segunda-feira, 29 de março de 2021

A PLENITUDE DO TEMPO E A SIMULTÂNEIDADE

 

Budismo. www.sotozencuritiba.org.br. Por Ryotan Tokuda. A PLENITUDE DO TEMPO E A SIMULTÂNEIDADE. Esta é a transcrição da segunda palestra do monge Tokuda sobre o pensamento comparado dos mestres Dogen e Eckart, pronunciada em Porto Alegre, outubro de 1989, como promoção do Centro de Estudos Budistas. O que significam as expressões “plenitude do tempo e simultaneidade” ?Inicialmente vamos ver algumas citações apresentadas por mestre Eckart com diferentes significados para a "plenitude do tempo": São Paulo diz: "Na plenitude do tempo, Deus mandou seu Filho." Santo Agostinho diz: "Esta plenitude do tempo consiste do seguinte: onde não existe mais tempo, isto é a plenitude do tempo." Um outro significado da plenitude do: Se alguém tivesse habilidade e poder de ajuntar no momento presente o tempo e tudo o que aconteceu em seis mil anos ou o que acontecerá até o fim dos tempos, agora, isto é que seria a plenitude dos tempos. Em A Palavra Secreta falei que para escutar a voz de Deus existem três tipos de obstáculos: a corporalidade, a temporariedade e a multiplicidade. Tomemos inicialmente a temporariedade. Nessa dimensão de temporariedade é que temos a vida e a morte, os pecados e todo o tipo de dificuldades. Para superar essas dificuldades todas temos então que transcender a temporariedade. A "plenitude do tempo", como compreendida por Santo Agostinho, significa "onde não há mais tempo", ou seja, o tempo se torna a eternidade. Isso, essa dimensão, é a simultaneidade. Quem começou a empregar esta palavra nessa acepção foi Kierkegaard. Nesse contexto, . a expressão não significa que estão ocorrendo eventos diferentes ao mesmo tempo. Não. O sentido disso é diferente. O sentido é o da simultaneidade original, onde Jesus Cristo está com seu Pai; simultaneidade original transcendental. Sendo assim, par a superar a temporariedade é preciso que se morra enquanto existência temporal. Todos querem viver, mas é preciso morrer. De certo modo todos buscamos, o tempo todo, o caminho para chegar a esta eternidade, ao absoluto, à paz eterna. Com este objetivo nos encaminhamos ao cristianismo, ao budismo, ou a outras filosofias e religiões. Nos sentimos irresistivelmente atraídos e compelidos a encontrar esta eternidade. "Simultaneidade" é isto, o lugar de onde viemos e para onde voltaremos. É a origem e também o destino final de nosso ser. Este é o sentido da expressão. Há ainda a simultaneidade histórica, isto é, Jesus Cristo veio a este mundo, nasceu, e com trinta e três anos foi crucificado. Ele viveu como homem na terra, sofreu como nós, mas ao mesmo tempo está transcendendo o temporal, está sempre presente. Quem busca o encontro com Deus, a realização de si próprio, em primeiro lugar tem que ter a energia para buscar a direção da simultaneidade original, o lugar onde está Deus, imóvel, quieto: esta é a direção a percorrer. Mas, paradoxalmente, a dificuldade de chegar até lá está justamente na própria existência dessa vontade. Quando se tem essa vontade, há a idéia de que "eu estou aqui e algo absoluto está lá". Isto é, há a dualidade, há "eu e o absoluto". Fica tudo dual, todas as coisas ficam separadas. É preciso transcender isso, ou seja, na busca, a própria vontade é obstáculo para a realização. Mas se não há a vontade, como chegar lá? Indo, indo, indo e repentinamente reconhecendo que a vontade, ela mesma, é um obstáculo. Aí começa-se a abandonar tudo. Em vez de buscar, é então necessário esquecer, abandonar, cortar, morrer, perder. Dentro da experiência mística, esse tipo de morte não pode faltar. Chama-se "via negativa". A via negativa é depois sucedida pela via positiva, mas primeiro sempre vem essa via negativa. O processo é doloroso mas e necessário passar por ele pois a presença do ego e sempre muito forte. Para entrar no estado de simultaneidade é necessário transcender a temporariedade, a corporalidade e a multiplicidade. Buda ganhou a iluminação dia 8 de dezembro em Bodigaia. Sentado imóvel sob a árvore Bodi, viu as estrelas na madrugada e disse, "que maravilhoso, todos os seres viventes tem a natureza de Buda". E completou, "juntos estão céu e terra comigo mesmo, ao mesmo tempo". Isto é simultaneidade. Originalmente estamos iluminados junto com Buda. Quando Buda ganhou a iluminação, nós a ganhamos ao mesmo tempo. E com esta idéia, a prática de