Confucionismo. www.https//rb.br. OS ANALECTOS – LIVRO XIII. 1. Tzu-lu perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Dê o exemplo você mesmo e, assim, estimule o povo a trabalhar duro”. Tzu-lu perguntou mais. O Mestre disse: “Não permita que seus esforços esmoreçam”. 2. Enquanto era administrador da família Chi, Chung-kung perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Sirva de exemplo para os seus oficiais seguirem; mostre tolerância para com pequenos ofensores; e promova homens de talento”. “E como identificar os homens de talento, para promovê-los?” O Mestre disse: “Promova aqueles que você reconhece. Acha que os outros vão permitir que aqueles que você não reconhece sejam esquecidos?”. 3. Tzu-lu disse: “Se o senhor de Wei o encarregasse da administração (cheng) do estado, o que o senhor faria primeiro?”. O Mestre disse: “Se algo tem de ser feito primeiro, é, talvez, a retificação (cheng) [140] dos nomes”. Tzu-lu disse: “É mesmo? Que caminho indireto o Mestre toma! Para que tratar da retificação?”. O Mestre disse: “Yu, como você é atrapalhado. Espera-se que um cavalheiro não ofereça nenhuma opinião sobre aquilo que desconhece. Quando os nomes não são corretos, o que é dito não soará razoável; quando o que é dito não soa razoável, os negócios não culminarão em sucesso e ritos e músicas não florescerão; quando ritos e música não florescerem, a punição não encerrará os crimes; quando a punição não encerrar os crimes, o povo ficará desanimado. Assim, quando o cavalheiro nomeia algo, o nome com certeza terá uma função no seu discurso, e, quando ele disser algo, com certeza será algo passível de ser colocado em prática. Um cavalheiro é tudo menos casual quando se trata de linguagem”. 4. Fan Ch’ih pediu que Confúcio lhe ensinasse a criar animais. O Mestre disse: “Não sou tão bom quanto um velho fazendeiro”. Fan Ch’ih pediu que lhe ensinasse como cultivar vegetais. “Não sou tão bom quanto um velho jardineiro”. Quando Fan Ch’ih foi embora, o Mestre disse: “Que tolo é Fan Hsü! Quando os governantes amam os ritos, nenhuma pessoa comum ousará ser irreverente; quando amam aquilo que é correto, nenhuma pessoa comum ousará ser insubordinada; quando amam que haja coerência com aquilo que é dito, nenhuma das pessoas comuns ousará ser insincera. Desse modo, pessoas dos quatro cantos acorrerão, com os filhos atados às costas. Que necessidade há de falar sobre a criação de animais?”. 5. O Mestre disse: “Se um homem que conhece as trezentas Odes de cor falha quando lhe são dadas responsabilidades administrativas e se mostra incapaz de ter iniciativa própria quando enviado para estados estrangeiros, então qual a utilidade das Odes para ele, independentemente de quantas ele tenha aprendido?”. 6. O Mestre disse: “Se um homem é correto, então haverá obediência sem que ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá obediência, mesmo que ordens sejam dadas”. 7. O Mestre disse: “Em seus governos, os reinos de Lu e Wei são como irmãos”. 8. O Mestre disse sobre o príncipe Ching de Wei que ele mostrava uma atitude louvável em relação à sua moradia. Quando ele pela primeira vez teve uma casa, disse: “É adequada”. Quando a ampliou um pouco, disse: “É completa”. Quando ela se tornou suntuosa, ele disse: “É admirável”. 9. Quando o Mestre foi para Wei, Jan Yu conduziu a carruagem para ele. O Mestre disse: “Que população florescente!”. Jan Yu disse: “Quando a população floresce, que outro benefício pode-se acrescentar?”. “Fazer as pessoas ricas.” “Quando as pessoas tornam-se ricas, que outro benefício pode-se acrescentar?” “Educá-las.” [141] 10. O Mestre disse: “Se alguém me empregasse, dentro do período de um ano eu deixaria as coisas em um estado satisfatório e depois de três anos eu teria provas disso para mostrar”. 11. O Mestre disse: “Como é verdadeiro o ditado que diz que depois que um reino foi governado durante cem anos por bons homens é possível vencer a crueldade e acabar com os homicídios!”. 12. O Mestre disse: “Mesmo com um rei de verdade, leva-se uma geração inteira para que a benevolência torne-se realidade”. 13. O Mestre disse: “Se um homem consegue fazer com que ele próprio seja correto, que dificuldade haverá para ele tomar parte no governo? Se ele não consegue fazer com que ele próprio seja correto, o que tem ele a ver com fazer os outros serem corretos?”. 14. Jan Tzu voltou da corte. O Mestre disse: “Por que tão tarde?”. “Assuntos de Estado.” O Mestre disse: “Só podem ter sido coisas de rotina. Houvesse algum assunto de Estado, eu teria ficado sabendo sobre ele, mesmo que eu não tenha mais nenhum cargo”. 15. O duque Ting perguntou: “Existe uma máxima que garanta a prosperidade de um reino?”. Confúcio respondeu: “Uma máxima não pode fazer exatamente isso. Há um ditado entre os homens: ‘É difícil ser um governante, e tampouco é fácil ser súdito’. Se um governante entende a dificuldade de ser um governante, então não se trata praticamente de uma máxima levando o reino à prosperidade?”. “Existe uma máxima que possa levar o reino à ruína?” Confúcio respondeu: “Uma máxima não pode fazer exatamente isso. Há um ditado entre os homens: ‘Não gosto de ser um governante, exceto pelo fato de que ninguém vai contra aquilo que eu digo’. Se o que ele diz é bom e ninguém vai contra ele, ótimo. Mas e se o que ele diz não é bom e ninguém vai contra ele, então não se trata praticamente de uma máxima levando o reino à ruína?”. 16. O governador de She perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Certifique-se sempre de que aqueles que estão perto estejam satisfeitos e de que aqueles que estão longe sejam atraídos”. 17. Ao se tornar prefeito de Chü Fu, Tzu-hsia perguntou sobre governo. O Mestre disse: “Não seja impaciente. Não tenha em mente apenas ganhos pequenos. Se você for impaciente, não atingirá o seu objetivo. Se tiver em mente apenas pequenos ganhos, as grandes missões não serão cumpridas”. 18. O governador de She disse a Confúcio: “Em nossa aldeia há um homem que é chamado de ‘Retidão’. Quando o pai dele roubou uma ovelha, ele o denunciou”. Confúcio respondeu: “Em nossa aldeia, aqueles que são corretos são muito diferentes. Os pais protegem os filhos, e os filhos protegem os pais. Retidão é algo encontrado nesse comportamento”. 19. Fan Ch’ih perguntou sobre benevolência. O Mestre disse: “Quando estiver em casa, mantenha-se em uma atitude respeitosa; quando estiver servindo como oficial, seja reverente; quando lidar com outros, dê o melhor de si. Essas são qualidades que não podem ser deixadas de lado, mesmo que você vá viver entre bárbaros”. 20. Tzu-kung perguntou: “Como deve ser um homem para que possam chamá-lo verdadeiramente de Cavalheiro?”. O Mestre disse: “Um homem que se mostra honrado na forma com que se conduz e que, quando enviado para o exterior em missão, não desgraça o nome de seu senhor pode ser chamado de Cavalheiro”. “E abaixo dele, quem merece figurar?” “Alguém que dentro do próprio clã é elogiado por ser um bom filho e que na sua aldeia é elogiado por ser um jovem respeitoso.” “E a seguir?” “Um homem que insiste em manter sua palavra e em levar suas ações até o fim talvez esteja qualificado para ser o próximo, mesmo que mostre uma teimosa estreiteza da mente.” “E quanto aos homens que estão na vida pública, presentemente?” O Mestre disse: “Oh, eles são de capacidade tão limitada que mal contam”. 21. O Mestre disse: “Se é impossível encontrar homens moderados para companheiros, deve-se, se não há alternativa, voltar-se aos indisciplinados e aos cautelosos. Os primeiros arriscam-se a qualquer coisa, enquanto os últimos demarcam o limite para alguns tipos de ações”. 22. O Mestre disse: “As pessoas do sul têm um ditado: Um homem sem consistência [142] não dará nem um xamã nem um médico. Muito bem dito! ‘Se uma pessoa não demonstra uma virtude consistente, essa pessoa passará, talvez, vergonha.’” [143] O Mestre continuou, para comentar: “A importância do ditado é simplesmente a de que, em tal caso, não há razão alguma para consultar um oráculo”. 23. O Mestre disse: “O cavalheiro concorda com os outros sem ser um eco. O homem vulgar ecoa sem estar de acordo”. 24. Tzu-kung perguntou: “‘Todos na aldeia gostam dele.’O que você acha disso?” O Mestre disse: “Isso não é o suficiente”. “‘Ninguém na aldeia gosta dele.’O que acha disso?” O Mestre disse: “Isso tampouco é suficiente. ‘Aqueles na aldeia que são bons gostam dele e aqueles na aldeia que são maus não gostam dele.’Isso ficaria melhor”. 25. O Mestre disse: “O cavalheiro é fácil de ser servido mas difícil de agradar. Ele não ficará satisfeito a menos que você tente agradá-lo seguindo o Caminho, mas quando se trata de empregar os serviços de outras pessoas, ele o faz dentro dos limites da capacidade delas. O homem vulgar é difícil de ser servido mas fácil de agradar. Ele ficará satisfeito mesmo que você tente agradá-lo sem seguir o Caminho, mas quando se trata de empregar os serviços de outros, ele exige perfeição”. 26. O Mestre disse: “O cavalheiro fica à vontade sem ser arrogante; o homem vulgar é arrogante sem ficar à vontade”. 27. O Mestre disse: “Força inquebrantável, resolução, simplicidade e reticência [144] são próximas da benevolência”. 28. Tzu-lu perguntou: “Como deve ser um homem para que mereça que o chamem de Cavalheiro?”. O Mestre disse: “Alguém que é, por um lado, sincero e inteligente e, por outro lado, cordial merece ser chamado de Cavalheiro – sincero e inteligente entre os seus amigos e cordial entre irmãos”. 29. O Mestre disse: “Depois que um homem bom educou o povo por sete anos, aí então o povo estará pronto para pegar em armas”. 30. O Mestre disse: “Mandar o povo para a guerra sem que ele tenha educação é jogá-lo fora”. www.http//rb.br.
domingo, 30 de julho de 2023
quarta-feira, 26 de julho de 2023
A CORRUPÇÃO É PIOR QUE O PECADO
Catolicismo. www.catequisar.com.br.
Escrito por Mirko Testa. A CORRUPÇÃO É PIOR QUE O PECADO. A corrupção é o mal
da nossa época, que se alimenta de aparência e aceitação social, cresce como
medida da ação moral e pode consumir a partir de dentro, em uma atitude de
"mundanidade espiritual", quando não "esclerose do
coração", até mesmo na própria Igreja. E se para o pecado existe perdão,
para a corrupção, não. Por isso, a corrupção precisa ser curada. Esta é a
crítica mordaz e impiedosa que emerge de algumas páginas escritas em 2005 por
Jorge Mario Bergoglio - Papa Francisco, Jorge Mário Bergoglio
(1936- ), quando era arcebispo de Buenos Aires, cujo texto foi agora
publicado em um livro, "A cura da corrupção", publicado pela primeira
vez em italiano (Editora Missionária Italiana). Pecado e corrupção. Em seu
afresco de cores fortes, Papa Francisco explica desde o início que a corrupção
está intimamente ligada ao pecado, mas é diferente dele. Na verdade, a
corrupção é "não um ato, mas um estado, um estado pessoal e social no qual
a pessoa se acostuma a viver", por meio de hábitos que vão deteriorando e
limitando a capacidade de amar. Papa Francisco resume as principais
características desta praga: 1) Imanência. A corrupção tende a gerar uma
"verdadeira cultura, com capacidade doutrinal, linguagem própria, jeito
próprio de agir", tornando-se uma "cultura de subtração". O
caminho que levou do pecado à corrupção é um processo de substituição de Deus
pelas próprias forças. A gênese pode ser atribuída a um "cansaço da
transcendência: frente a um Deus que não se cansa de perdoar, o corrupto se
levanta como autossuficiente na expressão de sua salvação: está cansado de
pedir perdão". 2) Boas Maneiras. Esta autossuficiência humana, que
reflete a atitude do coração com relação a um tesouro que o seduz, tranquiliza
e engana, é uma transcendência frívola. Na corrupção, de fato, prevalece uma
espécie de imprudência modesta; cria-se um culto às boas maneiras para encobrir
os maus hábitos. O corrupto é um acrobata da delicadeza, campeão das boas
maneiras. Enquanto "o pecador, reconhecido como tal, de alguma forma,
admite a falsidade do tesouro ao qual aderiu ou adere, o corrupto, no entanto,
submeteu seu vício a um curso intensivo de boas maneiras". 3) Medida
Moral. "O corrupto – escreve Papa Francisco – sempre tem necessidade de se
comparar com aqueles que parecem ser coerentes em suas vidas (mesmo quando se
trata da coerência do publicado que se confessa pecador)." Uma de suas
características é a forma como se justifica, apresentando as suas boas maneiras
como opostas a situações de pecado extremo ou fruto de caricatura, e assim se
levanta para julgar os outros, tornando-se medida de comportamento
moral. 4) Triunfalismo. "O triunfalismo é o terreno ideal para o
comportamento corrupto." A este respeito, o teólogo Henri de Lubac
(1896-1991) fala da ambição e da frivolidade que podem esconder-se na
"mundanidade espiritual", a tentação mais perversa, que concebe como
ideal moral o homem e seu aperfeiçoamento, e não a glória de Deus. Segundo Papa
Francisco, a mundanidade espiritual "nada mais é do que a vitória daqueles
que confiam no triunfalismo da capacidade humana; o humanismo pagão adaptado ao
bom senso cristão". 5) Cumplicidade. "O corrupto não conhece a
fraternidade ou a amizade, mas só a cumplicidade"; tende a arrastar todos
à sua própria medida moral. Os outros são cúmplices ou inimigos. "A
corrupção é o proselitista. Ela se disfarça de comportamento socialmente
aceitável", como Pilatos, "que faz de conta que o problema não lhe
diz respeito, e por isso lava as mãos, mesmo que no fundo seja para defender a
sua zona corrupta de adesão ao poder a qualquer preço". A corrupção do
religioso. Papa Francisco faz, então, uma análise muito lúcida do estado de corrupção
cotidiana que lentamente faz a vida religiosa encalhar. É uma espécie de
paralisia que ocorre quando uma alma se adapta a viver tranquilamente em
paz. No início, existe "o medo de que Deus nos conduza a caminhos que
não podemos controlar". Mas ao fazer isso, explica Papa Francisco,
"os horizontes se encolhem à medida da própria desolação ou quietismo. A
pessoa teme a ilusão e prefere o realismo do menos à promessa do mais".
