segunda-feira, 30 de maio de 2022

REVISITANDO O JARDIM DO ÉDEN

 

Judaísmo. www.morasha.com.br. REVISITANDO O JARDIM DO ÉDEN. “E plantou o Eterno, D’us um jardim no Éden, no Oriente, e lá colocou o homem que criou. E, fez brotar da Terra, o Eterno, D’us, toda árvore cobiçável aos olhos e apetitosa ao paladar, e nesse jardim estava a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”. Gênesis 2: 8-9. A história do Jardim do Éden – Adão e Eva e a serpente, e da partilha do fruto proibido é universal em seu escopo. Apesar de ser uma história da Toráh, não é dirigida exclusivamente ao Povo Judeu. Envolveu pai e mãe de toda a humanidade, pertencendo, portanto, a todos os seres humanos de todas as gerações. De fato, o ocorrido no Jardim do Éden, não constituiu um evento singular em um passado longínquo; constitui uma história recorrente na vida de qualquer homem e qualquer mulher. A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O pecado de Adão e Eva é por demais conhecido. Enquanto viviam no Jardim do Éden, tinham permissão para comer de todas as árvores, exceto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. D'us previne Adão que a consequência de se violar a proibição seria a morte. Mas, a despeito do severo alerta, Eva se deixa seduzir pela serpente e partilha do fruto proibido, o qual, mais tarde, oferece ao marido e a todos os animais. Em decorrência disso, a morte é introduzida no mundo e Adão e Eva são banidos do Éden para sempre. O mais peculiar em todo o incidente é a natureza da proibição, em si. Por que razão haveria de ser proscrito o conhecimento e associado ao pecado e à morte? A superioridade do homem perante os demais reinos reside não apenas em sua capacidade espiritual, mas também na mental. Com efeito, essa mesma Toráh, que conta a história de Adão e Eva, exacerba o valor supremo do aprendizado e da busca pelo saber e pela verdade. Como diz o Talmud, quem possui conhecimento, tudo possui; quem não o possui, nada possui. Outro problema intrigante é o argumento usado pela serpente para convencer Eva a provar do fruto proibido. Era verdadeira a sua alegação de que "No dia em que do fruto comeres, teus olhos se abrirão e serás como D'us, que conhece o bem e o mal". Isto traz à tona a pergunta: por que razão D'us, que criou o homem à Sua imagem, não quis que desfrutasse de parte de Sua sabedoria? Ao tentar responder a tais perguntas, é preciso, primeiro, conhecer mais sobre a natureza do primeiro homem e da primeira mulher. Antes de incidir em pecado, a existência física do homem era pura santidade. Como nos ensina Rabi Shimon bar Yochai (século II), autor do Zohar, até o mais espiritual dos seres humanos na História não consegue se equiparar à estatura espiritual de Adão. Ele nasceu para ser imortal e para viver livre de preocupações, esforços e sofrimentos. Sua missão consistia em tornar o Éden mais perfeito e poderoso para que tal perfeição e força pudessem estender-se por todo o mundo. Adão nasceu sem maldade; mas isso não significa que o mal não existisse no mundo. De fato, o antagonista na história – a serpente – era a própria encarnação do Mal. Os livros místicos sugerem que a serpente, que também personificava a Árvore do Conhecimento, estava exasperada pela imunidade humana ao mal. Ressentia-se do fato de o homem viver livre dos conflitos e tormentos, e, por isso, tentou atraí-lo para um círculo vicioso de luta e sofrimento. Várias outras são as explicações para o que teria levado a serpente a tentar Eva, mas esta, em especial, alinha-se com os ensinamentos cabalísticos de que o mal sente uma irresistível atração pela bondade. Parasita por excelência, o mal se alimenta de santidade e é a bondade o que lhe dá sustento e significado. Exemplificado de forma simplista: o homem malvado apenas ascende ao status de "super vilão" quando se lança em guerra contra um "super-herói"; caso contrário, não passa de um simples malfeitor. De modo similar, o Mau Instinto não demonstra grande interesse nos indivíduos que com ele naturalmente se alinham. Ao invés disso, não mede esforços tentando atrair os bons e puros. Isto explica o ensinamento talmúdico de que "quanto maior o homem, maior seu instinto maligno". É por isso que Adão e Eva foram presa fácil da tentação: o Mau Instinto sobre eles lançou potentes forças hostis que os levaram a pecar. Uma das lições óbvias do episódio da Árvore do Conhecimento é que o homem tem atração pelo que lhe é proibido. A Torá reconhece que (…). "As águas roubadas são doces (…)" (Provérbios, 9: 17) - ou seja, é do gênero humano cobiçar o proibido. O fruto proibido se tornou uma metáfora, um símbolo da atração e do fascínio pelo pecado. Desde o Jardim do Éden, isto tem sido uma realidade na vida de praticamente todos os seres humanos. Para alguns, pode tratar-se de algo tão mundano quanto o alimento que não deve ser ingerido; para outros, pode ser uma tentação mais destrutiva, como um relacionamento proibido. Mas, qualquer tentação empalidece face ao que a serpente, falando em nome da Árvore do Conhecimento, ofereceu a Adão e Eva. O partilhar do fruto proibido significava a realização do maior desejo dos homens: a capacidade de se parecer a D'us – controlar o próprio destino e exercer poder sobre o mundo. Sem dúvida, a perspectiva mais atraente que pode ser oferecida a um ser humano: a possibilidade de "cruzar a barreira", de ir além e se tornar divino. Desde os dias de Adão, o homem tem tentado fazê-lo. Atrai-o a magia, o conhecimento esotérico, o misticismo, tudo na esperança de se sobrepor às dimensões do humano. À semelhança de outros vilões da história, a serpente foi fiel à sua palavra. Entregou o que prometera. Assim que Eva e Adão comeram do fruto da Árvore do Conhecimento, passaram a possuir algo que era reservado a D'us, algo com que nem mesmo os anjos mais elevados contavam - o livre arbítrio. Por ter provado do fruto do bem e do mal, descobriram dentro de si novas aptidões, tornando-se fatores mais dinâmicos no Universo. Como D'us, ganharam o poder de querer, criar e destruir. A serpente demonstrou astúcia extraordinária, pois contou a verdade a Eva – mas não a contou por inteiro. Após daquele fruto comer, o homem efetivamente passou a conhecer o bem e o mal; mas, ao contrário do Criador e dos seres espirituais, ele interiorizou tal conhecimento. Os animais não são dotados de livre arbítrio, nem os anjos, que são meros mensageiros divinos, e, portanto, impenetráveis ao mal. O homem, vulnerável a qualquer influência, não tem o dom de conhecer o maligno e permanecer imune ao mesmo. Uma vez tendo provado do fruto proibido, pode continuar sendo boa pessoa, mas jamais recuperará a inocência perdida. Não há riqueza nem sabedoria, por maior que seja, que possa restaurá-la. Em vista do que acabamos de discutir, podemos tratar do motivo para que o fruto da Árvore do Conhecimento fosse proscrito. Como se pode prever, as respostas são várias. Uma destas diz que o homem não foi criado para saber tudo. De fato, quantas pessoas excelentes e talentosas caíram vítima da confusão intelectual e espiritual, do vício e do comportamento destrutivo, simplesmente por buscarem conhecer e experimentar tudo o que a vida lhes tinha a oferecer? Adão foi proibido de comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal porque o homem não tem condições de se manter totalmente alheio e imune àquilo com o que tem contato. D'us sabia que se o homem viesse a conhecer a maldade os resultados seriam desastrosos, pois ele ficaria atraído pelo mal. E foi exatamente o que ocorreu. Após sentir o gosto do fruto proibido, bem e mal se fundiram no interior de Adão e Eva. Na língua hebraica, a palavra lada'at – “conhecer, saber” - contém um elemento emocional. O versículo que aparece no mesmo capítulo do relato sobre a Árvore do Conhecimento – e que conta que "Adão conheceu Eva, sua mulher” – não contém um eufemismo, como se pensa. Pelo contrário. Conta-nos que um relacionamento físico entre duas pessoas nunca é completamente desvinculado de um elemento emotivo relacional. Assim o ensinou Rashi, clássico comentarista da Toráh: "Conhecer alguém é amá-lo". E como o amor é um vínculo mais profundo do que qualquer ato da mente ou do intelecto, conhecer algo significa estabelecer uma conexão com este algo. O homem foi criado para jamais conhecer o mal, assim como há situações às quais nenhuma criança jamais deveria ser exposta. Mas desde o pecado de Adão e Eva, a maldade se tornou parte intrínseca de seus descendentes. Sequer importa o que se pensa sobre isto – se o indivíduo desfruta do mal ou se este a repulsa. O simples ato de conhecer implica em arcar com as consequências. D'us queria que o homem continuasse santificado, como fora criado, e que não caísse presa da tentação. Pois que a presença da maldade no homem, especialmente em pessoa boa e conscienciosa, é fonte de contínuo sofrimento. É difícil ser bom e, mais ainda, ser espiritual, pois, no decorrer da vida o ser humano frequentemente se encontra diante da escolha entre duas alternativas terríveis: a frustração de um desejo não realizado ou - infinitamente pior - o amargo gosto do pecado, a dizer, a culpa e a vergonha e o temor da retribuição, quer humana quer Divina. Desde que provou do fruto proibido, o homem se tornou uma mescla entre bem e mal, luz e escuridão. Explica o Tanya, obra clássica da Cabalá, que o mal se manifesta, no homem, de inúmeras formas: como desejo pelo proibido; como orgulho e raiva indevidos; como depressão e indisposição para fazer o certo; e, talvez o mais frequente, como frivolidade e desperdício – em outras palavras, o uso inadequado da capacidade, energia e tempo que D'us confiou a cada um de nós. Somente Tzadikim Gamurim – homens e mulheres perfeitamente justos, como Avraham, Moshê Rabenu e Rabi Shimon bar Yochai - são totalmente destituídos de maldade. Mas, infelizmente, tais seres são raríssimos e mesmo esses podem errar. Ademais, mesmo o Tzadik Gamur é forçado a viver em um mundo em que coexistem bem e mal, no qual este ser "justo e puro" se vê cercado de situações em que sempre há uma opção reprovável, não importa em que ambiente se encontre. Consta que Moshê perdeu a paciência em várias ocasiões. Sua fúria, sem dúvida, foi uma falha de comportamento; mas as situações a que foi submetido não lhe permitiram agir de outro modo. A expressão da raiva foi o único meio que encontrou para corrigir alguns dos problemas surgidos em meio ao povo judeu durante sua jornada de 40 anos a caminho da Terra Prometida. Um dos temas atemporais na história de Adão e Eva é o fato de que, desde o Jardim de Éden, todos nós, em maior ou menor grau, mantemos um relacionamento de amor e ódio com a serpente. Como está na Toráh, "Na porta jaz o pecado; e a ti fazer pecar é o desejo do Mau Instinto; mas tu podes dominá-lo" (Gênese, 4: 7). A serpente aparece de diferentes formas para diferentes pessoas. Muitos seres humanos, como o primeiro casal da Terra, sucumbem a seu encantamento. Outros conseguem dominá-la. Mas, à exceção dos Tzadikim Gamurim, os justos perfeitos, a humanidade é fascinada pela mesma. Isto explica a razão para a mídia e a indústria do entretenimento nos sufocarem de notícias e imagens, a cada dia mais violentas e impróprias: fazem-no porque atraem nosso interesse, mesmo que em sã consciência consideremos repulsivas as imagens em outras palavras, a serpente. Se o homem apenas fizesse o que Eva devia ter feito, a dizer, ignorar a "tentação", esta "serpente" perderia sua razão de existir e acabaria desaparecendo. Não nos referimos, aqui, ao mal que se manifesta de forma explícita no mundo e que deve ser combatido e vencido. Estamos falando da "serpente" que vive dentro de cada um de nós. Esta não pode ser vencida enquanto estivermos obcecados, nela pensando e falando. Esta se encolhe e morre somente depois que o homem transfere seu pensamento para outros assuntos, de preferência mais elevados, os quais, pela própria natureza, são diametralmente opostos aos argumentos e tentações lançados pelo Mau Instinto. Banidos do Jardim do Éden. Pouco após comer da fruta da Árvore do Conhecimento, Adão e Eva são expulsos do Jardim do Éden, pois D'us não permitiria que o homem "estendesse sua mão, retirasse algo da Árvore da Vida, o ingerisse e vivesse para sempre". O motivo de sua expulsão traz à tona outra pergunta: por que o homem não podia comer da Árvore da Vida e viver para sempre, eliminando a maldição imposta pelo pecado inicial? Porque a Árvore da Vida não poderia servir como antídoto. Apenas agravaria o problema, pois, uma vez incorporado o mal no ser humano, a Vida Eterna significaria que também o mal viveria para sempre. Há uma história no Zohar que elucida a ideia. Consta que Rabi Acha, de Kfar Tarsha, tentou expiar uma pestilência em uma aldeia queimando incenso. Disseram-lhe que aquilo era inútil, pois os habitantes do vilarejo não haviam expiado seus próprios pecados. Tivessem eles demonstrado arrependimento, a oferenda do incenso promoveria a expiação; caso contrário, apenas serviria de paliativo para desaparecerem os sintomas, mas jamais traria cura à peste. De forma similar, o fruto da Árvore da Vida poderia curar a morte - sintoma do pecado – mas não o pecado em si. Após o pecado de Adão e Eva, era preciso corrigir as consequências de seu ato. Os limites entre bem e mal tinham sido confundidos não só no homem, mas em todo o mundo. Daí ter D'us expulso o ser humano do Jardim de Éden para que fosse cultivar a terra. Para corrigir o dano que causara, o homem teria que refinar o mundo, extirpando o bem que havia no mal. Isto só é alcançado através do cumprimento dos Mandamentos Divinos, meio pelo qual Ele ensinou ao homem o que não fazer, de modo a não aumentar as forças do mal. E pelo qual também determinou quais as ações a realizar com a matéria física, de modo a que o bem que há no mundo pudesse ser espiritualmente elevado. Neste ponto, a identidade do fruto proibido adquire relevância. Com certeza, esse fruto não era a maçã. Entre nossos Sábios predominava a opinião de que se tratava de uvas, que Eva comeu e utilizou para fazer vinho, que então serviu ao companheiro. Como as uvas foram o elemento físico envolvido no pecado inicial, ajudamos a retificar espiritualmente sua utilização imprópria mediante a oração do Kidush, com vinho santificar o Shabat e as festas judaicas. E, assim fazendo, a mesmíssima fruta que foi consumida em pecado é usada em um ato de santificação para proclamar que D'us é o Criador do mundo e para santificar Seus dias sagrados. A isto se chama, na Cabalá, Tikun retificação espiritual. Esta retificação do mundo ocorre quando o homem santifica o mundo físico, utilizando seus elementos com propósito sagrado. Por exemplo, quando o couro é usado para fazer os Tefilin, realiza-se um ato de fissão espiritual: são liberadas as centelhas sagradas existentes na matéria física. Se isso ocorresse constantemente se o ser humano apenas fizesse o certo sem nunca errar a "serpente" definharia até a morte, por inanição. O pecado de Adão e Eva seria, então, retificado e suas consequências luta e sofrimento e morte - deixariam de ser parte integral da vida. O banimento do homem do Jardim do Éden acabou sendo mais uma consequência do que uma punição. Ele teria que trabalhar com afinco para reparar o dano causado a si próprio e ao mundo. E pode-se dizer que até mesmo a praga de que "com o suor de teu rosto comerás o teu pão" não veio isenta de alguma bênção em seu interior. Pois o trabalho é o que dá significado à vida do ser humano. E o que se consegue com muita facilidade, dificilmente é valorizado. A serpente, grande vilã e instigadora, foi punida com exatamente o oposto - uma praga terrível que mais parece uma bênção. Diferentemente do homem que precisa se empenhar para ganhar o seu sustento, a serpente é amaldiçoada por D'us a buscar na terra a sua sobrevivência. De relance, isto parece uma bênção: como o solo é tão abundante, o réptil jamais passará fome. Mas, no íntimo, este decreto é o próprio significado do inferno. A serpente pode ser comparada a um filho que cometeu uma maldade tão monstruosa que leva o pai a expulsá-lo de casa. E lhe diz: "Eu o criei e, portanto, não posso deixá-lo morrer de fome. Por isso, dou-lhe agora todo o dinheiro de que necessitará, na vida, para que nunca mais me procure - pois jamais quero tornar a vê-lo ou saber de seu paradeiro". Aqui jaz outra grande lição na história do Éden. Por vezes, D'us provê pessoas malvadas de tudo o que necessitam e desejam porque Ele não deseja contatos com esses indivíduos. Ao mesmo tempo, muita gente boa passa por dificuldades na vida exatamente pelo fato de D'us se preocupar em ouvir suas preces. Ele sente falta desses Seus filhos e quer ver melhorar o seu comportamento, ligando sua alma a Ele por meio da prece, do estudo da Sabedoria Divina e da realização de atos de caridade e bondade. A pergunta de D'us a Adão. Ao estudar a história do Jardim do Éden, não podemos esquecer um princípio básico no judaísmo: sob circunstância alguma acreditamos na existência de poderes independentes; nada, nem mesmo o Mal, consegue se opor a D'us. A serpente personificou o Mau Instinto, que é o próprio Anjo da Morte. E, por se tratar de um anjo – simples mensageiro de D'us – entranhado na carne de um animal, este não possuía livre arbítrio. O castigo da serpente simboliza a maldição que é lançada contra os malfeitores, especialmente aqueles que influenciam terceiros a fazer o mal. Já que a serpente, agindo em nome da Árvore do Conhecimento, apenas desempenhava sua tarefa, podemos especular - como ousaram fazer alguns comentaristas – que D'us teria feito propositalmente com que Adão e Eva deslizassem, caindo em pecado. Pois se D'us não desejasse que o homem comesse do fruto proibido, por que razão teria criado a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal? A resposta não pode ser o "livre arbítrio", porque vimos acima que antes do pecado original, o homem não fora agraciado com esse dom divino. E, assim, ao contrário do que sugerimos acima, talvez o homem não tenha nascido para viver livre do mal. Como ensinam os livros místicos, se D'us tivesse desejado que o homem fosse perfeito, que orasse e estudasse a Toráh todas as horas do dia, ele poderia ter criado milhões de anjos mais, que nada fazem além de O servir e louvar. Ao invés disso, criou um ser diferente dos anjos e dos animais - uma criatura que pode livremente escolher entre o bem e o mal. Não fosse o pecado original, isto jamais teria sido possível. Como explica o Tanya, D'us permitiu que existisse o mal porque sem este o homem viveria sem se esforçar. Se não houvesse batalhas, não haveria vitórias. A existência humana adquire significado na batalha entre o bem e o mal: a bondade ganha força quando luta e vence o Mau Instinto. Retornando a uma analogia acima utilizada, um vilão necessita de um super-herói para justificar sua existência. Mas o oposto também é verdadeiro: se não houver vilões, para que heróis? O homem é a jóia da coroa da Criação porque, contrariamente a todas as demais criaturas, ele pode vencer batalhas interiores, em sua alma, e optar por fazer o certo - a despeito de todas as tentações, interiores e exteriores, com que sempre se defronta. Uma história que reflete o que talvez seja a maior mensagem que D'us nos transmite através do relato sobre o Éden envolve o autor do Tanya, Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1813). Enquanto encarcerado em uma prisão russa - após a falsa acusação de atividades subversivas contra o Czar - ele foi submetido a intenso interrogatório. As autoridades carcerárias sabia tratar-se de um grande erudito e filósofo, daí terem-no engajado em horas a fio de discussões teológicas e filosóficas. Certa vez, o investigador chefe lhe perguntou: "Sua Toráh relata que após o pecado de Adão, comendo do fruto da Árvore do Conhecimento, D'us o confronta com a pergunta: 'Onde estás?' D'us obviamente sabe onde estão os homens!" O Rebe, Baal HaTanya (o mesmo Rabi Shneur Zalman), retrucou: "Você acredita que a Toráh é eterna e que suas lições se aplicam a todos os homens, em todas as épocas? Quando o russo respondeu que sim, o Rabi Shneur Zalman começou a explicar: 'Onde você está' é o chamado de D'us a todos os homens da Terra. Ele está perguntando: 'Em que ponto de sua jornada você se encontra?'. Cada um de nós recebeu tantos dias e tantos anos na Terra, e, portanto, é necessário nos perguntarmos, constantemente, o que conseguimos realizar nesses anos e quanto de bem contribuímos ao mundo". A pergunta de D'us a Adão, pai de toda a humanidade, ecoa na eternidade. Continua a ser constantemente feita a todo ser humano. Quando o homem ousa respondê-la - quando percebe que não veio ao mundo por acaso, mas foi enviado por D'us para aqui cumprir uma missão Divina, ele atinge um nível mais alto de conscientização e embarca em um caminho que o levará a uma existência mais significativa. Esta percepção do homem - de que D'us o chama e sente sua falta, de que espera que ele faça algo construtivo e belo de sua vida e de seu mundo - esta percepção é o início de uma jornada longa e árdua, às vezes dolorosa, mas que o conduzirá de volta ao Jardim do Éden. www.morasha.com.br. Abraço. Davi.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

