quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

HARMONIA RELIGIOSA COMPAIXÃO E O ISLÃ

 

Budismo Tibetano. www.berzinachives.com.br. HARMONIA RELIGIOSA COMPAIXÃO E O ISLÃ. Sua Santidade o XIV Dalai Lama (Tenzin Gyatso (1935- ) palestrou em Milão – Itália no dia 9 de dezembro de 2007. Transcrito e ligeiramente revisado por Alexandre Benzin. "Gostaria de falar um pouco sobre a harmonia religiosa. Às vezes, os conflitos envolvem a fé religiosa. Por exemplo, na Irlanda do Norte, embora no início o conflito fosse uma questão basicamente política, depressa se transformou numa questão religiosa. Isto é muito triste. Atualmente, os seguidores Xiitas e Sunitas também lutam às vezes entre si. Isto também é muito triste. E no Sri Lanka, embora o conflito também seja político, às vezes porém, ficamos com a impressão de que o conflito é entre hindus e budistas. Isto é realmente terrível. Antigamente, os seguidores de diferentes religiões estavam, na sua maior parte, isolados uns dos outros. Mas agora estão em contato muito mais próximo e por isso precisamos fazer um esforço especial para a promoção da harmonia religiosa. No primeiro aniversário do 11 de Setembro, foi organizada na Catedral Nacional de Washington – USA, uma cerimónia de oração. Eu estava nessa reunião e referi, durante o meu discurso, que infelizmente hoje em dia algumas pessoas transmitem a ideia de que todos os muçulmanos são militantes e violentos, porque alguns deles são perversos. Depois, elas falam de um conflito de civilizações entre o Ocidente e o islão. Essa não é a realidade. É absolutamente errado caracterizar como má toda uma religião por causa de algumas pessoas perversas. Isto é igualmente verdade a respeito do islão, do judaísmo, cristianismo, hinduísmo e do budismo. Por exemplo, alguns seguidores do protetor Dorje Shugden mataram três pessoas perto da minha residência. Uma das vítimas era um bom professor, crítico de Shugden, que morreu com dezesseis facadas. As outras duas eram seus estudantes. Aqueles assassinos foram realmente perversos. Mas por causa disso, dizer que todo o budismo tibetano é militante – ninguém acreditaria nisso. No tempo de Budha também havia algumas pessoas perversas, nada de especial. Desde o 11 de Setembro de 2001 no ataque as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque – USA, não obstante eu ser budista e não pertencer ao islão, tenho voluntariamente feito esforços no sentido de defender o Grande Islão. Muitos dos meus irmãos muçulmanos – muito poucas irmãs – explicaram-me que se alguém matar, isso não é do islão, porque um verdadeiro muçulmano, um verdadeiro seguidor do islão deve amar toda a criação tal como ama a Aláh e seu Profeta Muhammad. Todas as criaturas são criadas por Aláh. Se respeitamos e amamos Aláh, devemos amar todas as suas criaturas. Um meu amigo repórter passou uns tempos em Tehran, capital do Irã, na época do Aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989). Posteriormente, disse-me como o Mullah da região que coletou dinheiro de famílias ricas e o distribuiu às pessoas mais pobres, para as ajudar na educação e pobreza. Este é o verdadeiro processo socialista. Nos países muçulmanos, o juro bancário é desencorajado. Assim, se tivermos conhecimento do islão e virmos como os seus seguidores o praticam com sinceridade, então, como em todas as outras religiões, é verdadeiramente maravilhoso. Em geral, se tivermos conhecimento das religiões dos outros, poderemos desenvolver o respeito, a admiração e a compreensão mútuas. Por isso, precisamos de nos esforçar constantemente para promover a compreensão religiosa entre as crenças. Recentemente, em Lisboa – Portugal, assisti a uma reunião inter-religiosa numa mesquita. Esta foi a primeira vez que uma reunião inter-religiosa foi realizada numa mesquita. Após a reunião, fomos todos para o salão principal e meditámos em silêncio. Foi realmente maravilhoso. Por conseguinte, façam sempre um esforço pela harmonia inter-religiosa. Alguns dizem que Deus existe, outros que não – isso não é importante. O que é importante é a lei da causalidade. Isto é assim em todas as religiões – não matar, não roubar, não ao abuso sexual, não mentir. As diferentes religiões podem usar métodos diferentes, mas todas têm o mesmo propósito. Olhem para os resultados, não para as causas. Quando vão a um restaurante, apreciem apenas todos os diferentes alimentos, em vez de discutirem que os ingredientes desta refeição vêm daqui ou dali. O melhor é apenas comer e apreciar. Então, essas diferentes religiões – em vez de discutirem se a sua filosofia é boa ou má – verão que todas elas têm como propósito e objetivo o ensino da compaixão, e que todas elas são boas. O uso de métodos diferentes para pessoas diferentes é realista. Nós devemos adotar uma abordagem e uma visão realistas. A paz interior está relacionada com a compaixão. Todas as principais religiões têm a mesma mensagem – o amor, a compaixão, o perdão. Nós precisamos de uma maneira secular de promover a compaixão. Para as pessoas que seguem uma religião seriamente e com sinceridade, a nossa própria religião tem um grande potencial para aumentar ainda mais a nossa compaixão. Quanto aos não-crentes – aqueles que não têm nenhum interesse religioso em particular ou aqueles que até odeiam as religiões – às vezes também não têm nenhum interesse pela compaixão, pois pensam que a compaixão é uma questão religiosa. Isso está completamente errado. Se quiserem ver a religião como algo negativo, estão no seu direito. Mas não há motivos para termos uma atitude negativa em relação à compaixão. Primeiro, nós viemos das nossas mães. As outras pessoas e animais também vieram de mães e sobreviveram devido aos cuidados que elas tiveram. Há um certo fator biológico que nos une. Esse é um fator biológico. A minha própria mãe, por exemplo, era muito bondosa. Por isso, hoje, a primeira semente da minha compaixão veio da minha mãe, e não do budismo. Depois de ter estudado o budismo, ela apenas cresceu. Se não tivesse esse tipo de mãe bondosa ou se os meus pais me tivessem abusado, então se calhar hoje teria dificuldade em praticar a compaixão. Por conseguinte, a semente da compaixão é um fator biológico. Nós precisamos dela para sobrevivermos. A afeição é um fator essencial para uma correta educação. Os cientistas fizeram experiências com macacos bebês. Como as mães eram sempre brincalhões e só lutavam em algumas ocasiões. Os separados de suas mães estavam frequentemente tensos, infelizes e lutavam muito. Portanto, o crescimento está relacionado com a afeição dos outros. De acordo com cientistas médicos, foi verificado que quanto mais praticarmos a compaixão, tanto menos estresse e ansiedade e mais paz mental teremos. Teremos melhor circulação sanguínea e a nossa pressão arterial baixará. Em alguns casos, o sistema imunitário torna-se mais forte. Mas a constante raiva e ódio enfraquece o nosso sistema imunitário. Assim, a compaixão e o perdão são muito úteis para a saúde e para uma longa vida. Podemos ensinar isto às pessoas desde a infância, como parte dos serviços de saúde. Precisamos portanto de uma adequada promoção dos valores humanos, não só através da religião como através da educação secular. A educação moderna não dá muita atenção à ternura. Isso faz falta. Algumas universidades estão pesquisando formas de introduzir a ternura no sistema moderno de educação. Isso é muito bom. Precisamos de uma forma secular para promover a ética secular. Secular não significa ser-se contra a religião ou ter-se desrespeito por ela. Quando digo "secular", é como na constituição indiana. Mahatma Gandhi (1869-1948) deu ênfase à religião secular: fez orações de todas as religiões. "Secular" significa a não-preferência de uma religião sobre outra, mas o respeito por todas as religiões, incluindo por não-crentes. Assim, precisamos de éticas seculares através de métodos seculares, baseados na educação sobre experiência comum e prova científica. Pergunta: Hoje em dia, temos muito materialismo no mundo. E as pessoas materialistas? Como lidar com isto? Sua Santidade: As coisas materiais apenas facultam o conforto físico, não o conforto mental. O cérebro de uma pessoa materialista e o nosso cérebro são iguais. Assim, ambos experienciamos a dor mental, a solidão, o medo, a dúvida, o ciúme. Estes perturbam a mente de qualquer um. Removê-los com dinheiro – isso é impossível. Algumas pessoas com mentes perturbadas, com demasiado estresse, tomam medicamentos. Estes reduzem temporariamente o estresse, mas produzem muitos efeitos laterais. Não é possível comprar a paz mental. Ninguém a vende, mas todos a querem. Muitas pessoas tomam tranquilizantes, mas a verdadeira medicina para uma mente estressada é a compaixão. Por conseguinte, as pessoas materialistas precisam de compaixão. A paz mental é a melhor medicina para uma boa saúde. Traz mais equilíbrio aos elementos físicos. O mesmo é verdade relativamente ao dormirmos o suficiente. Se dormirmos com paz mental, então não teremos distúrbios e não precisaremos de tomar comprimidos para dormir. Muitas pessoas cuidam-se para terem uma bonita cara. Mas se estiverem irritadas, nem o uso de maquilhagem ajudará. Continuarão feias. Mas se não tiverem raiva, e sorrirem, então as suas caras se tornarão atrativas e parecerão mais inteligentes. Se fizermos um forte esforço na compaixão, então, quando a raiva vier, vem apenas por um momento. É como um sistema imunitário forte. Quando um vírus aparece, não causa muitos problemas. Por isso precisamos de uma visão holística e de compaixão. Então, com familiarização e análise sobre a interconectividade de todos, obteremos mais força. Todos nós temos o mesmo potencial para a bondade. Olhem para vós próprios. Vejam todos os potenciais positivos. Negativos também existem, mas o potencial para coisas boas também existe. A básica natureza humana é mais positiva do que negativa. A nossa vida começa com compaixão. Por isso, a semente da compaixão é mais forte do que a semente da raiva. Assim, olhem para vós de um modo mais positivo. Isto trará um humor mais tranquilo. Depois, será mais fácil quando surgirem problemas. Shantideva, um grande mestre budista (685) indiano, escreveu que, quando estamos prestes a enfrentar um problema, se nós analisarmos e virmos uma maneira de o evitar ou de o superar, não há necessidade de nos preocuparmos. E se não o pudermos superar, então a preocupação não ajuda. Aceitem a realidade. Assim, se estiverem interessados naquilo que eu digo, façam então vocês mesmos experiências. Se não estiverem interessados, esqueçam. Eu amanhã vou-me embora, mas os vossos problemas continuarão convosco". http://www.berzinarchives.com.br. Abraços. Davi.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

KENA

 

