verso com uma metáfora. Suponhamos que alguém tomou um grande empréstimo no banco para investir em um negócio. Infelizmente, não teve sucesso. Se o gerente do banco for exigir a devolução do empréstimo, além do pagamento de todos os juros, ele fará com que a dívida se torne impagável. Mesmo se o devedor quisesse pagar a dívida, não conseguiria. Consequentemente, ele não fará qualquer tentativa para devolver o dinheiro que tomou emprestado. Contudo, se o gerente do banco estiver disposto a negociar, se oferecer um plano viável para o devedor pagar o que deve, haverá mais chance de o banco recuperar o empréstimo. Um fenômeno parecido ocorre no relacionamento entre o homem e D’us. Se D’us fosse excessivamente exigente, se Ele cobrasse todo pecado cometido, romperíamos a relação com Ele: passaríamos a fugir Dele, a ignorá-Lo. O Eterno, então, propõe um acordo. Ele nos perdoa e facilita o pagamento de nossa dívida com Ele, para que seja possível manter o relacionamento. Muitas pessoas acreditam que perdoar é um sinal de fraqueza. Na realidade, é exatamente o oposto. A falta de perdão é sinal de fraqueza e insegurança enquanto perdoar é um ato de coragem, de força. Perdoar não significa dar permissão para que a pessoa volte a cometer o mesmo erro. Significa ter fé que a pessoa que errou não voltará a errar no futuro. Perdoar alguém significa acreditar nela. D’us nos perdoa porque Ele acredita em nós: Ele confia que nosso futuro será melhor que nosso passado. Em muitos casos, não conseguimos compreender por que alguém deveria merecer ser perdoado: por que deveria ter uma segunda ou até uma terceira chance. Daí ocorre que D’us nos faz passar por algo parecido, nós, também, acabamos falhando, e clamamos por perdão, algo que não queríamos dar a outra pessoa. Muitas pessoas não querem perdoar os outros, mas a pergunta que se deve fazer a elas é: se fosse você que tivesse errado, você também gostaria de não ser perdoado? Nossos Livros Sagrados nos ensinam que D’us se comporta conosco da forma como nos comportamos com as outras pessoas. Se formos tolerantes com outros, Ele será tolerante conosco. Por outro lado, se formos excessivamente rigorosos com as outras pessoas, Ele será excessivamente rigoroso conosco. O Baal Shem Tov (1698-1760), fundador do Movimento Chassídico, ensinou que depois que a pessoa deixa este mundo, é ela própria que decreta seu próprio veredicto perante a Corte Celestial. Mostram a ela os atos de uma pessoa, sem revelar que se trata dela mesmo, e se lhe pergunta: Qual deve ser o veredicto?. Após a pessoa julgar o caso, é revelado a ela que se trata dela própria. Isso significa que as pessoas que estão acostumadas a julgar os outros favoravelmente acabarão julgando-se favoravelmente perante a Corte Celestial. Por outro lado, aqueles que são demasiadamente rigorosos com os outros, arriscam-se a se autocondenar. Quando alguém é rigoroso demais, esse rigor acaba se voltando contra si próprio. O que impede o ato de perdoar ou de pedir perdão? Orgulho, arrogância e medo. E esses sentimentos estão entrelaçados. Muitas pessoas não pedem perdão às outras por motivo de orgulho: Por que eu deveria pedir perdão a tal pessoa? Afinal, sou muito mais importante, mais experiente, mais inteligente, mais bem-sucedido do que ela (...). O outro motivo é o medo da resposta. Muitos temem não serem atendidos e que isso seja motivo de vergonha, ou seja, de orgulho ferido. Em Yom Kipur, pedimos perdão a D´us, mas, também, precisamos perdoar D’us. Conta-se a seguinte história sobre um grande mestre chassídico, o Rabi Elimelech de Lijensk (1717-1787). Na noite que antecede Yom Kipur, ele enviou um de seus alunos a certo botequim, para que este aprendesse o significado do perdão duplo. Ao chegar ao botequim, o aluno nota que o dono pede à sua esposa uma caderneta. Ela leva uma caderneta para o marido onde ele havia recordado, ao