O ESTABELECIMENTO DA JUSTIÇA: UM FUNDAMENTO DO ISLÃ

 

Islamismo. www.arresala.org.br. Por Armed Ismail. O ESTABELECIMENTO DA JUSTIÇA: UM FUNDAMENTO NO ISLÃ. A ordem divina do estabelecimento da justiça está presente na essência de todos os aspectos do Islam. Este propósito é frisado do começo ao fim do Alcorão em que a Religião é apresentada como um restabelecimento do equilíbrio ou harmonia original entre os Direitos Divinos (de adoração, obediência) e os direitos das criaturas. Por outro lado, a descrença, as transgressões ou pecados, são apresentados como “dzulumat” (injustiças). A própria razão da Profecia e missão dos Profetas e Mensageiros é declarada no Alcorão da seguinte maneira: “Enviamos os Nossos mensageiros com as evidências: e enviamos, com eles, o Livro e a balança, para que os humanos observem a justiça; e criamos o ferro, que encerra grande poder (para a guerra), além de outros benefícios para os humanos, para que Deus Se certifique de quem o auxilia intimamente, a Ele e aos Seus mensageiros; Sabei que Deus é Poderoso, Fortíssimo”. (57:25) A história dos Profetas possui um ponto em comum: em todas as épocas e em todos os povos a quem foram enviados seu desafio essencial foi predicar “a Justiça em seu amplo sentido”: o abandono da Idolatria (reconhecendo a Unicidade Divina), o arrependimento dos pecados com o abandono da corrupção e das muitas formas de opressão e injustiça. Em razão disso, a concepção islâmica de Religião não separa os vários aspectos da vida humana e da sociedade, destinando orientação a alguns aspectos e negligenciando outros. De fato, a religião tomou o sentido corrente no mundo moderno devido a um processo de secularização promovido por fatores alheios ao Plano Divino. O objetivo essencial das mensagens anteriores foi corrompido pelos interesses dos detentores de poder e influência nas sociedades que, ao separarem o Estado da Religião, conseguiram manter o predomínio da injustiça em suas muitas manifestações e ao mesmo tempo, reduziram a religião a um papel irrelevante e desprovido de efetivo poder de transformação social. Este fator de integridade teórica e prática do Islam à justiça fez com que no decorrer da história diversos movimentos sociais e de resistência se aproximassem e até mesmo aderissem a ele. Mesmo no mundo ocidental temos um exemplo desse fenômeno notável no movimento dos muçulmanos afro-americanos que tiveram importante papel na luta por direitos civis dos cidadãos negros dos Estados Unidos, sendo um significativo referencial na formação de uma nova mentalidade do homem negro naquela sociedade. Este fenômeno pode ser compreendido como um encontro das aspirações autênticas do homem com a Disposição Divina. Entretanto, a perspectiva de JUSTIÇA tal como é apresentada no Alcorão tem um caráter abrangente e complexo onde o restabelecimento da justiça trata-se de um plano global. Na verdade, o Islam não considera um verdadeiro restabelecimento da justiça nada que seja restrito a um determinado aspecto da vida humana, que não corresponda a um tahsin (melhoramento) voltado tanto para a esfera política, social, espiritual e individual. De modo diverso, os vários movimentos sociais e revolucionários que o homem engendrou no decorrer da história ainda que justos e necessários em suas reivindicações e propostas careciam desta visão global que apenas a Mensagem Divina possui. Na prática, por não possuírem esta perspectiva abrangente estes movimentos encontram invariavelmente a sua limitação e são assimilados pelas forças corruptoras dominantes e são descaracterizados até que se tornam mais um elemento na ordem estabelecida. No que diz respeito ao Islam, sua sólida base como Mensagem Divina possibilita que, apesar dos diferentes graus de aderência ou de secularização nas sociedades e nações islâmicas a sua perspectiva de ação permaneça viva e constante. A despeito de todos os fatores contrários, o Islam inspirou em pleno final do século XX uma revolução do porte e da importância da Revolução Iraniana que reafirmou brilhantemente os postulados dos primeiros tempos do Islam. Para que compreendamos a natureza deste apelo a justiça presente no Islam se faz necessário que atentemos para alguns princípios orientadores para os quais o Din conclama os seres humanos. 1. Allah, O Altíssimo, ordena aos crentes o estabelecimento da justiça integralmente e o faz de modo peremptório. Evidencia o Alcorão: “E que surja de vós uma nação que recomende o bem, dite a retidão e proíba o ilícito. Esta será (uma nação) bem-aventurada”. (3: 104) A ordem implícita no ayat acima é abrangente, dirige-se ao conjunto de muçulmanos e muçulmanas e evidentemente só pode ser efetivada se tomada no sentido individual. Ou seja, os muçulmanos individualmente são instados a pôr em prática os princípios do din e a recomendar o bem aos demais, empenhar-se na retidão (justiça) e opor-se ao mal (ilícito). Esta mesma ordem deve refletir-se na Ummah (comunidade muçulmana). Tal é a relevância deste mandamento divino que o Alcorão reitera que do conjunto dos seres humanos, somente os que se empenham sinceramente em seu cumprimento são os que se orientam pela senda da salvação. “Pela era, Que o homem está na perdição, Salvo os fiéis, que praticam o bem, aconselham-se na verdade e recomendam-se, uns aos outros, a paciência e a perseverança!” (103 : 1 a 3) As características apresentadas nos versículos acima correspondem ao conjunto das características ordenadas no ayat anterior, cabe inclusive destacar a perseverança como um componente absolutamente necessário neste propósito, visto que o bem e a justiça num mundo em que as regras e as ações humanas sejam opostas e tão devotadas a injustiça e ao mal somente com muita perseverança poderão se afirmar. Um notável exemplo desta realidade foi a vida e a missão do Profeta (S.A.A.S.) que para cumprir seu propósito teve que demonstrar uma férrea perseverança diante das agruras, injustiças, crueldades e tiranias dos que se opunham a Allah e a sua Mensagem. 2. Um princípio igualmente ressaltado é o estabelecimento da justiça com imparcialidade. Aos fiéis é ordenado que se oponham a suas paixões e adotem o critério divino na determinação do que seja justo e correto. O Alcorão apresenta esta ordem situando-a em atitudes e comportamentos muito comuns nos homens e mulheres de todas as épocas e de todos os povos e culturas. Diz Allah o Poderoso no Alcorão: “Ó fiéis, sede firmes em observardes a justiça, atuando de testemunhas, por amor a Deus, ainda que o testemunho seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja contra vós mesmos, contra os vossos pais ou contra os vossos parentes, seja o acusado rico ou pobre, porque a Deus incumbe protegê-los. Portanto, não sigais os vossos caprichos, para não serdes injustos; e se falseardes o vosso testemunho ou vos recusardes a prestá-lo, sabei que Deus está bem inteirado de tudo quanto fazeis”. (4 : 135) “Ó fiéis, sede perseverantes na causa de Deus e prestai testemunho, a bem da justiça; que o ódio aos demais não vos impulsione a serdes injustos para com eles. Sede justos, porque isso está mais próximo da piedade, e temei a Deus, porque Ele está bem inteirado de tudo quanto fazeis”. (5:8) Nestes ayát sagrados são mencionadas todas as típicas inclinações que conduzem o homem a prática da injustiça, desconsiderando os direitos alheios e apenas fazendo prevalecer os seus interesses egoístas ou os interesses do grupo a que pertence. Esse padrão vicioso de comportamento alastrou-se nas comunidades humanas dando origem a variadas formas de corrupção, incitando ódios e a maior parte das guerras e conflitos da história. Com tal intensidade tornou-se comum o desprezo ao que seja justo e correto em favor do que seja vantajoso e cômodo, que esta característica se incorporou no próprio espírito da grande maioria das sociedades humanas. Podemos detectar este traço de barbárie nas sociedades mais avançadas, em seus códigos de leis (sempre repletos de privilégios para uns em detrimento de outros), em seu espírito belicista e em seus sistemas políticos e econômicos. O Alcorão apresenta como a raiz do problema o indivíduo e suas inclinações egoístas, seu chauvinismo, sua hostilidade aos demais que o conduzem a corrupção pelo testemunho falso, pela omissão ao testemunho fiel, pelo suborno e pela opressão e a tirania. Apresenta também como única alternativa possível a isso, a adoção da justiça e da imparcialidade, o que é em outras palavras acatar o critério e a lei divina mesmo quando isso contrarie seus próprios interesses. Nas tradições fiéis consta que o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) tenha dito que: “O mais temente dos homens é aquele que diz a verdade quer ela o prejudique ou o beneficie”. 3. Um terceiro princípio orientador, que é ordenado aos muçulmanos para o estabelecimento da justiça é a integridade de propósito. Este princípio é evidenciado no seguinte ayat: “Quem interceder em favor de uma causa nobre participará dela; por outra, quem interceder em favor de um ignóbil princípio, igualmente participará dele; e Deus tem poder sobre tudo”. (4: 85) Assim sendo, é haram (proibido) apoiar o erro e a injustiça de outros conscientemente, desobedecendo a Allah e seu Profeta sob qualquer pretexto. Qualquer apoio ou participação em algo que se oponha ao din é manifesta cumplicidade com o mal. Ademais, aos fiéis é ordenado apoiar toda causa que promova o bem e o que seja justo. 4. Um quarto princípio orientador é o JIHAD FII SABÍLILLAHI (ESFORÇO PELA CAUSA DE ALLAH) que deve ser efetivado pelos muçulmanos sempre que se faça necessário. As circunstâncias principais que requerem o Jihad são: – A agressão de um indivíduo ou de um grupo aos muçulmanos e muçulmanas ameaçando seja suas vidas, seus bens ou seus direitos. – A agressão ou a perseguição ao Islam, seus sítios sagrados ou aos territórios islâmicos. – Quando forças corruptoras ponham em risco a integridade moral dos muçulmanos seja num estado islâmico ou onde eles sejam majoritários. – Quando um governante tirano ou corrupto se estabeleça no poder de um estado islâmico. Sob este princípio orientador o direito natural de defesa e de defesa do din e de seus valores é uma obrigação para os muçulmanos. 5. O quinto princípio orientador se reserva aos Imames (líderes dos muçulmanos) e àqueles que exerçam a posição de juiz. Se trata do estabelecimento da Shariah (lei divina) e a sua aplicação conscienciosa nas questões judiciais. Evidencia o Alcorão: “Revelamos a Tora, que encerra Orientação e Luz, com a qual os profetas, submetidos a Deus, julgam os judeus, bem como os rabinos e os doutos, aos quais estavam recomendadas a observância e a custódia do Livro de Deus. Não temais, pois, os homens, e temei a Mim, e não negocieis as Minhas leis a vil preço. Aqueles que ao julgarem, conforme o que Deus tem revelado, serão incrédulos”. (5: 44) Portanto é obrigatório para o governante dos muçulmanos pautar suas decisões em conformidade com o Alcorão, zelar para o fiel cumprimento da Lei divina e para manter o povo dentro dos limites por ela firmados. Se não o fizer (adotando aquilo que se opõe a palavra divina) é obrigação dos muçulmanos combatê-lo, mas se for um Imam Justo e cumpridor de seus deveres, é obrigatório para os muçulmanos manter-se fiéis a ele. A aplicação desses 5 princípios orientadores assegura o estabelecimento da justiça no seu amplo sentido. Muito embora as más inclinações humanas não possam ser sublimadas por completo, na medida em que as pessoas e a sociedade como um todo os apliquem os efeitos positivos tendem a obliterar o mal e a injustiça. Num estado islâmico corretamente estabelecido a Shariah (lei divina) regula os direitos e os deveres dos cidadãos de maneira que a sociedade se liberte da corrupção e da injustiça. As leis adquirem seu verdadeiro propósito, não são meros instrumentos de coerção ou de produção de privilégios para uma minoria. O sentido de justiça não se reduz a vergonhosa condição em que se encontra nas sociedades dirigidas por códigos de leis que são alterados segundo a vontade da maioria. Os sofistas ocidentais pretendem identificar no Sistema sociopolítico islâmico o que classificam de ditadura, isso pode ser verdadeiro se tomarmos como exemplo as monarquias islâmicas ou os sistemas equivocados e obscurantistas aplicados por grupos ou seitas integristas como o Regime Taliban. Porém, o estado islâmico na sua verdadeira acepção se caracteriza pelo “ESTABELECIMENTO DA JUSTIÇA” para todos indistintamente, e este objetivo e nenhum outro corresponde aos anseios de toda a humanidade em todas as épocas. www.arresala.org.br. Abraço. Davi

quinta-feira, 26 de maio de 2022

FILME QUANDO NIETZCHE CHOROU

 