Aqui se esconde o perigo, porque, "na preferência pelo menos, que parece
mais realista, já existe um processo sutil de corrupção: começa a mediocridade
e a tibieza (duas formas de corrupção espiritual)", um caminho inclinado
que leva ao desânimo da alma e a uma lenta, mas definitiva esclerose do
coração. É por isso que a alma se apega a todos os produtos que o
supermercado do consumismo religioso lhe oferece, tendendo talvez a interpretar
a vida consagrada como uma realização imanente de sua personalidade, buscando a
realização profissional ao se deliciar com a estima alheia, ou se dedicando a
uma intensa vida social. Daí o convite do então arcebispo de Buenos Aires –
Argentina: "A nossa indigência deve se esforçar um pouco para abrir espaço
à transcendência", porque "o Senhor nunca se cansa de chamar: não
tenha medo. Não ter medo de quê? Não ter medo da esperança, porque a esperança
não decepciona". www.catequisar.com.br. Abraço. Davi
segunda-feira, 24 de julho de 2023
TREBLINKA - A CORAGEM DOS ESQUECIDOS
Judaísmo. www.morasha.com.br.
TREBLINKA – A CORAGEM DOS ESQUECIDOS. Enfraquecidos, humilhados, sem esperança,
solitários e esquecidos pelo mundo. Assim estavam os prisioneiros no campo de
extermínio de Treblinka nas semanas que antecederam o Levante de 2 de agosto de
1943. Foi o gesto derradeiro daqueles que sabiam que não lhes restava outro
destino a não ser a morte e que, diante dessa certeza, preferiram morrer
lutando. A revolta em Treblinka é mais um, entre tantos outros atos de coragem,
que desmentem a versão de que os judeus foram para as câmaras de gás como “gado
para o matadouro” e se soma à história da luta no Gueto de Varsóvia, à revolta
e fuga do campo de extermínio de Sobibor, Auschwitz, Minsk, Mazowiecki,
Kruszaya, Krychow e de outros. Embora nem sempre registrados nos livros de
História ou documentos, os acontecimentos estão gravados na memória de quem
vivenciou e sobreviveu à tragédia que assolou o povo judeu na Europa, nas
décadas de 30 e 40. O Campo. Treblinka foi criado em meados de 1941 como um campo de
trabalhos forçados e foi assim denominado por causa de um vilarejo nas
proximidades. Situado a cerca de 100 quilômetros de Varsóvia, recebia
inicialmente prisioneiros acusados de crimes pelos alemães. Um ano após a sua
abertura, ganhou um anexo, passando a ser chamado de Treblinka I. O novo campo,
Treblinka II, diferentemente de seu antecessor, surgiu como campo de extermínio
– mais uma etapa da famigerada “Solução Final” idealizada pelo Terceiro Reich
para o povo judeu. Localizado a quase dois quilômetros de Treblinka I, o anexo
foi construído por empresas alemãs que usavam, como mão-de-obra de custo zero,
prisioneiros poloneses e judeus, muitos dos quais trazidos do Gueto de
Varsóvia. “Inaugurado” em 23 de julho de 1942 – quando começou a evacuação do
Gueto, Treblinka II abrigou a máquina assassina que exterminou os 265 mil
judeus da capital polonesa, no maior sigilo. Os nazistas não queriam que a
verdade sobre a Solução Final fosse conhecida pelo mundo por dois motivos
principais. O primeiro era simplesmente conseguir “recolher e reassentar no
Leste” os judeus espalhados pela Europa. Não sabendo ou não querendo acreditar
na verdade sobre o verdadeiro destino dessas “viagens”, era mais fácil para os
nazistas “manipularem” as populações judaicas que recolhiam. O segundo era
esconder a verdade do mundo ocidental por medo que suas ações “não fossem
compreendidas” e que se descobrisse que os locais para “reassentamento” dos
judeus da Europa eram na realidade campos de morte. Mas, apesar de todo o
sigilo dos nazistas, desde 1941 notícias e provas sobre o que estava
acontecendo vinham chegando até os líderes do mundo ocidental. Muitos foram os
que arriscaram suas vidas para tentar alertar o mundo, mas poucos os que acreditaram
e esses poucos, nada fizeram. Os judeus da Europa ficaram entregues à sua
própria sorte. Para tentar garantir o segredo sobre os crimes cometidos em
Treblinka, o campo era protegido por duas cercas de arame farpado, sendo que a
interna era camuflada com árvores e plantas, justamente para encobrir suas
atividades macabras. Para reforçar esta farsa, a câmara de gás ostentava uma
Estrela de David e uma cortina, com os seguintes dizeres: “Este é o portão pelo
qual passam os justos”. Trazidos até o campo de
extermínio em vagões lacrados, superlotados como se fossem gado, sem água,
alimento ou qualquer tipo de atendimento às suas necessidades básicas, cerca de
cinco a sete mil pessoas chegavam em cada comboio. Ao desembarque, deparavam-se
com a Estrela de David e ouviam um discurso de um oficial da SS explicando-lhes
que haviam chegado a um campo de trânsito. Em seguida, as mulheres e crianças
eram separadas dos homens; os doentes eram também separados e os mortos jogados
em local afastado. Começava então o “macabro ritual” de corte de cabelo e o
encaminhamento para as câmaras de gás. Era nesse momento que os guardas
incentivavam as pessoas a escreverem para seus familiares – a correspondência
seria posteriormente enviada, para reafirmar ao mundo ocidental a impressão de
que o processo de transferência judaica não passava de um reassen-tamento.
Enquanto Treblinka II funcionou, estas cenas – assim como nos outros campos de
extermínio instituídos pelos nazistas – repetiram-se milhares de vezes. Aos que
sobreviviam às seleções para as câmaras de gás, era imposta uma rotina rígida e
desumana. A meta era reduzi-los a zero, tanto física como moralmente; queriam
que perdessem qualquer traço de dignidade humana. As chances de rebelião ou
resistência eram nulas. A resposta à pergunta tantas vezes repetida sobre
como tudo isso pode ter acontecido talvez esteja, em parte, no sigilo mantido
sobre toda a operação e segmen-tação de suas etapas. Tre-blinka era uma
verdadeira “linha de produção” da morte, eficiente, rápida, sem falhas. Talvez
esteja, também, no isolamento no qual eram mantidos os prisioneiros de
Treblinka I e Treblinka II, rompido apenas quando alguém passava de um campo
para o outro. No entanto, geralmente esta era uma viagem sem volta e
dificilmente quem passava de um campo para o outro voltava para contar a
história. Os prisioneiros escalados para trabalhar no campo de extermínio
vinham, geralmente, nos trens superlotados e, portanto, também não tinham
contato com os detidos no campo de trabalho forçado. O campo também era
dividido em duas áreas – uma que incluía a plataforma dos trens, as moradias
para os comandantes, a administração, marcenarias e um espaço reservado para os
“recém-chegados” e seus pertences. A outra área incluía o setor de exterminação
propriamente dito, com as câmaras de gás, as covas abertas e os locais para
cremação, além dos barracos para os prisioneiros judeus. Cercas separavam os
dois setores. Os funcionários – se é que
podem ser chamados assim – de Treblinka II eram alemães, ucranianos, havendo
entre eles também prisioneiros judeus. Enquanto os dois primeiros grupos eram
responsáveis pela vigilância, pela rígida e brutal disciplina e pela operação
das câmeras de gás, os judeus brutalizados pela fome e aterrorizados,
realizavam as tarefas mais pesadas – as mais terríveis – pois separavam as
roupas e objetos de valor de seus irmãos mortos e eram obrigados a jogar nos
fornos crematórios ou em valas abertas os cadáveres que outros prisioneiros
judeus retiravam das câmeras de gás. Muitas vezes, entre os pertences – ou pior
ainda – entre os corpos, reconheciam parentes, filhos, amigos, vizinhos. Em
Treblinka, a expectativa de vida destes prisioneiros não ia além de duas
semanas, no máximo dois meses. Sobreviver era um grande feito. O campo de extermínio começou a operar com três
câmaras de gás, chegando em pouco tempo a seis. De julho de 1942 a abril de
1943, aproximadamente 870 mil pessoas morreram no local. Em sua grande maioria,
os judeus eram friamente assassinados apenas duas horas após sua chegada. Os preparativos do Levante. Com
a aproximação das forças aliadas, no outono de 1943, os alemães começaram a
evacuar o campo. Berlim deu ordens para que Treblinka, assim como outros
campos, fossem totalmente destruídos. Não queriam deixar provas sobre a
existência ou atividades do local. O processo de desativação foi sendo
percebido pelos prisioneiros judeus, à medida que o número de transportes
diários diminuía e aumentava o volume das cremações dos corpos jogados nas
valas. As covas coletivas eram fechadas como se jamais tivessem existido. Foi
nesse contexto que o levante começou a ser planejado por aqueles que não tinham
outra certeza senão a da morte nas mãos de seus carrascos. Era apenas uma
questão de tempo. Antes de agosto de 1943,
já haviam ocorrido atos isolados de resistência judaica em Treblinka I e II. A
cada ato de rebelião que provocasse a morte de oficiais da SS e de guardas
ucranianos, as represálias eram terríveis, um número infinitamente maior de
prisioneiros era mortos. A suposição de que o campo de extermínio seria
desativado, no entanto, fez com que começasse a ser organizado um movimento
clandestino que incluiria detentos dos dois campos e estes liderariam a
revolta. O objetivo era permitir a fuga do maior número possível de
prisioneiros, além de tentar destruir as instalações mortíferas e eliminar o
maior número possível de guardas. Sabia-se que assim que o levante eclodisse,
centenas de judeus se uniriam ao movimento e lutariam contra os carrascos. Os
preparativos incluíam também a obtenção de algumas armas – inicialmente,
subornando guardas ucranianos e, posteriormente, roubando-as do depósito do
campo. As dificuldades enfrentadas foram imensas. Um fato, no entanto, acabou ajudando os prisioneiros
na obtenção das armas. Em julho de 1943, o comandante de trabalho do campo,
Carl Gustav Farfi, precisou de uma cirurgia que acabou sendo feita pelo médico
judeu Julian Choransky. Durante a cirurgia, a chave do depósito de munições do
campo foi roubada e copiada. Como “agradecimento” por seus serviços como
médico, Dr. Choransky foi mandado às câmaras de gás logo após a cirurgia e não
participou da rebelião, apesar de ter sido um de seus mentores. O Levante. À s 15h35 do dia 2 de agosto de 1943, começou o
levante em Treblinka. A data foi marcada para coincidir com a chegada do trem
que traria quatro mil judeus ao campo. O plano foi colocado em prática na noite
anterior, quando Eliahu Grinsbach roubou do depósito de armas três pistolas e
dez granadas que seriam utilizadas para dar início à revolta. Poucas armas para
enfrentar os nazistas, mas se um número maior de armas desaparecesse do
depósito poderia chamar a atenção dos nazistas. Combinaram, então, que assim
que a ação começasse, um grupo de rebelados obteria mais armamentos. Os
responsáveis pela revolta dividiram-se em vários grupos, cada um encarregado de
uma missão específica. Todos tentariam envolver o maior número de judeus na
luta.No dia seguinte com a chegada do trem na plataforma de Treblinka, eclodiu
o levante. O sinal foi dado quando o prisioneiro judeu Josef Gross lançou uma
granada de mão sobre os guardas de uma das torres de vigilância.