longo do ano, tudo que D’us fizera de errado com ele: todos os sofrimentos que ele tinha passado durante o ano. Após terminar de ler essa caderneta, ele pede à sua esposa uma outra caderneta onde ele havia escrito todos os pecados que ele fizera contra D’us, ao longo do ano. Após ler essa caderneta, o dono do botequim se dirige a D’us, diz: Le Chaim e toma uma dose de bebida. Aí, diz: D’us, você me perdoa por tudo que eu fiz de errado com o Senhor ao longo do ano e eu O perdoo por tudo de mal que o Senhor fez comigo ao longo do ano. Essa história pode fazer as pessoas sorrirem, mas é algo sério. Cada um de nós falha contra D’us ao longo da vida, mas todos nós temos, também, nossas chateações e ressentimentos em relação a Ele. Às vezes, brigamos com D’us, mesmo quando certas coisas acontecem em nossa vida que não têm nenhuma ligação com Ele. Por exemplo, brigamos com alguém na sinagoga, e deixamos de frequentá-la, ou algo não ocorre como esperávamos e deixamos de colocar Tefilin (caixinhas de couro). Em certos casos, porém, é justificado o sentimento de que D’us nos desapontou. Muitos de nós carregamos esse tipo de sentimento, principalmente, quando coisas difíceis acontecem ao longo do ano. Infelizmente, esse tipo de sentimento negativo acaba tomando conta de nosso coração. Yom Kipur é o período do ano em que devemos livrar-nos desse tipo de sentimento. Yom Kipur, e os dias que antecedem essa data, é a época do ano para abrir um espaço para D’us em nossa vida, mesmo se acharmos que Ele “não merece”: mesmo se acreditamos que Ele não foi tão bom conosco no ano que se passou. Muitas pessoas pensam, Fiz tantas coisas boas e como é possível que D’us permitiu que tal coisa ruim acontecesse comigo? Na realidade, nenhum de nós tem noção da Contabilidade Celestial e do que é, de fato, bom ou ruim para nós. De qualquer forma, vale ressaltar que mesmo esse tipo de ressentimento contra D’us é uma grande mostra de fé. Pois nós não nos zangamos com alguém em quem não acreditamos, tampouco nos chateamos com alguém de quem não esperamos nada de bom. As pessoas se chateiam com D’us porque acreditam Nele e esperam que Ele faça apenas o bem. Portanto, decepcionar-se com D’us é um sinal de grande fé, tanto na existência como na bondade infinita Dele. Mas apesar desses sentimentos serem um sinal de fé, precisamos removê-los do nosso coração, pois eles obstruem nosso caminho e nossa felicidade. Sentimentos de dor, raiva e ressentimento, mesmo que totalmente justificáveis, são um grande obstáculo para tudo de bom na vida. Sentir raiva é o mesmo que tomar um copo de veneno e desejar que outra pessoa morra. Quem se prejudica é quem sente raiva, não o objeto da raiva. Como então, lidar com a dor, principalmente quando ela é profunda? A forma de lidar com a dor é tentar enxergar as coisas de forma diferente. Yom Kipur é o dia de lembranças. Nesse dia, lembramo-nos de Amalek (o arqui inimigo histórico do Povo Judeu), do mal, do Holocausto, das perseguições, dos 10 mártires que foram assassinados por Roma. Em Yom Kipur, lembramo-nos de nossos entes queridos que não mais estão entre nós. Quando nos lembramos desses entes queridos, podemos lembrar a dor causada pela perda e pela ausência ou podemos nos lembrar dos momentos alegres com eles. Quando se recita o Hashkabah  ou Yizkor em Yom Kipur lembramos as almas que partiram deste mundo, devemos nos lembrar dos momentos preciosos que passamos com elas e do privilégio de as termos tido entre nós. O Midrash (é uma maneira de interpretar histórias bíblicas que vai além de simples destilação de ensinamento religioso, legal ou moral. Ele preenche muitas lacunas deixadas na narrativa bíblica sobre eventos e personalidades que são apenas insinuados) nos ensina o seguinte: Quando Moshé Rabenu ensinou ao Povo de Israel o verso da Torá, Lembre-se o que Amalek fez quando você saiu do Egito, o povo disse a