Editor do Mosaico. Cinema. O Filme QUANDO NIETZCHE CHOROU (2007), do diretor Pinchas Perry, considero um drama da vida real. As situações vividas pelos personagens, mostram as crises existenciais pelas quais todos os humanos acabam passando em seu percurso histórico. Paixões, desenganos, a credulidade e incredulidade em Deus; o passado que as lembranças trazem em forma de traumas, as escolhas que nem sempre fazemos corretamente, nossas conquistas que no fundo, percebemos, muitas, não passam de um vazio; nossos comportamentos desajustados em relação ao outro e os desejos como vontade e objeto. O filme é incomum para os padrões que consideramos normais, isso na perspectiva do espectador desavisado e desinformado sobre o contexto histórico em que os eventos são relatados. Também a alternâncias de realidade entre reminiscências e fantasias, dificultam em alguns casos a compreensão do todo do enredo. Os eventos passam-se em Viena - Áustria; as margens do rio Danúbio, cidade onde intelectuais (cientistas, filósofos, matemáticos, literatos e muitos outros renomados personagens reuniam se em "clubes" e conferências para discutirem os caminhos que a humanidade posteriormente tomaria), principalmente alemães, e de outras nacionalidades, moravam, estudavam e faziam suas pesquisa e investigações científicas. Esses acontecimentos deram-se na segunda metade do século XIX e início do XX. De início podemos dizer que o drama é formatado em um pessimismo realista, pois Nietszche incorporou muitos dos conceitos de Arthur Schopenhauer (1788-1860), particularmente uma obra desse filósofo chamada O Mundo como Representação e Vontade, em sua filosofia estritamente diferenciada até aquela época. As obras de Nietszche são famosas em todo o mundo, pois trouxeram uma visão desmistificada do secularismo autoritário do estado e da religião institucionalizada tanto católica quanto luterana. Ele percebia o desespero humano advindo de uma mente doentia, fragilizada pelas superstições e crendices dentro de uma cultura esclerosada pelo colonialismo e subordinação do outro. Nietszche combateu em sua época os privilégios da religião organizada na Alemanha, o vazio de Deus, o desperdício de dinheiro público em suntuosas construções de catedrais, a hipocrisia cristã e manipulação da fé dos incautos para fins não condizentes com a fraternidade e universalidade. O nacionalismo estereotipado alemão, que deu origem ao partido nacional socialista, semente do nazismo e Terceiro Reich nas primeiras décadas do século XX, também foi criticado com fervor pelo filósofo, sendo esses costumes e tradições sociais originários da mobilização civil que produziu o imperialismo alemão encarnado na figura do Fuhre, Adolf Hitler (1889-1945). Assim falou Zaratrusta, O Anticristo, Crepúsculo dos Ídolos, Para Além do Bem e do Mal, A Genealogia da Moral são escritos estudados (universidades) nas academias de filosofia. Segundo especialistas Friedrich Nietszche (1844-1900) é considerado o primeiro psicólogo moderno, pois grande parte dos seus escritos abarcam a teorização do consciente e do inconsciente humano. Assim o filme parece que deve ser entendido nesse panorama. Comecemos com os fatos. Nietszche num auditório conferenciava para algumas pessoas, mas como questionava a existência de Deus, dizendo: "Deus está morto, mas considerando o estado em que a espécie humana se encontra, talvez ainda por um milênio existirão grutas em que se encontrará a sua sombra". Os ouvintes acharam tão terrível aquelas palavras, que a maioria acabou indo embora, sendo que, alguns praguejavam contra ele. Na verdade, a crítica era contra os clérigos e autoridades eclesiásticas superiores, que criaram um deus para suas conveniências, enclausurando-o nas monumentais catedrais, isolando assim o povo alemão de seu contato pessoal com Ele. Para Nietszche esse deus aristocrático e faustoso não merecia crédito. A existência de Deus para Nietszche era um axioma (evidencia cuja comprovação é dispensável por ser óbvia), tanto que, seus biógrafos dizem que para onde ia levava seu exemplar da Sagrada Escritura cristã, sendo um leitor assíduo. Nietszche conhece uma linda jovem russa, Lou Andreas Salomé (1861-1927), e apaixonasse. Um romance difícil e trabalhoso, pois Salomé considerava seu amante possuidor de distúrbios psíquicos, mas ao mesmo tempo, também de uma inteligência extraordinária. Ele escreve para ela muitas cartas declarando seu amor e desejando tê-la como companheira, sem necessariamente haver relacionamento sexual; uma passionalidade platônica. Mas Salomé percebendo a suposta "loucura" de seu pretendente resolve deixá-lo, sendo que, antes disso, consegue que um famoso psiquiatra Josef Breuer (1842-1925), se interesse pelo seu caso. Assim nasce uma sincera amizade entre ambos, pois Breuer também tinha suas situações traumáticas que precisavam ser resolvidas. Casado, Breuer acabou apaixonando se por uma de suas pacientes, Bertha Pappenheim (1856-1939), que sofria de histeria, marcada por sintomas de depressão, nervosismo, tendência ao suicídio, paralisia, perturbações visuais, contraturas musculares e outros, que a deixava praticamente inválida. Esse fato criou sérias dificuldades no casamento de Breuer, pois sua esposa naturalmente não aceitou essa condição de ter uma concubina como concorrente. Breuer e Nietszche acertaram que ambos se ajudariam, pois o primeiro descobriu conversando com seu amigo Sigmund Freud (1856-1939), à inteligência psicológica que Nietszche possuía. Assim Breuer, como médico, cuidaria de sua parte física e Nietszche, como psicólogo, trataria com sua mente. Os dois conversam dentre outros assuntos sobre a paixão como desejo e objeto. Segundo o psicólogo, como objeto a paixão tenderia a uma obsessão incontrolável, que ao final consumiria o postulante matando-o. Assim, mecanismo de retenção deveria ser desenvolvidos na mente doentia, para que esse propósito não fosse efetuado. Mas na "análise" Nietiana, outros elementos foram revelados, por estarem ocultos no inconsciente de Breuer. Ele percebeu, que tivera uma infância reprimida, baseada num padrão moral religioso, enquadrado em conceito espirituais, concebendo um sentimento de aprisionamento, pois suas conquistas e vitórias profissionais foram matizadas e projetadas pelo seus pais. Desse modo, sentiu a necessidade de se libertar. A cena em que Breuer se despede de sua família é forte, mostrando seu rompimento com o passado, para depois, recomeçar novamente. Posteriormente ele volta para a família, sendo recebido novamente pela esposa. Em sua saída reconheceu, que Bertha, era apenas um objeto de desejo não manifestado em sua vontade coerente, um engano do "coração". Outra situação que foi tratada com a análise do psicólogo Nietszche, foi que Breuer até aquele momento não aceitara a morte de sua mãe, quando ainda era criança. A visita ao túmulo de sua genitora com o quipar (touca, boina) sobre a cabeça demonstra essa situação. Esse fato o reprimia, sendo visto nele uma personalidade fraca, e desinteressada por experiência mais avançadas em sua profissão. Breuer foi também ajudado por seu amigo Freud, que começava suas postulações teóricas quanto a psicanálise. Assim usou com sucesso o processo de regressão hipnótica em Breuer,  onde pela fala seus traumas e transtornos foram conhecidos em sua origem. Freud dizia que quando o paciente falava seus problemas interiores estavam sendo indiretamente curado numa perspectiva da terapia psicanalítica. É citado no filme a importância das confissões nas igrejas cristãs, que têm o objetivo de "desentulhar" o inconsciente das pessoas, retirando o peso da culpa e instalando alívio e conforto. Isso quando revelado à um clérigo de confiança ou um amigo de igual modo. Salomé tenta uma reaproximação com Nietszche, mas percebe que o filósofo vive situações existenciais que vão além das suas, pois está preocupado com a angústia e desespero humano. O personagem messiânico de seu famoso livro Assim Falou Zaratustra aparece numa cena pregando para seus discípulos e fiéis. Zaratustra foi inspirado na tradição budista, pois segundo consta Nietszche influenciado pela filosofia Oriental estudada por Schopenhauer, mesmo que, Zaratustra fosse uma evidência mítica do Zoroastrismo, religião fundada por Zoroastro no século VI AC. Desse modo, esses antecedentes conceberam a figura mística de Zaratustra. Assim este famoso personagem de Nietszche, era um profeta de uma divindade não teísta, Um deus dotado de uma consciência universal, sendo criador e criação, mas não adorado pelos adeptos como personalidade eminentemente humana atuando na dimensão do bem e do mal. Nietszche queria desconstruir com sua filosofia a perenidade de uma religião monoteísta que confundia a humanidade com a divindade, desse modo, não guardando limites do que era divino ou humano. É discutido também a questão filosófica do vazio, um tema explorado na espiritualidade Oriental e no misticismo cristão. O vazio é um não lugar, uma esfera de conteúdo (paradoxal), onde o caminhante desprovido de tudo e de todos, se lançassem no espaço do não ser; encontrando o ambiente necessário para a compreensão de seu ego interior. Buscando pela contemplação do nada a base para um fortalecimento consciente e inconsciente. Outros dois temas são explorados pelo enredo. Primeiro os sonhos que Breuer tivera; em um, ele caíra num buraco que ao fundo tinha um túmulo vazio, e no outro ele havia morrido, mas tempos depois fora resgatado pelo seu pai sendo levado de volta para casa. Estes sonhos no filme foram interpretados por Freud, talvez baseado em rascunhos de sua obra revolucionária que falava do inconsciente humano chamada de A Interpretação dos Sonhos, publicada primeiramente em 1900. Disse a Breuer que os sonhos tinham ligação com sua mãe falecida. O segundo aspecto discutido é sobre a paixão humana. Quem nunca se apaixonou por alguém; acho que todos nós, não importando se solteiro ou casado. A paixão me parece ser mostrada no drama como algo instintivo ao ser humano. Não escolhemos necessariamente por quem nos apaixonamos, esse sentimento acaba brotando do desejo que é consumado pela vontade de ter o objeto. Na maioria das vezes um hedonismo (busca pelo prazer como modo de vida). Pois após a conquista desse objeto segue-se, um sentimento entediante, ofuscando o esforço despendido. Nietszche diz sabiamente, "Sonho com um amor em que duas pessoas compartilham uma paixão de buscar juntas uma verdade mais elevada. Talvez não devesse chamá-lo de amor. Talvez seu nome ideal seja amizade". Nessa perspectiva filosófica esse assunto específico foi tratado, ficando bem claro que esse sentimento, paixão, em sua essência é transitório e temporário, em rasos casos expressando o amor baseado em cumplicidade e companheirismo; numa troca relacional singularizada em ganhos e perdas. Nesse aspecto não há o vínculo do altruísmo, fraternidade e desapego para com o outro. Falo assim interpretando a filmagem, pois nos dois casos exemplificados tanto Breuer como Nietszche queria a posse do objeto, não lhes sendo permitido esse desejo. A paixão tem sempre um processo de "castração" acompanhando-a, isso sucede ora no início, meio ou final do relacionamento; expondo o magnetismo contrário ao amor compassivo e abnegado. Esses temas também são discutidos em outra obra chamada A Genealogia da Moral, não sendo foco de nossa análise nesse momento. Inferisse de seus escritos, que a institucionalização religiosa trazia muito mais prejuízo material ao povo que ganhos espirituais celestiais, pois impedia-se que desenvolve no fiel a consciência crítica, tão necessária à escolha e o discernimento do certo e errado numa perspectiva individual. O choro de Nietszche ao final da pelica, penso, está relacionado ao seu anseio por mudanças na forma de pensar e praticar as atitudes humanas, deixando a espirituosidade baseadas em crendices e superstições. Assumindo assim, por escolha e risco seu próprio destino, mas percebendo com coerência e bom senso, cada movimento realizado no caminho pela elevação do espírito. O filme termina mostrando o final da vida dos personagens. Bertha tornou se uma filantropa trabalhando com assistência social direcionada aos pobres e necessitados. Breuer, após reconciliar-se com sua esposa, concluiu seus dias clinicando na medicina psiquiátrica, diminuindo o sofrimento físico humano e salvando as vidas quando isso era possível. Salomé tornou-se amiga de Sigmund Freud (1856-1939), participando de seu círculo científico sendo uma renomada psicanalista na Áustria. Freud foi o precursor da psicanálise, teorizando seus postulados e convencionando métodos terapêuticos para tratamento dos pacientes com patologias psíquicas, sem uso de medicamentos (sintéticos ou fitoterápicos). Fugiu da Alemanha nazista, perdendo nesse tempo de guerra quatro irmãs, executadas nos campos de concentração nazista. Terminou seus dias em Londres, amparado por amigos, acometido por uma doença na boca. Nietszche é visto na filmagem pela última vez, embarcando de trem, para Basileia na Suíça. O filósofo continuava seu inquietante destino de pensa sobre o ser humano, seus mistérios revelados e ocultos. Assistam para conferir. Abraço. Davi.

terça-feira, 24 de maio de 2022

TEORIAS SOBRE A FORMAÇÃO DA TERRA

 