Hinduísmo. Livro Upanishades – O Sopro Vital do Eterno. KENA. De acordo com a versão inglesa de Swami Prabhavananda e Frederick Manchester. “Que a quietude desça sobre os meus membros. Minha fala, meu fôlego, meus olhos, meus ouvidos. Que todos os meus sentidos se tornem claros e fortes. Que Brahman se mostre a mim. Que eu jamais negue Brahman e nem brahman a mim. Eu com ele e ele comigo, possamos morar sempre juntos. Que seja revelada a mim. Que sou dedicado a Brahman, a sagrada verdade dos Upanishads. OM (...). Paz, paz, paz. QUEM COMAMDA a mente para que ela pense? Quem ordena que o corpo viva? Quem faz a língua falar? Quem é o Ser radiante que conduz o olho à forma e à cor, e o ouvido ao som? O Eu é o ouvido do ouvido, a mente da mente, a fala da fala. Ele também é o alento do alento, o olho do olho. Ao abandonarem a falsa identificação do Eu com os sentidos e com a mente, e ao saberem que o Eu é Brahman, os sábios, os deixarem este mundo, tornam-se imortais. O olho não o vê, nem a língua o exprime, nem a mente o alcança. Não o conhecemos e nem podemos ensiná-lo. Ele é diferente do conhecido, e diferente do desconhecido. Foi o que ouvimos dos sábios. Aquilo que não ser expresso em palavras mas pelo qual a língua fala, sabei que é Brahman. Brahman não é o ser que é adorado pelos homens. Aquilo que não é compreendido pela mente, mas pelo qual a mente compreende, sabei que é Brahman. Brahman não é o ser que é adorado pelos homens. Aquilo que não é visto pelo olho, mas pelo qual o olho vê, sabei que é Brahman. Brahman não é o ser que é adorado pelos homens. Aquilo que não é ouvido pelo ouvido, mas pelo qual o ouvido ouve, sabei que é Brahman. Brahman não é o ser que é adorado pelos homens. Aquilo que não é trazido pelo sopro vital, mas pelo qual o sopro vital é trazido, sabei que é Brahman. Brahman não é o ser adorado pelos homens. Se pensais que conheceis bem a verdade de Brahman, sabei que conheceis pouco. O que pensais ser Brahman no vosso Eu, ou o que pensais ser Brahman nos deuses, não é Brahman. Deveis, portanto, aprender o que é realmente a verdade de Brahman. Não posso dizer que conheço Brahman, totalmente. Nem posso dizer que não o conheço. Aquele dentre nós que o conhece é quem entende o espírito das palavras. Eu nem sei que não o conheço. Aquele que verdadeiramente conhece Brahman é quem sabe que ele está além do conhecimento, aquele que pensa que sabe, não sabe. O ignorante pensa que Brahman é conhecido, porém os sábios sabem que ele está além do conhecimento. Aquele que percebe a existência de Brahman por trás de todas as atividades do seu ser, seja sensação, percepção ou pensamento, somente ele obtém a imortalidade. Através do conhecimento de Brahman, vem o poder. Através do conhecimento de Brahman, revela-se a vitória sobre a morte. Abençoado o homem que enquanto ainda vive percebe Brahman. O homem que não o percebe sofre sua maior perda. Quando deixam esta vida, os sábios, que perceberam Brahman como o Eu em todos os seres, tornam-se imortais. Em determinada ocasião, os deuses obtiveram uma vitória sobre os demônios e, apesar de o terem feito apenas através do poder de Brahman, ficaram extremamente vaidosos. Eles disseram a si próprios, fomos nós que derrotamos os nossos inimigos, e a glória é nossa. Brahman percebeu a vaidade deles e apareceu diante deles. Porém eles não o reconheceram. Os outros deuses então disseram ao deus do fogo: fogo, descobri para nós quem é esse misterioso espírito. Sim, disse o deus do fogo, e aproximou-se do espírito. O espírito lhe disse: quem sois vós? Sou o deus do fogo. Alias, sou muito conhecido. E que poder exerceis? Posso queimar qualquer coisa que exista sobre a terra. Queimai isto, disse o espírito, colocando palha à sua frente. O deus do fogo caiu em cima da palha com toda a sua força, mas não pode consumi-la. Então voltou rapidamente para junto dos outros deuses e disse: Não posso descobrir quem é esse misterioso espírito. Os outros deuses disseram então ao deus do vento: Vento, descobri para nós quem é ele. Sim, disse o deus do vento, e aproximou-se do espírito. O espírito lhe disse: Quem sois vós? Sou o deus do vento. Aliás, sou muito conhecido. Voo velozmente através dos céus. E que poder exerceis? Posso soprar para longe qualquer coisa que se encontre sobre a Terra. Soprai isto para longe, disse o espírito, colocando palha diante dele. O deus do vento caiu em cima da palha com toda a sua força, porém, foi incapaz de movê-la. Então, voltou rapidamente para junto dos outros deuses e disse: Não posso descobrir quem é esse misterioso espírito. Os outros deuses disseram então a Indra, o maior deles todos. Oh! Respeitável, descobri para nós, nós vos suplicamos, quem é ele. Sim, disse Indra, e aproximou-se do espírito. Porém o espírito desapareceu, e em seu lugar surgiu Uma, a Deusa Mãe, bem aventurada e de uma beleza extraordinária. Contemplando-a, Indra perguntou: Quem era o espírito que apareceu para nós? Aquele, respondeu Uma, era Brahman. Foi através dele, e não de vós mesmos, que obtivestes a vitória e a glória. Desse modo, Indra, o deus do fogo e o deus do vento, reconheceram Brahman. O deus do fogo, o deus do vento e Indra, eles superaram os outros deuses, pois chegaram mais perto de Brahman, e foram os primeiros a reconhece-lo. Porém, dentre todos os deuses, Indra é supremo, pois ele foi dos três o que chegou mais perto de Brahman, e foi o primeiro deles a reconhece-lo. Essa é a verdade de Brahman com relação a Natureza, seja no clarão do relâmpago, ou no piscar dos olhos, o poder que aparece é o poder de Brahman. Essa é a verdade de Brahman com relação ao homem, nos movimentos da mente, o poder que aparece é o poder de Brahman. Por esse motivo, um homem deveria meditar sobre Brahman de dia e de noite. Brahman é o adorável ser em todos os seres. Meditai sobre ele assim. Aquele que medita desse modo sobre ele é respeitado por todos os outros seres. Um discípulo: Senhor, ensinai-me mais sobre o conhecimento de Brahman. O Mestre: Já vos revelei o conhecimento secreto. Austeridade, autocontrole, execução das tarefas sem apego, esse é o corpo daquele conhecimento. Os Vedas são os seus membros. A verdade é a sua verdadeira alma. Aquele que alcança o conhecimento de Brahman, livrando-se de todo o mal, encontra o Eterno, o Supremo”. Do Livro Os Upanishads. Sopro Vital do Eterno. Abraço. Davi.

domingo, 27 de dezembro de 2020

MESTRE E DISCÍPULO

 