ele: Moshé, nosso mestre. Um verso da Torá afirma, Lembre-se o que Amalek fez para ti. Outro verso diz: Lembre-se do dia do Shabat para santificá-lo. Como se cumprem ambos os versos? Um nos ordena lembrar e o outro, também. Moshé respondeu: Um copo de vinho não é o mesmo que um copo de vinagre, mas esse é um copo e aquele também é um copo. Existe a lembrança do Shabat e a lembrança de Amalek. Esse Midrash contém lições profundas. O vinagre é um derivado do vinho, mas este é doce e aquele é azedo. Ambos, o vinho e o vinagre, advêm da uva e ambos são bebidos em um copo. Na vida, temos a opção de beber um copo de vinho ou de vinagre. Tudo depende de como enxergamos as coisas, como lidamos com as lembranças. Isso é uma lição muito importante para esta e para as futuras gerações de judeus. Evidentemente, elas precisam aprender sobre a dor que nosso povo passou, as perseguições, o Holocausto. Mas também precisam aprender que o judaísmo é um copo de vinho e não de vinagre. Quando o pai traz o filho à sinagoga, deve ser não apenas em Yom Kipur, mas em Simchat Torá também, para que o filho aprenda que o judaísmo não se restringe a orações e jejuns, mas é também, um modo de vida baseado na alegria. De fato, um dos fundamentos da Torá é o mandamento de servir a D´us com alegria. Mas para poder viver com alegria, precisamos aprender a perdoar. Precisamos perdoar a D’us, as outras pessoas e a nós mesmos. Uma história verídica. Cabe relatar uma história verídica, que expressa as ideias transmitidas acima. Em certa ocasião, um judeu religioso, um rabino, estava viajando pela British Airways para Nova York. Ao lado dele, estava sentado um homem que, após o avião decolar, vira-se para ele e diz: Shalom, e revela, também, ser judeu. Ambos passam a conversar e descobrem que ambos estão a caminho de Israel. O rabino, que estava viajando para passar Rosh Hoshaná e Yom Kipur em Israel, começa a falar de religião, mas o judeu sentado ao lado dele diz: Não me fale de D’us. Tenho raiva Dele. Não posso perdoá-Lo pelo que Ele me fez. Este homem, que tinha 70 anos de idade, havia passado pelo Holocausto. Ele teve um filho, mas tinha sido separado dele durante a guerra e presumia que havia morrido. Disse ao rabino que nunca perdoaria D’us por lhe ter tirado seu filho. O rabino pergunta: Por que então você vai a Israel? E o homem responde. Não quero saber de D’us, mas o Povo Dele é ótimo. Não existe lugar no mundo como Israel. O rabino tenta convencer o homem a ir à sinagoga, em Israel, durante as Grandes Festas, diz que a sinagoga que frequenta em Israel é pequena, mas possui um ótimo chazan (cantor litúrgico treinado para recitar as orações e benção com a congregação). O homem se recusa. Dias mais tarde, o rabino está em Israel. É Yom Kipur. Após a leitura da Torá, ele sai da sinagoga, durante o curto intervalo em que é recitado o Yizkor. Ele vai a uma pracinha e nota que há alguém fumando: é o seu amigo da viagem. Ele se aproxima dele e tenta convidá-lo à sinagoga. Venha rezar um pouco, diz o rabino. Mas o homem se recusa. O rabino diz o seguinte: Pelo menos entre para recitar o Yizkor pelo seu filho. Sim, você brigou com D’us, mas por que seu filho deveria sofrer por isso? Todos serão lembrados no Yizkor, seu filho deveria ser um deles. O homem responde que por seu filho faria tudo, inclusive ir à sinagoga para o Yizkor. Era uma sinagoga pequena. E por ser pequena, havia o costume de que quem quisesse, podia ir ao chazan, dar o nome do falecido e o próprio chazan recitava o nome da pessoa cuja memória seria lembrada. Ao entrar na sinagoga, esse senhor se aproxima do chazan que lhe pergunta o nome do filho. Quando o chazan ouve o nome, ele olha para esse senhor, fica pálido e grita em iídiche: Pai! Durante muitos anos, esse senhor pensou que seu filho havia morrido no Holocausto. Na realidade, seu filho havia sobrevivido, imigrara para