Espiritismo. Por Allan Kardec (1804-1896). Livro A Gêneses – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Capítulo VIII. TEORIAS SOBRE A FORMAÇÃO DA TERRA. Teoria da projeção 1. De todas as teorias relativas à origem da Terra, a que alcançou mais credibilidade nestes últimos tempos foi a do Conde de Buffon (1707-1788), seja pela posição que ele desfrutava no mundo científico, seja porque nada mais se sabia além do que ele disse naquela época. Vendo que todos os planetas se movem na mesma direção, do ocidente para o oriente, e no mesmo plano, percorrendo órbitas cuja inclinação não passa de 7 graus e meio, Buffon concluiu, dessa uniformidade, que eles devem ter sido postos em movimento pela mesma causa. Em sua opinião, sendo o Sol uma massa incandescente em fusão, um cometa se teria chocado com ele e, raspando-lhe a superfície, destacou uma porção que, projetada no espaço pela violência do choque, se dividiu em vários fragmentos. Esses fragmentos formaram os planetas, que continuaram a mover-se circularmente, pela combinação das forças centrífuga e centrípeta, no sentido dado pela direção do choque primitivo, isto é, no plano da eclíptica. Os planetas seriam assim partes da substância incandescente do Sol e, por conseguinte, também teriam sido incandescentes em sua origem. Levaram para se resfriar e consolidar um tempo proporcional aos seus volumes respectivos e, quando a temperatura o permitiu, a vida apareceu na sua superfície. Em virtude da diminuição gradual do calor central, a Terra chegaria, ao fim de certo tempo, a um estado de resfriamento completo; a massa líquida se congelaria inteiramente e o ar, cada vez mais condensado, acabaria por desaparecer. A diminuição da temperatura, tornando impossível a vida, acarretaria o decréscimo e, depois, o desaparecimento de todos os seres organizados. O resfriamento, tendo começado pelos polos, ganharia pouco a pouco todas as regiões, até mesmo a linha do equador. Tal é, segundo Buffon, o estado atual da Lua que, menor do que a Terra, seria hoje um mundo extinto, do qual a vida se acha excluída para sempre. O próprio Sol viria a ter, um dia, mesma sorte. De acordo com os seus cálculos, a Terra teria gastado cerca de 74.000 anos para chegar à sua temperatura atual e dentro de 93.000 anos veria o termo da existência da natureza organizada. 2. A teoria de Buffon, contraditada pelas novas descobertas da Ciência, está hoje completamente abandonada, pelas seguintes razões: 1º ) Durante muito tempo acreditou-se que os cometas eram corpos sólidos, cujo encontro com um planeta podia ocasionar a destruição deste. Nessa hipótese, a suposição de Buffon nada tinha de improvável. Sabe-se agora, porém, que os cometas são formados de uma matéria gasosa que, embora condensada, é bastante rarefeita95 para que se possam perceber estrelas de grandeza média através de seus núcleos. Nesse estado, oferecendo menos resistência que o Sol, é impossível que num choque violento com este, eles sejam capazes de arremessar ao longe qualquer porção da massa solar. 2º ) A natureza incandescente do Sol é também uma hipótese que nada, até o presente, confirma, e que as observações, ao contrário, parecem desmentir. Se bem ainda não haja certeza quanto à sua natureza, os poderosos meios de observação de que hoje dispõe a Ciência têm permitido que ele seja mais bem estudado. Hoje a Ciência admite, de modo geral, que o Sol é um globo composto de matéria sólida, cercada de uma atmosfera luminosa, ou fotosfera, que não se acha em contato com a sua superfície. 3º ) Ao tempo de Buffon, somente se conheciam os seis planetas de que os Antigos eram conhecedores: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno. Descobriram-se depois outros em grande número, três dos quais, principalmente, Juno, Ceres e Palas, têm suas órbitas inclinadas de 13, 10 e 34 graus, o que não concorda com a hipótese de um movimento único de projeção. 4º ) Após a descoberta da lei da diminuição do calor, por Fourier, reconheceram-se completamente errôneos os cálculos de Buffon sobre o resfriamento da Terra. Na verdade, o nosso planeta não precisou apenas de 74.000 anos para chegar à sua temperatura atual, mas de milhões de anos.98 5o ) Buffon só levou em conta o calor central da Terra, sem considerar o dos raios solares. Ora, é sabido hoje, mediante dados científicos de rigorosa precisão, baseados na experiência, que, em virtude da espessura da crosta terrestre, o calor interno do globo não contribui, há muito tempo, senão em parcela insignificante, para a temperatura da superfície exterior. As variações que essa temperatura sofre são periódicas e devidas à ação preponderante do calor solar. (Cap. VII, item 25.) Sendo permanente o efeito dessa causa, enquanto o do calor central é nulo, ou quase nulo, a diminuição deste não pode trazer à superfície da Terra sensíveis modificações. Para que a Terra se tornasse inabitável pelo resfriamento geral, seria preciso que o Sol se extinguisse.99 Teoria da condensação 3. A teoria da formação da Terra pela condensação da matéria cósmica é a que hoje prevalece na Ciência como a que a observação melhor justifica, a que resolve maior número de dificuldades e que se apoia, mais do que todas as outras, no grande princípio da unidade universal. Foi esta teoria que expomos no capítulo VI, intitulado Uranografia geral. Como se vê, estas duas teorias conduzem ao mesmo resultado: estado primitivo de incandescência do globo; formação de uma crosta sólida pelo resfriamento; existência do fogo central e aparecimento da vida orgânica, logo que a temperatura a tornou possível. Diferem, todavia, em pontos essenciais e é provável que, se Buffon vivesse atualmente, por certo adotaria outras ideias. A Geologia considera a Terra do ponto em que é possível a observação direta. Seu estado anterior, por escapar à observação, só pode ser hipotético. Ora, entre duas hipóteses, diz o bom senso que se deve preferir a que a lógica sanciona e que mais se ache de acordo com os fatos observados. Teoria da incrustação 4. Falamos desta teoria apenas para não deixar de mencioná-la. Embora nada tenha de científica, conseguiu, não obstante, certa repercussão nos últimos tempos e seduziu algumas pessoas. Acha-se resumida na carta seguinte: “Deus, segundo a Bíblia, criou o mundo em seis dias, 4.000 anos antes da Era Cristã. Esta tese é contestada pelos geólogos, firmados no estudo dos fósseis e dos milhares de caracteres incontestáveis de vetustez que fazem remontar a origem da Terra a milhões de anos. Entretanto, a Escritura disse a verdade e os geólogos também. E foi um simples camponês100 que os pôs de acordo, informando que o nosso planeta não é mais do que um planeta incrustativo, muito moderno, composto de materiais antiquíssimos. “Após o arrebatamento do planeta desconhecido, que chegara à maturidade, ou de harmonia com o que existiu no lugar que hoje ocupamos, a alma da Terra recebeu ordem de reunir seus satélites para formar nosso globo atual, segundo as regras do progresso em tudo e por tudo. Somente quatro desses astros concordaram com a associação que lhes era proposta. Apenas a Lua persistiu na sua autonomia, visto que também os globos têm o seu livre-arbítrio. Para proceder a essa fusão, a alma da Terra dirigiu aos satélites um raio magnético, que pôs em estado cataléptico todo o mobiliário vegetal, animal e hominal que eles possuíam e que trouxeram para a comunidade. A operação teve por únicas testemunhas a alma da Terra e os grandes mensageiros celestes que a ajudaram nessa grande obra, abrindo aqueles globos para lhes dar entranhas comuns. Praticada a soldadura, as águas se escoaram para os vazios que a ausência da Lua deixara. As atmosferas se confundiram e começou o despertar ou a ressurreição dos germens que estavam em catalepsia. O homem foi o último a ser tirado do estado de hipnotismo e se viu cercado da luxuriante vegetação do paraíso terrestre e dos animais que pastavam em paz ao seu derredor. Tudo isto se podia fazer em seis dias, com obreiros tão poderosos como os que Deus encarregara da tarefa. O planeta Ásia trouxe a raça amarela, a de civilização mais antiga; o África, a raça negra; o Europa, a raça branca, e o América, a raça vermelha. “Assim, certos animais, de que apenas os despojos são encontrados, nunca teriam vivido na Terra atual, mas teriam sido transportados de outros mundos extintos pela velhice. Os fósseis que se encontram em climas sob os quais não teriam podido existir neste mundo viviam sem dúvida em zonas muito diferentes nos globos onde nasceram. Na Terra, tais despojos se encontram nos polos, ao passo que os animais viviam no equador dos globos a que pertenciam.” 5. Esta teoria tem contra si os dados mais positivos da ciência experimental, além de deixar intacta a própria questão que ela pretende resolver, a questão da origem. Diz, é certo, como a Terra se teria formado, mas não diz como se formaram os quatro mundos que se reuniram para constituí-la. Se as coisas se houvessem passado assim, como se explicaria a inexistência absoluta de quaisquer vestígios daquelas imensas soldaduras, não obstante terem ido até as entranhas do globo? Cada um daqueles mundos, o Ásia, o África, o Europa e o América, que se pretende haverem trazido os materiais que lhes eram próprios, teria uma geologia particular, diferente da dos demais, o que não é exato. Ao contrário, vê- -se, primeiramente, que o núcleo granítico é uniforme, de composição homogênea em todas as partes do globo, sem solução de continuidade. Depois, as camadas geológicas se apresentam com a mesma formação, idênticas quanto à constituição, superpostas, em toda parte, na mesma ordem, contínuas, sem interrupção, de um lado a outro dos mares, da Europa à Ásia, à África, à América, e reciprocamente. Essas camadas que dão testemunho das transformações do globo atestam que tais transformações se operaram em toda a sua superfície e não apenas numa porção desta; mostram os períodos de aparecimento, existência e desaparecimento das mesmas espécies animais e vegetais, nas diferentes partes do mundo; mostram a fauna e a flora desses períodos recuados a marcharem simultaneamente por toda parte, sob a influência de uma temperatura uniforme, e a mudar de caráter por toda parte à medida que a temperatura se modifica. Semelhante estado de coisas não se concilia com a formação da Terra pela associação de muitos mundos diferentes. Além disso, é de perguntar-se o que teria sido feito do mar, que ocupa o vazio deixado pela Lua, se esta não se houvesse recusado a reunir-se às suas irmãs. O que aconteceria à Terra atual se um dia a Lua tivesse a veleidade de vir tomar o seu lugar, expulsando deste o mar? 6. Esse sistema seduziu algumas pessoas, porque parecia explicar a presença das diferentes raças de homens na Terra e a localização delas. Mas, considerando-se que essas raças puderam proliferar em mundos distintos, por que não seriam capazes de desenvolver-se em pontos diversos do mesmo globo? É querer resolver uma dificuldade por meio de outra dificuldade maior. Efetivamente, quaisquer que fossem a rapidez e a destreza com que a operação se praticasse, aquela junção não se teria podido realizar sem violentos abalos. Quanto mais rápida ela fosse, tanto mais desastrosos haviam de ser os cataclismos. Parece, pois, impossível que seres simplesmente mergulhados em sono cataléptico hajam podido resistir- -lhes, para, em seguida, despertarem tranquilamente. Se fossem apenas germens, em que consistiriam? Como é que seres inteiramente formados se reduziriam ao estado de germens? Restaria sempre a questão de saber- -se como esses germens novamente se desenvolveram. Ainda aí, teríamos a Terra a formar-se por processo miraculoso, processo, porém, menos poético e menos grandioso do que o da Gênese bíblica, ao passo que as leis naturais dão, da sua formação, uma explicação muito mais completa e, sobretudo, muito mais racional, deduzida da observação.Alma da Terra 7. A alma da Terra desempenhou papel primordial na teoria da incrustação. Vejamos se esta ideia tem melhor fundamento. O desenvolvimento orgânico está sempre em relação com o desenvolvimento do princípio espiritual. O organismo se completa à medida que se multiplicam as faculdades da alma. A escala orgânica acompanha constantemente, em todos os seres, a progressão da inteligência, desde o pólipo até o homem, e nem podia ser de outro modo, visto que a alma precisa de um instrumento apropriado à importância das funções que lhe cabe desempenhar. De que serviria à ostra possuir a inteligência do macaco, sem os órgãos necessários à sua manifestação? Se, portanto, a Terra fosse um ser animado, servindo de corpo a uma alma especial, essa alma, por efeito mesmo da sua constituição, teria de ser ainda mais rudimentar do que a do pólipo, já que a Terra não tem sequer a vitalidade da planta, ao passo que, pelo papel que atribuíram a essa alma, fizeram dela um ser dotado de razão e do mais completo livre-arbítrio, um Espírito superior, em suma, o que não é racional, porque Espírito algum se achou menos bem aquinhoado, nem mais aprisionado. Ampliada nesse sentido, a ideia da alma da Terra deve, então, ser arrolada entre as concepções sistemáticas e quiméricas. Por alma da Terra pode-se entender, mais racionalmente, a coletividade dos Espíritos encarregados da elaboração e da direção de seus elementos constitutivos, o que já supõe certo grau de desenvolvimento intelectual. Ou, melhor ainda: alma da Terra é o Espírito a quem está confiada a alta direção dos destinos morais e do progresso de seus habitantes, missão que não pode ser confiada senão a um ser eminentemente superior em saber e em sabedoria. Em tal caso, esse Espírito não é, propriamente falando, a alma da Terra, porquanto não se acha encarnado nela, nem subordinado ao seu estado material. É um chefe preposto ao seu governo, como um general é o elemento mais indicado para o comando de um exército. Um Espírito, incumbido de missão tão importante qual a do governo de um mundo, não poderia ter caprichos, ou então Deus seria muito imprevidente por confiar a execução de suas leis a seres capazes de transgredi-las, a seu bel-prazer. Ora, segundo a doutrina da incrustação, a má vontade da alma da Lua é que dera causa a que a Terra ficasse incompleta. Há ideias que se refutam por si mesmas. (Revista espírita, setembro de 1868.). Livro A Gêneses – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Abraços. Davi

domingo, 22 de maio de 2022

O BUDISMO ESOTÉRICO

 

