“Um garotinho bateu a porta do paraíso e
quando São Pedro chegou, ele pediu permissão para entrar. São Pedro disse-lhe
para esperar um pouco, enquanto ia consultar Deus. Enquanto esperava, o menino
olhou em volta, para a ampla paisagem que o rodeava. Como era fim de outono, as
árvores estavam cobertas com folhas douradas, avermelhadas, alaranjadas e
verdes. Até onde o olhar podia alcançar, havia árvores fulgurantes, umas atrás
das outras, colinas e colinas de beleza flamejante. São Pedro então retornou.
Eu tenho a resposta de Deus. Você vê todas aquelas árvores? E mostrou com a mão
360 graus no horizonte. O garotinho respondeu: Sim. São Pedro continuou: Deus
disse que, quando as folhas tiverem caído dessas árvores tantas vezes quanto há
folhas nas árvores, você poderá entrar no paraíso. O garotinho sentou-se sem
pressa e, olhando para São Pedro, disse-lhe: Por favor, diga a Deus que a
primeira folha já caiu”. Mateus 18:2-4 “E Jesus, chamando uma criança,
colocou-a no meio deles. E disse: Com toda a certeza vos afirmo que, se não vos
converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no
Reino dos Céus. Portanto, todo aquele que se tornar humilde, como esta criança,
esse é o maior no Reino dos céus (...)”. A fábula acima mostra a visão simples,
ingênua e autentica de uma criança interessada em adentrar ao paraíso. A
franqueza e singeleza das crianças conseguem penetrar a realidade do mistério,
desse que, atormenta e deixa desacordado os exegetas e hermeneutas estudiosos
da bíblia. A belíssima paisagem no fundo da narrativa onde o menino está
incluído com árvores, provavelmente de todos os tamanhos, encimadas com folhas
douradas, avermelhadas, alaranjadas e verdes. Além do outono, a estação que
caem as flores, completam o cenário da vida humana renascente que alcançará
prelúdio místico. A menção do outono é um referência a normalidade dos estágios
humanos. A primavera é nossa chegada ao mundo como ser, criança. O verão é o
desabrochar de nossa adolescência e efervescer da juventude. O outono é nossa
maturidade, fase adulta, advinda da fase adulta. E o inverno é a velhice
prenunciando a morte como retorno de onde viemos e para onde vamos. Gênesis
3:19 “Portanto es pó e em pó tornaras”. No contexto da fábula temos duas
estações vivenciadas pela criança, onde chegando ao paraíso ela é primavera,
uma candura capaz de transcender nossas inquietações e ultrapassar os conflitos
expressos no sofrimento. Seu olhar outonal revela um dos requisitos para
ultrapassar o portal do gozo e desfrute do Senhor, aquilo que é dito em Mateus
25:21 “entra no gozo do teu Senhor”. Assim não vemos no paraíso a inquietação
de opiniões e conflitos de identidade manifestados no verão. Nem a rigidez de
conceito inalteráveis, ranzinza e inconveniente no falar no inverno. Característica
de muitos idosos desprovidos da sabedoria vinda do alto. Deus nos guarde de
envelhecermos com tal feiura expostas em vícios tão horríveis. Que a beleza dos
atos virtuosos possam sobressair em nossas atitudes para com o próximo. Marcos
8:24 “E, levantando ele os olhos disse: Vejo os homens, pois os vejo como
árvores que andam”. As árvores são a tipologia do homem em evolução espiritual.