Simultaneamente à explosão, Gross atirou num oficial da SS, o vice comandante
do campo Kurt Hubert Franz (ver box), um dos mais odiados, que escapou e
ordenou ao seu cão que atacasse o detento. O cão estraçalhou Gross. Antes mesmo
que Kurt Franz pudesse perceber o que estava acontecendo e dar o alarme para os
guardas ucranianos, os judeus começaram a atirar e incendiaram algumas
construções. A desproporção entre as partes era inegável – de um lado, homens
pobremente armados, enfraquecidos por maus-tratos, subnutridos e totalmente
destruídos psicologicamente, e, do outro, soldados do Reich, bem alimentados,
treinados e armados. Mesmo assim, os judeus atacaram seus carrascos sem
hesitar. Esperar por sucesso seria muito mais que um delírio, mas poderiam
tentar matar o maior número de nazistas e, quem sabe, alguns deles poderia
sobreviver para contar ao mundo como um pequeno grupo de judeus enfrentara seus
carrascos. O portão principal foi derrubado por uma explosão, outras
atingiram as torres de observação e as portas do depósito de armas foram
arrombadas pelos revoltosos, que distribuíram as armas aos seus companheiros.
Centenas de pessoas tentaram derrubar a cerca e fugir, mas a maioria foi morta
pelos guardas que começaram a atirar para todos os lados e pelos cães que os
dilaceravam. Às 15h46, a revolta terminou. Durou apenas onze minutos e deixou
um saldo negro: 1.100 judeus mortos. Somente 180 prisioneiros conseguiram
fugir. Entre os SS e os guardas ucranianos foram 117 os mortos e feridos. No
chão, imóveis sob a mira dos nazistas, deitados em meio ao sangue de seus
irmãos, os judeus que sobreviveram. Os fugitivos foram impiedosamente caçados
pelos nazistas e seus asseclas e brutalmente assassinados quando encontrados. Dezoito,
no entanto, foram resgatados, famintos e no fim de suas forças, por um grupo de
resistentes judeus que havia sobrevivido à Revolta do Gueto de Varsóvia e que
se escondera na floresta. Esses sobreviventes foram a memória viva dos
fatos ocorridos no dia 2 de agosto de 1943 em Treblinka. Mostraram ao mundo a
nova face de um judeu que, mesmo diante das piores adversidades, não se entrega
e luta, se necessário, até a morte. Esta verdade, gravada no coração de cada
judeu, conseguiu ser traduzida em palavras por Menachem Beguin em seu famoso
livro, “A Grande Revolta”: “ Foi do
sangue, do fogo, das lágrimas e das cinzas que um novo tipo de ser humano
nasceu, um gênero absolutamente desconhecido pelo mundo por mais de mil e
oitocentos anos, o judeu combatente”. KURT HUBERT FRANZ, um dos membros mais sádicos e
cruéis do SS, temido entre os prisioneiros por sua bestialidade, foi promovido
após a revolta para o posto de comandante supremo de Treblinka. Responsável
pela morte de 300 mil judeus, ficou no campo até seu total desmantelamento, em
novembro de 1943. Inutilmente, um dos organizadores da revolta que conseguira
se salvar, Judah Klein, tentou levá-lo a julgamento e fazer justiça. Quando do
término da guerra, Kurt Franz permaneceu livre na Alemanha e, usando seu
próprio nome, trabalhou em uma fábrica de Düsseldorf até 1961, quando, por
insistência do governo de Israel, foi julgado. Condenado à prisão perpétua, foi
libertado em maio de 1993. O governo alemão alegou, na época, que após 15 anos
de prisão a lei alemã permite que se solte qualquer detento mesmo que seus
crimes tenham sido hediondos. Morreu como um homem livre na Alemanha, em 1998. www.morasha.com.br. Abraço. Davi.
sexta-feira, 21 de julho de 2023
CRISTIANISMO O MÍNIMO DO MÍNIMO
Cristianismo.
Livro CRISTIANISMO O MÍNIMO DO MÍNIMO. Escrito por Leonardo Boff
(1938- ). “Toda encarnação do cristianismo nas culturas
significa concreção, mas também limitação e redução. Reducionismo na filosofia
é uma tendência que consiste em reduzir os fenômenos complexos e seus
componentes mais simples. Considerando esses últimos como mais fundamentais que
os fenômenos complexos observados. Um dos principais inimigos da liberdade, no
homem, é o reducionismo. Qualquer tipo de reducionismo é frustrante,
principalmente os que reduzem o homem a um produto. Quanto do sonho de Jesus,
de sua prática, de sua mensagem e de sua ética suporta o paradigma grego romano
ocidental? Ele incorporou o cristianismo dentro de suas possibilidades, mas à
custa de notáveis limitações e lamentáveis reduções. Importa libertar a
experiência originária de Jesus e diminuir a arrogância institucional da Igreja
Católica Romana que pretende apresentar a integralidade da herança de Jesus sem
nenhum reducionismo e sem relativismo, pior ainda, condenando os reducionismo
dos outros sem se dar conta do seu próprio reducionismo. Por isso, precisamos
proceder a uma reflexão crítica. A questão não é o reducionismo.
Ele pertence a todo processo de encarnação; não é defeito, mas marca
da história. A questão é estar cego a tal fato e apresentar-se arrogantemente
como quem nada reduziu, confundindo a parte com o todo, como o seu reducionismo
real, mas inconsciente fosse a totalidade do Evangelho e do sonho de Jesus.
Elenquemos alguns desses reducionismos, pois desta forma libertaremos o
cristianismo desta patologia a fim de que possa desimpedidamente implementar
outros ensaios encarnatórios futuros. O cristianismo romano católico, ao invés
de pregar o Deus Trindade, ficou no monoteísmo vétero testamentário e pré
trinitário. A doutrina de um só e único Deus, dominante nas pregações e na
própria reflexão teológica, se adequava e se adequa melhor à cultura do poder
autoritário e do pensamento único, reinante na cultura patriarcal. Ao invés de
prolongar o sonho de Jesus, do Reino de Deus, anunciou a Igreja fora da qual
não há salvação, não raro aliada aos poderosos e distanciada dos pobres e
oprimidos. Ao invés de pregar a ressurreição como o evento maior da história,
um verdadeiro tremendum na linguagem do Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955),
preferiu o anúncio da imortalidade da alma, crença platônica vastamente
popularizada na cultura romana, grega e ocidental até os dias de
hoje. Ao invés de apresentar o Jesus real, histórico, preferiu um
Jesus definido em termos filosóficos e teológicos dos Concílios de Niceia
(325), de Constantinopla (381), de Éfeso (431) e de Calcedônia (451) como
aparece no atual credo. Nele é professado como “Deus de Deus, Luz de Luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro, engendrado, não criado, da mesma natureza que o
Pai”. E logo se diz que “se fez homem e por nossa salvação foi crucificado sob
Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado”. Nada se diz de sua vida, mensagem,
obra e por que o mataram. No fundo apenas se diz que “nasceu e morreu”.
Portanto, um reducionismo que esvazia totalmente a realidade humana de Jesus,
aquela que realmente importa, sem perceber o altíssimo risco de esvaziar o
Mistério da Encarnação. Ao invés de reforçar a comunidade, na qual todos
participavam de tudo, introduziu a hierarquia de pessoas e a divisão das
funções, criando dois corpos nas igrejas, o corpo clerical (religiosos,
teólogos e oficiantes dos ritos) que tudo sabe e tudo pode e o corpo laical (o
povo participante em geral) ao qual cabe apenas ouvir e executar. Ao invés da
comunhão dos bens, apanágio das comunidades cristãs primitivas, atestadas pelos
Atos dos Apóstolos (capítulos 2 e 4), prevaleceu o espírito individualista pelo
qual cada um vive para si e cuida de salvar a sua alma. Mas há ainda um outro
tipo de reducionismo, este ainda mais profundo, que atingiu a substância da
novidade trazida por Jesus. Assim, a experiência do cristianismo de
experimentar Deus como Trindade de Pessoas, sempre em pericórese (é a relação
entre a Santíssima Trindade, Triunidade; Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito
Santo), comunhão de vida e de amor mútuos, não logrou impor-se historicamente.
Esta intuição fundamental e original face às demais religiões foi logo
capturada por polêmicas derivadas do paradigma grego de pensamento. Este se
caracteriza, com raras exceções, por uma visão substancialista, identitária e
não processual da vida e da história, pouco adequada a pensar a Trindade como
jogo de relações entre as três divinas Pessoas. Esta, por sua própria natureza,
demanda um outro paradigma que vê a realidade em permanente processo de
realização e de emergência como é próprio do Mistério, como o temos meditado
anteriormente, e típico de fenômenos como a vida, a natureza e o espírito. A
maioria dos pensadores cristãos, incapaz de captar a singularidade do modo
cristão de dizer Deus, fez com que o discurso pastoral das igrejas se
mantivesse no clássico monoteísmo pré trinitário, comum ao judaísmo e às
religiões do mundo. A Santíssima Trindade ficou sendo o símbolo do Mistério dos
Mistérios e, por isso, tido como inacessível à razão humana e objeto de pura
fé. Os intentos de aprofundamento, nos quadros do logos grego, produziram
intrincadas discussões com inúmeras heresias, o que isolou mais ainda esta
verdade da vida e da prática dos cristãos. Restou sua presença na liturgia mais
de forma ritual do que existencial. Outro reducionismo diz respeito ao eclipse
da figura do Pai como Pai do Filho. No Credo se professa que Ele é “Pai Todo
Poderoso, criador do céu e da Terra”, onisciente e juiz supremo, Senhor
absoluto da vida e da morte. Ao lado de tal Pai não resta lugar para um Filho,
por isso não é vivido trinitariamente como o Pai do Filho, mas como o Criador
de todas as coisas. Esta religião do Pai serviu e continua servindo de
justificação ideológica a todo tipo de paternalismo e autoritarismo pelos quais
as pessoas são mantidas na dependência e no servilismo. Um Pai no céu, Deus; um
pai na Terra, o monarca ou o presidente; um pai na Igreja, o papa; um pai na
comunidade, o chefe; e um pai na família; o pai como a autoridade máxima. Esta
continua sendo a representação dominante. A exaltação excessiva da figura do
Filho. O esquecimento da visão trinitária ocasionou uma concentração exacerbada
da figura do Filho encarnado em Jesus Cristo. Surgiu o cristomonismo
(predominância exclusiva de Cristo), como se Cristo fosse a única e exclusiva
realidade e não houvesse junto com Ele o Pai e o Espírito Santo. Ele é visto
como o único Salvador universal, um líder libertador, solitário, ornado com
todos os símbolos do poder, sempre exaltado como Senhor e Cristocrator, tendo o
cetro numa das mãos, o mundo na outra e uma coroa de ouro e joias na cabeça,
coisa que o Jesus histórico, possivelmente, jamais teria visto com os próprios
olhos e rejeitaria, indignado, ser ornado com semelhante parafernália. A figura
do Servo Sofredor e companheiro na caminhada humana, o Cristo do casal de
caminhantes de Emaús é assim poderosamente ofuscada. A exacerbação da figura do
Cristo, cabeça invisível da Igreja visível, reforça as figuras
autoritárias e as instituições fundadas no poder centralizador. Este tipo de
cristologia reducionista criou seu oposto compensatório que é a cristologia
juvenil elaborada em função dos jovens. Ai Jesus aparece como um formoso e
entusiasta líder e um herói vigoroso, como qu saído de alguma academia de
ginástica, a ser seguido e exaltado. Mas esta imagem hollywoodiana é quase
sempre desvinculada dos conflitos inerentes à vida e à história. Ou
então, romanticamente, emerge um Jesus da pastoral familiar, apresentado no
meio de Maria e José ou como o doce Jesus de Nazaré, abençoando crianças, ou
como o Bom Pastor, cercado de ovelhas em pastos verdejantes ou tristemente
olhando para a cidade de Jerusalém que o rejeitou. Uma religião só do Filho se encapsula
sobre si mesma como se nada mais existisse para além dela mesma. Torna-se
incapaz de ver a presença do Espírito e valores do Reino em outros caminhos
espirituais que não nos cristãos, e está a um passo do exclusivismo e do
fundamentalismo com referência a revelação e a salvação. O terceiro
reducionismo concerne ao esquecimento da figura do Espírito Santo. Tardiamente,
na reflexão teológica, o Espírito Santo foi admitido como terceira Pessoa da
Trindade, ficando refém das disputas teológicas entre a Ortodoxia e a Igreja
Latina com referência ao filioque, quer dizer, a relação de origem do Espírito.