Texto produzido por Ricardo Chioro. O BUDISMO ESOTÉRICO. O Budismo Tibetano também é chamado de Vajrayana, que significa Veículo do Diamante. É veículo num sentido que ele nos leva à iluminação, então é um precioso transporte à iluminação. O Budismo Tibetano também é chamado de Budismo Esotérico (hermético; que pode ser compreendido ou entendido por poucas pessoas, sendo ensinado a um grupo restrito e fechado de pessoas chamadas de iniciadas nos mistérios). Ele possui muitos elementos esotéricos que temos no esoterismo ocidental como é o caso de visualizações, viagem astral, astrologia, mantras, mandala, hipnose, mediunidade e até coisas que são difíceis de acreditar como telepatia, levitação e clarividência. Apesar de existirem as mesmas práticas esotéricas no Tibete e no ocidente, o Tibete possui suas próprias visualizações, astrologia e mantras, diferentes das visualizações, astrologia e mantras do ocidente. A astrologia, a viagem astral e a mediunidade são práticas espirituais que faziam parte da religião Bon, a principal religião no Tibete antes da entrada do Budismo no país. Essas práticas foram absorvidas pelo Budismo Tibetano que, na minha opinião, ficou muito melhor. Agora falaremos um pouquinho das práticas do Budismo no Tibete: 1) Viagem Astral: É a viagem fora do corpo físico, onde com meditação ou com a mandala a alma consegue sair fora do seu corpo físico e ir para diversos lugares na velocidade do pensamento. Assim como no esoterismo do ocidente já estamos acostumados com a ideia de que o corpo físico está preso na alma por um fio de prata que se estica quanto necessário nas viagens astrais; no Tibete também se fala isso, e eles podem ver este fio quando saem fora do corpo físico. 2) Divindades Meditacionais: Existem no Budismo Tibetano divindades. Assim não se falar num Deus criador do universo, mas sim de divindades que são seres iluminados. As divindades são utilizadas em visualizações para conseguir trabalhar suas próprias emoções, dominar a própria mente, adquirir sabedoria e compaixão. Essas divindades são chamadas de Yidams. 3) Oráculo: O oráculo é o “médium” que incorpora espíritos. Lá no Tibete eles são muito rápidos, a entidade vem, fala o que tem que falar e vai embora. Aqui no ocidente o processo é bem mais demorado. 4) Yôga: O Budismo que penetrou no Tibete é o Budismo Hindu, então o Yoga que é uma prática Hindu também penetrou no Tibete. Lá eles praticam posturas, exercícios de respiração e Meditação do Yoga. 5) Astrologia: É extremamente usada no Budismo Tibetano. Eles conferem à vida das pessoas, para que elas já saibam o que a vida espera delas e quais serão suas missões. Também vêm a vida passada das pessoas. Os signos do Budismo são: Lebre, Dragão, Serpente, Cavalo, Carneiro, Macaco, Ave, Cão, Porco, Rato, Boi, Tigre e Lebre. Cada um respectivo a um ano. 6) Mantra: O mantra é uma prática espiritual feita com a fala ou o pensamento em uma fala. Por exemplo: a fala do mantra OM MANI PADME HUNG. Quando falando o mantra tem mais força, mas quando não se pode falá-lo, se pode fazer em pensamento, que apesar de ser mais fraco o mantra ainda funciona. O mantra mexe com energias invisíveis para os nossos olhos físicos e com outras dimensões, já que enxergamos somente o plano tridimensional. Não é possível ver o mantra, mas é possível senti-lo quando estamos praticando. 7) Mandala (símbolo hindu ou budista do universo; em especial um círculo com um quadrado inscrito, tendo uma divindade a cada lado): Para nossos olhos físicos é apenas uma imagem, mas quando ligada a mente produz energias invisíveis que pode auxiliar as pessoas em diversos processos como limpeza energética, cura, iluminação, resolver problemas etc. 8) Medicina Budista Tibetana: É a medicina com os princípios Budistas unido com a Aiuriveda (Medicina Hindu) e com a Medicina Chinesa, muito conhecida aqui no ocidente. O princípio fundamental é do caminho do meio, que é o equilíbrio, pois o desequilíbrio gera doença. Sendo assim, segundo o budismo a doença nasce da cabeça do ser humano. Eles usam muitas ervas, muito mesmo; algumas até desconhecidas para nós ocidentais. 9) Meditação: Existem muitos métodos de meditação praticados no Budismo Tibetano. Um método muito interessante é que eles se deitam nus no gelo, em Meditação, e o corpo deles aquecem com a Meditação e o gelo em volta deles começa a derreter. Na revista Época de abril de 2006, na Matéria de capa se diz que, sua santidade o Dalai-Lama, Tenzin Gyatso (1935-   ) tem ajudado a ciência em pesquisas que na meditação pode aumentar a temperatura do corpo em até dez graus. 10) Técnicas Secretas: Existe no Budismo Tibetano técnicas que são secretas e só um número pequeno de pessoas as aprendem. Quem aprende essas técnicas são pessoas chamadas de iniciadas, pois elas foram iniciadas no conhecimento secreto.  O próprio Dalai Lama já expôs que existe de fato conhecimento secreto, mas não diz que conhecimento é este. Alguns autores escrevem sobre este conhecimento secreto. Muitas pessoas duvidam que este conhecimento se trate de algo real e outros acreditam piamente nele. Estes autores falam sobre hipnose (sono ou transe causado por meios artificiais), clarividência (visão clara e penetrante das coisas), telepatia (comunicação de pensamentos, sentimentos ou conhecimentos de uma pessoa para outra, sem o uso dos sentidos da audição, visão, olfato, paladar ou tato), levitação (ato de levantar um corpo pelo simples poder da vontade) e psicometria (medida da força e duração dos fenômenos mentais. Medida do grau de inteligência). Coisas que são difíceis de acreditar, pois fogem ao conhecimento de mundo que estamos acostumados a pensar desde criança. Falaremos agora destes conhecimentos esotéricos: a) Hipnose: É ensinada somente para pessoas de caráter puro, para que não façam mal uso desta prática. No Tibete, acredito pelo que li a respeito, que a hipnose tibetana é mais avançada que a da ciência ocidental. Lá quando é necessário, com a Medicina Tibetana eles até amputam uma perna sem que a pessoa sinta dor. b) Clarividência: É o dom de enxergar o espiritual ou a energia invisível que fica ao redor da pessoa; a aura (espécie de halo que envolve o corpo, visível somente aos iniciados nas ciências ocultas). A pessoa já nasce com este dom da clarividência, mas costuma ser fraco; a pessoa só consegue ver algumas coisas às vezes. Existem técnicas que podem abrir a terceira visão e a pessoa enxerga quase tudo que lhe passa a frente. É muito útil na Medicina Tibetana, e no aconselhamento, poder enxergar a aura da pessoa, pois ela diz como está o emocional, o mental, o físico e o espiritual. Aqui no ocidente a clarividência é conhecida no Esoterismo, no Espiritismo, na Umbanda e no Candomblé. c) Telepatia: É o dom de ouvir pensamentos. Não sei se ele é natural ou se pode ser desenvolvido. No Budismo Tibetano eles usam os Monges Telepatas em rituais de morte para guiarem os mortos em seus caminhos, pois os mortos se comunicam pelo pensamento, segundo o budismo tibetano, eles não usam a fala. d) Levitação: É uma prática dificílima com meditação. A pessoa estando em meditação adequada pode levitar, mas exige específica técnica espiritual da pessoa. Apenas os iogues iniciados conseguem transpor essa limitação física. Também não é uma prática usual na espiritualidade tibetana. d) Psicometria: É a arte de pegar qualquer objeto ou ser e conseguir extrair qualquer informação dele; tudo que aconteceu com aquilo desde as mais remotas eras passadas. Necessário dizer aqui, que no budismo há o conceito da evolução de todas as substâncias, minerais, vegetais, animais e humanas visíveis; também os seres imateriais invisíveis evoluem em seus mundos, os quais não acessamos, ainda, mas em nossas sucessivas encarnações perceberemos esse processo, reconhecendo que fazemos parte dele na lei de transmissão cármica. Técnicas fantásticas como estas não foram aprendidas somente no Tibete, mas em outros dois lugares no mundo: O Egito Antigo e a Índia. São lugares cheios de mistérios e de coisas impressionantes, que ninguém consegue explicar sendo tema de muitos filmes como: O Rapto do Menino Dourado, Shangrilá, O Monge a Prova de Bala e O Pequeno Buda. Além destas práticas, o Budismo Tibetano conta com ensinos Budistas como As Quatro Nobres Verdades, O Caminho do Meio, Karma, Dharma, Reencarnação, Temporalidade, Desprendimento, Insatisfação, Sofrimento e muitos outros de mesma importância. Budismo Tibetano no Brasil. O Budismo Tibetano dos templos, aqui no Brasil não possui as práticas similares tibetanas. Nos Templos aqui no Brasil tem Meditações; não as que fazem o gelo derreter, mas existem outras; tem os Yidams (divindades), as Divindades Meditacionais, tem Yoga, mandalas e mantras, mas não tem viagem astral, levitação, hipnose, clarividência, telepatia e oráculos (Na Antiguidade, a resposta dada pela divindade, quando alguém a consultava). Temos aqui muito pouco da astrologia deles, como os signos do zodíaco e algumas informações mais. Desse modo aqui no Brasil, temos um Budismo Tibetanos peculiar. Naturalmente, é impossível apropriar-se de todos os conhecimentos exotéricos (doutrina, ensino revelado ao público) e esotéricos (os mistérios ocultos que apenas os iniciados da religião tinham acesso) do Budismo Tibetano, sendo esse processo lento e demorado. Talvez muitas encarnações ainda serão necessárias para alcançar a completude dessa vasta riqueza espiritual. O Budismo do Tibete se unifica com outras crenças, uma prova disso é o Namastê, tanto dito por eles, que significa: "meu Deus interno saúda o seu Deus interno". No Budismo não se fala num Deus pessoal como o criador. Para eles Deus é o criador e também a criação. Eles aceitam outras crenças para se completar. No Brasil o Budismo está crescendo de forma fechada, sem se completar com outras crenças, isso não é bom, pois acaba elitizando esse tesouro espiritual. Mas iniciativas de universalização em blogs e sites têm se multiplicado, espalhando o conhecimento budista em outras áreas espirituais como o cristianismo, tanto católico como protestante; assim esses elementos da espiritualidade Oriental vão, aos poucos, se incorporando aos dogmas e axiomas das religiões Ocidentais. Existem textos de alguns autores criticando quem acredita em um Deus criador de tudo, dizendo que isto não é possível. Isso demonstra um sentimento dogmático de egoísmo, e ignorância quanto a necessidade de superar os preconceitos, unificando as divindades, valorizando as concepções diferentes que cada uma das práticas em seu círculo de comunhão religiosa. Desse modo, criticar a crença dos outros é colocar a sua como melhor, algo que o Buddha reprovou num de seus primeiros (ensinos) sutras, logo depois de sua iluminação, conversando com um grupo de anacoretas (pessoa que leva vida religiosa solitária, retirada do convívio social) as margens de um rio. Os Lamas. No Budismo Tibetano existem os Lamas (na prática Vajrayana, o lama é frequentemente um guia espiritual tântrico, o guru à o aspirante de iogue budista) sacerdotes religiosos do mais alto grau. Acredita-se que a alma de Sidarta Gautama, o Buddha, tenha se dividido em milhares de partes e essas partes reencarnam como Lamas para propagar e ensinar o Budismo. Uma crítica pessoal do autor do texto. "Talvez este seja o único erro do Budismo, pois me foi revelado através de oráculo na manifestação de um Buda (um ser iluminado) que diz o que eu penso e o que eu faço sem que eu lhe conte, que Sidarta Gautama, o Buda, não se dividiu em milhares de seres, mas que tudo existe dentro de nós, e eles usam o Sidarta Gautama dentro deles, fazendo o que ele fazia". Não tenho condições para contra argumentar a posição do autor dessa dissertação, mas até aqui, os textos que temos lido no Mosaico, não trazem essa perspectiva da fragmentação do Buddha. Pelo contrário, percebemos que Buddha na experiência de cada indivíduo, deve ser entendido como um estado de consciência (imanente e transcendente) iluminada, que devemos em nossa encarnação atual perseguir como meta para alcançarmos o nirvana em nossa jornada espiritual. Assim, não temos Buddha, como uma parte exterior à ser incorporada em nossa experiência, mas esse aprendizado pedagógico é inerente ao nosso ser, bastando pela pureza, santificação e conhecimento d'alma adentrarmos esse portal da sabedoria divina. Essa é minha opinião quanto a essa crítica feita pelo senhor Ricardo Chioro ao Budismo Tibetano.  O próprio Dalai Lama, que como o nome já diz é um Lama, fala que não tem iluminação suficiente para se tornar um Buda (Informação da revista Época de abril de 2006, matéria da capa). Existe ainda a ideia de Lamaismo, dos ensinamentos dos Lamas. Eles dizem que a alma, quando encarna forma um reflexo dela, um fantasma além da alma encarnada. Esse reflexo acontece pelas paixões e apegos das pessoas. Então na alma se forma um duplo etérico. Este conceito hoje é amplamente aceito no Esoterismo e no Espiritualismo Ocidental. Sua Santidade, o Dalai Lama, Tenzin Gyatso (1935-  ) é considerado o mais importante de todos os Lamas, sendo o líder do povo tibetano. Fuga do Tibete. Em 1949, começou a ocupação chinesa no Tibete e a intolerância com o Budismo Tibetano. Aproximadamente 1 milhão e 200 mil tibetanos morreram e 6.200 monastérios foram destruídos, restando apenas 13. Infelizmente muitos (monges e monjas) religiosos foram mortos. A Potala, o palácio mais precioso onde morava o Dalai Lama, é um grande símbolo do Tibete e do Budismo. Em março de 1959, o Dalai Lama saiu disfarçado como uma pessoa comum para não chamar a atenção, pois os chineses queriam prendê-lo. Nesta época a Potala (palácio onde morava o Dalai Lama na cidade tibetana de Lhasa capital dessa província chinesa) estava protegida por 400 soldados, e o Dalai Lama conseguiu fugir, enganando essa guarnição militar. Em quinze dias de caminhada o Dalai Lama e diversos tibetanos atravessaram o Tibete chegando à Índia. Em julho deste mesmo ano, 1959, o número de refugiados que foram à mesma cidade que o Dalai Lama era de 20 mil pessoas. A cidade se chama Dharmsala, onde os tibetanos se fixaram, sendo atualmente a morada do Dalai Lama e a sede do governo tibetano no exílio. Abraço. Davi.

sábado, 21 de maio de 2022

O MUNDO DOS ORIXÁS - OXUM

 