meditação, o treinamento budista, muda inteiramente. Geralmente a pessoa pensa que se pratica o caminho para colher frutos depois, que é necessário treinar para alcançar aquele estado. Neste enfoque, treinamento e iluminação são duas coisas diferentes. O tempo também é visto dentro do sentido convencional, primeiro o treinamento, depois iluminação. Este é um obstáculo! Há no entanto a outra idéia: estamos praticando, treinando, meditando... Por quê? Porque somos iluminados originalmente, por isso estamos sentando. Esta compreensão surgiu originalmente ao mestre Dogen. Mestre Dogen defrontou- se com uma grande dúvida: "Todos os budas dizem que somos intrinsecamente de uma natureza pura, sem qualquer mácula. Por que então treinar e realizar o caminho?" Consultou os mestres da época e nenhum soube responder, até que alguém disse, "retornou da China recentemente um mestre zen japonês. E a única pessoa que pode lhe dar a resposta". A resposta que Dogen buscava não poderia ser verbal, mas deveria conduzir a realização, a entender mesmo, a sentir experimentando. A resposta tinha que conduzir à prática e à realização. Ele a encontrou no som dos vales e nas cores das montanhas, reconhecendo a impossibilidade de transmitir verbalmente essa experiência. Sobre isso, assim falou: "Saibam que esta realização [quanto ás cores das montanhas e ao som dos vales] é intransferível. Saibam que o Buda não pôde expor o sentido da apresentação da flor e nem Hui Neng, ficando em seu lugar, pôde alcançar a medula de Bodidarma. Mas graças às virtudes dos sons dos vales, às formas das montanhas e à terra imensa, todos os seres sensoriais realizam o caminho, ao mesmo tempo que Sakiamuni e todos os budas atingem o despertar no instante em que aparece a estrela da manhã. " "Os seres sensoriais realizam o caminho ao mesmo tempo que Sakiamuni", diz mestre Dogen. Quando o Buda Sakiamuni viu aquela estrela da madrugada, ganhou a iluminação. Ao mesmo tempo, todos os seres sensoriais realizaram o caminho perfeitamente. Ou seja, nada falta, apenas não percebemos isto. As cores das montanhas estão presentes, assim como os sons dos vales, como o sermão de Buda, como o corpo de Buda. Isso nunca esteve oculto, a dificuldade é nossa. Temos visão cármica, limitada, condicionada e por isso não vemos; eis aí o sentido do treinamento e da purificação. Qual é, no entanto, a razão da prática, se estamos já iluminados? É que sentando, já iluminado, cada um se encontra consigo mesmo. O momento da prática do zazen é então a própria realização. Mestre Eckart disse, "A alma é criada como se estivesse num ponto entre o tempo e a eternidade, tocando a ambos. Com os poderes mais elevados ela toca a eternidade, mas com os poderes mais baixos ela toca o tempo. Assim, observem, ela funciona no tempo não de acordo com o tempo, mas de acordo com a eternidade." Isto é simultaneidade. O mundo é visto como fumaça, sombra, relâmpago, algo transitório. Mas, e se você encontrar esta simultaneidade, onde Deus sempre está presente? Então, é preciso compreender que apesar de Jesus Cristo ter nascido em Nazaré, vivido e morrido aos 33 anos, nós estamos em Porto Alegre, etc. Enquanto um lado toca o tempo, no mesmo instante o outro lado está tocando a eternidade. Então percebemos nosso sofrimento, nossas dores, e compreendemos que um dia morreremos. Mas ao mesmo tempo em que compreendemos isto, ao mesmo tempo em que compreendemos este aspecto temporal da existência, percebemos que vivemos na eternidade. Neste caso, nascimento-e-morte perdem seu sentido anterior. Houve o encontro com Deus, a realização. Isto é ao mesmo tempo budismo e cristianismo, assim é que vejo. Não estou falando em cristianismo e budismo para comparar estas duas religiões; tampouco para comparar mestre Eckart e Dogenzenji. Claro, comparando podemos conhecer melhor a nós mesmos. Ainda assim, o sentido que me move a estudar mestre Eckart e Dogenzenji não é o de comparação. Através dessas duas figuras tento entender o que é o ser humano, e, afinal de contas, o que é Deus e o que é Buda, qual a origem do nosso ser; esta é a razão do meu estudo. Quando encontramos Buda-Deus, encontramos a paz eterna, apesar de estarmos sujeitos a surgimento e desaparecimento. Segue mestre Eckart: "Você sabe dizer me por que Deus é Deus? Ele é Deus porque é sem criatura não nomeou-se no tempo. No tempo estão todas as criaturas, o pecado e a morte, e estes