Israel e se tornara um judeu religioso. Ele manteve as tradições que aprendeu com o pai, a mesma pessoa que desde a guerra não queria mais se relacionar com D’us. Se o pai nunca tivesse entrado em uma sinagoga em Yom Kipur, se não tivesse dado essa brecha para D’us, ele passaria o restante da vida acreditando que seu filho havia morrido. No momento em que ele deu uma chance a D´us e entrou na sinagoga em Yom Kipur, mesmo que fosse apenas para recitar Yizkor pelo seu filho, ele reencontrou aquilo na vida de mais caro, que ele acreditava ter perdido. Essa história, além de verídica, serve também como metáfora. O pai da história é D’us e todos nós somos Seus filhos. Yom Kipur é o dia em que nos reencontramos; em que Ele e nós descobrimos que Ele não nos perdeu. Yom Kipur é o dia em que vamos à sinagoga para dizer a D’us que ainda estamos juntos e que assim continuaremos, eternamente. Mas como na história relatada acima, esse nível de ligação e conexão com D´us só é alcançado quando retiramos de nós sentimentos negativos contra Ele, contra outras pessoas e contra nós mesmos. Yom Kipur é o dia mais sagrado do ano. É o momento em que se revela a essência de nossa alma. Nesse dia, revela-se o nível de conexão essencial que existe entre nós e D’us. Nesse dia do Perdão não interessa o que fizemos, e sim, o que somos. Ao tomarmos consciência de quem somos, torna-se possível expressar a essência do nosso ser. Por que as pessoas que não vão à sinagoga o ano inteiro fazem questão de ir em Yom Kipur? Há judeus que praticamente não cumprem nenhuma mitzvá, mas jejuam em Yom Kipur. A única explicação é que em Yom Kipur, o dia mais importante do ano, revelamos quem, na verdade, somos. Nesse dia, é revelado que nossa conexão com D’us é atemporal e independente de nossas ações. Em Yom Kipur, nós nos sentimos conectados com D’us, com a comunidade judaica e também com as almas dos falecidos. É na sinagoga que recitamos o Yizkor e nos lembramos dos falecidos, porque no Mundo da Verdade, as almas desejam ser lembradas em um lugar sagrado, na sinagoga. Yom Kipur é, portanto, um dia de amor: amor a D’us e amor às outras pessoas, as que se encontram conosco e as que estão no Mundo da Verdade. Sabe-se que quando um pai deseja fazer uma festa de aniversário, ele quer que todos os seus filhos estejam presentes, independentemente de onde vivam. Se todos os filhos não puderem comparecer, o pai prefere que não haja festa. Yom Kipur é o dia em que nosso Pai deseja que todos os Seus filhos venham à sinagoga. É por esse motivo que antes de se iniciarem as orações em Yom Kipur, o chazan recita uma frase, Anu Matirim, afirmando que todos, mesmo aqueles que cometeram grandes pecados e renunciaram ao judaísmo, podem rezar juntos na sinagoga naquele dia. Pois nesse momento, o Pai convoca todos os Seus filhos. Ele não quer apenas alguns deles, os que se comportaram bem. Ele quer todos eles. Em Yom Kipur, recita-se o Avinu Malkenu, Nosso Pai, nosso Rei. O Baal Shem Tov transmitiu um ensinamento a respeito dessa prece, que nos ajuda a ter uma percepção bastante diferente a respeito do Yom Kipur. De fato, é um dia em que somos julgados. Por que, então, é um dia de tanta alegria, felicidade e união? Porque o Juiz é o nosso Pai. Diz-se que nunca se sabe o que pode sair da cabeça de um juiz, mas se o Juiz é o próprio Pai, podemos ficar tranquilos. D’us é nosso Rei, que nos julga, mas antes de ser Rei, Ele é Pai. Por esse motivo, falamos Avinu Malkenu, não Malkenu Avinu. E um pai é sempre misericordioso e bondoso com seus filhos. Yom Kipur é o Dia da Expiação, o Dia do Perdão. Pedimos perdão a D’us e perdoamos aos outros, mas só podemos perdoar a D’us quando sabemos que Ele é nosso Pai, pois quando é nosso Pai quem fala, ouvimos apenas bênçãos. http://morasha.com.br. Abraço. Davi.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Verdade Está Além da Realidade.