Budismo. www.maisbelashistoriasbudistas.com.br. Nitiren Daishonin (1222-1282). Texto de Greg Martin. MESTRE E DISCÍPULO. Gostaria de referir-me sobre a relação de Mestre e Discípulo. Tenho vários motivos para escolher este assunto. Em primeiro lugar, porque ouvimos falar muito a respeito disso nesses últimos dias. Na realidade, e na opinião de alguns, ouvimos falar muito sobre o assunto. De fato, passaram-se trinta anos quando comecei a praticar, e já se falava sobre esse assunto, hoje ouço falar muito mais de que naquele tempo e, para ser honesto, este assunto de Mestre Discípulo me incomodou durante muito tempo. Não sei exatamente porque me incomodava, mas posso lhes dizer que me alegrou quando deixamos de chamá-lo "Mestre Discípulo" e passamos a chamá-lo "Mentor Discípulo", me deu um certo alívio. Mas continuava a me preocupar. Somente a ideia do Mentor, a simples imagem dessa pessoa, era muito difícil de aceitar. Mas paralelamente, ao estudar, algo que desfruto fazendo, quando lia o Gosho, quando lia o Sutra de Lótus ou a orientação do presidente Ikeda, ficava evidente que não podia descartar esta parte do ensinamento. Não podia ignorá-la: era importante. Realmente, o Sutra de Lótus na sua totalidade gira em torno da relação, diálogo e interação entre o Budha Sakyamuni e seus discípulos. O Gosho de Nitiren Daishonin é constituído de cartas escritas de um mestre aos seus alunos e pelo diálogo que ele criava nos seus escritos. Defrontava-me, então, com um verdadeiro dilema: por um lado, tinha aqui algo que não podia realmente compreender e que me sentia incomodado. Por outro lado, era consciente da extrema importância de entender este ponto para poder compreender o budismo. Portanto, gostaria de referir-me a alguns aspectos de minha atual (já que ela continua crescendo e desenvolvendo-se) perspectiva sobre a relação Mentor Discípulo. E antes de mais nada desejaria ler um fragmento de uma orientação do presidente Ikeda extraída de Fé em ação: "O sangue vital do Budismo existe somente dentro da fé correta e manifesta-se na Lei. Uma correta fé, veículo da corrente vital do Budismo, só se transmite através da relação Mentor Discípulo. Nitiren Daishonin escreveu no Gosho Advertências sobre os atos contra a Lei: “Se alguém esquecer o mestre original que trouxe a água da sabedoria desde o grande oceano do Sutra de Lótus, para seguir a outro certamente se afundará no interminável sofrimento da vida e da morte. E minha análise sobre o assunto tem me levado à conclusão de que Mestre Discípulo é, de fato, um modelo de fé religiosa válido para o próximo milênio. E não somente para nós, constitui um modelo de postura religiosa orientadora para todas as filosofias. Até agora, o modelo aceito de fé religiosa em quase todas as tradições tem sido aquele de relação entre "ser superior e ser inferior". Com grande frequência o mestre se eleva ao nível de um deus, deixa de ser um ser humano para situar-se num posto elevado. O mesmo encontramos dentro do ser humano em sua postura da fé: olhar para cima procurando alguma entidade maior ou poderosa. Não só "esta pessoa" encontra-se sobre nós, ela é melhor do que nós, mais poderosa do que nós, mais sábia do que nós, mas também supõe que estejamos "aqui embaixo". Esta relação "mais alto e mais baixo" conduz ao modelo básico de fé religiosa: o de adoração. Acaba-se adorando a este ser, esta entidade ou qualquer que seja o nome que queiram lhe dar. Será este o modelo correto de fé religiosa válido para nossos dias, para esta época? Minha conclusão é "Não". No exato momento em que o fundador de uma religião, por mais grandioso que tenha sido, é colocado num pedestal (...) o que acontece conosco? Somos situados embaixo. Isto nada mais é do que o resultado de uma tendência humana profundamente enraizada que é a falta de fé em nós mesmos, e a dificuldade de acreditar nas nossas próprias possibilidades. É algo difícil, certo? Recitamos o Nam myo horengue kyo, fazemos o Gongyo de manhã e à noite, aprendemos que nós somos o Budha (...), mas é difícil acreditar. É difícil de vivê-lo colocando em prática. Para os seres humanos é difícil aceitar nossa grandiosidade. Existe uma citação atribuída a Nelson Mandela (1918-2013) que afirma que não é da nossa fraqueza que temos medo, e sim de nossa luz, de nossa grandeza. Tememos que possamos chegar a ser, de fato, muito mais do que acreditamos ser. Temos a tendência de considerar outros como melhores, mais benevolentes, mais sábios, etc, e os colocamos num pedestal. Depositamos neles nossa confiança, esta é a história das religiões humanas. Em algumas tradições religiosas, se o fiel simplesmente pensasse em estar "lá em cima", esta arrogância já constituía uma heresia. Houve uma época na era Cristã em que torturavam e queimavam vivas às pessoas que afirmavam isso. Na A Sabedoria do Sutra de Lótus, o presidente Ikeda trata sobre esse ponto. Em referência ao Budha Sakyamuni (563 AC 480), Sensei cita a Jawaharlal Nehru (1889-1964), discípulo de Gandhi e primeiro governante da Índia após sua independência da Inglaterra em 1947, que afirmou uma vez que: no momento em que Sakyamuni foi elevado ao status de ser sobre humano pelos seus discípulos, sem dúvida cheios de boas intenções, e deixou de ser um ser humano para converter-se num deus, numa divindade, alguém melhor do que vocês e eu, foi nesse instante que desapareceu o humanismo do budismo. As pessoas começaram a venerar e buscar os poderes do Budha e, nesse processo, implicitamente aceitaram que eles mesmos careciam de poder. Viram como funciona? No mesmo instante em que começamos a buscar "fora", já estamos auto negando-nos. E quanto mais o fazemos, mais difícil é acreditar naquilo que poderíamos ser. A maioria das religiões concluem que "nós não somos isso", "nós não podemos fazer" e que a única esperança que podemos ter é que, ao morrer, acabaremos indo para um lugar melhor. Ralph Waldo Emerson (1803-1882) afirmou que nos Evangelhos sempre lemos a respeito da grandiosidade do homem (...), mas na igreja somente escutamos sobre a grandiosidade de Jesus. É aqui onde está o problema: devemos implorar a Jesus que nos devolva o poder, que nos permita que Deus entre em nossas vidas (...). Esta é uma visão muito pessimista da condição humana! Num sábado à noite, há dois anos atrás, estava na minha casa quando recebi um chamado de um membro da Califórnia, ela trabalhava como produtora de um programa de televisão do Reverendo Lawson, um ministro batista de Los Angeles. Um convidado agendado não poderia ir ao programa, então me convidou no lugar dele para o programa do Domingo, que seria transmitido por um canal cristão. "Mas antes de responder a ela, ela advertiu-me" devo lembrá-lo que amanhã é domingo de Páscoa e o Reverendo certamente perguntará: O que pensam vocês os budistas a respeito da ressurreição de Cristo? Respondi a esta senhora: "A verdade é que não pensamos frequentemente sobre este assunto!". Ela disse: "Mas, Greg, esta seria uma grande oportunidade para estabelecer um vínculo, porque você se lembra que o Rev. Lawson, que foi um dos discípulos do famoso libertário Martin Luther King (1929-1968), e já ouvirá falar a respeito da SGI". Então eu disse: "Não tenho a mínima ideia do que possa falar com ele". E ela me respondeu: "Bom, acredito que você pensará em alguma coisa" (conhecia-me muito bem!). Acabei aceitando. Então comecei a orar sobre o assunto e a pensar. E o que eu faço se me fizer esta pergunta? O que vou responder?. Eu acabava de terminar um novo fragmento de "A sabedoria do Sutra de Lótus" que aborda o modelo de fé religiosa de Mestre Discípulo e segundo o qual poderíamos considerar Jesus, sua vida e sua ressurreição como um mestre, um guia, um modelo para nossa própria vida e não como alguém especial a quem não nos parecemos. Então disse a mim mesmo: "Teremos que ir corajosamente onde nenhum budista jamais foi e vejamos no que acontecerá!". Iniciou-se o programa e começamos a conversar, tal como havíamos previsto, olhou-me e me perguntou: "O que os budistas pensam a respeito da crucificação e da ressurreição de Cristo?". Respondi baseando-me no conceito de "Mentor Discípulo" como modelo de fé religiosa para o século XXI. (Nesse momento, o programa estava sendo assistido em 15 milhões de lares nos Estados Unidos, tinha certeza de que haviam vários cristãos me vendo e avisando: "Olha o que vai responder!. De todos os modos, fui em frente: "Bem, meu Mestre ensina que o modelo correto de fé religiosa deveria ser o de Mentor Discípulo e não o de Deus Seres humanos. Portanto, se estudamos a vida e a morte de Jesus como ser humano e modelo de vida para nos ensinar sobre nossas próprias vidas, então podemos ter algumas conclusões. Antes de mais nada, ele foi ressuscitado. Isso significa que a vida não termina com a morte, e sim que há algo além: voltaremos a renascer. E, também, ele ressuscitou em melhores circunstâncias, não é mesmo? Sentou-se à direita de Deus, se meu conhecimento sobre cristianismo não estiver errado: uma esplêndida circunstância para renascer. O que o fez merecedor de tal magnífico renascimento? Como ganhou isso?" E logo acrescentei: "Para compreendê-lo, deveríamos analisar sua vida". "Algumas conclusões são: primeiro, o simples fato de que alguém viva por muitos anos não determina em que condições renascerá. A duração da própria vida não constitui o ponto, porque Jesus não viveu muitos anos. Segundo, quanto sofrimento nós podemos evitar, ou quão fácil e cheia de conforto seja sua vida, também não constitui o ponto, porque Jesus, pelo contrário, viveu e morreu com sofrimento e dificuldades. Em compensação, deveríamos analisar a história de sua vida e tentar perceber a verdadeira mensagem que ela transmite, encontra-se em como ele tratou aos outros, especialmente àqueles que as pessoas ignoravam, discriminavam ou marginalizavam: aos doentes, aos que sofriam, aos pobres, aqueles das camadas mais baixas da sociedade. E a maneira com que ele tratou seus semelhantes é que define a dimensão deste homem. É devido a isso que renasceu numa circunstância melhor". Portanto nós, como budistas, poderíamos considerar Jesus como um grande mestre e encontraríamos sabedoria neste ponto. Podemos extrair o sábio ensinamento de que a maneira como vivemos esta vida determinará a próxima, qualquer que esta seja. E, que o ponto chave é a maneira como atravessamos esta vida, deveríamos seguir seu comportamento, ser nós mesmos Jesus, em vez de venerar seu poder. Por isso, poderíamos considerar Jesus um mestre. O Reverendo Lawson olhou-me firmemente e eu pensei: "Ah aqui vai ter encrenca". Mas disse: "Isto é absolutamente correto! Como lhe ocorreu isso?" Tinha tido a mesma conversa com Dean Carter no fim de semana passado e ele tinha me confessado: "Sim, isto é absolutamente correto. O triste é que a maioria dos cristãos não o sabem". Do ponto de vista do modelo Mentor Discípulo, o Mentor nunca deixa de ser um ser humano, e devido ao Mentor continuar sendo um ser humano, é que faz o modelo transforma-se em algo que podemos alcançar. Não somente temos a possibilidade, mas encontra-se imbuído da imagem de que nós estamos fazendo o mesmo que ele.Assim como o presidente Ikeda diz no "A sabedoria do Sutra de Lótus": a relação de Mentor Discípulo nos desafia como discípulos a ter uma visão fundamentalmente diferente de nós mesmos. Podemos deixar de nos ver como inadequados, incapazes, ou não possuidores das mesmas qualidades que ele. Como discípulos, como estudantes, se optarmos pelo modelo Mentor Discípulo, ao reconhecer que o Mestre põe uma meta muito alta, ele acaba por nos mostrar a incrível capacidade do ser humano. O propósito da vida do Mestre (Sakyamuni, T'ienTai, Nitiren Daishonin, o presidente Ikeda ou quem for) não é dizer: "Olhem como sou grande!". E sim expressar: "Considerem-me como um exemplo de o quão grandes vocês podem chegar a ser!". Isto constitui uma visão completamente diferente do assunto: é um desafio, é difícil de acreditar. Quando admiramos um grande Mentor e aquilo que têm conseguido com o seu incentivo, sua coragem, sua benevolência e sua sabedoria, a primeira coisa que pensamos é dizer: "Ele deve ser diferente de nós" porque sentimos uma lamentável consciência de nossas fraquezas, limitações, maldades, pensamentos negativos e tudo mais, é impossível imaginar, que dentro de nossa vida humana, existam exatamente as mesmas qualidades. Aí reside o ponto: a possessão mútua dos Dez Estados, ela nos ensina que o Budha se manifesta como um mortal comum mesmo que cheio de fraquezas, preguiça e todo tipo de tendências negativas, e que também possui todas as qualidades de um Budha. Sakyamuni no Sutra de Lótus tentava nos ensinar à sua maneira não somente o quanto era grande sua vida, mas o mais importante era que o quanto grande é a vida de cada ser humano individual, já que eternamente possuímos a natureza de Budha e podemos manifestá-la na nossa vida cotidiana. Infelizmente, poucos anos após sua morte, seus discípulos perderam esta visão e começaram a acreditar