são, em certo sentido, parecidos. Tão pronto a alma sai do tempo, ali não existem dor e lamentação, até mesmo o desespero ela transforma então em alegria." mestre Eckart está falando sobre o estado de nirvana. Aí não existem mais pecados, dores; mesmo o desespero se transforma em alegria. Desespero e dor existem mas não atingem esse estado, por isso chama-se de nirvana. Existem dois tipos de nirvana. Enquanto estamos vivos há o corpo, e por isso a doença, envelhecimento e morte. Isso ninguém pode evitar. Mas, morrendo, entra-se em parinirvana, o nirvana perfeito; este é o estado de simultaneidade. Simultaneidade e nirvana são a mesma coisa, são sinônimos, apenas as expressões são diferentes, como "cristão e budista". Mestre Eckart diz: "Ele deve dar tudo ou nada. Seu soar é simples, completamente simples e perfeito, sem divisões. E não se dá no tempo, mas na eternidade. Estejam certos disto, assim como eu vivo. Se é que vamos perceber esta forma dele, devemos nos elevar até a eternidade, além do tempo. Na eternidade todas as coisas estão presentes." Todas as coisas estão presentes, nada falta. Mestre Dogen disse: "Zazen é como um caramanchão no topo de um mirante." Você está lá sentado e vê todas as coisas, tem aquela visão panorâmica. Estamos agora montando o Mosteiro de Ouro Preto, no morro de São Sebastião, o morro mais alto da cidade. De lá vemos a cidade. Vemos os carros, ônibus e motos entrando, passando e saindo. Ali pode-se ver passado, presente e futuro ao mesmo tempo. Isto mestre Dogen diz, "entrando nas montanhas, subindo montanhas, descendo montanhas... chega-se ao pico". De lá você tem a visão panorâmica, muitas montanhas, muitos picos. É lindo! Vi a montanha de baixo, subi na montanha e estive em seu pico e agora estou aqui. Isto é passado, presente e futuro e está tudo aqui no presente. Isto chama-se "agora", "absoluto", "presente". Aí não há mais tempo. Entrando nesse estado, presente, passado e futuro estão todos aí. Tive uma vez uma experiência um pouco esquisita. Meditando, pensei em cortar o tempo. Um ano em doze meses, um mês em 30 dias, um dia em 24 horas, uma hora em 60 minutos, um minuto em 60 segundos, e aí um segundo. Um segundo eu visualizei como uma unidade e comecei a cortá-lo, inicialmente pela metade, 1/2 segundo, e depois a metade da metade e assim por diante, até que restou algo bem pequenino como o intervalo de tempo, e não era mais possível cortar. Aí então eu usei meu "aparelho cerebral" e tomei essa porção como nova unidade e comecei a cortar, cortar... e com grande atenção, como se estivesse sentado sobre um galho seco sobre um rio e qualquer movimento pudesse me derrubar. Assim, prossegui cortando, cortando... Enquanto havia o tempo, podia cortá-lo, não é? Não sei durante quanto tempo isso se deu, repentinamente meu corpo mergulhou dentro desse instante, no momento. Esse instante tornou-se tanto o passado como o futuro. Esta é uma experiência muito estranha, o passado infinito funde-se com o futuro infinito e ao mesmo tempo é o presente agora! Isso não tem explicação, vejo assim! Com essa experiência eu posso dizer, o passado já passou, você não pode pegar; o futuro não veio ainda, e agora mesmo podemos pegá-lo, ou não? Quando dizemos "ah, peguei", já passou... Como pegar o tempo? A única maneira é mergulhar dentro do tempo, onde não há mais tempo. Isto é prender o tempo, quando não há mais tempo, a eternidade. Com o espaço pode acontecer isto também. Não há mais espaço, não há mais dimensão. Quando criança, mestre Gensha era pescador, e ajudava seu pai no mar. Numa ocasião, foram pescar à noite. Durante a noite, às vezes, a pescaria é muito boa. Lá estavam quando, não sei por que, de repente seu pai caiu no mar, e ele imediatamente estendeu o remo em sua direção. Neste momento a luz da lua refletiu-se nas ondas e ele ficou paralisado, não mais movendo-se para salvar seu pai, abandonando-o a sua sorte. O pai chamou "oh, filho, o que você está fazendo?!" Ele então virou-se, e foi embora com o barco, enquanto seu pai, exausto, afundava no mar. Voltando à praia, deixou o mar, abandonou a pesca, e imediatamente buscou as montanhas procurando um mosteiro, onde tornou-se monge. Seu treinamento foi diferente do de outros monges, foi muito duro. Passou um ano, outro e mais outro com o mestre Sepu, um grande mestre. Mesmo assim não conseguiu realizar a compreensão, sofrendo muito sempre. Sentia que