Na lenda narrada cada árvores tem uma cor específica, tonalizada em níveis de
aproximação com a natureza divina dourada. O verde representa a cor primordial,
a essência de todas as espécies vegetais, imprescindível ao desenvolvimento da
vida. O alaranjado manifesta um progresso rumo ao Divino e o avermelhado,
comparado ao fogo, tipifica a centelha divina contida em cada ser existente. O
conto é interessante principalmente por não se ater apenas a tradição cristã,
mas incluir elementos de outras espiritualidade criando um prisma (diferentes
cores), símbolo da verdade na filosofia espiritual. Vejamos, num panorama geral,
o céu aqui apresentado não é um estado real ou físico como imaginamos em nossa
cultura. Quando o vemos nesse “quadro” pintado pelo autor percebemos que ao
mesmo tempo que ele está fora do garotinho, ele também está dentro de sua
consciência. A ideia passada é que o paraíso é inerente ao ser humano, todos
tendo acesso a esse descanso. Mas a “entrada” se faz em dois aspectos: pelo
contar das folhas das árvores e nosso tempo harmonizado pelas “estações” do
ano. Desse modo alguns demorarão mais tempo para ser incluídos nesse sossego,
tranquilidade e paz que outros. Por dedução, esse tempo terá períodos
diferenciados dependendo da coloração de nossas folhas, incorporando o conceito
bíblico que somos num certo sentido vegetais. As árvores que se aproximam do
dourado, parecem ter preeminência nesse intervalo temporal com mais
longevidade. O garotinho imagino como a figura da alma humana, aquela que está
a viajar pelo microcosmo, tipificada pela nossa consciência e coração, e pelo
macrocosmo o universo infinito e eterno. Nessa viagem ela procura o tempo todo
pela sua própria origem que é Deus. Nunca desistindo desse propósito, pois para
isso ela foi formada e infalivelmente chegará ao seu destino. Deus é aquele que
nos aguarda de braços aberto, esperando pra beijar-nos e colocar-nos em sua
morada, que é Ele mesmo. João 6:37 “O que vem a mim de maneira nenhuma o
lançarei fora”. No conto não se passa a ideia que Deus está trancado num lugar,
sentado num trono ou num gabinete luxuoso, cercado dum cerimonial e guardiães a
escolta-lo. Pouco se fala Dele, admitindo-se que seu revelar está no oculto e
no escondido, e pra penetrar nesse portal da presença divina, só com o
esvaziamento do Ego e desapego das coisas mais preciosas que valorizamos. Como
diz o Mestre Jesus em Mateus 29:19 “Também todos aqueles que tiverem deixado
casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou terra, por causa do meu nome,
receberão cem vezes mais e herdarão a vida eterna”. Um texto de difícil
interpretação, e geralmente as que lemos são equivocadas, pois fixam-se mais na
literalidade do argumento, dando margem a absurdas explicações. Aqui enuncia a
renúncia e abnegação extremas, apenas adquirida por místicos e indivíduos
comprometidos com a fraternidade humana e interesse em ajudar na evolução
espiritual de todos os seres. A figura de São Pedro como tendo a chave do céu é
um arquétipo mitológico encontrado em tradições espiritual dos antigos
egípcios, sumérios e babilônios. Evidentemente não nesse contexto específico,
mas em condições que acessam ao postulante do paraíso sua entrada nesse reino
de consolação e refrigério. Que possamos permitir que o Eterno trabalhe as
estações do ano em nossa vida com equilíbrio, aparando os excesso, mudando a
tonalidade de nossas folhas, depurando nossa personalidade e temperamento para
termos condições de frequentarmos por um milénio ou mais esse tão maravilhoso e
indescritível estado mental consciente chamado paraíso ou céu. Há momento
em nossas vidas que, em êxtases ou insight espirituais temos uma amostra
dessa realidade imprimida em nosso espírito. Afinal o garotinho entrou no céu
ou não? Não tenhamos dúvida. Todo o ambiente em que ele se encontrava era o
paraíso. Ele lá estava antes mesmo de chegar; essa ideia é desprendida na
narrativa onde não conseguimos mensura o tempo que normalmente imaginamos como
passado, presente ou futuro. O menino já vivia uma atemporalidade, transcendera
o espaço-tempo. É incrível pensar que o céu ou paraíso, baseado no argumento do
conto, é o aqui é agora. Podemos antecipadamente desfrutar parte dessa delícia
espiritual desde que assumamos a responsabilidade de pureza, santidade e amor
ao próximo, visualizado na frase: “Se não vos converterdes e não vos tornardes
como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus”. Abraço. Davi.
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