Refletiremos sobre a escritura de João 14:1-12 "Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu não teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho. Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim. Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e já desde agora o conheceis, e o tendes visto. Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai em mim; crede-me, ao menos, por causa das mesmas obras. Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas, porque eu vou para meu Pai". Dois aspectos para compreendermos a humanidade e divindade de Jesus Cristo é o que os estudiosos da ciência esotérica costumam chamar de o Cristo mítico e o Cristo histórico. Há consenso na literatura universal e tradição religiosa de todas as espiritualidades de que Jesus o filho de Deus, como homem, nasceu provavelmente no início de nossa era, até a primeira metade do século I. A data de seu nascimento é controversa, mas as alusões referentes ao culto do deus sol, praticado na Roma antiga, advindo da mitologia do deus egípcio hórus, que era realizada no equinócio de verão no hemisfério sul, pode trazer a data de sua natividade para 21 de junho a 23 de setembro. Assim o 25 de dezembro em todas as pesquisas científicas não tem embasamento confiável. Foi uma data convencionada pela igreja, a partir do ano 353, quando era papa Damaso I (305-384), sendo apoderada pelo capitalismo como motivo de consumo e entretenimento, muito mais, que um momento de comunhão, reflexão e meditação sobre o nascimento do salvador do mundo. Inclusive o historiador judeu Flávio Josefo (37-100) atestando a veracidade da vida do Cristo não sabe precisar quando ele veio ao mundo. Sua infância foi normal como de qualquer criança. Entretanto em sua adolescência um fator marcou sua excepcionalidade aos doze anos, pois quando seus pais visitavam o templo em Jerusalém, na festa anual da páscoa, ele acabou se perdendo de seu genitores. E dias depois foi encontrado entre os doutores da lei judaica, os fariseus, saduceus e escribas discutindo com eles a respeito dos preceitos mosaicos. É sabido que o Jesus histórico era um iniciado nos mistérios dos Essênios, uma seita judaica asceta e austera que abstinha-se inclusive do casamento, procurando um viver de pureza física e mental. Praticavam também a meditação e invocação as divindades estabelecidas pela comunidade. Imagina-se que pela experiência com esse movimento, Jesus, adquirirá conhecimento sobre magia, teurgia, poderes ocultos da natureza e uso da consciência evolutivo pela telepatia, telecinesia e taumaturgia (milagres). Também o conhecimento da cultura, espiritualidade e mistérios do judaísmo especificamente contidos na Cabala. Com essas características sobre-humanas. O Mestre Jesus, desenvolveu seu ministério apostólico de amor ao próximo, acolhimento dos oprimidos, conforto aos desesperançados, alívio aos doentes e certeza de vida eterna sem dor, sofrimento ou morte. O Cristo Mítico envolve seu aspecto divino quando se percebe elementos não humanos em sua constituição espiritual. Nesse panorama ele, em muitas aparições, mostrava-se num corpo sutil e plasmado. Particularmente, para uma explicação mais razoável, traçamos uma linha imaginária, procurando comparações da vida do Cristo com outras divindade de espiritualidade divergentes do cristianismo. O estudo das mitologias e religiões comparadas, ajuda-nos a desvendar inúmeras situações ocorrida com o Cristo, vistas anteriormente em importantes divindades de outras tradições com semelhanças impressionantes. A pessoa de Krishna que viveu aproximadamente 3.000 AC, se encaixa nesse suposto modelo que estamos imaginando. Assim como o Cristo foi perseguido em seu nascimento por um rei, Herodes, e um grupo de magos guiados por uma estrela encontraram o menino Deus em uma manjedoura. Krishna quando criança, foi também perseguido por um rei que, tentando encontrá-lo ordenou que as crianças, recém nascidas da cidade fossem mortas. Como no caso específico de Cristo, Krishna era visto