não conseguia avançar. Um dia pensou, "tenho um carma muito pesado, talvez não tenha condição de realizar a iluminação apenas com o auxílio desse mestre. Gostaria de fazer uma viagem, uma peregrinação, visitando outros mosteiros e conhecendo outros mestres". E tratou de obter licença para a viagem. Liberado por seu mestre, descendo a montanha do mosteiro, no meio do caminho bateu o pé numa pedra, quebrou a unha, sangrou muito e teve de suportar muita dor. Em meio ao seu grito de dor, nesse exato momento, lembrou-se do sutra e perguntou, "de onde vem esta dor?" Mas não era verdadeiramente uma pergunta, e sim a realização dele, a sua própria iluminação. Com a dor, ele gritou "ai! ai!"; neste momento não tinha mais o seu corpo, o universo inteiro era dor. Já que o corpo inteiro, o universo inteiro era dor, de onde poderia vir essa dor? O sentido da pergunta era este. Imediatamente ele voltou ao mosteiro de onde acabara de sair. Vendo isso, o mestre disse, "você começou sua peregrinação apenas para quebrar seus pés?" Ele respondeu "mestre, não brinque mais comigo..." E o mestre: "Tudo bem, mas por que você não retoma a peregrinação?" Gensha respondeu: "Bodidarma não veio à China, o segundo patriarca não foi à Índia." Isto na verdade é um koan. Bodidarma foi da Índia para a China para transmitir o Darma correto. Ele foi o primeiro patriarca da China, isto todos sabem e pertence à história. Mas Gensha disse: "Bodidarma não veio à China e o segundo patriarca não foi à Índia." E, historicamente, não foi. Aqui, a expressão "Bodidarma não veio e o segundo patriarca não foi à India" é uma afirmação que não se refere a ir e vir, mas ao não haver mais no mundo ocidente e oriente, Índia, China. Isto havia passado. Ele experimentava um mundo uno. Este é o sentido desse diálogo. Mestre Eckart diz, "Ali, o que está a mil quilômetros de distância está tão próximo a mim como o lugar onde estou agora. Existe plenitude e gozo na divindade, existe uma só unidade. Ah, que nobre é aquele poder que transcende o tempo e transcende o lugar, pois que está acima do tempo e tanto contém todo o tempo como é todo o tempo. E, por menos que o homem possa ter este poder que transcende o tempo, ele é rico de fato com isto, pois aquilo que está além do mar mais distante não está mais longe deste poder do que aquilo que está presente aqui e agora. Portanto, são tais os que o Pai procura. " Para este poder do intelecto nada é distante ou externo. O que está mais além do mar ou a mil quilômetros de distância é tão verdadeiramente conhecido e presente quanto este lugar onde estou neste momento. Este poder apanha Deus nu em seu ser essencial. Ele é uno na unidade, não-semelhante na semelhança. Com esta experiência, ele entra na dimensão de simultaneidade, está tudo presente, em unidade. Mestre Gensha disse: "eu e Buda Sakiamuni somos colegas". Ao que um monge retrucou, "estranho, com quem você aprendeu?". E o mestre Gensha respondeu: "Jassapru", nome do pescador menino antes de tornar-se monge. Este foi o segundo koan. "Eu e Buda Sakiamuni somos colegas". Estranho, mas também acontece. Na Bíblia também encontramos frases assim. Jesus Cristo disse uma vez: "estou aqui antes de Abraão e Davi". Estranho, não? Abraão e Davi aparecem já no Velho Testamento, e Jesus Cristo no Novo Testamento. Como poderia ele fazer tal afirmação tantos anos depois? O tempo está então invertido aqui! Por quê? Jesus Cristo é o único Filho de Deus. Quando Deus estava criando, Jesus Cristo estava lá, vendo. Assim, isso não é nada estranho. O tempo para nós existe aqui, mas em algum momento o tempo desaparece, e surge a eternidade. Temos que viver este mundo com o tempo e além do tempo. Você realiza a si próprio encontrando-se com Deus e trabalhando para os outros. Em João 15.15, diz Jesus: "Tudo o que ouvi de meu Pai eu vos disse; eu não vos chamei de servos, mas de amigos. O servo não conhece a vontade de seu mestre, mas o amigo sabe tudo que sabe o seu amigo. Tudo aquilo que ouvi de meu Pai transmiti a vocês, e tudo o que meu Pai sabe eu também sei, e tudo aquilo que eu sei vocês sabem, pois eu e meu Pai temos um só espírito": São Paulo disse: "Se você for criado com o Cristo, então procure o que está acima, onde o Cristo está sentado ao lado direito de sen Pai, e que não provém das coisas que estão na terra. Vocês morrerão e suas vidas estão ocultas com o Cristo em Deus, no céu. Simultaneidade