que Sakyamuni era alguém especial, diferente, alguém que vocês e eu jamais poderíamos alcançar. Foi então, evidentemente, que o Budha histórico foi promovido a algo superior e nós fomos rebaixados, esta é a lacuna que existe entre ele e nós. E quem apareceu convenientemente entre ele e nós? Os sacerdotes: eles mesmos criaram seus próprios empregos. Se eles nos tivessem elevado ao mesmo nível do fundador, não teria existido o negócio. Portanto, se nos basearmos nas suas fracas naturezas, não está entre os principais interesses dos sacerdotes lembrar-nos que nós leigos também possuímos esse poder. Assim foi que os sacerdotes transformaram-se em emissários, em enviados. Eles dizem: "Não se preocupe, irei à cima da montanha e regressarei trazendo-lhe a mensagem do Budha, confie em mim. Lhe contarei o que ele me disse, mas você (...) não, você não pode ir, nãonão não". No instante em que isto aconteceu, o humanismo do Budismo se perdeu. Centralizou-se nos sacerdotes e intermediários, enquanto que para as pessoas comuns, você e eu, que vivemos vidas comuns, o budismo transformou-se em algo impraticável em nossa vida diária, e assim nos tornamos dependentes dos "intermediários", que diziam, interpretavam, ajudavam a entender e nos "concediam" a sabedoria. Pedíamos ajuda a eles, e eles oravam por nós, por algum motivo sua oração era mais poderosa que a nossa. Eles estavam mais próximos de Deus porque encontravam-se sempre em cima da montanha. O mesmo aconteceu com Jesus. O Jesus humano converteu-se assim no "Senhor Jesus Cristo". Um exemplo muito interessante desse modelo de fé religiosa é estabelecido no feudalismo. Do mesmo modo, há um Senhor Jesus Cristo, um Senhor Sakyamuni e nós não somos mais do que os camponeses "vassalos da fé", não é assim? E eternamente permaneceremos como vassalos ou meeiros da fé, por assim dizer. E sempre estaremos endividados com o armazém da companhia e o mesmo acontecerá com os nossos filhos, que herdarão nossa dívida. O Budha possui três virtudes: a de pai, mestre e soberano. Graças ao fato de Nitiren Daishonin inscrever o Gohonzon, este também possui essas três virtudes. Mas isto gera três relações: a de Pai Filho, a de Mestre Estudante a de Amo Subordinado. Então, se o budismo tem a função de pai, então seus discípulos são os filhos do Budha. Frequentemente ouvimos que "todos somos filhos do Budha". Na verdade, se o budismo influenciou o cristianismo, assim como dizem que fez, então isto equivale ao "Filho de Deus". Todos somos filhos e filhas de Deus sob este aspecto. Mas o modelo de Pai Filho é o mais adequado para a fé budista? Apesar de constituir um aspecto importante, para que o Gohonzon funcione como um pai que nos abraça com amor e benevolência, que cumpra as funções que todo pai deve cumprir (...) então deve existir um filho. Portanto, um aspecto da fé consiste em aproximar-se do Gohonzon e à prática, e confiantes como crianças. Não quero dizer que permaneçamos sendo infantis, mas que a pureza e a sinceridade da confiança no Budha constituem um importante aspecto da fé e assim entendemos porque as dúvidas interferem na fé. Se o bebê duvidar do leite materno e falar: "Espera um minuto, quero uma análise disso antes de bebê-lo", então se defrontaria com um verdadeiro problema! Claro que não se trata de fé cega e de confiança cega. Não deveríamos ser incondicionais, mas possuir confiança. Quantas vezes nossos antecessores nos pedem que "confiemos no Gohonzon?". Para ser capaz de confiar, é necessário impedir e ultrapassar as próprias dúvidas, sem escondê-las. Casualmente numa destas noites me perguntava como seria ter uma fé livre de dúvidas. Escutamos muito frequentemente que "Se realmente tivéssemos fé, se verdadeiramente fôssemos sérios, nunca deveríamos duvidar". Então, assim que temos dúvida, nós sentimos envergonhados por isso, ou escondemos, ou queremos suprimir, não podemos contar a ninguém porque estaríamos evidenciando algo que anda mal em nós mesmos. E isto é incorreto. Todos duvidamos. De fato, o Budha usou a dúvida no Sutra de Lótus para despertar o espírito de procura dos seus discípulos e ajudá-los a atravessar o lugar no qual se encontravam crentes de que já tinham atingido um novo estágio na fé. A dúvida constitui o primeiro passo para aprofundar nossa fé, portanto, não deveríamos nos envergonhar de nossas dúvidas, pelo contrário deveríamos ser honestos, assumi-las, enfrentá-las, explorá-las, porque uma fé mais profunda nos aguarda no final desse processo. Quanto mais profundas são nossas dúvidas, mais profunda é a fé que conquistamos uma vez que as vencemos. Portanto, deveríamos nos esforçar para ter uma fé "libertadora de dúvidas". Não livre de dúvidas e sim "libertadora de dúvidas", porque ao aplicar a força de nossa fé e prática para resolver nossas dúvidas nasce uma fé mais profunda. Esse é o verdadeiro aspecto de uma "criança". Mas a relação Pai Filho possui suas implicações. Uma criança depende do seu pai, não é igual ao pai. E, por isso, não constitui o modelo adequado de fé religiosa para nós, já que não desejamos ser dependentes de nosso mentor, sempre obrigados a lhe pedir nosso alimento, sempre escutando o que temos que fazer e necessitando da sabedoria necessária para decidir por nós mesmos. Ser dependente do Mentor também não é o modelo correto de fé. Por outro lado, existe a relação Soberano Súdito. Este é o modelo feudal do senhor e seus vassalos. A função do senhor feudal é proteger. No sistema feudal, os senhores tinham as armas e os soldados e assim protegiam as aldeias. Os vassalos faziam suas tarefas, cultivavam os campos e serviam ao seu senhor feudal. Este, em troca, os protegia. Portanto, a função de proteção surge quando participamos na nossa fé como bons soldados, como bons cidadãos da comunidade budista. Em nossos dias de democracia, predomina o pensamento de que a união dos budistas é o verdadeiro soberano, e não um indivíduo em particular. Na medida em que servimos a um grande objetivo, participando na grande tarefa do Kossen-rufu e concretizando o desejo do Budha como bons cidadãos da comunidade, estaremos protegidos. Mas a relação Soberano Súdito também tem implicações que não são apropriadas para um modelo de fé religiosa. O sujeito, o vassalo, nunca chegará a ser um senhor do sistema feudal: existe uma diferenciação entre classe alta, classe baixa, poderoso e fraco: definitivamente não é uma relação igualitária. Por isso, é importante servir à comunidade isso é correto e não o descartamos, mas também não constitui o modelo principal. O principal modelo de fé religiosa é o de Mestre Estudante porque constitui uma relação humana dentro da qual o estudante pode aspirar não somente se igualar ao seu mestre como também até ultrapassá-lo podendo ir mais longe do que ele. De fato, o desejo do mestre é que o estudante não só alcance ser igual a ele, partindo do que o mestre o ensinou, mas que o leve ainda a um nível mais alto. Este é o modelo correto de fé religiosa. Nós não escolhemos nossos pais, não escolhemos nosso soberano, ainda que desde o ponto de vista cármico o façamos, mas nós escolhemos nosso mestre. É uma escolha voluntária que fazemos e, devido ao fato de ser voluntária, constitui uma das relações mais importantes que podemos vir a ter na nossa vida. Existe um termo japonês chamado "judoshu" que significa "espírito de procura ao longo de uma vida". Não é nada fácil manter o espírito de procura ao longo da vida, é mais fácil quando somos jovens. Mas à medida que envelhecemos, torna-se mais difícil continuar buscando esse espírito, permanecer no caminho sem fim do crescimento pessoal e nunca chegar a um ponto no qual estamos satisfeitos e dizer: "eu consegui". De fato, minha própria experiência me ensina que quando penso que "Consegui" é onde corro mais perigo, isto porque é evidente que não o consegui, pelo contrário estou continuamente "conseguindo". Estou buscando constantemente e este é um aspecto importante de nossa fé. Existe um termo chamado "juji soku ganjin" que significa: abraçamos o Gohonzon com estas três orientações espirituais que acabamos de ver: como crianças, buscamos e confiamos no Gohonzon. Como estudantes, buscamos e confiamos no Gohonzon, buscamos nosso mentor Nitiren Daishonin ou o presidente Ikeda, que encarna o mentor porque é um excelente exemplo do que deve ser um discípulo. O presidente Ikeda está nos mostrando "Assim é como devemos caminhar nesta vida como discípulos de Nitiren Daishonin. Observem-me, eu lhes ensinarei. Lhes explicarei, lhes direi como serem excelentes discípulos". E "excelente discípulo" significa para Sensei "compartilhar o mesmo coração de Nitiren Daishonin". Os discípulos de Sakyamuni Budha, sem dúvida que por causa da sua sincera devoção, o elevaram a um plano especial, como alguém que se encontrava acima do ser humano comum e, nesse momento, a humanidade do budismo perdeu-se de vista. Nitiren Daishonin compreendeu perfeitamente este ponto. No Gosho "Sobre atingir o estado de Budha", Nitiren Daishonin afirma "Jamais pense que os 80.000 ensinos de Sakyamuni, assim como todos os Budhas e Bodhisattvas do universo, existem fora de sua vida". Está enfatizando esse exato ponto. O Budha Sakyamuni não está fora de nós, e sim que ele, o estado deBudha, encontra-se dentro de nós, e repete esta mensagem sempre em todos os seus Goshos. Nitiren Daishonin escreveu o Gosho "A abertura dos olhos" para abrir os olhos das pessoas para o seu próprio estado de Budha. Então, quem é o pai, mestre e soberano de todos os seres vivos? É Nitiren Daishonin. Mas essa não foi a única razão pela qual ele escreveu este tratado, e também o fez para abrir nossos olhos para as nossas próprias possibilidades. Mas, pouco após à sua morte e no fim de poucas gerações, Nitiren Daishonin, um ser humano incrível, benevolente, sábio, etc., mas ser humano em última instância, foi endeusado e nós começamos a nos auto degradar e a ideia do Budha Verdadeiro ou do tesouro do Budha deixou nos excluídos a vocês e a mim. Aquele ser humano converteu-se em algo "especial" e seus discípulos tinham esquecido sua mensagem. O 26º Sumo Prelado, Nitikan Shonin, lembrou isto e retornou ao ponto primordial. Ele disse: "O estado de vida de Nitiren está dentro de vocês, dentro das vidas de todas as pessoas que recitam o Nam myoho renguekyo ao Gohonzon: vocês são Nitiren Daishonin". Mas, logo, esta mensagem voltou a ficar de lado. E então não foi um monge quem a reencontrou, e sim Tsunessaburo Makiguti (1871-1944), e depois a transmitiu para Jossei Todda (1900-1958). E Todda pela sua vez a transmitiu ao presidente Ikeda e ele está hoje tentando transmiti-la a todos nós. A chave é: nunca, mas nunca, jamais permitam a ninguém que se coloque acima de vocês mesmos. A relação Mentor Discípulo constitui um vínculo humano. É verdade que os grandes mentores são pessoas incríveis que elevam os padrões até uma altura que às vezes é difícil de alcançar. Mas o propósito e significado de suas vidas e ensinos não é a respeito deles mesmos, e sim de nós. Trata-se de nos imaginarmos fazendo o mesmo que eles, encontrando dentro de nós suas maravilhosas qualidades. O Mentor nos diz: "Observem-me, lhes mostrarei o que podem chegar a fazer (...) o que podem chegar a ser". Mas, de novo, nos custa acreditar. Muitas vezes tenho ouvido os membros referirem-se ao presidente Ikeda com frases do tipo : "O presidente Ikeda pode fazer isso, mas eu não poderia". Falamos dele como se fosse alguém especial. Sim, é verdade que ele é grande, e eu também sinto-me assim com respeito a ele, mas no mesmo instante em que pensei que ele tem algo que eu não tenho (...) ele realiza e eu ainda estou na possibilidade. E tenho o mesmo potencial dentro de mim ao ponto que posso aprender com ele através de seu exemplo, das suas orientações e das suas ações que me mostram o que posso fazer e como posso desafiar meus próprios limites para chegar a ser um dos milhares de milhões de presidentes Ikeda e Shin iti Yamamoto que vivemos neste planeta. Devo me tornar num deles, não simplesmente buscar seu poder. Neste sentido, a relação Mentor Discípulo é realmente um modelo de fé religiosa. Representa uma orientação diferente e desafia o discípulo a pensar por si mesmo de uma perspectiva completamente diferente, e possuir um paradigma próprio a respeito de si mesmo. Um dia desses li um livro interessante: "Por que o cristianismo deve mudar ou morrer", escrito por um bispo episcopal, um tanto radical, de nome Spong. Ele enumera uma série de pontos importantes: primeiro, Deus deve deixar de ser visualizado ou idealizado sob o que ele chama de "imagens elevadas". Enquanto os cristãos continuarem considerando que Deus está "lá em cima" e "lá fora", a igreja estará condenada a morrer porque fica claro que não há nenhum lugar "lá em cima". E onde mais poderia estar? E responde numa linguagem muito interessante: "Devemos começar a pensar em Deus do ponto de vista de imagens de profundidade, e acrescenta "Devemos pensar em Deus como uma força que emerge da terra". Segundo, devemos