Religião Afrodescendente. Candomble. www.ocandomble.com. O MUNDO DOS ORIXÁS – OXUM. A missão divina da Mãe Terra (Edan – Onile). Quando a divina e poderosa mãe Edán (Onile Ogboduora) fez sua aparição nesta Terra, ela fez isso com um propósito específico e sagrado. Sua manifestação nesta Terra sinalizou uma nova oportunidade para a humanidade se renovar, progredir e ter uma vida equilibrada. Sua aparição marcou um novo começo para toda a humanidade e não apenas o povo privilegiado dos yorùbá. Seu objetivo e propósito era, e é, de alcance universal. Èdán veio para trazer cura, ordem, harmonia, abrigando preceitos divinos e equilíbrio para as comunidades da Terra em geral e cada ser humano em particular. Você deve se lembrar e ter em mente que Èdán não é um ser humano. Èdán não é yorùbá, chinês, americano, oriental ou ocidental. Èdán é uma personagem divina de habilidades extraordinárias e poderes supra-humanos. Èdán não é deste mundo. Ela vem de um reino glorioso e inconcebível de santidade, beleza e poder. A inteligência, compreensão, força, atratividade e carisma da mãe divina Èdán é extraordinária, penetrante e excepcional. Èdán pode ver a profundidade e a realidade das coisas. Ela não pode ser enganada, manipulada ou subornada, ela não comete erros na administração de sua dispensação (ato de dividir). Ela está além do alcance da influência humana. Ela nunca cairá ou balançará à mesquinhez e a inconstância, que é comum entre a humanidade. Sua visão divina nunca é obstruída e sua atividade não pode ser prejudicada. Sua virtude, caráter, personalidade e carisma são sem igual. Mesmo Ọrúnmìlà reconheceu sua grandeza, eficiência, capacidade e singularidade. Foi, afinal, Ọrúnmìlà quem invocou Èdán, sua amiga e sócia divina para apoio, soluções e alívio! Quando Èdán desceu do reino dos Irunmọlẹ a esta Terra, ela apareceu com a plenitude da autoridade divina, poder e comando. Todos Ajogùn interno, externo e Elénìní fugiram diante dela. Com o poder de sua majestosa personalidade, divinamente atraente, beleza, carisma e àşé ela foi capaz de libertar e entregar os corações e as mentes dos pensamentos negativos, atitudes e energias prejudiciais que oprimiam e dominavam os seres humanos. Èdán foi capaz de desarmar as pessoas de suas preocupações, medos e inseguranças. Para aqueles que faziam, que se deliciavam em fazer o errado, o engano, a opressão e a corrupção ela colocava medo nos seus corações para que talvez eles pudessem mudar suas maneiras sob sua administração do perdão, da ordem, da capacitação e da renovação. Tais era, e é, o poder e a influência da mãe divina Èdán. Juntamente com o inseparável, a importação do ase aos membros sensíveis da humanidade, ela deu preceitos e injunções divinas para seus alunos-discípulos para praticar e implementarem em todos os níveis da sociedade e da vida pessoal. Estes seguidores obedientes e confiáveis ​​de Èdán são os Ogboni porque só existe sabedoria, saúde e longa vida com Èdán se as pessoas obedecerem e praticarem seus preceitos. Do lado de fora uma pessoa constituiria um Ogberi (ignorante) porque aparentemente tinha conhecimento e não praticava a verdade, o que é isso, se não o maior ignorância, infelicidade e loucura. Os princípios divinos de Èdán tornaram-se os veículos de sua divina presença, carisma, poder, apoio e influência-retificando a cura. Ter vivido na época do aparecimento de Èdán sobre esta Terra sagrada foi a experiência mais extraordinária, gratificante e maravilhosa. Isto é, a forma divinamente sancionada, a vida que ela estava revelando à humanidade e continua revelando à humanidade. O teimoso, obstinado e beligerante que não fizer, não vai durar muito tempo sob a administração de Èdán. Èdán é naturalmente amável, justa e compreensiva, como a Sagrada Mãe preciosa e amável que ela é, ela proporcionou a todos o perdão, um novo começo sem referência a erros do passado, uma oportunidade para mudar e a bênção para fazer uso de seu apoio pessoal, garantia, inspiração e poder. Èdán está ciente de nossas fragilidades e fraquezas como seres humanos. Ninguém precisa ter medo por causa de suas fraquezas ou falhas. Èdán não pareceu para fazer-nos ricos e famosos. Èdán apareceu para nos fazer participantes da verdadeira vida, saúde, paz, segurança e prosperidade através da prática de seus ensinamentos claros. Èdán apareceu para nos permitir descobrir a nossa nobre e bela natureza divina. Ela veio para restaurar a dignidade, clareza, transparência, saúde moral e limpeza moral de nossas vidas. Èdán inculca a verdade divina para seus seguidores inteligentes e humildes, quando estamos individual e coletivamente para a direita e para dentro, em seguida, nesta ordem interna, a saúde e a retidão serão reveladas e expressas no mundo. As instruções de Èdán não foram e não são sugestões, mas comandos divinamente concedidos e leis. Eles são vinculativos e obrigatórios para toda a humanidade e especialmente para aqueles que se dedicam a Èdán. Para ser Ogboni significa ser o melhor dos melhores. Significa ser um modelo de impecabilidade, idoneidade e confiabilidade. Para ser Ogboni significa estar pessoalmente convencido a perseguir e fazer o que é certo, correto e adequado independentemente de tempos, lugares e / ou circunstâncias. Para ser Ogboni significa ter auto iniciativa, ser responsável e fazer o que é certo para o bem do amor da verdade e não ser visto, elogiado e aplaudido por outros. Iniciação formal sozinha não faz de você um seguidor de Èdán. O que é importante não é que outras pessoas te chamem de Ogboni, mas que Èdán te reconhece e o aceita como um dos seus verdadeiros, leais e obedientes filhos. O que é importante é que você seja Ogboni 24 horas por dia em seus pensamentos, atitudes, ações e relacionamentos. Ogboni é uma forma global e abrangente de viver. Uma delas é ser Ogboni o tempo todo para que Èdán, ela mesma, possa garantir que você é um Ogboni genuíno, verdadeiro, com honra, humildade, alegria e realização digna. Os ritos de iniciação Ogboni foram desenvolvidos mais tarde por Èdán e seus seguidores, mas, inicialmente, a verdadeira iniciação era uma mudança espiritual de coração, mente e vida como um resultado do encontro com Èdán, sua personalidade, seu caráter, seu carisma, encantamento, inspiração, autoridade e poder, tudo foi expresso e manifestado através de tudo que Èdán fez. Tudo que Èdán fez foi cheio de graciosidade, dignidade e poder. Não foi através de ritos e rituais que Èdán mudou o mundo, mas pela graça divina, pelas maneiras, inteligência e conduta. Èdán por suas maneiras, caráter, personalidade e conduta comandou o respeito, reverência, confiança e obediência de todos aqueles com coração sincero e bom. O verdadeiro símbolo de honra e título de um Ogboni autêntica o caráter, a virtude, a bondade e a imparcialidade que ele pratica. Conformidade exterior e aderência superficial com o protocolo Ogboni para o bem das pessoas não faz de você um Ogboni, não importa o seu título ou o quanto você está velho. Èdán deu seu amor, vida e foco total e dedicação à humanidade. Para ser Ogboni você tem que dar o seu tudo para a missão divina de Èdán e você deve procurar com sua força, habilidade, atividade e meios transferir o conhecimento de Èdán a todos os povos do mundo. Isto é o que é significa ser Ogboni. Ogboni não é uma instituição humana. Ogboni não é um negócio. Ogboni não é um clube. Ogboni é uma vocação divina e sagrada. Èdán era uma revolucionária espiritual, divina, missionária, diplomática e embaixadora da boa vontade e da esperança. Nós também devemos ser isso. Devemos buscar a propagação do Ogbonismo. Não os chamados clubes Ogboni e instituições formais, devemos propagar a verdade e a realidade que Èdán promoveu e instituiu para toda a humanidade. A humildade e o serviço vêm antes da honra, do orgulho, da presunção. Èdán diz que a indiferença precede a queda. Ancestral Pride Temple. Templo Orgulho Ancestral. ORIXÁ OXUM. Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá, aproxima-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são passionais. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. Como resultado do sincretismo que se deu durante o período da escravatura, cada orixá foi também associado a um santo católico, devido à imposição do catolicismo aos negros. Para manterem os seus deuses vivos, viram-se obrigados a disfarçá-los na roupagem dos santos católicos, aos quais cultuavam apenas aparentemente. Estes deuses da Natureza são divididos em 4 elementos – Água, Terra, Fogo e Ar. Alguns estudiosos ainda vão mais longe e afirmam que são 400 o número de Orixás básicos divididos em 100 do Fogo, 100 da Terra, 100 do Ar e 100 da Água, enquanto que, na Astrologia, são 3 do Fogo, 3 da Terra, 3 do Ar e 3 da Água. Porém os tipos mais conhecidos entre nós formam um grupo de 16 deuses. Eles também estão associados à corrente energética de alguma força da natureza. Assim, Iansã é a dona dos ventos, OXUM é a mãe da água doce, Xangô domina raios e trovões, e outras analogias. No Candomblé cultuam-se muitos outros orixás, desconhecidos por leigos, por serem menos populares do que Xangô, Iansã, Oxossi e outros, mas com um significado muito forte para os adeptos dos cultos afro-brasileiros. Alguns são necessariamente cultuados, devido à ligação com trabalhos específicos que regem, para a saúde, morte, prosperidade e diversos assuntos que afligem o dia-a-dia das pessoas. Estes deuses africanos são considerados intermediários entre os homens e Deus, e por possuírem emoções tão próximas dos seres humanos, conseguem reconhecer os nossos caprichos, os nossos amores, os nossos desejos. É muito frequente dizer-se que as personalidades dos seus filhos são consequência dos orixás que regem as suas cabeças, desenvolvendo características iguais às destes deuses africanos. Apresento a seguir as descrições dos 16 Orixás mais cultuados. Recordo, no entanto, que existem diversas correntes no Candomblé e por essa razão as informações poderão ser diferentes de acordo com a tradição ou região. ORIXÁ OXUM. Dia: Sábado. Cores: Amarelo – Ouro. Símbolo: Leque com espelho (Abebé). Elemento: Água Doce (Rios, Cachoeiras, Nascentes, Lagoas). Domínios: Amor, Riqueza, Fecundidade, Gestação e Maternidade. Saudação: Òóré Yéyé ó! Na Nigéria, mais precisamente em Ijesá, Ijebu e Osogbó, corre calmamente o rio Oxum, a morada da mais bela Iyabá, a rainha de todas as riquezas, a protectora das crianças, a mãe da doçura e da benevolência. Generosa e digna, Oxum é a rainha de todos os rios e cachoeiras. Vaidosa, é a mais importante entre as mulheres da cidade, a Ialodê. É a dona da fecundidade das mulheres, a dona do grande poder feminino. OXUM é a deusa mais bela e mais sensual do Candomblé. É a própria vaidade, dengosa e formosa, paciente e bondosa, mãe que amamenta e ama. Um de seus oriquis, visto com mais atenção, revela o zelo de OXUM com seus filhos: O primeiro filho de OXUM chama-se Ide, é uma verdadeira joia, uma argola de cobre que todos os iniciados de OXUM devem colocar nos seus braços. OXUM não vê defeitos nos seus filhos, não vê sujidade. Os seus filhos, para ela, são verdadeiras joias, e ela só consegue ver seu brilho. É por isso que OXUM é a mãe das crianças, seres inocentes e sem maldade, zelando por elas desde o ventre até que adquiram a sua independência. Seus filhos, melhor, as suas joias, são a sua maior riqueza. Característica dos filhos de Oxum. Dão muito valor à opinião pública, fazem qualquer coisa para não chocá-la, preferindo contornar as suas diferenças com habilidade e diplomacia. São obstinadas na procura dos seus objetivos. OXUM é o arquétipo daqueles que agem com estratégia, que jamais esquecem as suas finalidades; atrás da sua imagem doce esconde-se uma forte determinação e um grande desejo de ascensão social. Têm uma certa tendência para engordar, a imagem do gordinho risonho e bem-humorado combina com eles. Gostam de festas, vida social e de outros prazeres que a vida lhes possa oferecer. Tendem a uma vida sexual intensa, mas com muita discrição, pois detestam escândalos. Não se desesperam por paixões impossíveis, por mais que gostem de uma pessoa, o seu amor-próprio é muito maior. Eles são narcisistas demais para gostar muito de alguém. Graça, vaidade, elegância, uma certa preguiça, charme e beleza definem os filhos de OXUM, que gostam de joias, perfumes, roupas vistosas e de tudo que é bom e caro. O lado espiritual dos filhos de OXUM é bastante aguçado. Talvez por isso, algumas das maiores Yalorixás da história do Candomblé, tenham sido ou sejam de OXUM. www.ocandomble.com. Abraço. Davi

 

quinta-feira, 19 de maio de 2022

OS ANALECTOS - APÊNDICE I B

 

Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS – APÊNDICE I B. Entenderam perceberam que ele partia porque Lu tinha falhado em observar os ritos devidamente. De sua parte, Confúcio (551AC479) preferia estar ligeiramente em falta ao partir do que partir sem razão alguma. As ações de um cavalheiro estão naturalmente acima do entendimento do homem comum. (VI.B.6) Talvez a razão dada em Os Analectos também não seja mais do que um pretexto. Há outra passagem em Os Analectos que definitivamente pertence a esse período e que é de algum interesse. O Mestre disse: “Concedam-me mais alguns anos para que eu possa estudar o Livro das mutações até os cinquenta e então estarei livre de maiores erros”. (VII.17) Foi no ano 503 a.C. que Confúcio chegou à idade de cinquenta anos, e a data em que ele fez tal observação deve ter sido antes desse ano. Essa passagem tem sido usada como evidência de que Confúcio fez um estudo profundo do Livro das mutações. Mas para yi (mudança) há uma leitura alternativa, yi, que é uma partícula gramatical. Se essa leitura é seguida, então a tradução é: Concedam-me mais alguns anos para que eu possa estudar até os cinquenta e então estarei livre de maiores erros. A tradição que liga Confúcio com a autoria do assim chamado “Dez asas” no Livro das mutações não é, de modo algum, firmada em evidência concreta. Viagem para fora do reino (497-484 a.C.) Depois de deixar Lu, Confúcio viajou pelo exterior, visitando vários reinos, mas em nenhum lugar está registrado quando ele começou suas viagens nem a ordem na qual ele visitou esses reinos. Entretanto, alguns indícios podem ser tirados de Mencius. Quando Confúcio caiu em desfavor em Lu e em Wei, houve o incidente de Huan Ssu-ma, de Sung, que estava prestes a emboscá-lo e matá-lo, e ele teve que viajar pelo reino de Sung disfarçado. Naquela época, Confúcio estava em apuros, e ele foi recebido por Ssu-ch’eng Chen-tzu e tomou cargo com Chou, marquês de Ch’em. (Mencius, V.A.8) Isso pareceria indicar que depois que ele deixou Lu, Confúcio primeiro foi para Wei e então de Wei para Ch’en, por Sung. Agora Ch’en e Ts’ai são mencionados, tanto em Os analectos como em Mencius (372AC289). O Mestre disse: “Nenhum daqueles que estiveram comigo em Ch’en e Ts’ai jamais foram além da minha porta”. (Os analectos, XI.2) Mêncio disse: “O fato de o cavalheiro [isto é, Confúcio] ter estado em dificuldades na região de Ch’en e Ts’ai foi porque ele não tinha amigos na corte”. (Mencius, VII.B.18) Como Ts’ai é mencionada após Ch’en, a visita a Ts’ai muito provavelmente veio depois que Confúcio assumiu um cargo em Ch’en. Isso é inteiramente razoável, já que Ts’ai, como parte de Ch’u, ficava ao sudoeste de Ch’en, e Ch’en, por sua vez, ficava ao sudoeste de Sung. Se lembrarmos que Confúcio passou por Sung para chegar até Ch’en, então ele deve ter chegado até Ch’en antes que ele pudesse ir para Ts’ai. Sobre a volta de Confúcio para Lu, temos mais sorte. Sabemos quando e a partir de qual reino ele voltou. De acordo com Tso chuan (duque Ai 11), em 484 a.C., quando consultado por K’ung Wen Tzu sobre questões militares, Confúcio disse: “É o pássaro que deveria escolher a árvore. Como poderia a árvore escolher o pássaro?”. Embora ele estivesse persuadido a não deixar Wei, ele foi chamado pelos homens de Lu, e então regressou. [232] O Tso chuan então registra que o líder da família Chi consultou Confúcio por meio de Jan Yu sobre questões de impostos. [233] Isso significa que Confúcio estava efetivamente de volta a Lu em fins de 484 a.C., no mais tardar. Agora que estabelecemos um itinerário, podemos dar uma olhada nos acontecimentos que ocorreram durante esses anos de viagem ao estrangeiro. a. Primeira visita a Wei A primeira visita a Wei deve ter acontecido antes de 493 a.C., já que o duque Ling morreu naquele ano e há conversas entre o duque e Confúcio registradas em Os analectos. Em XIII.9 encontramos Quando o Mestre foi para Wei, Jan Yu conduziu a carruagem para ele. O Mestre disse: “Que população florescente!”. Jan Yu disse: “Quando a população floresce, que outro benefício pode-se acrescentar?”. “Fazer as pessoas ricas.” “Quando as pessoas tornam-se ricas, que outro benefício pode-se acrescentar?” “Educá-las.” Esse parece o tipo de conversa que aconteceria em uma primeira visita. De acordo com Mencius, enquanto estava em Wei Confúcio teve, como anfitrião, Yen Ch’ou-yu. Mêncio acrescentou A esposa de Mi Tzu [234] era a irmã da mulher de Tzu-lu. Mi Tzu disse para Tzu-lu: “Se Confúcio deixar eu servir de anfitriã para ele, o cargo de ministro de Wei é dele, basta pedir”. Tzu-lu relatou isso a Confúcio, que disse: “Há o Decreto”. Confúcio continuou agindo de acordo com os ritos e com o que era correto e, sobre questões de sucesso ou fracasso, disse: “Há o Decreto”. (V.A.8) Diz-se que, enquanto em Wei, Confúcio teve uma reunião com Nan Tzu, a célebre esposa do duque Ling, de quem Tzu-lu não gostava. De acordo com Os Analectos, Confúcio teve de aplacá-lo. O Mestre foi ver Nan Tzu. Tzu-lu não gostou. O Mestre jurou: “Se fiz algo inapropriado, que o castigo do Céu caia sobre mim! Que o castigo do Céu caia sobre mim!”. (VI.28) Que o duque Ling de Wei não era um homem particularmente bom é algo que pode ser visto na seguinte passagem em Os analectos: Quando o Mestre falou sobre a absoluta falta de princípios morais de parte do duque Ling de Wei, K’ang Tzu comentou: “Sendo esse o caso, como é que ele não perdeu seu reino?”. Confúcio disse: “Chung-shu Yü era o responsável pelos visitantes estrangeiros, o padre T’uo pelo templo ancestral, e Wang-sun Chia pelas questões militares. Sendo esse o caso, que possibilidade haveria de o duque perder o reino?” (XIV.19) Sendo o duque Ling o tipo de homem que era, é fácil entender por que Mêncio descreve o fato de Confúcio assumir um cargo subordinado a ele como algo feito por ter sido tratado com decência (Mencius, V.B.4). Quanto à razão por que Confúcio deixou Wei depois da sua primeira visita, há a seguinte passagem em Os analectos: O duque Ling de Wei perguntou a Confúcio sobre táticas militares. Confúcio respondeu: “De fato, já ouvir falar sobre o uso de embarcações sacrificiais, mas nunca estudei a questão do comando de tropas”. No dia seguinte, foi embora do reino. (XV.1) É coincidência demais que a primeira visita de Confúcio a Wei tenha terminado quando o duque Ling lhe fez uma pergunta sobre questões militares, ao passo que sua segunda visita ao mesmo reino quase terminou quando lhe foi feita a mesma pergunta por K’ung Wen Tzu. [235] É possível que essas sejam visões diferentes da mesma história. Se esse é o caso, temos que aceitar a versão de Os analectos, preferencialmente à do Tso chuan. b. No reino de Sung Sobre a passagem de Confúcio pelo reino de Sung, Mêncio disse: “Houve o incidente de Huan Ssu-ma de Sung que estava prestes a emboscá-lo e matá-lo, e ele teve que viajar pelo reino de Sung disfarçado”. (Mencius, V.A.8) Que houve tal incidente é confirmado em Os analectos, em que Confúcio diz: “O Céu é o autor da virtude que há em mim. O que pode Huan T’ui fazer comigo?”. (VII.23) O Huan Ssu-ma de Mencius é o Huan T’ui em Os analectos. c. Em Ch’en e em Ts’ai De acordo com Mêncio, Confúcio assumiu um cargo subordinado a Chou, o marquês de Ch’en. Há também uma referência a esse período no Tso chuan (duque Ai 3). Em 492 a.C., houve um incêndio em Lu, e tanto os templos do duque Huan quanto os do duque Hsi foram danificados. Diz-se que Confúcio, ao ficar sabendo das notícias sobre o fogo, em Ch’en, proclamou que os templos de Huan e Hsi tinham sido destruídos. [236] Esse é apenas o tipo de história mais provavelmente inventado para mostrar a onisciência do sábio, e pouco crédito se deve dar a ela, mas ela de fato mostra que Confúcio esteve em Ch’en. Mencius menciona a dificuldade que os cavalheiros encontraram em Ch’en e em Ts’ai (VII.B.18). Mais sobre esse incidente pode ser encontrado em Os analectos: Em Ch’en, quando as provisões acabaram, os seguidores tinham se tornado tão fracos que nenhum deles conseguia pôr-se em pé. Tzu-lu, com indignação pintada em todo o rosto, disse: “É possível que haja momentos em que até mesmo os cavalheiros são levados a circunstâncias tão extremas?”. O Mestre disse: “Não causa nenhuma surpresa ao cavalheiro encontrar-se em circunstâncias extremas. O homem vulgar, ao encontrarse em circunstâncias extremas, jogaria para cima qualquer escrúpulo”. (XV.2) Em 489 a.C. Wu invadiu Ch’en. É muito provável que Confúcio tenha experimentado dificuldades enquanto viajava de Ch’en para Ts’ai, nessa época. Isso explicaria o comentário que Mêncio fez sobre Confúcio estar em apuros “na região de Ch’en e Ts’ai”. Deve ter sido em Ts’ai que Confúcio encontrou o governador de She. De acordo com o Tso chuan (duque Ai 2), em 493 a.C., o reino de Ts’ai mudou-se para Chou Lai. [237] Como isso era bem longe de Ch’en, era improvável que Confúcio visitasse o lugar. Mas em 491 a.C, Chu Liang, o governador de She, reuniu em Fu Han [238] antigos habitantes de Ts’ai que não tinham ido para Chou Lai. Deve ter sido em Fu Han, em 489 a.C., que Confúcio encontrou o governador de She, um homem de extraordinária habilidade por meio de cujos esforços a insurreição de Ch’u liderada por Po Kung, em 479 a.C., foi debelada. Em Os analectos, há duas passagens em que aparece o governador de She. O governador de She perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Certifique-se sempre de que aqueles que estão perto estejam satisfeitos e de que aqueles que estão longe sejam atraídos”. (XIII.16) O governador do She perguntou a Tzu-lu sobre Confúcio. Tzu-lu não respondeu. O Mestre disse: “Por que você não falou simplesmente o seguinte: ele é o tipo de homem que esquece de comer quando está distraído com um problema, que é tão alegre que esquece suas preocupações e que não percebe a aproximação da velhice?”. (VII.19) De Ts’ai Confúcio deve ter voltado a Ch’en e foi em Ch’en que ele sentiu saudades de Lu. Em Os analectos, encontramos Quando estava em Ch’en, o Mestre disse: “Vamos para casa. Vamos para casa. Em casa, nossos jovens rapazes são furiosamente ambiciosos e têm grandes talentos, mas não sabem usá-los”. (V.22) Em Mencius, encontramos um dos discípulos de Mêncio fazendo uma pergunta sobre isso. Wan Chang perguntou: “Quando Confúcio esteve em Ch’en, ele exclamou: ‘Vamos para casa. Os jovens da minha escola são selvagens e extravagantes, seguindo adiante ao mesmo tempo em que não esquecem suas origens’. Se Confúcio estava em Ch’en, o que o fez pensar nos selvagens cavalheiros de Lu?”. (VII.B.37) d. Retorno a Wei Em 496 a.C., o príncipe K’uai K’ui, filho do duque Ling de Wei, tentou matar Nan Tzu, a esposa do seu pai, porque estava envergonhado pela fama dela, mas teve que fugir para Chin quando a tentativa se mostrou frustrada. Em 493 a.C, o duque Ling morreu, e Che, o filho do príncipe K’uai K’ui, o sucedeu. Com a ajuda do exército Chin, o príncipe K’uai K’ui conseguiu instalar-se na cidade de Ch’i, nos limites de Wei, e esperou por uma oportunidade de retomar o trono, derrubando seu filho. É nesse panorama político que a seguinte conversa registrada em Os analectos deve ter acontecido. Jan Yu disse: “O Mestre está do lado do senhor de Wei?”. Tzu-kung disse: “Bem, vou perguntar a ele”. Ele entrou e disse: “Que tipo de homens eram Po Yi e Shu Ch’i?”. “Eram excelentes anciãos.” “Tinham alguma queixa?” “Procuravam a benevolência e a encontraram. Então, por que teriam qualquer queixa?” Quando Tzu-kung saiu, ele disse: “O Mestre não está do lado dele”. (VII.15) Na Antiguidade, Po Yi e Shu Ch’i eram os filhos do senhor de Ku Chu. O pai queria que Shu Ch’i, o mais novo dos dois filhos, o sucedesse, mas, quando morreu, nenhum dos filhos estava disposto a privar o outro da sucessão, e ambos fugiram para as montanhas. Perguntando sobre Po Yi e Shu Ch’i, Tzu-kung pôde interpretar que a resposta de Confúcio indicava seu desgosto pela luta imprópria entre pai e filho. O príncipe K’uai K’ui acabou conseguindo depor o filho em 480 a.C. Foi nessa ocasião que Tzu-lu, que estava então ao serviço de K’ung K’ui, filho de K’ung Wen Tzu, morreu ao resistir a uma invasão, mas por essa época Confúcio já havia deixado Wei. Há uma conversa entre Tzu-kung e Confúcio sobre o título póstumo de K’ung Wen Tzu. Tzu-kung perguntou: “Por que K’ung Wen Tzu foi chamado de wen?.” O Mestre disse: “Ele era rápido e ávido por aprender: não teve vergonha de buscar o conselho daqueles que lhe eram inferiores em posição. É por isso que ele é chamado wen”. (V.15) Já que, de acordo com o Tso chuan, K’ung Wen Tzu deve ter morrido em algum momento entre 484 e 480 a.C., e já que Confúcio estava de volta em Lu no final do ano 484, no mais tardar, é bem possível que essa conversa tenha acontecido em Wei, antes de Confúcio regressar para seu próprio reino, embora seja mais provável que tenha ocorrido em Lu, após o retorno de Confúcio. A seguinte passagem dos Analectos é anterior a quando Confúcio deixou Wei: Tzu-lu disse: “Se o senhor de Wei encarregasse você da administração (cheng) do reino, o que você faria primeiro?”. O Mestre disse: “Se algo tem de ser feito primeiro, é, talvez, a retificação (cheng) dos nomes”. Tzu-lu disse: “É mesmo? Que caminho indireto o Mestre toma! Para que tratar da retificação?”. O Mestre disse: “Yu, como você é atrapalhado. Espera-se que um cavalheiro não ofereça nenhuma opinião sobre aquilo que desconhece. Quando os nomes não são corretos, o que é dito não soará razoável; quando o que é dito não soa razoável, os negócios não culminarão em sucesso e ritos e músicas não florescerão; quando ritos e música não florescerem, a punição não encerrará os crimes; quando a punição não encerrar os crimes, o povo ficará desanimado. Assim, quando o cavalheiro nomeia algo, o nome com certeza terá uma função no seu discurso, e, quando ele disser algo, com certeza será algo passível de ser colocado em prática. Um cavalheiro é tudo menos casual quando se trata de linguagem”. (XIII.3) Talvez seja possível detectar, nessa insistência quanto à necessidade de correção das palavras, uma referência velada à disputa, na qual o pai não se comportou como pai, e o filho não se comportou como filho. Em Mencius, é dito que Confúcio assumiu um cargo subordinado ao duque Hsiao, de Wei, e Mêncio descreve isso como o caso de uma nomeação que se deveu ao fato de que o príncipe queria ter pessoas boas na sua corte (V.B.4). Não há duque Hsiao em Wei, tanto de acordo com Anais de Primavera e Outono quanto com o Shih chi. Chu Hsi sugeriu que o duque Hsiao era na verdade Che. [239] Ts’ui Shu apontou que era muito provável que Duque Despossuído (Ch’u Kung) não fosse um título póstumo apropriado e que ele poderia muito bem ter recebido o título de hsiao (filial) em vista da sua obediência aos desejos de seu avô, ao resistir ao próprio pai. [240] 7. Retorno a Lu e últimos anos de vida Já vimos que de Wei Confúcio regressou a Lu, por volta do final de 484 a.C., no mais tardar. O duque Ai de Lu subiu ao trono em 494 a.C., ao passo que Chi K’ang Tzu sucedeu seu pai no poderoso cargo de ministro de Lu, em 493 a.C. Confúcio, entretanto, havia deixado Lu em 497 a.C. Assim, todas as conversas com duque Ai e Chi K’ang Tzu devem ter ocorrido após seu regresso a Lu, em 484 a.C. e antes da sua morte, em 479 a.C. As opiniões que Confúcio expressou nessas conversas são particularmente importantes como opiniões que um filósofo amadureceu no decurso de uma longa e atribulada vida. De acordo com Tso chuan, conforme vimos, em 484 a.C. Chi K’ang Tzu consultou Confúcio, por intermédio Jan Yu, sobre assuntos de impostos. Há uma passagem em Os analectos sobre Jan Yu que talvez esteja ligada a este incidente: A riqueza da família Chi era maior do que a do duque de Chou, e mesmo assim Ch’iu ajudou-a a enriquecer ainda mais por meio do recolhimento de impostos. O Mestre disse: “Ele não é discípulo meu. Vocês, meus jovens amigos, podem atacá-lo abertamente ao rufar dos tambores”. (XI.17) Mêncio, citando as palavras de Confúcio, acrescentou um comentário próprio: Enquanto ele era administrador da família Chi, Jan Ch’iu dobrou a carga de impostos sem ter como melhorar a virtude deles. Confúcio disse: “Ch’iu não é discípulo meu. Vocês, meus jovens amigos, podem atacá-lo abertamente, ao rufar dos tambores”. A partir disso pode ser visto que Confúcio rejeitava aqueles que enriquecem os governantes que não são dados à prática do governo benevolente. (IV.A.14) [241] Em 481 a.C., Ch’en Heng assassinou o duque Chien, de Ch’i. Esse acontecimento, referido no Tso chuan (duque Ai 14), [242] é registrado em Os analectos. Ch’en Ch’eng Tzu matou o duque Chien. Depois de lavar-se cuidadosamente, Confúcio foi à corte e reportou-se ao duque Ai, dizendo: “Ch’en Heng matou seu próprio senhor. Posso pedir que um exército seja enviado para puni-lo?”