é isto. Ao entrar na simultaneidade, Buda, assim como Jesus Cristo, são seus amigos, seus colegas, seus contemporâneos. Aqui não há o tempo, nem antes e nem depois, você vive no mesmo mundo, você vê com os mesmos olhos e escuta com os mesmos ouvidos dos budas e de Jesus Cristo, e tudo está realizado neste momento. Buda disse, "para entender a natureza de Buda, você tem que entender o tempo, mas estudando você chega aí". Mestre Dogen interpreta isto assim: "O tempo vai chegar e você entenderá, mas na verdade o tempo já chegou, já está aqui". Quando se fala "o tempo vai chegar", mesmo treinando com mestres competentes, a realização nunca chega. Deixando o tempo, meditando e treinando, o tempo já chegou. Já está realizado neste momento. Mas não esperando o tempo chegar e amadurecer. Enquanto você esta sentado, você já está realizado. É difícil sentir isso com o consciente, mas é verdade. Por isso, independentemente de ganhar a iluminação ou não, treine, pratique. A prática já é a iluminação. Mestre Dogen disse: "chegando ao último ponto, não pare, continue!" Diz mestre Eckart: "Uma mulher perguntou a Nosso Senhor como deveríamos rezar, e Nosso Senhor disse: 'Virá o tempo, e já chegou de fato, quando os verdadeiros veneradores vão venerar em espírito e em verdade, pois que Deus é um espírito; portanto, você deve rezar em espírito e em verdade.'" Anotem bem o que é dito, a hora virá e é agora. Aquele que veneraria o Pai, deve conduzir a eternidade em seus desejos e esperanças. Existe um ponto mais elevado da alma, que está além do tempo e nada sabe do tempo ou do corpo. Ele fala aqui da promessa ou juramento do Pai. Essa promessa também foi dada a nós, para que fôssemos batizados no Espírito Santo e recebêssemos o presente dele, morando além do tempo, na eternidade. No tempo , o Espírito Santo não pode ser dado e nem recebido. Dentro do treinamento zen , quando chega o momento, se recebe a transmissão do Darma. Esse documento chama-se "Shiho". É um documento que demonstra sua árvore da linhagem de transmissão. Está escrito em seda pura, com a marca de uma flor de ameixeira. É raro esse documento. Aí encontra-se o nome de Buda e uma sucessão de nomes de budas e patriarcas até seu mestre. A linhagem dos budas e patriarcas começa com Shakamunibutsu Daiosho, após Makakasho Daiosho, Ananda Daiosho, etc., até Bodaidaruma Daiosho, seguindo ainda até o sexto patriarca. Depois prossegue, passando de nome em nome até o mestre atual e chega a uma linha final com o nome do novo Buda, o próprio nome do monge que recebe o documento. Após esse nome, há uma linha que conduz novamente de volta ao Buda Sakiamuni. Isto significa que nesse momento tudo fica uma coisa só; apesar de haver tantos patriarcas diferentes, na verdade todos são o mesmo. Isso é a transmissão. Os budas, patriarcas e grandes mestres, todos treinaram e transmitiram este Darma até a mim. Eu estou treinando; se isto for interrompido, essa transmissão não irá adiante para as próximas gerações, terminará em mim mesmo. Isso significa que todos os treinamentos dos que me antecederam acabam comigo. Minha responsabilidade é muito grande; esta é a única diferença entre monges e leigos. Os leigos podem aprender, alcançar, ter a iluminação da mesma forma que os monges, mas a especialidade do monge é a responsabilidade em transmitir adiante esses ensinamentos. Agora o budismo está chegando ao ocidente ocidente e também ao Brasil. Isto significa que também depende de mim e de meu treinamento a realização continuada de todos aqueles mestres, patriarcas e budas. Quando temos esta consciência, o treinamento do dia-a-dia não pode ser abandonado. Não é muita coisa, não, é simplesmente manter continuamente o treinamento de modo igual. Isto é importante. As dificuldades aparecem, os obstáculos. Estes momentos, ao transcender as dificuldades, tornarn-se momentos de iluminação, de realização. Dentro da tradição budista, temos sete budas do passado até Sakiamuni Buda, que são: Bibashibutsu Daiosho, Shikibutsu Daiosho, Bishafubutsu Daiosho, Kurusonbutsu Daiosho, Kunagonmunibutsu Daiosho, Kashobutsu Daiosho e Shakamunibutsu Daiosho, o Buda Sakiamuni. E Ananda perguntou, "esses sete budas do passado aprenderam com quem?", Buda Sakiamuni disse, "eu sou o mestre deles". Aqui também o tempo está invertido, os budas do passado, os que vieram antes de Buda, aprenderam com o novo Buda! Como pode ser isso?