deixar de considerar a Jesus como Deus e, ao contrário, começar a vê-lo como um mestre. Na medida em que os cristãos não o façam, a igreja seguirá o caminho para a sua própria morte. Os velhos modelos não funcionam mais. As pessoas já têm evoluído além do modelo feudal". Terceiro, "devemos deixar de pensar na igreja como numa instituição ou uma entidade formal e começar a vê-la como um conjunto de seres humanos". Interessante, não é mesmo? Quando terminei o livro, disse a mim mesmo: "Nós vemos o cristianismo converter-se em budismo porque é exatamente isso o que estamos presenciando. E é precisamente esta a razão pela qual, quando os budistas acabam descobrindo uma linguagem comum, poderemos comunicar-nos com tantos e tantos cristãos. Spongtambém escreve: "Existem milhões que chamamos cristãos no exílio que possuem uma crença básica, mas não conseguem ligarem-se com os ensinamentos que descem do púlpito nos nossos dias". Quando encontrarmos a linguagem precisa que necessitamos usar, quando começarmos a nos ligar à eles, emergindo da terra, e Jesus como mestre e tudo isso, então haverá muitas pessoas que se sentirão como no seu próprio lar conosco. Outro livro, "Soka Gakkai na América", é um estudo de nossa organização realizado por Phillip Hammond (1962-  ) da Universidade de Califórnia em Santa Bárbara. Ele fez um levantamento de nossos membros e conseguiu uma análise muito boa de nossa organização. Há muito para aprendermos e faz uma observação muito interessante: Existem investigações demográficas que mostram a identificação de três linhas básicas de pensamento na América do Norte atualmente. A primeira é representada pelo que se nomeou como "Habitantes Primordiais", que são os fundamentalistas. Essas pessoas tendem a viver à margem das mudanças do mundo. Cerca de 30% dos norte-americanos são "Habitantes Primordiais". Estas pessoas gostariam que retornassem os valores de antigamente, são os que acreditam que o passado é melhor do que o presente e que a questão é regredir àquele tipo de vida. São tradicionalistas, do ponto de vista religioso são fundamentalistas. O segundo grupo constituem os "Modernistas". Cerca de 40% dos norte-americanos são "Modernistas". Essas pessoas acreditam no progresso e na ciência e, vivem atrás do dinheiro e do êxito, e todas essas coisas, acreditam que obtendo-as serão felizes. O restante 30% dos norte-americanos são os denominados "Trans modernistas". Esse grupo acredita na ciência, no progresso e tudo mais, mas sabem que não conseguirão o que o grupo anterior acredita que conseguirá e, por isso, vão além: dão grande importância à espiritualidade. Esse grupo se aproxima de nossas crenças quase que exatamente. Acredita-se que existam aproximadamente 44 milhões de norte-americanos que se poderiam chamar de "pró budistas". Já são budistas, mas ainda não o sabem. Hammond também ressalta que a maioria de nós, quando encontramos o budismo, não experimentamos uma mudança radical de pensamento. Pelo contrário, quando temos encontrado este Budismo, nos sentimos em casa desde o começo. Sentimos: "Isto é o que eu vinha acreditando!". Hammond diz que, surpreendentemente, não existe um processo de conversão definido, mas há um processo de descobrimento e a sensação de que "finalmente encontrei um grupo, um local, um ensinamento de acordo com aquilo que venho acreditando esse tempo todo". Ele acredita que existam 44 milhões de pessoas esperando somente descobrir que nós existimos. É um pensamento muito estimulante se o analisarmos profundamente. Por último, creio que a relação Mentor Discípulo trata principalmente a respeito do desenvolvimento espiritual, moral e de caráter do discípulo. Constitui um desafio para todos nós. É um modelo que nos exige pensemos de maneira diferente, para irmos além de nossos limites. Já rejeitamos o conceito tradicional de ser humano, e também deixamos de implorar a algum poder externo para que nos ajude porque sentimos que não somos capazes em conseguir outro conhecimento. Então, agora o desafio que enfrentamos está em aceitar e olhar no nosso interior e descobrir a grandeza que existe nas profundezas e nos corações de cada um dos seres humanos, as imensas qualidades de coragem, autoconfiança, esperança, sabedoria e perseverança que todos possuímos em idêntica medida, mas que teimamos em negar. Vivíamos na descrença pois nunca tínhamos encontrado um método pelo qual pudéssemos abrir a chave de nosso depósito de grandeza para deixá-lo fluir livremente. Pelo contrário, a religião, a filosofia, a educação, vêm nos ensinando que somos limitados. Que é arrogância pensar o contrário, que tais aspirações estão além de nossas possibilidades humanas. Então acabamos depositando nossa confiança e nossa fé naqueles que acreditamos serem melhores do que nós. É preciso que isto mude. O estado de Budha reside no despertar para o nosso verdadeiro eu. NitirenDaishonin nos transmitiu a prática do auto despertar. Inscreveu sua vida noGohonzon, mas não para que venerássemos sua vida e seu poder, e sim para que, quando defrontamos o Gohonzon, possamos perceber que a chave está ali. E a chave é "Nammyoho rengue kyo Nitiren". Devotem-se com suas mentes, suas vozes, com seus corpos à Lei Mística de causa e efeito e manifestarão a vida de Nitiren Daishonin no seu interior.A Lei e o Budha dentro de nossas vidas são um só. O Gohonzon é uma mensagem às gerações futuras pois Nitiren compreendeu a natureza humana: sabia que a chave se perderia assim que ele desaparecesse. Imagino o que ele se perguntou: "Como posso enviar uma mensagem ao futuro de maneira tal que, ainda que percam a chave, qualquer um possa redescobri-la para revelar o grande significado, o grande poder do Budismo e da prática budista?" Então a colocou diante de nós. Sim, à nossa frente está a chave. Mas se recitarmos daimoku frente ao Gohonzon pensando que o poder está fora de nós, achando que o Gohonzon irá sair por aí para fazer as coisas por nós, então não compreendemos a chave. Com certeza, o clero da Nitiren Shoshu tem mal interpretado a chave. Eles acreditam (e é o que ensinam) que o Dai-Gohonzon constitui a raiz, que o Sumo Prelado é o tronco e que o sacerdote é o galho. Que nosso Gohonzon é a folha e que o poder de nossos Gohonzon provêm dele . Acreditam que Nam myoho renguekyo significa "Eu o tenho" em vez de "Nós o temos". Acham que "Nammyoho rengue kyo Nitiren" significa "Eu sou o Budha Verdadeiro" em vez de "Todos nós somos os BudhasVerdadeiros e Originais". (Diga-se de passagem, as "folhas" de nossos Gohonzon caíram da árvore (segundo disse o reverendo Nagasaki em New York). Obviamente, isto é incorreto. Se vocês leem o Gosho fica claro que não é este o caso. Mas é compreensível porque, nas profundezas dos seres humanos sempre existe esta absurda descrença em nós mesmos, esta falta de vontade e este impulso de confiar em alguém para que dirija nosso leme. "Estou rodeado de todas estas pessoas (os bonzos) que parece que sabem o que fazem, por isso depositarei minha confiança neles". E este é um grande erro. O verdadeiro benefício da problemática do clero reside em que finalmente podemos aprender o verdadeiro modelo de fé religiosa, porque nós, antes desta ruptura, também depositamos nossa fé neles. Se bem que a confiança constitui um aspecto importante da fé, devemos usá-la para confiar nos nossos antecessores, para confiar nas outras pessoas mas, sem perder de vista que, em última instância, nós somos os únicos responsáveis de nossa própria vida. A vida é uma viagem. Existem passageiros e existem motoristas. Mas necessita-se de motoristas. Existem muitas, muitíssimas pessoas que são simples passageiros de suas próprias vidas, deixando sempre que outro as conduza. Quantas vezes a gente diz: "Você está me deixando bravo (...). Chega!"? Quem fala isto é alguém que está atrás do motorista. Esse é um passageiro. O que estamos dizendo é: "Você tem poder sobre às minhas emoções. Não tenho controle. Você conduz minha ira, e enquanto continuar fazendo o que está fazendo, eu continuarei a me sentir irado. Chega!". E assim a vida transforma-se num passageiro que obedece ao motorista. Nós nos vemos obrigados a manipular o comportamento dos outros, a dar-lhes instruções, a pedir-lhes que façam o que necessitamos para que nossas emoções não fujam do controle. É um conceito totalmente absurdo. Não há dúvida de que, com esta maneira de pensar, entregamos o volante de nossa vida a outros, e agora nos sentimos frustrados e furiosos porque não dirigem bem. Recuperemos a direção. Comecemos a conduzir e dirigir nossas próprias vidas. Possuímos o poder mais importante do universo que é o poder que se encontra dentro de nossas vidas, podemos escolher nosso estado de vida. Quando alguém fizer algo que não gostemos, não é necessário que fiquemos bravos. Sempre nos comportamos assim porque acreditávamos que era a única opção, mas temos dez opções. Se alguém faz algo que não gostamos, podemos ir para o Inferno. Podemos comer algo. Vejamos (...) animalidade (...) poderíamos maltratar ou algo parecido, poderíamos ficar irados, essa também é uma escolha. Podemos nos retirar, nos retirar ao nosso quarto, pôr os fone de ouvido e escutar música. Ou entrar em êxtase e dizer: "Oh, adoro quando você faz isso". Ou poderíamos até ser um pouco mais provocadores: "Bom, realmente estou aprendendo graças ao que você faz". E ainda mais, "estou sentindo um despertar", ou poderíamos sentir benevolência "Realmente gostaria de poder te ajudar" (...) ou poderíamos alcançar o estado de Budha. Todas estas opções estão ao nosso alcance. Mas enquanto acreditarmos que não temos opção, estaremos presos nos seis estados mais baixos e continuaremos sendo somente passageiros de nossas próprias vidas. O Nam myoho rengue kyo trata a respeito do instante, de escolher a cada instante, de escolher a cada pequeno e único instante de nossas vidas, de retomar o controle e o poder sobre nossas opções. Nós não determinamos o comportamento dos outros, nem sequer podemos controlá-los. E isto é algo bom porque francamente não acredito que faríamos um bom trabalho controlando a vida de outra pessoa. Recuperemos o controle de nossas vidas. Desejemos ardentemente ao maior. Isto está no nosso interior, não há nada que nos falte. Tudo o que necessitamos para ser absolutamente felizes já se achava em nós desde o primeiro dia das nossas vidas. O que acontece é que não acreditamos nisso. Não confiamos. Nos custa aceitá-lo. Parece que não possuímos, parece que nos falta algo. Pelo motivo de que nós estivemos passando por coisas ruins ao longo dos anos, sentimos que algo anda mal com nós mesmos. Mas não há absolutamente nada de mal em nós. Se existe algo errado é a nossa maneira de pensar, contudo não há nada de errado "conosco". E esta distinção marca a diferença: podemos facilmente mudar nossa maneira de pensar. Mudar a nós mesmos por completo seria muito mais difícil, mas não é necessário, porque não há nada de errado conosco. Os budistas vieram em diferentes medidas, formas e estilos, com muitas variações de caráter e todos vivemos imersos na ilusão. Concluindo, minha esperança é que, de alguma forma, este conceito de Mentor-Discípulo esteja agora um pouco mais claro, ou ao menos um pouco mais fácil de compreender. Creio firmemente que, em última instância, seguimos a Lei. Mas a Lei não nos fala, então precisamos de mestres. Também podemos aprender uns com outros, mas no fim, só resta mesmo eu, meu carma e o Gohonzon. Ninguém mais. Somente eu mesmo posso ultrapassar minhas próprias dificuldades. Somente eu mesmo posso ultrapassar minhas ilusões. Só eu mesmo posso abrir e revelar minha grandeza interior. A prática budista é o método, e é sensacional ter um treinador que nos diga como alcançá-lo. Que nos incentive quando estamos desanimados, sem esperança, quando nos esquecemos, quando não acreditamos que somos Budas. É maravilhoso quando lemos algo que nos incentiva, que nos lembra: "Sim, você é um Buda". É esse o papel de um bom mestre. O Budha é o treinador, mas somos nós os que devemos jogar a partida e ninguém pode jogar por nós. Então, a partir de agora, se ainda vocês não têm conseguido experimentar a relação Mentor Discípulo nas suas vidas, pelo menos, desejo que possam terminar este dia sentindo: "Bom, acho que pelo menos vale a pena tentar". Pode ser que tenha que lutar corpo a corpo com minhas dúvidas e incertezas, talvez tenha que tentar compreender aquilo que me faz sentir incomodado. Não devo disfarçar este assunto, não devo achar que desaparecerá sozinho nem devo encará-lo de maneira superficial ou simplesmente seguir o hábito como os outros". Acredito que a relação Mentor Discípulo é a chave para ter acesso aos nossos tesouros, para nos enxergar de uma perspectiva diferente, para despertar de nosso sonho e descobrir o Budha Verdadeiro, o estado original de Budha que existe dentro de todas as pessoas. Muito obrigado e tenha um grande dia! http://www.maisbelashistoriasbudista.com.br. Abraço. Davi.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