. O duque respondeu: “Diga isso aos Três Senhores”. Confúcio disse: “Reportei-o ao senhor simplesmente porque tenho o dever de fazê-lo, já que ocupo lugar junto aos ministros, mas mesmo assim o senhor diz: ‘Diga aos Três Senhores’”. Ele foi e reportou-se aos Três Senhores, e eles recusaram seu pedido. Confúcio disse: “Reporto isso aos senhores simplesmente porque tenho o dever de fazê-lo, já que ocupo um lugar junto aos ministros”. (XIV.21) Isso parece indicar que, após ser chamado de volta a Lu, Confúcio foi feito ministro de baixa hierarquia. No mesmo ano, de acordo com Tso chuan, [243] um ch’i lin (unicórnio) foi pego numa caçada e Confúcio o identificou como tal. Como o Ch’un ch’iu (Anais de Primavera e Outono) termina com a captura do ch’i lin e a Confúcio é creditada a autoria dos anais (Mencius, III.B.9), parece provável que tenham sido terminados em 481 a.C. Confúcio não apenas preocupava-se muito com o Ch’un ch’iu, como também se preocupava profundamente com a música e as Odes. Nos Analectos, encontramos: O Mestre disse: “Foi depois da minha volta de Wei para Lu que a música voltou à ordem, com o ya e o sung sendo designados para os devidos lugares”. (IX.15) Como o ya e o sung são duas partes das Odes, isso pareceria sustentar a tradicional ideia de que Confúcio editou as Odes, embora a crença, também tradicional, de que ele reduziu o número de Odes de três mil para trezentas é quase que certamente um exagero. À parte a única conversa com o duque Ai, citada anteriormente, que pode ser datada com exatidão, há outras passagens em Os analectos nas quais figuram o duque ou Chi K’ang Tzu cuja data não pode ser fixada com precisão. Aqui estão as passagens nas quais o duque figura: O duque Ai perguntou: “O que devo fazer para que o povo veja em mim um exemplo?”. Confúcio respondeu: “Promova os homens corretos e coloque-os acima dos desonestos, e o povo o admirará. Promova os homens desonestos e coloque-os acima dos homens corretos, e o povo não o admirará”. (II.19) O duque Ai perguntou a Tsai Wo sobre o altar do deus da terra. Tsai Wo respondeu: “Os Hsia usavam o pinho, os Yin usavam o cedro, e os homens de Chou usavam castanheira (li), dizendo que fazia o povo tremer (li)”. O Mestre, ouvindo a resposta, comentou: “Não se explica o que já está feito, e não se discute sobre o que já foi realizado, e não se condena o que já passou”. (III.21) Quando o duque Ai perguntou qual dos seus discípulos tinha sede de aprender, Confúcio respondeu: “Havia um Yen Hui que tinha sede de aprender. Ele não descarregava sua raiva em uma pessoa inocente, tampouco cometia o mesmo erro duas vezes. Infelizmente, o tempo de vida que lhe coube era curto, e ele morreu. Agora, não há ninguém. Ninguém com sede de aprender chegou ao meu conhecimento”. (VI.3) Aqui estão as passagens nas quais Chi K’ang Tzu aparece: Chi K’ang perguntou: “Como se pode inculcar no povo a virtude da reverência, de dar o melhor de si e com entusiasmo?”. O Mestre disse: “Governe-o com dignidade e o povo será reverente; trateo com bondade e o povo dará o melhor de si; promova os homens bons e eduque os mais atrasados, e o povo ficará tomado de entusiasmo”. (II.20) Chi K’ang Tzu perguntou: “Chung Yu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?”. O Mestre disse: “Yu é decidido. Que dificuldades ele poderia encontrar ao assumir um cargo?”. “Ssu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?” “Ssu é um homem inteligente. Que dificuldades ele poderia encontrar ao assumir um cargo?” “Ch’iu é bom o suficiente para que lhe seja oferecido um cargo oficial?” “Ch’iu é um homem completo. Que dificuldades ele poderia encontrar ao assumir um cargo?” (VI.8) Quando K’ang Tzu mandou-lhe remédios de presente, [Confúcio] curvou a cabeça até o chão antes de aceitá-los. Entretanto, disse: “Como não conheço as propriedades destes remédios, não ouso prová-los”. (X.16) Chi K’ang Tzu perguntou qual dos seus discípulos tinha sede de aprender. Confúcio respondeu: “Havia um chamado Yen Hui que tinha sede de aprender, mas infelizmente o tempo que lhe foi concedido era curto, e ele morreu. Agora, não há ninguém”. (XI.7. Essa passagem é muito parecida com VI.3, citada previamente.) Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre governo. Confúcio respondeu: “Governar é corrigir. Se você der exemplo ao ser correto, quem ousaria continuar sendo incorreto?”. (XII.17) O grande número de ladrões na região era uma fonte de preocupação para Chi K’ang Tzu, que pediu conselho a Confúcio. Confúcio respondeu: “Se você não fosse um homem ganancioso, ninguém roubaria, nem mesmo se oferecessem recompensas aos ladrões”. (XII.18) Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre o governo, dizendo: “O que o Mestre pensaria se, para me aproximar daqueles que seguem o Caminho, eu matasse aqueles que não o seguem?”. Confúcio respondeu: “Qual a necessidade de matar para administrar um governo? Apenas deseje o bem, e o povo será bom. A virtude do cavalheiro é como o vento; a virtude do homem comum é como grama. Que o vento sopre sobre a grama, e esta com certeza se dobrará”. (XII.19) De acordo com o Tso chuan, [244] Confúcio morreu no quarto mês do 16º ano do duque Ai (479 a.C.). Ideias canônicas no Shih chi e em outras obras Os textos que dizem respeito a Confúcio no Shih chi, a maioria dos quais podem ser encontrados em outros trabalhos, dividem-se em duas categorias. A primeira consiste em histórias que mostram Confúcio como um sábio, de alguma forma diferente dos mortais comuns. A segunda categoria diz respeito à obtenção de altos cargos por Confúcio e o que ele fez no cargo. Nenhuma das duas categorias merece muito crédito, mas pode ser instrutivo examinar algumas dessas histórias. Da primeira categoria, já vimos as histórias do Kuo yü designadas a mostrar que Confúcio tinha um conhecimento extraordinário sobre criaturas e objetos raros. Todas elas estão incorporadas na biografia de Shih chi. Outro tipo de história tenta mostrar que Confúcio era diferente dos outros homens. Por exemplo, seu nascimento foi do tipo que se poderia esperar para um sábio. O Shih chi diz: [Shu Liang] He e uma moça da família Yen tiveram uma relação ilícita e Confúcio nasceu. [Ela] estava rezando no monte Ni (Ni Ch’iu) e teve Confúcio. No 22º ano do duque Hsiang de Lu, Confúcio nasceu. Ele nasceu com o topo da cabeça achatado. Assim ele foi chamado Ch’iu [245] . Seu tzu era Chung-ni, e seu nome de família era K’ung. (p. 1.905) Essa passagem pretende mostrar que Confúcio teve um nascimento incomum, resultado de uma união ilícita entre Shu Liang e uma moça da família Yen. Também mostra que Confúcio era fisicamente diferente dos homens comuns. O topo da sua cabeça era afundado como um vale. Daí ele ser chamado Ch’iu. Aqui Ssu-ma Ch’ien parece ter preservado duas correntes tradicionais diferentes. De acordo com a primeira, Confúcio foi chamado de Ch’iu porque o topo da sua cabeça era como um monte afundado no meio (ch’iu). De acordo com a segunda, seu nome era Ch’iu e seu tzu era Chung-ni porque era para o monte Ni (Ni Ch’iu) que sua mãe rezava. Há ainda outra história no Shih chi sobre as peculiaridades físicas de Confúcio: Confúcio foi para Cheng e separou-se dos seus discípulos. Ele ficou sozinho junto ao portão leste da muralha externa. Alguém de Cheng disse a Tzukung: “Junto ao portão leste há um homem. A julgar pela cabeça ele se parece com Yao, pelo pescoço, parece Kao Yao, pelos ombros, Tzu-ch’an, e da cintura para baixo ele é três polegadas mais baixo que Yü. Ele parece abatido como o cachorro de uma família que foi privada dos seus bens”. Tzu-kung contou isso para Confúcio, que sorriu, alegre, e disse: “A aparência de uma pessoa não tem a menor importância, mas dizer que pareço um cachorro de uma família despossuída, de fato é assim, de fato é assim”. (p. 1.921-2) Isso deve ter tido origem como uma história para ridicularizar a aparência deselegante de Confúcio, embora pareça ter sido transformada pelas mãos de algum editor confuciano em uma história que mostra, por meio da observação final, a displicência de Confúcio para com aparências. Seja qual for o caso, é certamente fundada na crença popular de que um sábio deveria parecer muito diferente dos homens comuns. Há ainda outro tipo de história que foi inventada para mostrar que muito cedo na vida Confúcio já dava mostras do sábio que viria a ser. Por exemplo, no Shih chi aparece: Quando Confúcio, criança, brincava, ele lançava navios sacrificiais e praticava os rituais devidos. (p. 1.966) O Shih chi continua, dizendo: Quando Confúcio tinha dezessete anos, Meng Hsi Tzu disse para seus filhos: “K’ung Ch’iu é descendente de um sábio que foi morto no reino de Sung... Ouvi dizer que dentre os descendentes de um sábio, embora não necessariamente de seus descendentes diretos, surgirá um homem que se distinguirá. Agora K’ung Ch’iu é jovem e gosta dos ritos. Ele é provavelmente aquele que se distinguirá. Se eu morrer, vocês devem fazer dele seu professor”. Quando Hsi Tzu morreu, Yi Tzu e Nan-kung Chingshu, o homem de Lu, foram estudar os ritos com ele. (p.1.908) Já vimos que Meng Hsi Tzu só morreu no 24º ano do duque Chao (518 a.C.), embora no Tso chuan a conversa seja registrada como tendo ocorrido sob o sétimo ano do duque Chao (535 a.C.), porque foi seu fracasso ao realizar a cerimônia naquele ano que provocou suas palavras moribundas. Ssu-ma Ch’ien, aparentemente, leu errado o Tso chuan e tomou 535 a.C. como o ano da morte de Meng Hsi. Ts’ui Shu apontou que em 535 “não apenas Confúcio era muito novo para ser um professor, como nenhum dos dois filhos de Hsi Tzu era nascido”. [246] O erro deve ter sido induzido, para começar, pela crença de que Confúcio muito cedo mostrou-se uma promessa como professor de ritos. Nesse sentido vale a pena dar uma olhada na história sobre Confúcio recebendo instruções de Lao Tzu. Nan-kung Ching-shu de Lu disse para o senhor de Lu: “Dê permissão para o seu serviçal ir a Chou com Confúcio”. O senhor de Lu deu-lhe uma carruagem e dois cavalos, além de um serviçal, e ele foi [com Confúcio] para Chou, para perguntar sobre os ritos. Foi provavelmente então que eles encontraram Lao Tzu. Quando partiram, Lao Tzu despediu-se deles e disse: “Ouvi dizer que homens ricos e com altos cargos dão dinheiro como presente, enquanto homens benevolentes dão palavras. Não pude ganhar nem riqueza nem altos cargos, mas me chamam, ainda que não mereça, de homem benevolente. Estas palavras são meu presente de despedida: ‘Há homens com mentes inteligentes e penetrantes que estão sempre perto da morte. Isso porque expõem as más ações dos outros. Nem um filho nem um súdito deveria encarar a sua pessoa como sua própria’”. (Shih chi, p. 1.909) Embora nenhuma data esteja relacionada a esse incidente, a passagem obviamente dava continuidade à passagem contendo as últimas palavras de Meng Hsi Tzu. Entre as duas aparecem duas outras passagens. A primeira registra a morte de Chi Wu Tzu e sua sucessão, por P’ing Tzu. A segunda é um parágrafo que resume toda a carreira de Confúcio, do tempo em que ele era um pequeno oficial até quando voltou de suas viagens a Lu, em 484 a.C., quando ele tinha 68 anos. Agora, se o relato do encontro entre Confúcio e Lao Tzu indica o ano 535 a.C., não pode dizer respeito a nenhuma época posterior a 522 a.C, já que a biografia retoma sua ordem cronológica dessa passagem em diante e já que o próximo acontecimento registrado é a visita a Lu do duque Ching de Ch’i no segundo ano do duque Chao (522 a.C.). Mesmo em 522 a.C., Nan-kung Ching-shu não teria mais do que dez anos. Teria sido absurdo um garoto daquela idade, cujo pai ainda estava vivo, aproximar-se do senhor de Lu pedindo permissão para ir a Chou com Confúcio. Isso mostra que a história de um encontro entre Confúcio e Lao Tzu, tal qual é contada em Shih chi, é cheia de inconsistências. Como Confúcio era muito interessado em música, naturalmente havia histórias sobre ele nesse sentido. Uma dessas histórias, encontrada no Han shih wai chuan e no reconstituído K’ung tzu chia yü, também pode ser encontrada no Shih chi. Confúcio estava aprendendo a tocar uma peça musical com o mestre de música Hsiang. Ele estava progredindo, até que, no final, ele viu a aparição de um compositor. Ele descreveu o que estava vendo e disse: “Quem mais poderia ele ser, senão King Wen?”. O mestre de música ficou surpreso com isso e confessou que seu professor de fato dissera que a música era de King Wen (Shih chi, p. 1.925). A natureza fantástica dessa história dispensa comentários. Agora podemos nos voltar às tradições sobre a carreira oficial de Confúcio. O Shih chi diz: Em seguida, o duque Ting fez de Confúcio o administrador de Chung Tu. Depois de um ano, todos o tomaram como modelo. De administrador de Chung Tu ele se tornou ssu k’ung e de ssu k’ung ele se tornou ssu k’ou. (p. 1.915) Tudo isso supostamente aconteceu no período de um ano, o nono ano do duque Ting (501 a.C.). É possível que Confúcio tenha realmente ocupado o cargo de administrador de Chung Tu, conforme é sustentado pelo capítulo T’an kung de Li chi [247] , mas como ser administrador de Chung Tu era, presumivelmente, uma posição modesta, é difícil entender como ele pode ter sido feito ssu k’ung imediatamente após, e então ta ssu k’ou. E há outros problemas. A posição de ssu k’ung, um cargo encarregado do trabalho de construção em Lu, era, de acordo com o Tso chuan, de nível ministerial e sempre foi ocupado, sem nenhuma interrupção, pela família Meng; portanto, é difícil entender como Confúcio pode ter sido designado para o posto. Que ele tenha sido ta ssu k’ou também é algo problemático. Tanto Tso chuan quanto Mêncio apenas registraram que Confúcio era ssu k’ou, não ta ssu k’ou. [248] É possível que a pessoa que fabricou a história sobre Confúcio ter sido feito ta ssu k’ou estivesse vagamente a par que ssu k’ou era um cargo de status moderado, digamos o de ministro de baixa patente, e que a transferência da posição de ssu k’ung para ssu k’ou seria, na verdade um rebaixamento – e que seria contrário à proposta da história, que era conceder a Confúcio uma posição de maior importância –, e então acrescentou o epíteto ta – grande – ao título ssu k’ou. Isso é, claro, mera conjuntura, mas seja qual for o caso, a rápida ascensão de Confúcio como um oficial é mais provavelmente um feito de seus admiradores do que do duque Ting. A promoção de Confúcio no Shih chi não termina com o ta ssu k’ou. Continua para dizer que: No 14º ano do duque Ting [496 a.C.], quando Confúcio tinha 56 anos, de ta ssu k’ou ele [seguiu para] cumprir as funções de primeiro-ministro. (p. 1917) Embora aqui se diga que Confúcio “cumpria as funções de primeiroministro”, em todos os outros lugares de Shih chi essa expressão redundante é dispensada, e ele é simplesmente descrito como “primeiro-ministro de Lu”. [249] É instrutivo traçar a mudança nas palavras com as quais a posição oficial de Confúcio é descrita. Começamos com o Tso chuan (duque Ting 10) que simplesmente diz: “No verão o duque encontrou o marquês de Ch’i em Chu Ch’i, em outras palavras, em Chia Ku. K’ung Ch’iu realizou [a cerimônia] (hsiang)”. [250] A biografia do Shih chi, ao recordar o mesmo acontecimento, diz: “Confúcio cumpriu as funções de realizar [a cerimônia] (she hsiang shih)” (p. 1.915). A palavra hsiang é expandida à frase she hsiang shih, mas por causa do contexto, o significado não mudou muito. Mais além na biografia, encontramos: No 14º ano do duque Ting, quando Confúcio tinha 56 anos, de ta ssu k’ou ele [seguiu] para cumprir as funções de primeiro-ministro (hsing she hsiang shih). (p. 1.917) Mas ainda aqui outra palavra, hsing, é acrescentada e, por causa do contexto, o significado da palavra hsiang transforma-se imperceptivelmente de “realizar” para “primeiro-ministro”, e a frase muito naturalmente passa a significar “cumprir funções de primeiro-ministro”. A transformação é completa quando, conforme vimos, em qualquer outra passagem do Shih chi, Confúcio é simplesmente descrito como primeiro-ministro de Lu (hsiang Lu). De ter estado presente, certa vez, na cerimônia durante um encontro do duque de Lu e do duque de Ch’i, a posição de Confúcio foi gradualmente inflada até que ele se tornou primeiro-ministro de Lu. Parece que, quanto mais tardia a tradição, mais exaltada é a posição de Confúcio. Há, entretanto, empecilhos para a teoria de que Confúcio tenha sido, algum dia, primeiro-ministro. Primeiro, como Ts’ui Shu apontou, [251] no período ch’un ch’iu a palavra hsiang ainda não era usada para primeiro-ministro. Em segundo lugar, por volta de 496 a.C., Confúcio já não estava mais em Lu. Temos a autoridade de Mêncio, que disse: “Confúcio era ssu k’ou, mas seus conselhos não eram seguidos. Ele tomou parte em um sacrifício, mas depois não lhe foi dada uma parte da carne do animal sacrificado. Ele deixou o reino sem sequer esperar para tirar seu chapéu cerimonial” (VI.B.6). De acordo com isso, não apenas Confúcio partiu antes de 496 a.C., como quando foi embora ele era apenas um ssu k’ou. Também o Lü shih ch’un ch’iu diz que Confúcio, a despeito do número de governantes aos quais ele se apresentou em suas extensas viagens, “atingiu apenas o cargo de ssu k’ou de Lu”. [252] Isso, na verdade, é uma afirmação velada de que durante toda a sua vida Confúcio nunca atingiu uma posição mais alta que a de ssu k’ou de Lu. Há outro ponto que é importante. Como o Lü shih ch’un ch’iu foi terminado em 240 a.C., isso mostra que até mesmo naquela data não havia uma tradição unanimemente aceita de que Confúcio alguma vez tenha sido primeiro-ministro ou mesmo ssu k’ung, e, assim, devemos ser céticos quanto a tais ideias. Tendo feito de Confúcio primeiro-ministro, o Shih chi continua e diz: Em seguida ele matou Shao Cheng Mao, um ministro de Lu que causava desordem no governo. (p. 1.917) Apesar de que essa entrada no Shih chi, provavelmente oriunda de fontes legalistas, é de pouca significância em si, por causa da inerente improbabilidade do evento, é necessário analisá-la em detalhe já que era, há alguns anos, usada em ataques mal-informados a Confúcio por motivos políticos posteriores. O relato em Shih chi é excessivamente breve, mas, felizmente, também são (...). www.https//rt.br. Abraço. Davi.