Uma coisa semelhante pode ser encontrada dentro da Bíblia. Quando Jesus Cristo chegou para ser batizado por João Batista, este disse, "não, eu não mereço isso!" E Cristo: "Eu compreendo, mas dá-me o batismo neste momento". São João então falou, "vou dar o batismo com água, mas esta pessoa a quem batizo é que poderá batizar com o Espírito Santo". Quando Cristo foi batizado o céu abriu-se e apareceu um pombo branco. São João então disse, "Eu não mereço nem mesmo lavar os seus pés, mas neste momento eu o batizo". Assim são as relações mestre-discípulo. Quando torna-se "um", o discípulo tem que ter capacidade de dar ensinamento para seu próprio mestre! Não fosse assim, essa força desapareceria.

Na tradição zen diz-se que, se o discípulo tem uma força igual a do mestre, se ambos têm igual altura de ombros, então a força fica dividida por dois. O discípulo tem que subir e apoiar seus pés sobre os ombros de seu mestre. Tem que ser maior e melhor do que seu próprio mestre. Com isto ele consegue transmitir por inteiro a força completa de seu mestre, sem nada perder. Dentro do zen, essa transmissão é algo que preocupa muito. Passar de uma pessoa para outra é difícil. Neste momento, o oriente está querendo transmitir para o ocidente. Aí dá-se um grande choque cultural. A linguagem é diferente, os costumes, a religião, a comida, tudo é diferente. Mas mesmo assim, confiando na natureza de Buda e na alma pura, há essa possibilidade de transmitir. Isto porque, apesar de tudo, não há ocidente nem oriente para a natureza de Buda. Santo Agostinho encontrou duas grandes linhas de filosofia antiga, a filosofia grega e a hebraica, e ocorreu então um grande evento para os seres humanos e para a fé em Cristo: a sua obra teológica. O encontro do ocidente com o oriente já está acontecendo intensamente. Há grande intercâmbio entre padres católicos e monges zen. Em 1986, na cidade de Assis, na Itália, houve um encontro de todas as religiões, em todas suas variadas origens geográficas. Estiveram lá budistas, cristãos, africanos, índios, muçulmanos, judeus, hinduístas, etc., reunidos e falando sobre paz internacional. Isso revela este crescente espírito de intercâmbio e paz. Há um capítulo do Shobogenzo de mestre Dogen chamado "A Lua". A lua tem quatro fases, a nova, a crescente, a cheia e a minguante. Todos pensam que quando a lua é cheia, está realizada, despertando aquela vontade de buscar o caminho supremo, depois o treinamento, a iluminação e nirvana. Mas mestre Dogen diz, quando a lua é crescente, mesmo aí já há a realização completa, não é necessário nem mesmo chegar à lua cheia. Com a lua minguante é a mesma coisa. Falta um pequeno pedaço, mas exatamente assim ela está perfeita e realizada. Essas afirmações nos aliviam muito, pois temos muitos defeitos e dificuldades. Porém com isto já há realização completa, por que preocupar-se? A única preocupação é praticar, seguir. Algumas pessoas já estão satisfeitas, nem mesmo precisam chegar à lua cheia. Alguns já realizaram, assim não precisam se preocupar se a lua está ou não cheia, ou se está começando a lua minguante. Nossa vida é assim, muitos querem aprender sempre mais; é bom, mas na verdade a realização já está pronta. É importante compreender que o primeiro passo no budismo é estar satisfeito com o que você tem agora. Ter poucos desejos, poucas ambições, e estar satisfeito. Quando você chega a este estado, você está já realizado, é lua cheia. Não precisa ter tudo. Uma pessoa que já realizou a sua vida não precisa de muito luxo, jóias, muitos carros. Simplificar a vida, a comida, a maneira de viver é bom. E com isso vem a felicidade, a ausência das preocupações bancárias... Neste sentido, mestre Eckart fala do sol pela madrugada, das 10 horas da manhã, do meio-dia, da tarde e da noite. Com o sol subindo o dia se aquece, mas depois começa a diminuir. A luz da manhã é a luz da natureza, a luz do meio-dia é a luz dos anjos, a luz da tarde é como a luz divina e, durante a noite, é a luz de Deus. A noite não tem luz, mas é a luz máxima. A luz começa aquecendo pela manhã, passando para o meio-dia o calor que vai se acumulando até a tarde. Ou seja, em cada um dos aspectos todos os outros estão presentes ao mesmo tempo. Quando desperta a vontade de buscar o Caminho supremo, já está realizado. Isso não quer dizer que deve-se interromper o treinamento aí, só despertar a vontade não basta. É