O SIMBOLISMO ESOTÉRICO DO NATAL

 

Gnosticismo. Texto de Samael Aun Weor (1917-1977). O SIMBOLISMO ESOTÉRICO DO NATAL. É claro que este é um evento maravilhoso, sobre o qual urge meditar profundamente (…). O Sol realiza a cada ano uma viagem elíptica que começa no dia 25 de dezembro, e então regressa ao polo sul, até a região da Antártida; exatamente por isto vale a pena refletirmos sobre o significado profundo do NATAL. Nesta época começa o frio aqui no norte, devido exatamente ao fato de que o Sol vai se afastando para as regiões austrais e, no dia 24 de dezembro, terá atingido o ponto máximo de sua viagem na direção sul. Se o Sol não avançasse rumo ao norte do dia 25 de dezembro em diante, morreríamos de frio. A Terra inteira se converteria em um bloco de gelo e realmente pereceriam todas as criaturas, tudo o que tem vida. Assim, vale a pena refletir sobre o acontecimento do NATAL. O Cristo-Sol deve avançar para dar-nos vida, e, no equinócio da Primavera, se crucifica na Terra; então amadurecem a uva e o trigo. É precisamente na Primavera que o Senhor deve passar por sua vida, paixão e morte, para logo ressuscitar; a Semana Santa é na Primavera no Hemisfério Norte. O Sol físico nada mais é que um símbolo do Sol Espiritual, do Cristo-Sol. Quando os antigos adoravam o Sol, quando lhe rendiam culto, não se referiam exatamente ao Sol físico; rendia-se culto ao Sol Espiritual, ao Sol da Meia-Noite, ao Cristo-Sol. Inquestionavelmente, é o Cristo-Sol quem deve guiar-nos nos Mundos Superiores de Consciência Cósmica. Todo místico que aprende a funcionar fora do corpo físico à vontade é guiado pelo Sol da Meia-Noite, pelo Cristo Cósmico. É preciso aprender a conhecer os movimentos simbólicos do Sol da Meia-Noite; é ele quem guia o Iniciado, quem nos orienta, ele é que nos indica o que devemos e não devemos fazer. Estou falando no sentido esotérico mais profundo, levando em conta que todo Iniciado sabe sair do corpo físico à vontade, que isto de não saber sair à vontade é próprio de principiantes, gente que ainda está dando os primeiros passos nesses estudos. Se alguém está na Senda, tem que saber guiar-se pelo Sol da Meia-Noite, pelo Cristo-Sol, aprender a reconhecer seus sinais, seus movimentos. Se o vemos, por exemplo, desaparecer no ocaso, o que é que isto nos indica? Simplesmente que algo deve morrer em nós. Se o vemos surgir do Oriente, o que é que isto nos diz? Que alguma coisa deve nascer em nós. Quando nos saímos bem nas provas esotéricas, ele brilha em sua plenitude no horizonte. O Senhor nos orienta nos Mundos Superiores, e temos que aprender a reconhecer seus sinais. Jean Dupuis (1828-1912) e muitos outros estudaram o maravilhoso acontecimento do NATAL; não há dúvida, e isto o reconhece Jean Dupuis, de que todas as religiões da antiguidade celebraram o NATAL. Assim como o Sol físico avança para o norte para dar vida a toda a criação, também o Sol da Meia-Noite, o Sol do Espírito, o Cristo-Sol, nos dá vida se aprendemos a cumprir com seus mandamentos. Nas Sagradas Escrituras se fala, obviamente, do acontecimento solar, e há que saber entender isto nas entrelinhas. A cada ano se vive no Macrocosmo todo o Drama Cósmico do Sol; cada ano, repito. Leve-se em conta que o Cristo-Sol deve crucificar-se cada ano no mundo, viver todo o drama de sua vida, paixão e morte, para logo ressuscitar em tudo o que é, foi e será, quer dizer, em toda a criação. Assim, pois, é como todos nós recebemos a vida do Cristo-Sol. Também é certo que cada ano o Sol, ao afastar-se para a região Austral, nos deixa tristes aqui no norte, pois vai dar vida a outras partes. As noites longas de inverno são fortes. Na época do NATAL os dias são curtos e as noites longas. Vamos refletindo sobre tudo isto, e convém que entendamos o que é o Drama Cósmico. É necessário que também em nós nasça o Cristo-Sol, ele deve nascer em nós. Nas Sagradas Escrituras se fala claramente de Belém e de um estábulo onde ele nasce; esse estábulo de Belém está dentro de cada um aqui e agora; precisamente nesse estábulo interior moram os animais do desejo, todos esses “eus ” passionais que carregamos em nossa psique, isto é óbvio. “Belém” mesmo é um nome esotérico; nos tempos em que o grande Cabir veio ao mundo, a aldeia de Belém não existia, de modo que isto é inteiramente simbólico. Bel é uma raiz caldeia que significa Torre do Fogo, de modo que, propriamente dito, Belém é Torre do Fogo. Quem poderia ignorar que Bel é um termo caldeu que corresponde precisamente à Torre de Bel, à Torre do Fogo? Assim, o termo Belém é totalmente simbólico. Quando o Iniciado trabalha com o Fogo Sagrado, quando elimina completamente de sua natureza íntima os agregados psíquicos, quando de verdade está realizando a Grande Obra, indubitavelmente há de passar pela Iniciação Venusta; a descida do Cristo ao coração do homem é um acontecimento cósmico e humano de grande transcendência; tal evento corresponde na verdade à Iniciação Venusta. Infelizmente, não se compreendeu realmente o que é o Cristo; muitos supõem que o Cristo foi exclusivamente Jesus de Nazaré, e estão equivocados. Jesus de Nazaré, como homem – ou, melhor dizendo, Jeshuá ben Pandirá – recebeu, como homem, a Iniciação Venusta, encarnou o Cristo, mas não é o único a ter recebido tal Iniciação. Hermes Trismegisto, o três vezes grande Deus Íbis de Thot, também O encarnou. João Batista, a quem muitos consideravam como o Christus, o Ungido, inquestionavelmente recebeu a Iniciação Venusta, encarnou-O. Os Gnósticos Batistas asseguravam na Terra Santa que o verdadeiro Messias era João, e que Jesus era somente um Iniciado que havia querido seguir a João. Havia naquela época disputas entre Batistas, Gnósticos, Essênios e outros. Devemos entender o Cristo tal qual é, não como uma pessoa, como um indivíduo. O Cristo está mais além da Personalidade, do Eu e da Individualidade. Cristo em esoterismo autêntico é o Logos, o Logos Solar representado pelo Sol. Agora compreenderemos porque os Incas adoravam o Sol, os Nahuas lhe rendiam culto, os Maias, os Egípcios, etc. Não se trata da adoração a um sol físico, mas ao que se oculta atrás deste símbolo físico; obviamente, adorava-se o Logos Solar, o Segundo Logos. Este Logos Solar é unidade múltipla perfeita. A variedade é unidade. No mundo do Cristo Cósmico a individualidade separada não existe; no Senhor somos todos um (…). Me vem à memória certa experiência, digamos, esotérica, realizada há muitos anos. Então, submergido em profunda meditação, obtive certamente o Samadhi, o estado de Mantéia, o Êxtase, como é chamado no esoterismo ocidental. Naquela ocasião eu desejava saber algo sobre o batismo de Jesus, o Cristo, pois bem sabemos que João o batizou. Foi profundo o estado de abstração, obtive o perfeito Dharana, ou seja, concentração, o Dhyana, ou meditação, e por fim consegui o Samadhi; me atreveria a dizer que foi um Maha-Samadhi, porque abandonei perfeitamente os corpos Físico, Astral, Mental, Causal, Búdico e até o Átmico. Consegui, pois, reabsorver minha consciência de forma íntegra no Logos. Assim, nesse estado logoico, como um Dragão de Sabedoria, fiz a correspondente investigação. De imediato me vi na Terra Santa, dentro de um templo; mas, coisa extraordinária, vi a mim mesmo convertido em João Batista, com uma vestimenta sagrada; vi quando traziam a Jesus com sua veste branca, sua túnica branca. Dirigindo-me a Ele, disse: “Jesus, despe tua túnica, tua vestimenta, pois vou batizar-te”. Depois retirei de um recipiente um pouco de azeite de oliva, conduzi-O ao interior do Santuário, ungi-O com o óleo, despejei água sobre Ele e recitei os mantrams e ritos. Depois, o Mestre se sentou em sua cadeira à parte; eu guardei tudo novamente, pus os objetos em seus lugares e dei por terminada a cerimônia. Mas vi-me transformado em João! É claro que, uma vez passado o Êxtase, o Samadhi, pensei: “Mas como é possível que eu seja João Batista? Nem remotamente, eu não sou João Batista! Fiquei bastante perplexo e pensei: “Vou fazer agora outra concentração, mas agora não vou me concentrar em João, vou concentrar-me em Jesus de Nazaré”. Então escolhi como motivo da concentração o Grande Mestre Jesus. O trabalho foi longo e árduo, a concentração foi se fazendo cada vez mais profunda; logo passei do Dharana – concentração, ao Dhyana – meditação, e deste ao Sammadhi, ou Êxtase. Fiz um esforço supremo que me permitiu despir-me dos corpos Físico, Astral, Mental, Causal, Búdico e Átmico até introverter minha consciência, absorvendo-a no mundo do Logos Solar, e, em tal estado, querendo saber sobre o Cristo Jesus, me vi a mim mesmo convertido em Cristo Jesus, fazendo milagres e maravilhas na Terra Santa, curando os enfermos, dando vista aos cegos etc., e, por último, me vi vestido com as vestes sagradas chegando ante João naquele Templo. Então João se dirigiu a mim e disse: “Jesus, retira tua vestimenta, pois vou batizar-te”. Trocaram-se os papéis, já não me vi transformado em João mas em Jesus, e recebi o batismo de João. Passado o Samadhi, regressando ao corpo físico, vim a constatar perfeitamente, com toda a clareza, que no mundo do Cristo Cósmico somos todos um. Se eu tivesse querido meditar em qualquer um de vocês, lá no mundo do Logos, me teria visto transformado em um de vocês, vivendo sua vida, já que lá não há individualidade, não há personalidade nem Eu; ali somos todos o Cristo, ali somos todos João, ali todos somos o Buda, ali somos todos um; no mundo do Logos não existe a individualidade separada. O Logos é Unidade Múltipla Perfeita, é uma energia que se move e palpita em todo o criado, que subjaz em todo átomo, em todo elétron, em todo próton, e se expressa vivamente através de qualquer homem que esteja devidamente preparado. Bem, este esclarecimento teve como objetivo explicar melhor o acontecimento de Belém. Quando um homem está devidamente preparado, passa pela Iniciação Venusta – mas, esclareço, deve estar devidamente preparado – e na Iniciação Venusta consegue a encarnação do Cristo Cósmico em si mesmo, dentro de sua própria natureza. Inutilmente teria Jesus nascido em Belém se não nascesse em nosso coração também. Inutilmente teria morrido e ressuscitado na Terra Santa, se não morre e ressuscita em nós também. Esta é a natureza do Salvator Salvandus. O Cristo Íntimo deve salvar-nos, mas salvar-nos desde dentro, a todos nós. Aqueles que aguardam a vinda de Jesus de Nazaré para um futuro remoto estão equivocados; o Cristo deve vir agora desde dentro, a segunda vinda do Senhor é desde dentro, desde o próprio fundo da Consciência. Por isto está escrito o que Ele disse: “Se ouvires alguém dizendo na praça pública que é Cristo, não o creiais, e se disserem “Ele está ali no Templo predicando”, não o creiais”. É que o Senhor não virá desta vez de fora mas de dentro, virá desde o próprio fundo de nosso coração, se nós nos prepararmos. Paulo nos esclarece, dizendo: “De Sua virtude tomamos todos, graça por graça”. Então, está documentado; se estudarmos cuidadosamente Paulo de Tarso, veremos que raramente alude ao Cristo histórico; cada vez que Paulo de Tarso fala sobre Jesus Cristo, refere-se ao Jesus Cristo Interior, ao Jesus Cristo Íntimo, que deve surgir do fundo de nosso Espírito, de nossa Alma. Enquanto o homem não O tiver encarnado, não se pode dizer que possua a Vida Eterna, só Ele pode tirar nossa Alma do Hades, só Ele pode verdadeiramente dar-nos Vida, e em abundância. Assim, pois, devemos ser menos dogmáticos e aprender a pensar no Cristo Íntimo, isto seria grandioso (…). Todo o simbolismo relacionado com o nascimento de Jesus é alquímico e cabalístico. Diz-se que três Reis Magos vieram adorá-lo, guiados por uma estrela; este trecho não pode ser compreendido, falando francamente, se não se for versado em alquimia, porque é alquímico. Que são essa estrela e esses Reis Magos? E eu vos digo que essa estrela não é outra coisa que o Selo de Salomão, a estrela de seis pontas, símbolo do Logos Solar. O triângulo superior representa obviamente o Enxofre, ou seja, o Fogo. E o inferior, o que representa em Alquimia? O Mercúrio, a Água; mas a que tipo de água se referem os Alquimistas? Dizem eles: “A Água Que Não Molha as Mãos, o Úmido Radical Metálico”, em outras palavras, o Exiohehari. Ele nasce no estábulo de nosso próprio corpo dentro do qual temos todos os animais do desejo, das paixões inferiores. Ele tem que crescer, desenvolver-se ascendendo pelos diversos graus até converter-se num Homem entre os homens, tomar a seu cargo todos os nossos processos mentais, volitivos, sexuais, emocionais, etc., passar por um homem comum. Mesmo sendo o Cristo um Ser tão perfeito, um Homem que não peca, ainda assim deve viver como um pecador entre pecadores, um desconhecido entre outros desconhecidos; esta é a crua realidade dos fatos. Mas (o Cristo) vai crescendo, vai-se desenvolvendo à medida que elimina em si mesmo os elementos indesejáveis que levamos dentro. É tal sua integração conosco que lança toda a responsabilidade sobre seus ombros. Converteu-se num pecador como nós, não sendo Ele um pecador – sentindo em carne e osso as tentações, vivendo como um homem qualquer. E assim, pouco a pouco, à medida que vai eliminando os elementos indesejáveis de nossa Psique, não como algo alheio ou estranho mas como algo próprio Dele, vai se desenvolvendo no interior de nós mesmos; isto precisamente é o maravilhoso. Se não fosse assim, seria impossível realizar a Grande Obra. É Ele quem tem de eliminar todo esse Mercúrio Seco, todo esse Enxofre venenoso, para que os Corpos Existenciais Superiores do Ser possam converter-se em veículos de Ouro Puro, Ouro da melhor qualidade. Os Três Reis Magos que vieram adorar o Menino representam as cores da Grande Obra. A primeira cor é o Negro, quando estamos aperfeiçoando o corpo. Isto, repito, simboliza o Corvo Negro da Morte, é a Obra de Saturno simbolizada pelo Rei Mago de cor negra; então passamos por uma morte, a morte de nossos desejos, paixões, etc., no Mundo Astral. A seguir vem a pomba Branca, isto é, o momento em que já desintegramos todos os Eus do Mundo Astral; adquirimos então o direito de usar a túnica de linho branco, a túnica do Phtah egípcio, a túnica de Ísis; evidentemente esta cor é simbolizada pela Pomba Branca; este é ainda o segundo dos Reis, o Rei Branco. Já bastante avançado no aperfeiçoamento do Corpo Astral, apareceria a cor Amarela, ou seja, conquistaria o direito à túnica Amarela; então aparece a Águia Amarela, o que nos recorda o terceiro dos Reis Magos, que é da raça amarela. Finalmente, a coroação da Obra é a Púrpura. Quando um corpo, seja o Astral, o Mental ou o Causal, já se tornou de Ouro Puro, recebe a púrpura dos Reis, porque triunfou. Assim, como podem ver, os Três Reis Magos não são três indivíduos, como muitos acreditam, mas símbolos das cores fundamentais da Grande Obra, e o próprio Jesus Cristo vive dentro. Jesus em hebraico é Jeshuá; Jeshuá significa Salvador, e, como Salvador, nosso Jeshuá Particular tem de nascer neste estábulo que temos dentro de nós para realizar a Grande Obra; Ele é o Magnésio Interior do Laboratório Alquimista. O grande Mestre deve surgir no fundo de nossa Alma, de nosso Espírito. O mais duro para o Cristo Íntimo, após seu nascimento no coração do Homem, é precisamente o Drama Cósmico, sua Via Crucis. No Evangelho as multidões aparecem pedindo a crucificação do Senhor; essas não são multidões de ontem, de um passado remoto, como se supõe, de algo que ocorreu há 1975 (ano em que este texto foi escrito) anos. Não, senhores, essas multidões estão dentro de nós mesmos, são nossos famosos “Eus”; dentro de cada pessoa moram milhares de pessoas, o “Eu do ódio”, o “Eu tenho ciúmes”, o “Eu sinto inveja”, o “Eu da cobiça”, ou seja, todos os nossos defeitos, e cada defeito é um “Eu” diferente. É claro que essas multidões que trazemos dentro de nós, que são nossos famosos “Eus”, são os que gritam: “Crucifiquem-nO, crucifiquem-no!”. Quanto aos Três Traidores, já sabemos que no Evangelho Crístico são Judas, Pilatos e Caifás. Quem é Judas? O Demônio do Desejo. Quem é Pilatos? O Demônio da Mente. Quem é Caifás? O Demônio da Má Vontade. Mas é preciso esclarecer isto, para que se possa compreendê-lo melhor. Judas, o Demônio do Desejo, troca o Cristo Íntimo por 30 moedas de prata: 30 (3 + 0 = 3), esta é a alusão cabalística, ou seja, troca-O pelas coisas materiais, pelo dinheiro, pela bebida, pelo luxo, pelos prazeres animais etc. Quanto a Pilatos, é o Demônio da Mente; este sempre “lava as mãos”, nunca tem culpa, para tudo encontra uma evasiva ou justificativa, jamais se sente responsável. Realmente, estamos sempre justificando todos os defeitos psicológicos que temos em nosso interior, jamais nos julgamos culpáveis. Muita gente me diz: “Acredito ser uma boa pessoa; eu não mato, não roubo, sou caridoso, não sou invejoso”, ou seja, são todos cheios de virtude, perfeitos, segundo eles próprios; “ignoto”, é o que tenho a dizer ante tanta perfeição. Assim, olhando as coisas como são, em seu cru realismo, esse Pilatos sempre lava as mãos, nunca se considera culpado. Quanto a Caifás, francamente o considero o mais perverso de todos. Pensem no que representa Caifás: muitas vezes o Cristo Íntimo nomeia um Sacerdote, um Mestre ou Iniciado para que guie suas ovelhas e as apascente, lhe entrega a autoridade e o põe à frente de uma congregação, e o tal Sacerdote, Mestre, Iniciado etc., em vez de guiar seu povo sabiamente, vende os Sacramentos, prostitui o Altar, fornica com as devotas etc. Ou seja, trai o Cristo Interno, isto é o que faz Caifás. É doloroso isso? É claro, é horrível, é uma traição do tipo mais sujo que há, e não há dúvida de que muitas religiões se prostituíram e muitos sacerdotes traíram o Cristo Íntimo; não me refiro a nenhuma seita em particular, mas a todas as religiões do mundo. É possível que haja grupos esotéricos dirigidos por verdadeiros Iniciados, e que estes, muitas vezes traidores, tenham traído o Cristo Íntimo. Tudo isto é doloroso, infinitamente doloroso. Caifás é o que há de mais sujo. Estes três traidores levam o Cristo Íntimo ao suplício. Pensem por um instante no Cristo Íntimo no mais profundo de cada um de vocês, senhor de todos os processos mentais e emocionais, lutando por salvá-los, sofrendo terrivelmente; os próprios Eus de vocês protestando contra Ele, blasfemando, pondo a coroa de espinhos, açoitando-O. Bem, esta é a crua realidade dos fatos, este é o Drama Cósmico vivido interiormente. Finalmente, este Cristo Íntimo subiria ao Calvário, isto é óbvio, e baixa ao sepulcro, com sua morte mata a morte, isto é a última coisa que faz. Posteriormente ressuscita no Iniciado e o Iniciado ressuscita n’Ele. Então a Grande Obra está realizada, consummatum est. Assim têm surgido através dos séculos Mestres Ressurretos; lembremos um Hermes Trimegisto, um Moria, grande Mestre da Força do Tibet, lembremos o Conde Cagliostro (1743-1795), que ainda vive, e Saint-Germain (1712-1784), que em 1939 visitou outra vez a Europa. Este Saint-Germain trabalhou ativamente nos séculos 17, 18 e 19 e, entretanto, continua a existir fisicamente, é um Mestre Ressurreto. Por que são Mestres Ressurretos? Porque, graças ao Cristo Íntimo, obtiveram a Ressurreição. Sem o Cristo Íntimo, a Ressurreição não seria possível. Aqueles que supõem que pelo simples fato de morrer fisicamente alguém já tem direito à Ressurreição dos Mortos são realmente dignos de compaixão; falando outra vez em estilo socrático, não apenas ignoram mas, o que é ainda pior, ignoram que ignoram. A Ressurreição é algo pelo qual se tem de trabalhar, e trabalhar aqui e agora, e é preciso ressuscitar em carne e osso (e ao vivo). A Imortalidade deve-se consegui-la agora mesmo, pessoalmente; assim se deve considerar todo o Mistério Crístico. Todo o Drama Cósmico é em si mesmo extraordinário, maravilhoso, e se inicia realmente com o NATAL DO CORAÇÃO. O que vem a seguir relacionado com o Drama, a fuga para o Egito, quando Herodes manda matar todos os meninos e Ele tem de fugir, tudo é simbólico, totalmente simbólico. Dizem (num Evangelho Apócrifo) que Jesus, José e Maria tiveram de fugir para o Egito, tendo permanecido vários dias vivendo sob uma figueira, e que desta figueira saiu um manancial de água puríssima – é preciso saber compreender isto : esta figueira representa sempre o sexo; dizem ainda que se alimentavam do fruto desta figueira, os frutos da Árvore da Ciência do Bem e do Mal. A água que corria puríssima, que saía desta figueira, é nada menos que o Mercúrio da Filosofia Secreta. Quanto à decapitação dos inocentes, muito se tem escrito sobre isso. Nicolas Flamel (1340-1418) deixou gravadas nas portas do cemitério de Paris cenas retratando a degola dos inocentes. Por que essa cruel degola dos inocentes? Não obstante, isto é também muito alquímico, todo Iniciado tem de passar pela decapitação. Mas o que é que o Cristo Íntimo tem de decapitar em nós? Simplesmente deve degolar o Ego, o Eu, o Si Mesmo, e o sangue que emana da decapitação é o Fogo, é o Fogo Sagrado pelo qual o Iniciado tem de purificar-se, limpar-se, branquear-se; tudo isso é profundamente esotérico, nada pode ser tomado “ao pé da letra”. A seguir vêm os feitos milagrosos do grande Mestre. Caminhava sobre as águas, [como] sobre as Águas da Vida tem de caminhar o Cristo Íntimo. Abrir a visão dos que não vêm, predicando a palavra para que vejam a luz; abrir os ouvidos dos que não querem ouvir, para que escutem a palavra. Quando o Senhor já cresceu no Iniciado, tem de tomar a palavra e explicar a outros o que é o caminho, limpar os leprosos; não há ninguém que não esteja leproso, essa lepra é o Eu pluralizado, essa é a epidemia que todos levam dentro de si, a lepra da qual devemos ser limpos. Os que estão paralíticos não caminham ainda pela Senda da Auto realização, o Filho do Homem deve curar os paralíticos para que andem rumo à montanha do Ser. Há que compreender tudo isto de forma mais íntima, mais profunda; isto não corresponde a um passado remoto, é para ser vivido dentro de nós mesmos aqui e agora. Se começamos a amadurecer um pouquinho, saberemos apreciar melhor a mensagem que o Grande Kabir Jesus trouxe à Terra. Em todo caso, precisamos passar por Três Purificações, à base de ferro e fogo – este é o significado dos Três Cravos da Cruz. E a palavra INRI (é o acrônimo da frase em latim: Iesus Nazarenus, Rex Iudaeorom, cuja tradução é - Jesus Nazareno o Rei dos Judeus) diz muito. Já sabemos que INRI esotericamente é o Fogo; necessitamos passar pelas Três Purificações à base de ferro e fogo antes de conseguir a Ressurreição, do contrário seria impossível lográ-la. Aquele que ressuscita se transforma radicalmente, se converte num Deus-Homem, é um Hierofante da estatura de um Hermes, um Quetzalcoatl ou um Buda. Mas é necessário fazer a Grande Obra. Realmente, não se poderia entender os quatro Evangelhos se não se estudasse Alquimia e Cabala, porque [os Evangelhos] são alquimistas e cabalistas, isto é óbvio. Os judeus tinham três livros sagrados. O primeiro é o corpo da doutrina, a Bíblia. O segundo é a alma da doutrina, o Talmud, no qual está a alma nacional judaica. E o terceiro é o espírito da doutrina, o Zohar, onde está toda a Cabala dos rabinos. A Bíblia, o corpo da doutrina, está escrita sob chave. Se queremos estudar a Bíblia “compaginando versículos”, procedemos de forma ignorante, empírica e absurda. Prova disto é que todas as seitas mortas que, até a época atual, se nutriram da Bíblia interpretada de forma empírica, não puderam entrar em acordo. Se existem milhares de seitas baseadas na Bíblia, quer dizer que nenhuma delas a compreendeu. As chaves para a interpretação estão no Zohar, escrito por Simeon Ben Jochai, o grande rabino iluminado. Aí encontramos as chaves para interpretar a Bíblia. Então, é necessário “abrir” o Zohar. Se queremos saber algo sobre Cristo, sobre o Filho do Homem, devemos estudar a árvore da vida (...). www.gnosisonline.org.br. Abraço. Feliz Natal a todos os leitores do Mosaico, bem como a seus queridos familiares. Davi