Ele é espirado unicamente pelo Pai, assim como o Filho é gerado (Ortodoxia), ou
é espirado pelo Pai e pelo Filho ou através do Filho (o filioque da Igreja
latina). Esta discussão teológica que parece, no fundo, irrelevante, oculta, na
verdade, disputas de poder entre os dois polos da Cristandade, o
Ocidente e o Oriente, cindiu as duas igrejas fundamentais até os dias de hoje.
Tal fato produziu um deslocamento: no lugar do Espírito entraram as igrejas.
Ele acabou tendo uma função lateral e secundária. Quer queiram as igrejas ou
não, o Espírito é fonte de criatividade e de inovação, sopra onde quer,
antecipa-se ao missionário, pois se faz presente nos povos pelo amor, pelo
perdão e pela convivência solidária. As instituições, no entanto, o veem como
fator de perturbação da ordem estabelecida e, por isso, marginalizado e até
esquecido. Em razão desta compreensão conservadora e reducionista, os homens e
mulheres do Espírito, os místicos e fundadores de novos caminhos espirituais,
tiveram sempre dificuldade de reconhecimento por parte da instituição
eclesiástica que os manteve e ainda os mantém sob severa vigilância, quando não
os marginaliza e até condena. Esquecem a severa advertência de Paulo: “não
afogueis o Espírito” (I Ts 5:19). Uma comunidade eclesial sem a presença
consciente do Espírito, geralmente é dominada por autoridades eclesiástica,
ávidas de ordem e de poder, enrijecidas e burocratizadas. Por outra parte, os
movimentos carismáticos, que buscam alimentar uma experiência pessoal de Deus,
encontraram no Espírito Santo a sua fonte de inspiração. Dai se explica a
proliferação de igrejas carismáticas populares, sejam evangélicas, sejam
católicas, mas com formas muito afins de piedade e de organização. Esta
expressão carismática ajudou a socializar a palavra na Igreja, reservada
somente à hierarquia, abrindo espaço para a criatividade ritual e simbólica,
antes negada pela rigidez canônica da liturgia oficial. Mas ela padece de clara
insuficiência ao não articular os temas da injustiça, dos pobres e da
transformação social, como o Evangelho e com a criatividade própria do
Espírito. Por isso, uma religião só do Espírito facilmente cai no
sentimentalismo, no entusiasmo juvenil e na alienação face à conflitividade da
vida e até no fanatismo e na anarquia espiritual. A Cristandade não encontrou
até hoje um ponto de equilíbrio quanto a assunção das divinas Pessoas como o
verdadeiro Deus da experiência cristã. Distanciou-se de sua identidade
originária de um Deus comunhão amor que deveria se expressar na história, por
comportamentos e iniciativas que incentivassem o caráter comunitário, a
participação igualitária de todos e a compreensão da cristianismo como uma realidade
sempre aberta a novas manifestações e encarnações nas mais diferentes culturas,
mas não foi o que predominou. Na Igreja Romana católica ocorreu uma inversão
hilária: aquilo que na doutrina da Trindade é verdade (a ausência de
hierarquia, pois todas as Divinas Pessoas são igualmente eternas, infinitas e
onipotentes) se torna heresia na Igreja (não há igualdade entre os cristãos,
mas uma hierarquia só de homens, pretensamente querida por Deus e uma diferença
essencial entre clérigos e leigos). Do Livro Cristianismo o Mínimo do Mínimo.
Abraço. Davi.
quarta-feira, 19 de julho de 2023
II. NOÇÃO DE DIREITO ISLÂMICO. ORIGEM HISTÓRICA II
Islamismo.
Monografia de Zuhra Mohd El Hanini. Capítulo I. DIREITO ISLÂMICO. ORIGEM
HISTÓRICA II. A mensagem do Islam veio colocando a Justiça como propósito
supremo de sua legislação, concedendo a todos os seres direitos, e orientando o
ser humano para seus direitos e deveres dentro do Universo. A consciência da
responsabilidade social foi imposta como postulado religioso e foi garantida a
mulher sua dignidade, realçando seu estatuto e garantindo-lhes direitos. Além
disso, reviveu os princípios morais e éticos, há muito tempo esquecidos,
impulsionando através da fé, uma formidável revolução na história humana
elevando os princípios da honestidade, liberdade, igualdade e fraternidade,
colocando-os como base fundamental de fé, fazendo ruir as barreiras de sangue,
cor, geografia, entre um home e o outro, fundindo a humanidade numa única
grande família, onde o conceito de superioridade de um sobre o outro está
condicionado ao seu grau de justiça e virtuosidade. Assim, observamos que muito
antes de qualquer código de leis, os princípios de liberdade, igualdade e
fraternidade já se tratava de princípios fundamentais ao sistema de valores do
Islam, e que este não se trata de mero guia espiritual, mas um sistema
legislativo, um código de ética e acima de tudo, um código de vida. Aqui seria
interessante ressaltar as grandes contribuições do Islam e dos muçulmanos para
a história da Civilização da raça humana. É, portanto, de estranhar o fato de
uma parte do Mundo Ocidental não dar aos muçulmanos o que lhes é devido, nem
reconhecer o papel importantíssimo dos muçulmanos na História das Ciências. Os
Muçulmanos absorveram ciências, desenvolveram-nas a um grau elevado e
transmitiram-nas, posteriormente, aos Europeus. Não obstante, o ponto de vista
que parece prevalecer é o de que os muçulmanos tiveram um papel muito pequeno
no desenvolvimento e transmissão das ciências. Uma outra ideia, largamente
difundida, refere-se ao fato de supor que as ciências foram acumuladas pelos
Europeus, diretamente dos Gregos. Parece-nos que a maioria da bibliografia
relacionada com esta temática, e com a história de autores europeus, tem que
ser, ou revista, ou escrita de forma a que a verdade venha à tona. Foram muitos
os caminhos através dos quais os Tesouros da Civilização Islâmica se propagaram
e influenciaram a Europa, durante os séculos de escuridão, ou seja, durante a
Idade Média, uma vez que a Idade Média foi realmente uma época sombria, já que
a grande maioria dos historiadores nos mostrou apenas o seu lado mais cinzento;
na realidade, estes séculos nunca foram tão escuros quanto a nossa ignorância
acerca deles. Estes caminhos estavam concentrados em três locais na Europa, o
primeiro deles encontrava-se no Ocidente, ou seja, na Espanha Muçulmana (o
domínio muçulmano iniciou-se em toda a Europa em 711, tendo terminado em 1493);
o segundo localizava-se no sul, ou seja, na Sicília e no sudeste da Itália (os
muçulmanos dominaram esta região durante mais de 200 anos de mais ou menos 840
até 1060); e o terceiro encontrava-se no Oriente, ou seja, em Constantinopla
(1096 a 1274). A maioria dos historiadores desta temática encontra-se de acordo
com a ideia de que a Espanha, ou Andaluzia, teve um papel de elevada
importância no processo de transmissão da cultura muçulmana, bem como das suas
ciências, à Europa. Para a civilização ocidental, as contribuições da Espanha
muçulmana foram de valor inestimável, só o fato de os Muçulmanos, e o seu
“modus vivendis”, terem dominado uma parte da Europa durante, praticamente, 800
anos é, por si só, uma grande proeza e, consequentemente, devido a está
proximidade e presença na Europa, o processo de transmissão foi grandemente acelerado.
Dentre essas ciências que foram transmitidas, destacam-se estudos e descobertas
da geografia e a topologia, da medicina, da matemática, da astronomia, da
física, da química, da botânica, da economia, da história, das ciências
políticas e sociologia, bem como do Direito, dentre outras que serviram de base
para os conhecimentos e estudos ocidentais. Vale ressaltar as contribuições do
Islam para o Direito ocidental. Por sua natureza abrangente, a ciência jurídica
desenvolveu-se, entre os muçulmanos desde o princípio, foram eles os primeiros
no mundo a conceber uma ciência abstrata do direito, separada dos códigos de
legislação geral do país. Os antigos possuíam as suas leis, mais ou menos
desenvolvidas e até codificadas, porém faltava, ainda, uma ciência que tratasse
da filosofia e das origens do direito, do método de legislação, da
interpretação e da aplicação das leis etc. (...). E antes do Islam esta ideia
nunca tinha se cristalizado, desde o segundo século da Hégira (século VII),
começaram a surgir obras islâmicas desse gênero, chamadas de Usul Al Fiqih.
Dentro do Direito Internacional os muçulmanos foram os primeiros a dar-lhes um
lugar definido no sistema jurídico, criando, tanto direitos, como deveres, isto
poderá ser observado nas regras da lei internacional que formaram um capítulo à
parte, nos códigos e tratados da lei muçulmana, desde o início. Um aspecto
característico dessa lei internacional é o de que ele não faz qualquer
discriminação entre estrangeiros. Ela não se refere a interesses muçulmanos, e
sim, somente, aos dos Estados não muçulmanos de todo o mundo. Outra
contribuição, no domínio jurídico, é a Lei casuística comparada, o surgimento
de diversas escolas de direito muçulmano tornou esse tipo de estudo necessário,
para relevar as razões das diferenças de interpretação, bem como os efeitos das
divergências de princípios sobre um determinado ponto legal. A constituição
escrita do Estado também foi uma inovação dos muçulmanos, aliás o Profeta
Muhammad, foi o seu autor, quando ele fundou uma Cidade Estado em Medina na
Arábia Saudita, dotou-a com uma constituição escrita, documento este preservado
até os dias de hoje. Ele menciona, em termos precisos, os direitos e as
obrigações do Chefe de Estado , define as unidades constituintes, e também os respectivos
setores em matéria de administração, legislação, justiça, defesa, entre outras,
ela data do ano de 622 DC. Na esfera do direito, propriamente dito, aparecem os
primeiros códigos, já no princípio do segundo século da Hégira (êxodo,
separação. Foi a fuga de Maomé da Meca para Medina, marcando o ano inicial do
calendário islâmico). Estes se dividem em três partes principais: culto ou
práticas religiosas, relações contratuais de todos os tipos e penalidades. Além
disso, os estudantes europeus que estavam sendo educados nas instituições
educacionais da Andaluzia – Espanha , haviam traduzido a literatura muçulmana
da Jurisprudência e da implantação da SHARIAH. A Europa dessa época não possuía
nenhum sistema político definido, nem existiam ali leis baseadas na equidade e
na justiça. Quando Napoleão Bonaparte (1769-1821) conquistou o Egito, foram
traduzidos para o francês os compêndios de jurisprudência islâmica mais
conhecidos da Escola de Malikita, que foi uma das grandes escolas de estudo da
jurisprudência islâmica. Para começar, foi traduzido o Kitab i Khalil, que
serviu de semente básica para a Lei da França. Assim, verificamos que a
legislação francesa daquela época refletia em grande extensão a Jurisprudência
Islâmica da Escola Malikita. Além disso, antigamente, e mesmo durante a Idade
Média, o direito da plebe, de exigir contas dos seus governantes, não era
conhecido. O relacionamento entre governantes e governados era igual ao do
senhor e seus escravos, o governo era despótico (poder exercido de maneira
isolada, arbitrária e absoluta, sendo praticado por um déspota) tratando o povo
como bem lhe convinha. O poder era considerado uma herança, que se transferia
juntamente com os outros bens do monarca passado. Tanto assim que, se uma
princesa herdasse o trono e se casasse com outro monarca, de um reino
estrangeiro, os dois países se viam envolvidos em uma guerra de disputa pelas
terras da princesa. Mais grave ainda, ao estarem dois reinos em guerra, o
vencedor entrava na posse, não só das terras conquistadas, mas também das
vidas, propriedades, honra, dignidade e liberdade do povo vencido. Estas
condições duraram por um longo tempo, até que surgisse e se tornasse dominante
a civilização islâmica, e que estes, além dos outros princípios que difundiu, também
declarasse que o povo tem o direito de criticar e pedir contas aos seus
governantes, sendo estes não mais que guardiões e empregados, cujo dever é o de
preservar honestamente os interesses do povo. A civilização islâmica, livrando
a humanidade do ódio, da malícia e do desentendimento, ensinou-lhe uma lição de
amor, generosidade, cooperação e igualdade. Em hipótese de superioridade de uns
ou de outros, baseada em raça, classe ou nacionalidade. Este princípio é
visível como motivador das bases da civilização islâmica e dos seus
refinamentos. Portanto, pela primeira vez na história, a teologia, a filosofia
e a ciência puderam ser harmonizadas em um todo unificado, graças à capacidade
islâmica de conciliar o monoteísmo (doutrina religiosa que defende a existência
de uma única divindade) com as provas das ciências, ou mais adequadamente, a fé
com a razão. Pode-se concluir que Muhammad através do Islam, conseguiu
unificar, em volta de uma crença, os seus conterrâneos, no século VII, e dois
séculos após sua morte, essa mesma comunidade expandiu-se até aos lugares mais
recônditos do globo, e aceitou no seu seio indivíduos de todas as etnias e
condições sociais, criando-se assim uma comunidade supranacional, que tem vindo
a perpetuar-se até nossos dias. Universidade da Região da Campanha – Bagé – RS.