preciso treinar. Treinar constantemente alimenta a vontade. A busca da mente Bodi é como olho de peixe, não é diamante, apodrece se não cuidar. É preciso apenas continuar constantemente. Chegando-se à iluminação pode-se pensar, "ah, cheguei, vou parar com isto". Não, treinamento é iluminação, e iluminação é treinamento. Por isso Buda passou por seis anos de treinamento. Bodidarma foi à China e sentou nove anos antes de pregar. Esses nove anos não foram para obter a iluminação, ele já estava iluminado, foi apenas a continuidade do sentar. Ninguém pode mais parar. Dentro do zazen, com as pernas cruzadas, cruzam-se tempo e eternidade. Apesar de vivermos neste mundo mortal, quando você senta, está no estado de simultaneidade, junto com todos os budas do passado, presente e futuro! www.sotozencuritiba.org.br. Abraço. Davi

texto gentilmente cedido pelo Centro de
Estudos Budistas Bodisatva
www.bodisatva.org

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sexta-feira, 26 de março de 2021

A MEDITAÇÃO SOBRE AS REALIDADES DO ALÉM

 

Islamismo. www.arresala.org.br. Por: Ahmed Ismail. A MEDITAÇÃO SOBRE AS REALIDADES DO ALÉM. Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso. A benção e a paz sobre o Nobre Mensageiro Mohammad e sobre sua purificada linhagem. Diz Allah, O Majestoso, no Alcorão: “É ELE (ALLAH) QUEM VOS DÁ VIDA E ENTÃO VOS FARÁ MORRER E EM SEGUIDA VOS RESTITUIRÁ A VIDA…” (22: 66). Em sua existência o ser humano tem sobre si o decreto de 4 fases: o útero, a vida terrena, a vida no Barzakh (pós-morte) e a vida no akhirah (eternidade). A vida terrena é como um tênue e curtíssimo fio suspenso na eternidade, e nesta limitadíssima extensão de tempo temos a oportunidade preciosa de despertar nossa consciência para a realidade maior, que não conhece limitação de tempo ou espaço, a qual se denomina AKHIRAH (eternidade). ALLAH, Exaltado Seja, dotou o humano das faculdades necessárias para a perfeita compreensão desta realidade. Enviou Profetas e Mensageiros revelando a Ciência Correta (Orientação Divina), para que a humanidade se guiasse sobre a realidade que está além dos sentidos. De fato, sem esta orientação correta, o homem permanece como alguém que esteja confinado num quarto escuro; que não consegue conceber a vastidão e a luz além dos limites das paredes que o cercam. Em tal condição de ignorância, o homem faz do seu quarto “o seu mundo”, concentrando sua atenção e suas expectativas apenas no que está ao alcance dos seus sentidos. Evidencia o Alcorão: “DISTINGUEM SOMENTE A APARENTE VIDA TERRENA; PORÉM ESTÃO ALHEIOS QUANTO A OUTRA VIDA.” (30; 7). Comumente vivemos segundo a interpretação de nossos sentidos e não nos percebemos do quanto isso é superficial. Não obstante, todos sabemos que é inevitável o confronto com uma realidade que transcende toda nossa compreensão: a morte. A perturbadora constatação que o homem é a única criatura que tem consciência de que morrerá cria nele uma constante inquietação. Por mais que se negue a raciocinar sobre sua existência, o homem convive com essa ameaçadora consciência da morte. Assim, desde os tempos mais remotos e em todas as sociedades humanas desenvolveu-se uma filosofia voltada a diversão, ao prazer e a ocupação mental para afastar essa perturbadora realidade. No mundo moderno adotou-se um estilo de vida voltado a satisfação constante dos sentidos e desenvolveu-se todo um conjunto de idéias que visam ocultar ou suavizar a inevitabilidade da morte. Uma curiosa característica que diferencia a sociedade moderna das sociedades tradicionais é que, a reverência e a ritualização da morte que cumpriam um papel de suavizar o sofrimento e estabelecer um laço comunitário, na sociedade moderna e individualista tendem a perder qualquer significado. Em seu dia a dia o homem moderno, ainda que cercado por todos os avanços tecnológicos de sua época confronta-se com a morte à sua volta e então choca-se, atemoriza-se por um instante para logo depois retornar a condição alienante, envolvido em seus planos, negócios, prazeres, viagens, programas de lazer para manhã ou para daqui um ano, como se a possibilidade da morte não existisse até que ele próprio se confronta com o inevitável. Diz o Altíssimo no Alcorão: “NÃO VOS DEMOS UMA VIDA LONGA PARA QUE QUEM DE VÓS QUISESSE REFLETIR PUDESSE FAZÊ-LO?