desde seu nascimento como ameaça ao destronamento do soberano. Krishna foi concebido de uma virgem que não havia tido contato com nenhum homem conforme a tradição hindu. Sendo seu nascimento referendado por uma estrela. Um detalhe importante essa virgem, sua mãe, faz parte do arcabouço da tradição de divindades veneradas pelo povo hindu. Igualmente a Santíssima Virgem e Imaculada Maria é adorada pelos cristãos católicos como a Mãe de Deus. Deusa de todos os anjos e seres espirituais. O Cristo teve uma concepção virginal, concebido por obra e graça do Espírito Santo. Krishna operava milagres e maravilhas, usando parábolas para falar as pessoas sobre amor e caridade; foi transfigurado diante dos discípulos e mortos flechado, encostado a uma árvore aos 30 anos. O Cristo foi atravessado por uma lança quando estava numa cruz de madeira. Na mitologia hindu Krishna ressuscitou dos mortos ascendendo aos céus. Esses eventos aconteceram com Cristo, mostrando que as religiões se interpenetram e suas mitologias estão entrelaçadas num inconsciente coletivo arquetípico, que desde o surgimento do homem na terra, forma todas as tradições espirituais universais. Desse modo através das divindades antigas, podemos aprender lições para nossa busca espiritual, comparando a vida dos mitos e encarnações de seres divinos com a realidade de caminhar nessa mesma direção em nossa encarnação atual e nas reencarnações futuras. Lembrando que assim como o Cristo representa a segunda pessoa da Trindade Divina, sendo a encarnação do Logos Eterno, o Pai; Krishna é também a encarnação de Vishnu, o Deus Conservador e Harmonizador na Trimurti Hindu. Esse texto de João 14, que estão abordando,  não tem margem à uma interpretação literal, a essência do argumento foge aos sentidos e percepção do observador, que precisará intuir os conceitos apresentados para uma compreensão razoável. As muitas moradas da casa do Pai, evidentemente, não são no sentido denotativo real. Como pensar que Deus estaria construindo no céu casas, mansões, apartamentos e alojamento para seus servos, conforme a fidelidade e desprendimento de cada um em servir a Ele? Essas muitas moradas é explicado na narrativa como sendo o próprio Pai, Deus. Um dia no tempo, eternidade, saímos da casa do Pai, mas todos os seres humanos sem exceção, retornarão à mesma casa do Pai na eternidade futura. Se é que podemos mensurar o mistério da eternidade no tempo. A figura do filho pródigo em Lucas 15, incluindo seu irmão que ficou na casa, é um exemplo dessa trajetória que percorreremos à evoluir através de erros, pecados, obstáculos e vicissitudes enfrentadas em nosso cotidiano. A disciplina cármica é corretiva e pedagógica, nos aperfeiçoando nos vícios à que não caíamos novamente neles. Quanto as virtudes, tentações e provações que suportamos hoje, retificam as situações que somos reprovados em nossa encarnação presente, que está ligada a passada.  Como o Pai nos ama incondicionalmente, estará sempre de braços abertos à receber-nos novamente. O Mestre em sua sabedoria, conhecia a profundidade do coração de seus discípulos, por isso incitou-os a ponderar sobre o caminho, verdade e vida. Apesar deles estarem envolvidos no ministério do Cristo, ainda não conheciam seu propósito último. A verdade é o objetivo daqueles que se aproximam de Deus com coração puro e mente sensível a divindade. Onde há mentira não existe verdade. A verdade tem como esfera mística o amor, que é sua outra face; a praticidade da teoria colocada em atividade ao benefício do próximo. O conceito de verdade apenas como conhecimento imóvel fica vazio sem um direcionamento à convivência relacional. Entendo que quando Jesus diz ser a verdade, ele está mostrando aos discípulos que todos nós, temos a oportunidade de tomar posse da verdade praticando o voluntariado, fraternidade e virtuosidade. A mentira é o oposto da verdade, como é explicado pelo Mestre aos fariseus hipócritas em João 8:44 "Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer aos desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira". Como verdade, imagino que o Mestre quis dizer, uma construção realizada por cada indivíduo em sua encarnação passada, presente e futura. A partir do princípio chrístico ou búdhico contido em todos os humanos chegaremos a essa verdade, mais cedo ou mais tarde. Claro que para assimilarmos a totalidade da verdade passaremos por inúmeras vidas, mas cada encarnação é uma oportunidade de vivermos a verdade de maneira intensa e mútua com o nosso próximo. Jesus respondeu a Felipe, quando este perguntou mostra-nos o pai e isso nos basta? Dizendo: Quem me vê a mim vê o Pai. Aqui é manifestado a identificação em substância do Cristo, correspondente ao Messias no hebraico, como o encarnado foi de Deus Pai. Ele era humano, mas divinizou-se pela natureza espiritual, sendo Deus e homem simultaneamente. Aquilo que o budismo chama de estado iluminado ou desperto. Esse texto em epígrafe na introdução, é anterior a Mateus 17 referente a sua transfiguração, iluminação, nirvana ou samadhy do Cristo. Ele como o Messias, enviado de Deus, em seu corpo etéreo era atemporal, entrando no tempo ao encarnar no ventre da Virgem Santíssima e Imaculada Maria. Esse fato é provado num diálogo que o Mestre teve com os judeus descrito em João 8:56-59 "Abraão, o vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o e alegrou-se. Disseram-lhe pois os judeus. Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão? Disse-lhes Jesus: em verdade, em verdade vos digo; que antes que Abraão existisse Eu Sou. Então pegaram em pedras para lhe atirarem, mas Jesus ocultou-se e saiu do templo, passando pelo meio deles, e assim se retirou". O Eu Sou é uma referência ao inpronunciável nome de D'us manifestado nas quatro consoantes YHWH, que os místicos cabalista consideram a totalidade da substância divina. Jesus era a encarnação do EU SOU, vivendo num tempo anterior a Abraão. Segundo o esoterismo cristão o Melquisedeque que aparece no texto de Gênesis 14:18, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo que trouxe pão e vinho a Abrão, abençoando-o após vencedor de uma batalha; este é o Cristo filho de Deus. Plotino (204-270) num de seus aforismo fala "Os olhos não veriam o sol, se não fossem parecidos com o sol. A alma não verá a beleza se ela não for bela". Podemos inferir um paralelo nessa máxima com o entendimento de verdade que estamos elaborando. Só temos condições de enxergar, compreender a verdade daquilo que corresponde a nossa experiência espiritual; ela deve conformar-se com nosso modelo de vida transcendente. Nesse conceito, percebemos que a verdade deve evoluir em nosso ser de dentro para fora. O contrário, de fora para o interior, não representará a verdade além da realidade, pois a realidade nem sempre é a verdade, mas a verdade sempre é a realidade individual e pessoal que você desfruta na sua consciência presente e no seu inconsciente passado. Nossos sentidos, percepções e emoções não são confiáveis à compreendermos a verdade como realidade. Um exemplo simples foi mostrado por Issac Newton (1643-1727) quando fez uma experiência em que girava um disco com as cores do arco-íris em alta velocidade. A impressão, ilusão, que se tem quando o disco é visualizado é que ele tem apenas a cor branca, mas na realidade ele tem sete cores. O mesmo princípio se aplica a verdade, como o Mestre nos mostrou em João 14; nem sempre o que vemos ou sentimos corresponde a realidade como verdade. Em nossa experiência interior e mística (êxtase) poderemos acessar fragmentos dessa verdade, pois ela é um feixe de luz dentro de nosso inconsciente universal. Abraço, Davi. 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Se Eu Quiser Falar com Deus.



Se Eu Quiser Falar com Deus.
Compositor brasileiro Gilberto Gil (1942-  )
Ano 1980

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós

Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão

Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar

Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar

Abraço. Davi.