Brasil. Abraço. Davi.
segunda-feira, 17 de julho de 2023
O CRISTO MÍTICO
Extraído do
livro As Revelações Secretas da Religião Cristã; de Anne Besant (1847-1933). Ela faz uma
reflexão sobre O CRISTO MÍTICO. Segue o texto. "Chegamos, agora, ao
sentido mais profundo da história do Cristo, sentido que lhe dá o verdadeiro
poder sobre o coração humano. Aproximamo-nos desta inesgotável vida que brota
das profundezas de invisível manancial, cuja esplêndida corrente se origina
daquele que a representa e, pela virtude deste batismo, todos os corações
procuram pelo Cristo e sentem mais fácil rejeitar os fatos históricos do que
negar o que reconhecemos intuitivamente como uma verdade essencial e suprema de
sua vida divina. Vamos transpor o pórtico sagrado que dá acesso aos Mistérios,
e assim podemos levantar uma ponta do véu que oculta o santuário aos nossos
olhos. Como já vimos, encontramos por toda a parte, mesmo nas épocas remotas, a
existência de uma doutrina secreta que é transmitida a candidatos aceitos, sob
condições severas, pelos Mestres de Sabedoria. Eram estes candidatos iniciados
nos Mistérios, nome que compreendia, na antiguidade, tudo o que há de mais
espiritual em religião, de mais profundo em filosofia, de mais precioso em
ciência. Por estes Mistérios, passaram todos os grandes Instrutores dos tempos
antigos, entre os quais os maiores foram os Hierofantes. Os que se destinavam a
falar à humanidade dos mundos invisíveis, já tinham passado o limiar da
Iniciação e aprendido o segredo dos lábios dos Santos Seres; todos vinham
acompanhados da mesma história, traziam as mesmas versões dos mitos solares,
idênticos em sua Essência, embora diferentes pela cor local. Esta narração é,
em princípio, a descida do Logos ao seio da matéria. É com razão que o Logos
tem por símbolo o Deus Sol, porque o Sol é seu corpo e Ele é, muitas vezes,
chamado "O que habita no Sol". Sob um destes aspectos, o Cristo dos
Mistérios é o Logos descendo à matéria, e o grande Mito do Sol é esta suprema
verdade sob a forma do ensinamento popular. Como sempre acontece, Instrutor
Divino, que traz a Sabedoria Antiga e novamente a proclama ao mundo, é
considerado como uma manifestação especial do Logos, e o Jesus das Igrejas
torna-se gradualmente o centro das narrações que pertencem a este Ser Sublime.
Jesus identificou-se assim, na nomenclatura cristã, com a Segunda Pessoa da
Trindade, o Logos ou Verbo Divino, e as grandes datas de que fala o Mito do
Deus Sol tornaram-se datas da história de Jesus, considerado como a Divindade
Encarnada, como o Cristo Místico. Assim como, no universo, ou macrocosmo, o
Cristo dos Mistérios representa o Logos, a Segunda Pessoa da Trindade, também,
no homem, ou micro cosmo, Ele representa o segundo aspecto do Espírito Divino
no homem, chamado, por esta razão, o Cristo. O segundo aspecto do Cristo dos
Mistérios é, portanto, a vida o Iniciado, a vida que se abre ao postulante,
após a primeira grande Iniciação que assinala o nascimento do Cristo no homem.
No decorrer dela, o Cristo nasce no homem, e, mais tarde, nele se desenvolve.
Para tornar isto mais inteligível, é necessário considerar as condições
impostas ao candidato que se apresenta à Iniciação e também a natureza do
espírito no homem. Somente os bons, humanamente falando, os que se conformam
com a lei de amor de uma maneira absoluta, poderiam ser considerados como
candidatos à Iniciação. Puros, santos, sem mancha, sem pecado, vivendo sem
transgressão, tais são os diversos nomes que lhes eram aplicados. Além disso,
deviam ser inteligentes, com faculdades mentais bem desenvolvidas e
exercitadas. A evolução que, nas vidas sucessivas, tem por teatro o mundo; o
desenvolvimento e a submissão das faculdades intelectuais, das emoções, do
senso moral; as lições das religiões exotéricas; o cumprimento dos deveres como
meio de aperfeiçoamento; os esforços para ajudar e elevar o próximo, tudo isto
constitui a vida ordinária do homem que evolui. Quando já executou tudo isto,
tornou-se "bom", o Christos dos gregos, e esta qualidade deve ser
adquirida antes de poder tornar-se o Christos, o Ungido. Depois de ter chegado
a viver uma vida virtuosamente exotérica, está em condições de ser candidato à
esotérica, para começar a preparar-se à Iniciação, isto é, a satisfazer
determinadas condições. Estas condições mostram as qualidades que devemos
adquirir e, enquanto lutamos para incorporá-las em nós, já pisamos, conforme
uma expressão empregada, no Caminho da Provação, a Senda que leva a Porta
Estreita, que dá acesso ao Caminho Estreito, ao Caminho da Santidade, ao
Caminho da Cruz. Não é indispensável que o candidato desenvolva estas
qualidades de um modo perfeito, mas deve tê-la bastante adiantadas antes que o Cristo
possa nascer em si, preparando, assim, a morada pura desta Criança Divina que
vai crescer dentre dele. A primeira destas qualidades, todas mentais e morais,
é o Discernimento. O Discernimento significa a distinção entre o Eterno e o
Temporário, entre o Real e o Ilusório, entre o Celeste e o Terrestre. As coisas
visíveis são por pouco tempo, mas as invisíveis são eternas, diz o apóstolo (II
Coríntios 4:18). Os homens são vítimas de uma ilusão permanente causada pelo
mundo visível que os impede de perceber o invisível. O postulante deve aprender
a distinguir entre estes dois mundos; o que é irreal, para o mundo, deve
tornar-se real para ele, porque é a única maneira de caminhar pela fé e não com
a vista (II Coríntios 5:7). É assim, ainda, que o homem se torna um daqueles de
quem fala o apóstolo neste versículo " o alimento sólido é para os homens
feitos, por terem na prática exercitado as faculdades de discernir o que é bom
e mau (Hebreus 5:14). O sentimento da falta de realidade deve produzir nele o
Desgosto pelo ilusório e passageiro, estes ranços da existência, impróprios
para satisfazerem a fome senão dos porcos (Lucas 15:16). Este estágio é
descrito por Jesus em termos enérgicos: Se alguém vier a mim e não aborrecer
seu pai, sua mãe, sua mulher, filhas e irmãos, e ainda também sua própria vida,
não pode ser meu discípulo (Lucas 14:16). Dura é, na verdade, esta sentença,
mas deste aborrecimento nascerá um amor mais profundo, mais verdadeiro; é
necessário passar por ele para atingir a Porta Estreita. O postulante deve, em
seguida, aprender a dominar seus pensamentos e, por eles, fazer-se senhor das
suas ações, pois que, com a visão interior, o pensamento e a ação fazem um só
todo. Quem olhar para uma mulher com desejo, já cometeu com ela o adultério em
seu coração (Mateus 5:28). É necessário adquirir a faculdade de suportar o mal
com resignação, porque os que aspiram seguir o Caminho da Cruz deverão afrontar
longas e amargas decepções e sofrimentos, suportando-os como se eles vissem
Aquele que é invisível (Hebreus 11:27). As qualidades que precedem, devemos
juntar a Tolerância, para ser filhos Daquele que faz nascer o Sol sobre os maus
como sobre os bons, fazendo cair a chuva sobre justos e injustos (Mateus 5:45),
discípulo Daquele que pediu aos apóstolos que não impedissem de fazer uso do
seu nome, mesmo a quem não o tomasse como Mestre (Lucas 9:49,60). O postulante
deve ainda adquirir a Fé, para a qual nada é impossível (Mateus 17:20) e o
Equilíbrio descrito pelo apóstolo (II Coríntios 6:8-10). Deve enfim desejar as
coisas que estão no ; João alto (Colossenses 3:1) e ansiar com ardor pela
felicidade de ver Deus e de se unir a Ele (Mateus 5:8; João 17:21). Quando já
fez entrar estas qualidades em seu caráter, a pessoa é considerada prestes à
Iniciação, e os Guardiães dos Mistérios lhe abrirão a Porta Estreita. É assim,
mas unicamente assim, que ela se torna candidato pronto para ser aceito.
O Espírito que habita o homem é o dom do Deus Supremo, que em si contém os três
aspectos da Vida Divina (Inteligência, Amor e Verdade) por ser a imagem de
Deus. No curso de sua evolução, começa por desenvolver o aspecto Inteligência,
isto é, suas faculdades mentais, e esta evolução se executa na vida diária.
Este desenvolvimento, levado a um alto grau e paralelamente ao desenvolvimento
moral, conduz o homem à condição de candidato. O segundo aspecto do Espírito é
o Amor; sua evolução é a do Cristo. Nos verdadeiros Mistérios é que se pode
obter esta evolução; a vida do discípulo é o Drama dos Mistérios, e as frases
são assinaladas pelas Grandes Iniciações. Para mostrar os Mistérios no plano
físico, costumava-se representá-lo de um modo dramático, e as cerimônias
copiavam, sob diferentes aspectos, o modelo sempre seguido sobre a Montanha,
porque elas eram sombras, numa época de decadência, das formidáveis Rivalidades
do mundo espiritual. O Cristo Místico é, portanto, duplo, a princípio o Logos,
Segunda Pessoa da Trindade, que desce à matéria, em seguida, o Amor ou segundo
aspecto do Espírito Divino evoluindo no homem. Um representava os processos
cósmicos executados outrora; é a raiz do Mito Solar; o outro representa um
processo que se passa no indivíduo, fase última da evolução humana, que
determinou a aparição, no mito, de novos, e numerosos detalhes; ambos se
encontram na narração dos Evangelhos, sua união nos apresenta a Imagem do
Cristo Místico. Consideremos, primeiro, o Cristo Cósmico, isto é, a Divindade
que se envolve de matéria, a encarnação do Logos, o Deus feito carne. A matéria
destinada a formar nosso sistema solar, tendo sido separada da que enche o
oceano incomensurável do espaço, recebe, da Terceira Pessoa da Trindade, o
Espírito Santo, sua vida que a anima e lhe permite tomar forma. A matéria,
condensada, é, em seguida, modelada pela vida do Segundo Logos ou Segunda
Pessoa da Trindade que se sacrifica, encerrando-se nos limites materiais e
assim se tornando o Homem Celeste, em Seu Corpo todas as formas existem, de Seu
Corpo, todas as formas fazem parte. Tal é o processo cósmico representado
dramáticamente nos Mistérios; nos verdadeiros Mistérios é mostrado tal como se
deu no espaço; nos Mistérios; nos verdadeiros Mistérios é mostrado tal como se
deu no espaço; nos Mistérios do plano físico é representado por meio de métodos
mágico ou outros, e para certos detalhes mesmo por atores. Os processos são
claramente indicados na Bíblia. Quando o Espírito de Deus se movia sobre as
águas, nas trevas que estavam na face do abismo (Gênesis 1:1,2), o imenso
abismo da matéria não tinha forma alguma, estava vazio no princípio. A forma
lhe foi dada pelo Logos, a Palavra, da qual se escreveu: Todas as coisas foram
feitas por Ela, e nada foi feito sem Ela (João 1:3). Como disse Charles Webster
Leadbeater (1854-1934) em termos admiráveis: "O resultado desta primeira
grande emanação é o aceleramento dessa admirável e gloriosa vitalidade, que
interpenetra toda matéria, por mais inerte que ela apareça aos nossos
imperfeitos olhos físicos. Eletrizados por essa vitalidade, os átomos dos
diversos planos desenvolvem toda espécie de atrações e repulsões, até então
atentes, e entram em combinações mais variadas". Só quando termina o
trabalho do Espírito, o Logos, o Cristo Cósmico Místico, pode revestir-se de
matéria; entra, então verdadeiramente, no cio da Virgem, no seio da Matéria
ainda virgem e improdutiva. Esta matéria fora vivificada pelo Espírito Santo,
que, pairando acima da Virgem, nela verteu sua vida, preparando-a, assim, para
receber a vida do Segundo Logos. Este toma-a, então, para veículo de Sua
energia. É assim que o Cristo se encarna e se faz carne, "Você não
desprezou o seio da Virgem". Nas traduções latina e inglesa do texto
original grego do Símbolo de Niceia, na passagem que exprime o período da
descida do Cristo, as preposições foram trocadas e, com elas, o próprio sentido.