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

MEDITAÇÃO NO SILÊNCIO

 

Budismo. www.artofliving.org.br. MEDITAÇÃO NO SILÊNCIO. Quando o Budha se tornou esclarecido no dia de Lua Cheia no mês de maio, ele manteve silêncio. Por uma semana inteira ele não disse uma só palavra. A mitologia diz que todos os anjos no céu ficaram assustados e disseram: “uma vez no milênio alguém floresce tão inteiramente como Budha. Agora ele está em silêncio, não está dizendo uma palavra”. Dizem que todos os anjos abordaram Budha e pediram-lhe que dissesse algo, por favor diga algo. Budha disse: “Aqueles que sabem, sabem, mesmo sem minhas palavras, e aqueles que não sabem, não saberão por minhas palavras. Qualquer descrição da vida para um homem é sem utilidade. Aquele que não provou o gosto da ambrósia da existência, da vida, não há por que falar sobre isso com eles. Por isso estou em silêncio”, ele disse. Como você pode transmitir algo tão íntimo, tão pessoal? Palavras não podem. E várias escrituras no passado declararam, “palavras terminam onde começa a verdade”. O argumento foi muito bom. Mas os anjos disseram: “Sim, nós concordamos, o que diz é verdade. Mas, Budha, considere aqueles que estão no limite. Há alguns poucos que estão no meio, nem completamente esclarecidos nem totalmente ignorantes. Para eles, algumas palavras darão um empurrão. Pelo bem deles, diga algo. E todas as suas palavras criam mais barulho, então elas não atingiram seu propósito”. E as palavras do Budha irão definitivamente criar o silêncio, por que ele é a manifestação do silêncio. Silêncio é a fonte da vida, e a cura para doenças. Você deve ter notado que quando as pessoas estão bravas, elas mantém silêncio. Ou elas gritam muito, e depois ficam em silêncio. Ou quando você está triste e diz: me deixe sozinho. Você se mantem em silêncio. Você pode facilmente decifrar se alguém está bem ou não. Se estão muito em silêncio, então há algo errado. Se você está triste, fica em silêncio. As pessoas ficam de cabeça baixa e em silêncio. E se você está envergonhado, fica em silêncio. E se você é sábio, se torna silencioso. E quando se confronta com ignorância e questões sem necessidades, se torna silencioso. O que podemos fazer? Quando pediram a Jesus para provar “você é o filho de Deus?, ele ficou em silêncio. Era a coisa mais sábia a se fazer. Quando lhe é pedido para provar algo sobre o qual não há provas, o remédio é o silêncio. Você está com dor na perna e diz a alguém, e perguntaram-lhe: “vamos lá , prove, como posso acreditar? Como você pode provar sua dor? Quando você não pode provar algo como a dor, como poderia provar algo tão íntimo como o esclarecimento, a Divindade? O sábio fica em silêncio. Há um antigo provérbio em sânscrito que diz: “distorção é a base do discurso”. No momento em que você começa a falar, você distorceu. Palavras não podem capturar a existência, mas o silêncio pode. Espaço e silêncio são sinônimos. Alegria e satisfação trazem o silêncio. Desejo traz barulho. Silêncio é a cura, porque em silêncio você volta à raiz; e isso cria alegria. Por isso quando as pessoas estão tristes, ficam em silêncio, e livram-se da tristeza. É suposto que saiam com alegria ou alguma calma, pelo menos. Budha foi a manifestação do silêncio. Seu silêncio veio da saturação, não da falta. Falta cria reclamações e barulho, saturação traz silêncio. Olhe para o barulho na sua mente. É sobre o que? Mais dinheiro, mais fama, mais reconhecimento, satisfação, relacionamento, o barulho sobre alguma coisa. Silêncio é sobre nada. Vê o que eu digo? Silêncio é a base, barulho é a superfície, o externo. Barulho indica falta, necessidade, carência. A vida do Budha não foi de falta, necessidade ou carência. Desde o começo, ele viveu uma vida bastante saturada. Qualquer prazer estaria a seus pés no momento em que ele quisesse. Gautama, Sidhartha viveram a mesma vida, e você diria: como uma pessoa com tantos prazeres e luxúria poderia falar sobre tristeza? O indivíduo tem de experimentar a tristeza, o sofrimento, a miséria no mundo para falar sobre ela. Mas Budha disse o primeiro princípio, primeira verdade que ele descobriu foi, há tristeza. Como ele era sensitivo, saturado de prazeres externos, não havia nada mais para buscar, porque tudo estaria lá. Como você buscaria alguma coisa que já está lá? Todos os prazeres estavam lá. Ele mantinha silêncio desde o começo por que havia saturação. Seu silêncio cresceu da saturação. Mas um dia ele disse: “Eu gostaria de ir e ver como é o mundo”. Essa curiosidade cresceu nele. E quando ele viu alguém doente, alguém velho e morrendo, e alguém morte, esses três eventos foram o suficiente para trazer a ele o conhecimento de que há miséria. Quando ele viu alguém doente, disse: É o suficiente, eu experienciei isso. Um silêncio tão profundo, tão consolidado sozinho pode ser sensitivo. Ver a dor de alguém e refletir totalmente e sentir isso, experienciar isso. Apenas um olhar rápido para um homem velho é um corpo morto foram o suficiente. Budha disse: “não há alegria na vida. Eu já estou morto. Não há significado na vida. Vamos, vamos voltar”. Ele voltou para seu palácio. Nós vemos tantas pessoas morrendo, vemos tanta miséria e permanecemos insensitivos. Por quê? Porque não há silêncio. Somos apanhados na nossa própria pequena ânsia, desejos e aversões. A mente é preenchida com seu próprio barulho. É incapaz de perceber a música da existência. O silêncio é a música dessa existência. Silêncio é o segredo dessa existência. Só um olhar rápido na miséria foi suficiente para Budha começar numa jornada de questionamento. Qual é o propósito da vida? Por que estamos vivendo? O que é o universo? Todas essas questões, as de maior significado, vieram do silêncio da saturação. Então Budha foi atrás da verdade, deixando o palácio, sua esposa e filho. Quanto mais forte o silêncio, mais poderosas serão as questões, também, que crescem de tal silêncio. Nada poderia pará-lo. Então ele escapou. Ele sabia que durante o dia não poderia ir. Então ele escapou do palácio durante a noite, e por muitos anos ele procurou. Ele fez tudo que as pessoas disseram-lhe para fazer, foi de lugar em lugar. Alguém disse “faça jejum”, ele fez. Ele andou por muitos caminhos e finalmente se sentou e descobriu quatro verdades. Dukkha, há miséria no mundo. E há uma causa para infelicidade. Você não pode ser infeliz sem nenhuma razão. Você pode ser feliz com ou sem uma razão, mas não pode ser infeliz sem uma razão. Se você notar, um bebê, uma criança chora apenas quando precisa de leite, ou precisa dormir, ou precisa de algo. Mas quando as necessidades são supridas, a criança fica feliz. Um bebê olhará para os próprios dedos e ficará feliz. Não estará nem mesmo olhando para os dedos. Estará feliz, alegre, porque alegria não precisa de razão. Risos não precisam de piada. Mas a miséria tem uma causa. Quando quer que esteja infeliz, há uma causa para isso. Então Budha disse: A primeira verdade é, há miséria, o mundo é miséria. Quando essa verdade se torna solidificada na mente, na nossa experiência na mente, na nossa experiência, o mundo é miséria, então você é capaz de ver o que está além desse mundo o espírito, que é todo alegria. Há apenas duas possibilidades de aprender na vida. Uma é observar o mundo a nossa volta e conhecer o sofrimento dos outros e práticas fúteis, ou então passar por isso por sua própria experiência, e assim encontrar a miséria. Não terceira possibilidade. Por mais sensitivo que você seja, não precisa passar por isso você mesmo. Pode olhar para aqueles que estão passando por isso e se tornar sábio. Se isso não for possível, não se importe, você vai passar! Você sairá disso completo, mais sábio. É certo! A vida é imortal É só uma questão de aprender a lição, mais cedo ou mais tarde. Há miséria, você não pode negar isso. E há uma causa para isso, a segunda verdade. A terceira verdade, ele diz “é possível eliminar a miséria. Se a miséria é a sua natureza, você não pode eliminá-la. E a quarta verdade, ele disse: Há um caminho para sair da miséria. E ele determinou um caminho que incluía as práticas certas, a meditação certa, tranquilidade certa e o tipo certo de silêncio. Não é o silêncio triste, de raiva, de ódio, o tipo certo de silêncio, o tipo certo de Samadhi ou Nirvana, a visão correta. A mente é silêncio, a fonte da mente é silêncio. É por isso que Budha diz: sem mente. Isso não significa que Budha não estava conversando. Como você pode falar, como pode interagir com as pessoas se não há nenhuma mente? Quando Budha disse “sem mente”, ele não quis dizer daquela cadeia de pensamento que simplesmente percorrem pela sua mente o tempo todo. Budha se manteve em silêncio por várias questões. Um antigo Rishi dizia: fique sem resposta. Toda questão apenas empurra a questão um pouco mais. Toda resposta trás a tona muitas outras questões. Não há final para perguntas e respostas. Isso pode durar para sempre! Você responde a uma questão, isso irá trazer adiante mais outras dez questões. Questões e respostas são o par, o casal. Eles não tem nenhum plano de família. Ele disse, “vá além das questões, seja sem respostas, seu Ser tem a solução para todas as questões”. Transforme todas as questões em admiração. Oh! Você sabe qual é a diferença entre questão e admiração? Uma questão cria violência, admiração cria silêncio. Uma questão está a procura de uma resposta, admiração é outra questão que não está a procura de resposta. Você vê o que estou dizendo? Você quer saber? O que acha disso, eu me pergunto quão bonito é isso? O espanto da admiração não procura por uma resposta. Isso o traz para o silêncio. Um gênio tão inteligente, quando o pedem para pegar uma tigela e mendigar, apenas imagine, qual seria o destino dessas pessoas? Elas se tornam a personificação da compaixão. Observe as sensações, as emoções, e observe sua verdadeira natureza. O que é a verdadeira natureza? Ela é paz, compaixão, amor, afabilidade e alegria. E o silêncio dá origem a tudo isso. Silêncio engole a tristeza, culpa, miséria, e dá origem a alegria, compaixão e amor. É exatamente o que a vida do Budha foi. Ele veio para levar a miséria, a culpa, o medo, a arrogância e trazer de volta a sabedoria, força, beleza, conhecimento e paz. E está disponível para você agora, aqui, em todo lugar. Todo mundo pode aproveitar e examinar o Samsara (ciclo de nascimento, renascimento, sofrimento e morte). http://www.artofliving.org.br. Abraço. Davi.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O NASCIMENTO DO ÓDIO MAIS ANTIGO DO MUNDO