O texto original diz: "e foi encarnado do Espírito Santo e da Virgem
Maria, enquanto a tradução diz: "e foi encarnado pelo Espírito Santo, da
Virgem Maria". O Cristo não se reveste apenas da matéria virgem, mas
também da matéria já impregnada, palpitante de vida do Terceiro Logos (o
Espírito Santo); e de tal forma que a vida e a matéria o envolvem como de uma
dupla vestimenta. Tal é a descida do Logos na matéria, descrita como o
nascimento do Cristo de uma Virgem; ela se torna, no Mito Solar, o nascimento do
Deus Sol, no momento em que se levanta o signo Virgo. Então começa a ação do
Logos sobre a matéria. No Mito, o símbolo deste período primitivo é a infância
do Herói. O majestoso poder do Logos curva-se a todas as debilidades da
infância, manifestando-se quase nada nas formas frágeis de que ela é a alma. A
matéria aprisiona e parece querer sufocar seu Rei criança, cuja glória é velada
pelos limites impostos por Ele mesmo. Lentamente, Ele a modela para um destino
sublime. Ele a conduz à maturidade e estende-se sobre a cruz da matéria, a fim
de poder derramar, da cruz, todas as energias da Sua vida sacrificada. Eis o
Logos do qual Platão (428 AC 347) diz que é como uma cruz estendida sobre o
universo; o Homem Celeste de pé no espaço, os braços abertos para abençoar; o
Cristo crucificado, cuja morte na cruz da matéria impregna toda a matéria de
Sua Vida. Parece morto e sepultado, mas se levanta, revestido da própria
matéria no seio da qual parecia ter sucumbido, e transporta ao céu Seu corpo
material, agora radioso, onde recebe a vida que emana do Pai, tornando-se o
veículo das vidas humanas imortais. É a vida do Logos que forma a vestimenta da
alma humana; esta vestimenta lhe é dada para que o homem viva através das
idades e alcance "o estado de homem feito", atinja a Sua própria
estatura. Somos, na verdade, revestidos por Ele, a princípio materialmente,
depois espiritualmente. Ele sacrificou-se para levar muitos dos seus filhos à
glória e, por isso, está sempre conosco até o fim das idades. A crucificação de
Cristo é, portanto, uma parte do grande sacrifício cósmico. A representação
alegórica desta crucificação, nos mistérios do plano físico, e o símbolo
sagrado do homem crucificado no espaço, se materializam a ponto de tornar-se
uma verdadeira morte sofrida na cruz e em um crucifixo trazendo um ser humano
expirando. Foi então que esta história, hoje a de um homem, foi aplicada ao
Instrutor Divino, Jesus, e se tornou a história de sua morte física, enquanto o
nascimento da criança de uma virgem, a infância cercada de perigos, a
ressurreição e ascensão tornaram-se igualmente incidentes de Sua vida humana.
Os Mistérios desapareceram, mas suas representações grandiosas e empolgantes da
obra cósmica executada pelo Logos realçaram a figura venerada do Instrutor da Judeia;
O Cristo Cósmico dos Mistérios fica, assim, sob os traços do Jesus Histórico, a
Figura Central da Igreja Cristã. Há outro fato dá a História do Cristo um
caráter de fascinação Suprema; é que, nos Mistérios, Ele é ainda um Cristo,
intimamente ligado ao coração humano, O Cristo do Espírito humano, o Cristo que
existe em cada um de nós, que aí nasce e ai vive, é crucificado, ressuscita
dentre os mortos e sobe ao céu, no meio dos sofrimentos e do triunfo de todo o
"Filho no Homem". A vida de todo o Iniciado nos verdadeiros
Mistérios, nos Mistérios Celestes, está consignado, em suas grandes linhas, na
biografia dos evangelhos. Eis porque São Paulo fala, como já vimos, do
nascimento, da evolução e da completa maturidade do Cristo no discípulo. Todo
homem é potencialmente um Cristo; e o desenvolvimento, nele, da vida do Cristo,
segue, de um modo geral, a narração dos Evangelhos nos incidentes principais,
mas estes, com vimos, têm um caráter universal e não particular. Cinco grandes
Iniciações se sucedem na vida de um Cristo; cada uma arca um grau atingido, em
seu desenvolvimento, pela Vida do Amor. Estas Iniciações são ainda hoje
concedidas como o foram no passado; a última indica o triunfo final do Homem
que, atingindo a Divindade, já ultrapassou o nível da humanidade, tornando-se
um Salvador do Mundo. Acompanhemos a história desta carreira ou curso que, sem
cessar, se repete no domínio das experiências espirituais e contemplemos o
Iniciado reproduzindo em sua própria vida a existência do Cristo. A primeira grande
Iniciação marca o nascimento do Cristo no discípulo, que realiza pela primeira
vez, em si mesmo, a efusão do Amor Divino e experimenta esta transformação,
estranhamente maravilhosa, na qual ele se sente um com tudo o que vive. É o
segundo nascimento com o qual se regozijam as hostes celestiais, pois o
discípulo nasce no "Reino de Deus" com uma criancinha. Tais são os
nomes sempre dados aos novos Iniciados. Assim o entendia Jesus, quando dizia:
Se vocês não se tornarem criancinhas, não irão entrar no Reino dos Céus (Mateus
18:3). Certos autores cristãos do começo de nossa era dizem, em termos
significativos, que Jesus "nasceu em uma caverna", o estábulo dos
Evangelhos. Ora, a "Caverna da Iniciação" é um termo antigo bastante
conhecido, e é sempre lá que nasce o Iniciado. Acima da caverna, onde está a
criancinha, brilha a Estrela da Iniciação, esta estrela que resplandece sempre
no Oriente quando nasce um Cristo criança. Cada uma destas crianças está
cercada de perigos e ameaças, perigos estranhos aos quais não estão sujeitas as
outras crianças, porque ela é ungida pela confirmação do novo nascimento e por
isso as Potências Tenebrosas do mundo invisível procuram sua perda. Apesar
destas provações, atinge a idade viril, porque o Cristo, tendo nascido, não pode
morrer, tendo que terminar sua evolução. Sua vida se expande em beleza e força,
crescendo em sabedoria e espiritualidade, até o momento da segunda grande
Iniciação, o Batismo do Cristo pela água e pelo Espírito, que lhe confere os
poderes necessários a um Instrutor destinado a percorrer o mundo e a executar a
tarefa do "Filho Bem Amado". Então, o Espírito divino desce, em
ondas, sobre ele e a glória do Pai invisível o ilumina com sua pura luz. Mas,
ao deixar este lugar bendito, é conduzido pelo Espírito ao deserto e de novo
exposto à prova de tentações terríveis. Os poderes do Espírito, ao se
desenvolverem nele, despertam os Setes Tenebrosos que se esforçam em lhe
dificultar o caminho: eles empregam, para isto, estes mesmos poderes,
convidando-o a servi-los para sua própria salvação, em lugar de repousar em seu
Pai com paciente confiança. Nestas transições rápidas e bruscas que as provas
trazem, sua fé e sua força não vacilam e, ao sussurro malicioso do Tentador
encarnado, sucede sempre a voz consoladora do Pai. Vencedor destas tentações,
volta ao seio dos homens, a fim de consagrar seus poderes ao serviço dos que
sofrem, poderes que não quis empregar em seu próprio benefício, recusando-se em
mudar em pão a pedra bruta para vencer a própria fome, antes alimentando com
alguns pães a cinco mil homens sem contar mulheres e crianças. Sua vida de
incessante serviço atravessa, então novamente, um curto período de glória, ao
galgar uma montanha, a Montanha Sagrada da Iniciação. Lá é transfigurado e
encontra alguns dos seus predecessores, Seres poderosos que outrora tinha
trilhado o mesmo caminho. Recebe, assim, a terceira grande Iniciação, e, logo
em seguida, a sombra da sua Paixão se aproxima, estendendo sobre ele o seu
manto doloroso; mas ele volta resolutamente sua face para Jerusalém e,
repelindo as palavras tentadoras dos seus discípulos, vai a Jerusalém, onde o
espera o batismo do Espírito Santo e do Fogo. Após a Natividade, a perseguição
de Herodes; após o batismo, a tentação no deserto; após a Transfiguração, a
entrada na última etapa do Caminho da Crus. É assim que a provocação sempre
sucedeu ao Triunfo, até o fim a ser atingido. A vida de amor não cessa de
crescer, sempre mais rica e mais perfeita, até que a presença luminosa do Filho
de Deus se revele no Filho do Homem; e, ao aproximar-se o momento da batalha, a
quarta Iniciação o leva em triunfo a Jerusalém, de onde Ele contempla o
Getsêmani e o Calvário. Neste instante, está o Cristo pronto a se oferecer no
sacrifício da cruz, prestes a afrontar a agonia do Jardim, onde adormecem
aqueles que escolheu, enquanto ele se debate na mais terrível angústia. Pede,
um instante, que o copo se afaste, mas sua vontade poderosa triunfa. Estende a
mão, toma o copo e bebe, enquanto o anjo o fortifica e consola, como fazem os
anjos quando veem o filho do Homem curvado sob a dor. bebe o copo amargo da
traição, do abandono, renegado de todos, escarnecido e só, no meio de seus
inimigos que o insultam. Caminha para a suprema prova. Torturado pela dor
física, ferido pelo espinho cruel da dúvida, despojado de suas imaculadas
vestes, atirado às mãos dos seus inimigos, desprezado, aparentemente, por Deus
e pelos homens, suporta tudo com paciência e, na angústia máxima, espera
resignado o socorro no último transe. Mas ainda lhe resta o sacrifício da cruz,
em que morre a vida da forma, onde renúncia inteiramente à vida do mundo
inferior. Cercado de inimigos triunfantes e zombadores, sentindo o horror da
grande obscuridade que o envolve, sofre o assalto de todas as forças do mal, e
sua visão interior se vela. Encontra-se, neste momento supremo, só,
inteiramente só. Finalmente, seu coração heroico, esmagado pelo desespero,
lança um grito para o Pai que parece tê-lo abandonado. A alma humana afronta,
na solidão absoluta, a intolerável tortura de uma aparente derrota. Mas,
fazendo apelo a toda a sua força indomável, fazendo o sacrifício da vida
inferior, aceitando a morte voluntariamente, abandonando o corpo dos desejos, o
Iniciado desce aos infernos para que possa conhecer todas as regiões do
Universo, onde existem almas pedindo auxílio; os mais deserdados devem ser
atingidos por seu amor infinito. Surgindo, então, do seio das trevas, ele revê
a luz, sentindo-se de novo o Filho, inseparável do Pai. Levanta-se para a vida
que não tem fim, irradiando alegria, com a certeza de ter afrontado e vencido a
morte, sentindo-se bastante forte para prestar a toda a criatura um socorro
infinito, capas de derramar sua vida em toda a alma que luta. Permanece algum
tempo ainda com os discípulos, instruindo-os, explicando-lhes os mistérios dos
mundos espirituais, preparando-os a seguir o caminho fque acaba de percorrer;
depois, terminada sua vida terrestre, sobe ao Pai e, por meio da quinta Grande
Iniciação, torna-se o Mestre Triunfante, o traço de união entre Deus e o home.
Tal era a história, vivida nos verdadeiros Mistérios Antigos, como nos de hoje,
história representada sob forma dramática e simbólica nos Mistérios do plano
físico, que apenas levantam uma ponta do véu. Tal é o Cristo dos Mistérios sob seu
duplo aspecto, Logos e homem, cósmico e individual. Como nos admirar que essa
história, vagamente compreendida pelos místicos, sem que eles a conhecessem,
esteja intimamente unida ao coração humano e seja a inspiração das vidas
nobres? O Cristo do coração humano é, quase sempre, Jesus considerado como o
Cristo místico e humano, que luta, sofre, morre e, finalmente, triunfa. O Homem
em quem a humanidade se vê crucificada e ressuscitada, cuja vitória promete a
vitória a todos os que, semelhantes a ele, sejam fiéis na morte e mais além, o
Cristo que jamais será esquecido enquanto o mundo tiver necessidade de
Salvadores e os Salvadores se sacrificarem pela Humanidade". Abraço. Davi.
sábado, 15 de julho de 2023
QUEM SÃO OS KADAMPAS.
Budismo.
Livro Budismo Moderno. O Caminho de Compaixão e Sabedoria. Por Venerável Geshe
Kelsang. Gyatso Rinpoche. QUEM SÃO OS KADAMPAS. “Ka” refere-se aos ensinamentos
de Buda, e “dam” refere-se às instruções de Atisha sobre o Lamrim (as Etapas do
Caminho à Iluminação, também conhecidas como Lamrim Kadam). Assim, “Kadam”
refere-se à união dos ensinamentos de Buda e das instruções de Atisha, e os
praticantes sinceros do Lamrim Kadam são denominados “Kadampas”. Existem duas
Tradições Kadampa: a antiga e a nova. Os praticantes da Antiga Tradição Kadampa
surgiram para enfatizar mais a prática de Sutra do Lamrim Kadam do que a de
Tantra. Mais tarde, Je Tsongkhapa e seus discípulos enfatizaram igualmente
ambas as práticas, as de Sutra e as de Tantra, do Lamrim Kadam. Essa nova
tradição fundada por Je Tsongkhapa é denominada Nova Tradição Kadampa. Os
kadampas confiam sinceramente em Buda Shakyamuni, porque Buda é a fonte do
Lamrim Kadam; eles confiam sinceramente em Avalokiteshvara, o Buda da Compaixão,
e no Protetor de Sabedoria do Dharma, indicando que sua prática principal é
compaixão e sabedoria; e confiam sinceramente em Arya Tara, porque ela prometeu
a Atisha que, no futuro, cuidaria especialmente dos praticantes kadampa. Por
essa razão, esses quatro seres sagrados iluminados são chamados de os “Quatro
Gurus- -Deidades Kadampa”. O fundador da Tradição Kadampa é o grande mestre e
erudito budista Atisha. Atisha nasceu como um príncipe em Bengala Oriental, na
Índia, em 982. O nome de seu pai era Kalyanashri (Virtude Gloriosa) e o de sua
mãe era Prabhavarti Shrimati (Radiância Gloriosa). Ele era o segundo de três
filhos, e quando nasceu recebeu o nome Chandragarbha (Essência da Lua). O nome
Atisha, que significa “Paz”, foi-lhe dado mais tarde pelo rei tibetano Jangchub
Ö, porque ele sempre estava calmo e pacífico. Quando ainda era criança, os pais
de Chandragarbha levaram- -no para visitar um templo. Ao longo do caminho,
milhares de pessoas se reuniram para ver se conseguiriam enxergar o príncipe de
relance. Quando as viu, Chandragarbha perguntou “Quem são essas pessoas?”, e os
seus pais responderam “Eles são os nossos súditos”. Compaixão surgiu
espontaneamente no coração do príncipe e ele rezou: “Que todas essas pessoas
desfrutem de uma boa fortuna tão grande quanto a minha”. Sempre que
Chandragarbha se encontrava com alguém, um desejo surgia de modo natural em sua
mente: “Que esta pessoa encontre felicidade e seja livre do sofrimento”. Mesmo
quando ainda era uma criança pequena, Chandragarbha recebia visões de Arya
Tara, um ser iluminado feminino. Algumas vezes, enquanto estava no colo de sua
mãe, flores azuis de upala caiam do céu e ele começava a conversar, como se o
fizesse com as flores. Mais tarde, iogues explicaram para sua mãe que as flores
azuis que ela tinha visto eram um sinal de que Tara estava aparecendo para o
seu filho e conversando com ele. Quando o príncipe cresceu, seus pais desejaram
arranjar um casamento para ele, mas Tara aconselhou-o: “Se te apegares ao teu
reino, serás como um elefante que afundou no lodo e não consegue mais se
levantar por si só porque é demasiado grande e pesado. Não te apegues a esta
vida. Estuda e pratica o Dharma. Foste um Guia Espiritual em muitas de tuas
vidas anteriores e, nesta vida, também irás te tornar um Guia Espiritual”.
Inspirado por essas palavras, Chandragarbha desenvolveu forte interesse em
estudar e praticar o Dharma e determinou-se a obter todas as realizações dos
ensinamentos de Buda. Ele sabia que, para alcançar seu objetivo, precisaria encontrar
um Guia Espiritual plenamente qualificado. Inicialmente, Chandragarbha procurou
um famoso professor budista chamado Jetari, que vivia nas proximidades, e
solicitou instruções de Dharma sobre como encontrar a libertação do samsara.
Jetari deu-lhe instruções sobre refúgio e bodhichitta e então lhe disse que, se
quisesse praticar puramente, deveria ir a Nalanda e aprender com o Guia
Espiritual Bodhibhadra. Quando se encontrou com Bodhibhadra, o príncipe disse:
“Eu realizei que o samsara é sem sentido e que somente a libertação e a plena
iluminação valem verdadeiramente a pena. Por favor, dê instruções de Dharma que
me conduzam rapidamente ao estado além da dor, o nirvana”. Bodhibhadra deu-lhe
breves instruções sobre gerar a bodhichitta e aconselhou: “Se desejas praticar
o Dharma puramente, deves procurar o Guia Espiritual Vidyakokila”. Bodhibhadra
sabia que Vidyakokila era um grande meditador que tinha obtido uma perfeita
realização da vacuidade e que era muito habilidoso em ensinar os estágios do
caminho profundo. Vidyakokila deu a Chandragarbha instruções completas sobre
ambos os caminhos, o vasto e o profundo, e então o enviou para estudar com o
Guia Espiritual Avadhutipa. Avadhutipa não o orientou imediatamente, mas disse
ao príncipe que fosse a Rahulagupta para receber as instruções sobre os Tantras
de Heruka e de Hevajra e, então, retornar para receber instruções mais
detalhadas sobre o Tantra, ou Mantra Secreto. Rahulagupta deu a Chandragarbha o
nome secreto de Janavajra (Sabedoria Indestrutível) e a sua primeira iniciação,
que o introduziu na prática de Hevajra. Depois, disse- -lhe para voltar ao seu
lar e obter o consentimento de seus pais. Embora o príncipe não fosse apegado à
vida mundana, para ele ainda era importante obter a permissão de seus pais para
praticar da maneira que desejava. Assim, ele retornou aos seus pais e disse:
“Se eu praticar o Dharma puramente, então, como Arya Tara predisse, serei capaz
de retribuir vossa bondade e a bondade de todos os seres vivos. Se eu puder
fazer isso, minha vida humana não terá sido desperdiçada. Caso contrário, ainda
que eu passe todo o meu tempo num glorioso palácio, minha vida será sem
sentido. Por favor, deem-me o vosso consentimento para deixar o reino e dedicar
toda a minha vida à prática do Dharma”. O pai de Chandragarbha ficou infeliz ao
ouvir o que disse seu filho e quis impedi-lo de abandonar suas perspectivas de
vida como futuro rei, mas sua mãe ficou deleitada ao saber que o filho desejava
dedicar a vida ao Dharma. Ela relembrou que no nascimento dele haviam
acontecido sinais maravilhosos, como arco-íris, e lembrou-se de milagres como
as flores azuis de upala caindo do céu. Ela sabia que seu filho não era um
príncipe comum e deu-lhe sua permissão sem hesitar. Com o tempo, o rei também
concordou com o desejo do seu filho. Chandragarbha retornou a Avadhutipa e, por
sete anos, recebeu instruções sobre o Mantra Secreto. Ele se tornou tão
realizado que, em uma ocasião, desenvolveu orgulho, pensando: “Provavelmente,
eu sei mais sobre o Mantra Secreto do que qualquer outra pessoa em todo o
mundo”. Naquela noite, Dakinis apareceram em seu sonho e lhe mostraram
escrituras raras, que ele nunca havia visto antes. Elas perguntaram: “O que
estes textos significam?”, mas ele não tinha ideia. Quando acordou, seu orgulho
havia desaparecido. Mais tarde, Chandragarbha começou a pensar que poderia
emular o estilo da prática de Avadhutipa e, como um leigo, esforçar-se para
alcançar a iluminação rapidamente, praticando o Mahamudra na dependência de um
mudra-ação. Porém, recebeu uma visão de Heruka que lhe disse que, se recebesse
a ordenação, seria capaz de ajudar incontáveis seres e difundir o Dharma ampla
e extensivamente. Naquela noite, sonhou que acompanhava uma procissão de monges
na presença de Buda Shakyamuni, que perguntava por que Chandragarbha ainda não
havia recebido a ordenação. Quando acordou do seu sonho, resolveu tornar-se
monge. Ele recebeu ordenação de Shilarakshita, e lhe foi dado o nome de
Dhipamkara Shrijana. Do Guia Espiritual Dharmarakshita, Dhipamkara Shrijana
recebeu extensas instruções sobre Sete Categorias do Abhidharma e Oceano de
Grande Explanação – textos esses escritos do ponto de vista do sistema
vaibhashika. Desta maneira, ele tornou-se um mestre nos ensinamentos hinayana.
Ainda insatisfeito, Dhipamkara Shrijana foi receber instruções detalhadas em
Bodh Gaya. Um dia, ouviu sem querer uma conversa entre duas mulheres que, na
verdade, eram emanações de Arya Tara. A mais jovem perguntou para a mais velha:
“Qual é o principal método para alcançar a iluminação rapidamente?” velha
respondeu: “É a bodhichitta”. Ouvindo isso, Dhipamkara Shrijana ficou
determinado a obter a preciosa bodhichitta. Mais tarde, enquanto andava ao
redor da grande estupa em Bodh Gaya, uma estátua de Buda Shakyamuni falou com ele,
dizendo: “Se desejas alcançar a iluminação rapidamente, deves ganhar
experiência em compaixão, amor e na preciosa bodhichitta”. Seu desejo em
realizar a bodhichitta tornou-se então intenso. Ele ouviu que o Guia Espiritual
Serlingpa, que vivia muito longe num lugar chamado Serling, em Sumatra, havia
alcançado uma experiência muito especial da bodhichitta e que era capaz de dar
instruções sobre os Sutras Perfeição de Sabedoria. Dhipamkara Shrijana navegou
durante treze meses para chegar até Sumatra. Quando chegou, ofereceu um mandala
a Serlingpa e fez-lhe pedidos. Serlingpa disse-lhe que as instruções levariam
doze anos para serem transmitidas. Dhipamkara Shrijana ficou em Sumatra por
doze anos e, por fim, obteve a preciosa realização da bodhichitta. Então, ele
retornou para a Índia. Confiando em seu Guia Espiritual, Atisha obteve uma
compreensão especial sobre os três conjuntos de ensinamentos de Buda – o
conjunto de disciplina moral, o conjunto dos discursos e o conjunto de
sabedoria – e das quatro classes de Tantra. Ele também dominou as artes e as
ciências, tais como poesia, retórica e astrologia, era um excelente médico e
muito habilidoso em tecnologia e ofícios artesanais. Atisha também alcançou
todas as realizações dos três treinos superiores: o treino em disciplina moral
superior, o treino em concentração superior e o treino em sabedoria superior.
Visto que todas as etapas de Sutra (como as seis perfeições, os cinco caminhos,
os dez solos) e todas as etapas de Tantra (como o estágio de geração e o estágio
de conclusão) estão incluídas nos três treinos superiores, Atisha obteve todas
as realizações das etapas do caminho. Há três tipos de disciplina moral
superior: a disciplina moral superior dos votos Pratimoksha, ou votos de
libertação individual, a disciplina moral superior do voto bodhisattva, e a
disciplina moral superior dos votos tântricos. Os votos para abandonar as 253
quedas, tomados por um monge plenamente ordenado, estão entre os votos
Pratimoksha. Atisha nunca quebrou nenhum deles. Isso mostra que ele possuía uma
contínua-lembrança muito forte e grande conscienciosidade. Ele também manteve
puramente o voto bodhisattva de evitar as dezoito quedas raízes e as 46 quedas
secundárias, e manteve puramente todos os seus votos tântricos. As aquisições
de concentração superior e sabedoria superior são divididas em comum e incomum.