 

Judaísmo. www.pt.chabad.org. Por Rabino Jonathan Sacks. O NASCIMENTO DO ÓDIO MAIS ANTIGO DO MUNDO. “Vá e aprende o que Lavan (Labão), o arameu, quis fazer a nosso pai Yaacov. O faraó fez seu decreto apenas sobre os homens, enquanto Lavan procurou destruir a todos”. Essa passagem da Hagadá de Pessach - evidentemente baseada na parashá desta semana - é extraordinariamente difícil de entender. Primeiro, é um comentário sobre a frase em Devarim, Arami oved avi. Como a maioria esmagadora dos comentaristas apontam, o significado dessa frase é “meu pai era um Arameu errante”, uma referência a Yaacov, que escapou de Aram [= Síria, uma referência a Haran onde Lavan viveu], ou a Avraham, que deixou Aram em consequência do chamado de D’us para viajar para a terra de Canaã. Isso não significa que “um arameu [= Labão] tentou destruir meu pai”. Alguns comentaristas leram dessa forma, mas quase certamente eles só o fizeram por causa dessa passagem na Hagadá. Em segundo lugar, em parte alguma na parashá encontramos que Lavan realmente tentou destruir Yaacov. Ele o enganou, tentou explorá-lo e o perseguiu quando ele fugiu. Quando estava prestes a alcançar Yaacov, D’us lhe apareceu num sonho à noite e disse: “Tenha muito cuidado para não dizer nada, bom ou mal, a Yaacov” (Bereshit 31:22). Quando Lavan se queixa do fato de que Yaacov estava tentando escapar, Yaacov responde: “Vinte anos trabalhei para você em sua propriedade - quatorze anos por suas duas filhas, e seis anos para parte de seus rebanhos. Você mudou meu salário dez vezes!” (31:41). Tudo isso sugere que Lavan se comportou escandalosamente contra Yaacov, tratando-o como um trabalhador não remunerado, quase um escravo, mas não que ele tentou “destruí-lo” - para matá-lo como o Faraó tentou matar todos os filhos israelitas. Terceiro: a Hagadá e o serviço do seder no qual surge o texto, é sobre como os egípcios escravizaram e praticaram genocídio lento contra os israelitas e como D’us os salvou da escravidão e da morte. Por que procurar diminuir toda essa narrativa dizendo que, na verdade, o decreto do Faraó não era tão ruim, já que o de Lavan foi pior? Isso parece não fazer sentido, nem em termos do tema central da Hagadá, nem em relação aos fatos reais registrados no texto bíblico. Como, então, devemos compreendê-lo? Talvez a resposta seja essa. O comportamento de Lavan é o paradigma dos antissemitas através dos tempos. Não foi tanto ao que Lavan fez que a Hagadá está se referindo, mas ao que seu comportamento deu origem, século após século. Como assim? Lavan começa fingindo-se de amigo. Ele oferece refúgio a Yaacov quando está fugindo de Esav, que jurou matá-lo. No entanto, verifica-se que seu comportamento é menos generoso e muito mais interesseiro e calculista. Yaacov trabalha para ele sete anos por Rachel. Então, na noite de núpcias, Lavan substitui Rachel por Lea, de modo que, para casar com Rachel, Yaacov foi obrigado por Lavan a trabalhar para ele, em pagamento, por mais sete anos. Quando seu filho com Rachel, Yossef, nasceu, Yaacov tentou partir com sua família. Lavan protestou. Yaacov trabalhou mais seis anos, e então percebeu que a situação era insustentável. Os filhos de Lavan o acusaram de ter enriquecido às expensas de Lavan. Yaacov percebe que o próprio Lavan está se tornando hostil. Rachel e Lea concordam, dizendo: “Ele nos trata como estranhas! Ele nos vendeu e gastou o dinheiro!” (31:14-15). Yaacov percebe que não há nada que ele possa fazer ou dizer que persuadirá Lavan a deixá-los partir. Ele não tem escolha a não ser fugir. Lavan então o persegue e, se não fosse o aviso de D’us na noite anterior à sua chegada, não há dúvida de que ele teria forçado Jyaacov a voltar e viver o resto de sua vida como seu empregado sem remuneração. Conforme ele diz a Yaacov no dia seguinte: “As filhas são minhas filhas! Os filhos são meus filhos! Os rebanhos são meus rebanhos! Tudo o que você vê é meu!” (31:43). Acontece que tudo o que ele aparentemente tinha dado a Yaacov, em sua própria mente, ele não tinha dado de fato. Lavan trata Yaacov como sua propriedade. Ele é uma não-pessoa. Em seus olhos, Yaacov não tem direitos, não há existência independente. Ele deu a Yaacov suas filhas em casamento, mas ainda afirma que elas e seus filhos pertencem a ele, não a Yaacov. Ele ainda insistiu que “os rebanhos são os meus rebanhos”. O que desperta sua raiva é que Yaacov mantém sua dignidade e independência. Diante de uma existência impossível como escravo de seu sogro, Yaacov sempre encontra uma maneira de continuar. Sim, ele foi enganado por sua amada Rachel, mas ele trabalha para que ele possa se casar com ela também. Sim, ele foi forçado a trabalhar por nada, mas ele usa seu conhecimento superior na criação de animais para propor um acordo que lhe permitirá construir rebanhos próprios, os quais lhe permitiriam manter o que é agora uma grande família. Yaacov recusa-se a ser derrotado. Envolvido por todos os lados, ele encontra uma saída. Essa é a grandeza de Yaacov. Seus métodos não são aqueles que ele teria escolhido em outras circunstâncias. Ele tem que superar um adversário extremamente esperto. Mas se recusa a ser derrotado, ou esmagado e desmoralizado. Em uma situação aparentemente impossível, Yaacov mantém sua dignidade, independência e liberdade. Ele não é escravo do homem. Lavan é, de fato, o primeiro antissemita. Depois de anos e anos os judeus procuraram refúgio daqueles que, como Esav, procuraram matá-los. As nações que lhes deram refúgio pareciam, a princípio, benfeitoras. Mas elas exigiram um preço. Elas viram nos judeus pessoas que as tornariam ricas. Onde quer que os judeus fossem, trouxeram prosperidade aos seus anfitriões. No entanto, eles se recusaram a ser meros bens móveis. Eles se recusaram a ser detidos. Eles tinham sua própria identidade e estilo de vida. Eles insistiram no direito humano básico de ser livre. As sociedades de acolhimento então se voltaram contra eles. Alegaram que os judeus as estavam explorando, em vez do fato, que eram elas que na verdade estavam explorando os judeus. E quando os judeus conseguiram, as acusaram de roubo: “Os rebanhos são meus rebanhos! Tudo o que você vê é meu!” Elas esqueceram que os judeus haviam contribuído maciçamente para a prosperidade nacional. O fato dos judeus terem guardado respeito próprio, alguma independência, que eles também haviam prosperado, não as tornou apenas invejosas, mas irritadas. Foi quando se tornou perigoso ser judeu. Lavan foi o primeiro a mostrar essa síndrome, mas não o último. Aconteceu novamente no Egito depois da morte de Yossef. Aconteceu sob os gregos e romanos, os impérios cristãos e muçulmanos da Idade Média, as nações europeias do século XIX e início do século XX e depois da Revolução Russa. Em seu fascinante livro World on Fire, Amy Chua argumenta que o ódio étnico sempre será dirigido pela sociedade de acolhimento contra qualquer minoria conspícua e bem-sucedida. Todas as três condições devem estar presentes: 1.O grupo odiado deve ser uma minoria ou as pessoas terão medo de atacá-lo. 2. Deve ser bem sucedido ou as pessoas não vão invejá-lo, apenas sentir desprezo por ele. 3. Deve ser notável ou as pessoas não darão a mínima atenção. Os judeus tendiam a se encaixar em todos os três. É por isso que eles foram odiados. E começou com Yaacov durante sua estadia com Lava. Ele era uma minoria, superada em número pela família de Lavan. Ele foi bem sucedido, e foi notável: você podia vê-lo olhando para seus rebanhos. O que os sábios estão dizendo na Hagadá agora se torna claro. O faraó era um inimigo único dos judeus, mas o espírito de Lavan persiste em existir, de uma forma ou de outra, época após época. A síndrome ainda existe hoje. Como observa Amy Chua, Israel no contexto do Oriente Médio é uma minoria conspícua e bem-sucedida. É um país pequeno, uma minoria; É bem sucedido e o é de maneira evidente. De alguma forma, um pequeno país com poucos recursos naturais, excede seus vizinhos. O resultado é inveja que se transforma em raiva , que se torna ódio. Onde começou? Com Lavan. Dito isso, começamos a ver Yaacov sob uma nova luz. Ele representa as minorias e as pequenas nações em todos os lugares. Yaacov é a recusa de deixar grandes potências esmagar os poucos, os fracos, os refugiados. Yaacov recusa-se a definir-se como um escravo, propriedade de outra pessoa. Ele mantém sua dignidade e liberdade interior. Ele contribui para a prosperidade de outras pessoas, mas ele derrota todas as tentativas de ser explorado. Yaacov é a voz que diz: “Eu também sou humano. Eu também tenho direitos. Eu também sou livre.” Se Lavan é o eterno paradigma do ódio às minorias conspícuas, Yaacov é o paradigma eterno da capacidade humana de sobreviver, superar-se ao ódio dos outros., Yaacov se torna a voz da esperança na conversa da humanidade, a prova viva de que o ódio nunca ganha alcança a vitória, mas a liberdade sim.

Referência:
Texto original: “THE BIRTH OF THE WORLD’S OLDEST HATE” por Rabino Jonathan Sacks. Tradução Rachel Klinge Azulay para a Sinagoga Edmond J. Safra – Ipanema. www.pt.chabad.org. Abraço. Davi