Uma aquisição comum é aquela que é obtida por praticantes tanto de Sutra quanto
de Tantra, e uma aquisição incomum é aquela obtida somente por praticantes de
Tantra. Por ter treinado em concentração superior, Atisha obteve a concentração
comum do tranquilo-permanecer e, com base nela, clarividência, poderes
miraculosos e virtudes comuns. Ele também obteve concentrações incomuns, como
as concentrações do estágio de geração e do estágio de conclusão do Mantra
Secreto. Treinando em sabedoria superior, Atisha alcançou a realização comum da
vacuidade e as realizações incomuns da clara-luz-exemplo e da
clara-luz-significativa do Mantra Secreto. Atisha dominava tanto os
ensinamentos hinayana quanto os ensinamentos mahayana, e era respeitado por
professores de ambas as tradições. Ele era como um rei, o ornamento-coroa dos
budistas indianos, e reconhecido como um segundo Buda. Antes do tempo de
Atisha, o trigésimo sétimo rei do Tibete, Trisong Detsen (cerca de 754–797),
havia convidado Padmasambhava, Shantarakshita e outros professores budistas da
Índia para irem ao Tibete e, por meio da influência deles, o puro Dharma
floresceu; mas, alguns anos depois, um rei tibetano chamado Lang Darma (cerca
de 836) destruiu o puro Dharma no Tibete e aboliu a Sangha. Até esse momento, a
maioria dos reis havia sido religiosa, mas durante o maléfico reinado de Lang
Darma houve uma era negra. Por volta de setenta anos após a morte desse rei, o
Dharma começou a florescer novamente na parte mais elevada do Tibete por meio
dos esforços de grandes professores, tais como o tradutor Rinchen Sangpo, e
também começou a florescer na parte mais baixa do Tibete por meio dos esforços
de um grande professor chamado Gongpa Rabsel. Gradualmente, o Dharma
difundiu-se para o Tibete Central. Nessa época não havia uma prática pura da
união do Sutra e do Tantra. As duas práticas eram consideradas contraditórias,
como fogo e água. Quando as pessoas praticavam o Sutra, elas abandonavam o
Tantra; e ao praticar o Tantra, elas abandonavam o Sutra, incluindo até as
regras do Vinaya. Falsos professores vieram da Índia, desejando obter um pouco
do abundante ouro tibetano. Passando-se por Guias Espirituais e iogues, eles
introduziram perversões tais como magia negra, criação de aparições, práticas
sexuais e assassinato ritual. Essas práticas deturpadas rapidamente se
difundiram. Um rei chamado Yeshe Ö e seu sobrinho, Jangchub Ö, que viviam em
Ngari, no Tibete Ocidental, estavam profundamente preocupados sobre o que
estava acontecendo com o Dharma em seu país. O rei chorou quando pensou na
pureza do Dharma em tempos passados e comparou-a com o Dharma impuro que estava
sendo praticado agora. Ele estava angustiado por ver quão endurecidas e descontroladas
as mentes das pessoas haviam se tornado. Yeshe Ö pensou: “Que maravilhoso seria
se o puro Dharma florescesse novamente no Tibete para domar as mentes do nosso
povo”. Para satisfazer esse desejo, ele enviou tibetanos à Índia para aprender
sânscrito e treinar no Dharma, mas muitos deles foram incapazes de suportar o
clima quente. Os poucos que sobreviveram aprenderam o sânscrito e treinaram
muito bem o Dharma. Dentre eles estava o tradutor Rinchen Sangpo, que recebeu
muitas instruções e então retornou ao Tibete. Uma vez que esse plano não havia
obtido muito sucesso, Yeshe Ö decidiu convidar um autêntico professor
budista da Índia. Ele enviou um grupo de tibetanos para a Índia com uma grande
quantidade de ouro e deu-lhes a missão de procurar pelo mais qualificado Guia
Espiritual existente na Índia. Aconselhou a todos para estudarem o Dharma e
obterem perfeita compreensão do sânscrito. Esses tibetanos sofreram toda a
dureza do clima e da viagem a fim de alcançarem seu objetivo. Alguns se tornaram
tradutores famosos. Eles traduziram muitas escrituras e as enviaram ao rei,
para seu grande deleite. Quando esses tibetanos retornaram ao Tibete,
informaram a Yeshe Ö: “Na Índia há muitos professores budistas eruditos, mas o
mais ilustre e sublime de todos é Dhipamkara Shrijana. Nós gostaríamos de
convidá-lo para vir ao Tibete, mas ele tem milhares de discípulos na Índia”.
Quando Yeshe Ö ouviu o nome “Dhipamkara Shrijana”, ficou contente e determinado
a convidar esse mestre para vir ao Tibete. Como já havia usado a maior parte do
seu ouro e mais se fazia necessário para realizar o convite a Dhipamkara
Shrijana, o rei saiu numa expedição à procura de mais ouro. Quando chegou a uma
das fronteiras, um rei hostil, não budista, capturou-o e jogou-o na prisão. Quando
as notícias chegaram a Jangchub Ö, ele ponderou: “Sou poderoso o suficiente
para empreender uma guerra contra esse rei, mas se eu fizer isso muitas pessoas
sofrerão e eu terei que cometer muitas ações destrutivas e danosas”. Assim, ele
decidiu fazer um apelo pela libertação de seu tio, mas o rei respondeu dizendo:
“Libertarei teu tio somente se ambos se tornarem meus súditos ou me trouxerem
uma quantidade de ouro que pese tanto quanto o corpo dele”. Com grande
dificuldade, Jangchub Ö conseguiu reunir ouro equivalente ao peso do corpo do
seu tio, com exceção do peso de sua cabeça. Já que o rei exigia a quantia
exata, Jangchub Ö preparou-se para sair em busca de mais ouro, mas antes de
partir ele visitou seu tio. Ele encontrou Yeshe Ö fisicamente fraco, mas com um
bom estado mental. Jangchub Ö disse- -lhe através das barras da prisão: “Em
breve, serei capaz de libertá- -lo, pois já consegui juntar quase todo o ouro”.
Yeshe Ö respondeu: “Por favor, não me trate como se eu fosse importante. Você
não deve dar o ouro a esse rei hostil. Envie-o todo à Índia e ofereça-o a
Dhipamkara Shrijana. Este é o meu maior desejo. Darei a minha vida alegremente
pela restauração do puro Dharma no Tibete. Por favor, transmita esta mensagem a
Dhipamkara Shrijana. Deixe-o saber que eu dei a minha vida para convidá-lo para
vir ao Tibete. Visto que ele tem compaixão pelo povo tibetano, quando receber
esta mensagem aceitará o nosso convite”. Jangchub Ö enviou o tradutor Nagtso
junto com alguns companheiros de viagem para a Índia, com o ouro. Quando
encontraram Dhipamkara Shrijana, disseram-lhe o que estava acontecendo no
Tibete e como o povo desejava convidar um Guia Espiritual da Índia. Eles
falaram sobre a quantidade de ouro que o rei havia enviado para ele como
oferenda e como muitos tibetanos haviam morrido com o objetivo de restaurar o
puro Dharma. Eles lhe contaram como Yeshe Ö havia sacrificado sua vida para
trazê-lo ao Tibete. Quando eles fizeram sua solicitação, Dhipamkara Shrijana
refletiu sobre o que haviam dito e aceitou o convite. Embora ele tivesse muitos
discípulos na Índia e estivesse trabalhando arduamente pela causa do Dharma,
ele sabia que no Tibete não existia um Dharma puro. Ele também havia recebido
uma profecia de Arya Tara de que, se ele fosse ao Tibete, poderia beneficiar
incontáveis seres vivos. Compaixão surgiu em seu coração quando ele pensou em
quantos tibetanos faleceram na Índia e ficou especialmente comovido com o
sacrifício de Yeshe Ö. Dhipamkara Shrijana teve que fazer a sua viagem ao
Tibete em segredo, porque, se seus discípulos indianos soubessem que ele estava
deixando a Índia, tentariam impedi-lo. Ele disse que estava fazendo uma
peregrinação ao Nepal, mas do Nepal passou para o Tibete. Quando seus
discípulos indianos finalmente compreenderam que ele não retornaria,
protestaram que os tibetanos eram ladrões e que haviam roubado seu Guia
Espiritual! Naquele tempo, como acontece ainda hoje, era costume saudar em
grande estilo um convidado honrado. Jangchub Ö enviou, então, um séquito de
trezentos cavaleiros juntamente com muitos tibetanos eminentes para a
fronteira, para dar as boas-vindas a Atisha e oferecer-lhe um cavalo para
facilitar a difícil viagem até Ngari. Atisha cavalgou no meio dos trezentos
cavaleiros e, com auxílio de seus poderes miraculosos, sentou-se cinquenta
centímetros acima do dorso do cavalo. Quando viram isso, aqueles que não tinham
respeito por ele desenvolveram uma fé muito forte, e todos disseram que o
segundo Buda havia chegado ao Tibete. Quando Atisha chegou a Ngari, Jangchub Ö
solicitou-lhe: “Ó Compassivo Atisha, por favor, dê instruções para ajudar o
povo tibetano. Por favor, dê conselhos que todos possam seguir. Por favor,
dê-nos instruções especiais a fim de que possamos praticar todos os caminhos,
de Sutra e de Tantra, juntos. Para satisfazer esse desejo, Atisha escreveu e
ensinou Luz para o Caminho à Iluminação, o primeiro texto escrito sobre as
etapas do caminho, o Lamrim. Ele deu essas instruções primeiramente em Ngari e
depois no Tibete Central. Muitos discípulos que ouviram esses ensinamentos
desenvolveram grande sabedoria. Livro Budismo Moderno. O Caminho da Compaixão e
Sabedoria. Abraço. Davi.
sexta-feira, 14 de julho de 2023
OS ORIXAS - OBÁ
Religião
Afro-brasileira. Candomblé. www.brasilescola.uol.com.br. Por Rainer Sousa. OS ORIXÁS. "A chegada dos escravos africanos ao Brasil
foi responsável pela consolidação de uma nova experiência religiosa em nosso
território. Contudo, ao contrário do que muitos chegam a imaginar, não podemos
supor que esse movimento simplesmente instalou a mesma lógica e as mesmas
divindades cultuadas no território africano. Ao mesmo tempo em que alguns
deuses ficaram para trás, outros foram criados para compor uma experiência
singular. Desse vasto panteão de divindades, os orixás se tornaram os mais
conhecidos entre os praticantes e não praticantes das religiões de origem e
influência africana. Segundo os ensinamentos do candomblé, todas as pessoas são
filhas de orixás. Para que seja possível determinar a quais orixás um indivíduo
pertence, ele precisa recorrer aos saberes oferecidos pelo jogo de búzios. O
jogo de búzios consiste basicamente no lançamento de dezesseis conchas, também
conhecidas como cauris, em uma peneira. O pai de santo é o único capaz de
realizar o lançamento das conchas e realizar a correta leitura da posição de
cada búzio. Além do jogo, os praticantes do candomblé também associam a pessoa
ao seu orixá através das características físicas e psicológicas do praticante.
Segundo a crença, cada pessoa recebe a influência de dois orixás principais. O
primeiro é conhecido como o “orixá da frente” e o segundo como o “orixá de
trás”, “segundo santo” ou “jutó”. Esse casal de divindades promove a proteção
de seu seguidor e são reverenciados pelo pai de santo quando, este, toca a
testa, para o orixá da frente, e a nuca para o orixá de trás. Além dessas duas
divindades, uma pessoa pode incorporar a proteção de outros deuses, completando
o número máximo de sete orixás." "No conjunto das religiões afro-brasileiras,
os orixás podem assumir diferentes nomenclaturas segundo a crença que o adota.
Na umbanda, os orixás não são diretamente incorporados pelas pessoas com
aptidões mediúnicas. Geralmente, o orixá envia um representante, o falangeiro,
que tem a função de repassar as ordens e orientações do orixá que o domina.
Entre os mais conhecidos orixás podemos destacar as figuras de Exu, orixá
mensageiro sem o qual nenhuma transformação acontece: Ogum, divindade que está
correntemente associada às guerras e à agricultura. Oxossi, reconhecido como
irmão de Ogum e associado à caça e proteção. Além disso, podemos destacar
Omulu, poderosa divindade responsável pelos poderes de cura e doença. Xangô,
senhor dos raios e trovões, Iemanjá, a mãe de todos os orixás. E Oxalá, o
grande orixá da criação”.
OBÁ.
"Na sua mitologia de origem, Obá pode ser vista como um interessante orixá
que se alterna entre a força de uma guerreira e a ingenuidade de uma
apaixonada. Isso porque vemos que sua trajetória é marcada por essas duas
situações curiosamente distintas. Em suma, Obá é conhecida como um orixá muito
poderoso e que, mesmo sendo feminina, tinha força suficiente para vencer vários
orixás masculinos durante uma luta. Contrastando com sua força, Obá vivia uma
imensa angústia por sentir que Xangô, seu marido, tinha maior predileção pelas
suas outras duas esposas: Iansã e Oxum. Por muito tempo, ela se esforçou em
chamar a atenção do marido preparando deliciosos pratos que pudessem aumentar
seu apreço. Entretanto, Xangô era mais próximo a Iansã durante as guerras e não
resistia aos mimos de Oxum. Um dia, cansada de se sentir em condição
subalterna, Obá resolveu perguntar a Oxum qual era o segredo que mantinha
o poderoso rei encantado por ela. Percebendo a fraqueza da esposa rival, Oxum
inventou que ela preparara um amalá (prato bastante apreciado por Xangô) e que
nele misturara a sua orelha em prova de devoção e profundo afeto ao esposo.
Ansiosa, ela preparou o amalá e decepou a própria orelha na esperança de
enfeitiçar Xangô. Contudo, ao oferecer o prato, Xangô ficou muito furioso e
enojado quando percebeu que a orelha de Obá se encontrava misturada ao amalá.
Desesperada com a reação do marido, Obá percebeu que tinha sido vítima de uma
tramoia ao ver que Oxum havia tirado o seu turbante e ostentava as suas orelhas
completamente intactas." "Mesmo tendo sido enganada, a
insensatez de Obá despertou a ira de Xangô. Expulsas do reino de Oyó, Obá e
Oxum se transformaram nos dois rios que levam os seus nomes. Dessa forma, Obá é
uma divindade sempre associada à força de transformação das águas revoltas. No
continente africano, o encontro entre os rios Obá e Oxum simboliza a
verificação do mito que explica a rivalidade entre essas duas divindades. Nos
terreiros em que Obá se manifesta, suas devotas dançam com uma das mãos ou um
pano encobrindo uma das orelhas. Em sua arquetipia, as pessoas pertencentes a
esse orixá são muito zelosas e se determinam em alcançar os seus ideais.
Entretanto, a sua determinação acaba sendo prejudicada pelo ciúme excessivo, a
agressividade, a frustração e a ingenuidade." www.brasilescola.uol.com.br.
Abraço. Davi