…” (35: 37). Compreendemos que ainda que curta a existência terrena em comparação a eternidade, diante da percepção humana, esta vida constitui tempo perfeitamente hábil para que o homem reflita e busque a orientação divina. Antes que a morte chegue e com ela a trágica constatação da perda das oportunidades proporcionadas pela vida. Consta que o Mensageiro de Allah (saas) tenha dito: “A mais inteligente das pessoas é a que mais recorda sua morte” e também “Recordai a morte! Juro por aquele em cuja mão está minha vida que se soubésseis o que eu sei, certamente teríeis passado menos tempo a rir e mais tempo a chorar”. Diante da realidade maior que se descortina com a morte, o homem lamenta o tempo perdido nas ilusões, rivalidades, no acúmulo de bens e em todas as outras atividades próprias da vida terrena. Evidencia o Alcorão: “(DISSE XAITAN)… JURO QUE OS ALUCINAREI NA TERRA E OS COLOCAREI TODOS NO ERRO; SALVO DENTRE ELES OS TEUS SERVOS SINCEROS.” (15: 39 e 40). Este poder de sedução de Xaitan, abrilhanta para o homem tudo o que o afasta da senda divina, levando-o a se empenhar naquilo que o levará a ruína espiritual no AKHIRA (vida eterna), e a desprezar as ações que resultariam em sua bem-aventurança após a morte física. Entretanto, não há nenhum obstáculo intelectual ou prático entre o homem e a Orientação Divina. Consciência da realidade da morte não significa algum tipo de negação mórbida da vida. É comum ouvirmos o argumento de algumas pessoas carentes de entendimento que, acreditam que “viver” significa somente usufruir sem limites ou restrições e que, qualquer outro modo de pensar seria um cerceamento da liberdade individual. O Islam nos ensina que o usufruir dos benefícios da vida é necessário e que isto não significa transformarmos a existência numa contínua busca de prazer e diversão. A opinião dessas pessoas se baseia num erro fundamental: de que a vida não possui nenhum propósito. O Islam nos orienta a consciência de que a vida possui um alto propósito, e que este propósito pode ser compreendido por aqueles que acatam a Orientação Divina e que em outras palavras, adotam a Mensagem Divina como guia para sua vida. ALLAH promete sua proteção aos que se apegam firmemente a orientação divina e se empenham sinceramente nesta senda, livrando-os das trevas da ignorância e guiando-os para a luz, assim evidencia o ALCORÃO: “ALLAH É O PROTETOR DOS FIÉIS; É QUEM OS RETIRA DAS TREVAS E OS CONDUZ PARA A LUZ; AO CONTRÁRIO, OS INCRÉDULOS, CUJOS PROTETORES SÃO OS SEDUTORES QUE OS ARRASTAM DA LUZ, LEVANDO-OS PARA AS TREVAS, SERÃO CONDENADOS AO INFERNO ONDE PERMANECERÃO ETERNAMENTE.” (2: 257) É esta condição fundamental da vida terrena de oportunidade de escolha que a torna preciosa. A todo momento de nossa vida temos diante de nós a senda correta e os muitos caminhos da perdição espiritual e a despeito de todos os fatores externos a decisão final sobre nossas ações pertence a nós mesmos. Disse o Mensageiro de Allah (saas): “Não há uma só noite em que o anjo da morte não chame os mortos nos túmulos e pergunta-lhes o que lamentam hoje quando vêem vivamente e conhecem o além. Então dizem os mortos: “Nós lamentamos e invejamos os que creem, que estão nas mesquitas a orar enquanto que nós não, estão a conceder Zakat enquanto nós não, estão a jejuar durante o Ramada enquanto nós não, estão a doar em caridade o que excede as necessidades de suas famílias, enquanto nós não o fazemos”. Este Hadíth demonstra a real escala de valores pela qual nossa vida neste mundo será pesada e é esta escala que se tornará evidente para a pessoa, no momento em que as ilusões materiais chegarem ao fim com a morte física. Imam Ali (as) em um dos seus sermões disse: “Lembrai: vosso hoje pode ser o único tempo que terás para esperar, anelar e trabalhar e depois de hoje pode haver o grande vazio da morte, quem quer que obre durante este período de espera, a morte não lhe causará dano. Lembrai, quem não se beneficia do Din cai presa fácil de Xaitan e quem a orientação não pode conduzi-lo ao caminho reto termina em calamidade e em destruição. Lembrai que está decretado que a vida siga e a vós se aconselha que obreis para o mundo vindouro com pensamentos corretos e obras piedosas”. Portanto, o benefício do Din está ao alcance dos que meditam sobre suas ações, o mundo que o cerca e, sobretudo, quanto as palavras de Allah no Alcorão, luz para a compreensão das questões desse mundo e do além; e esta compreensão é de grande valia para a ação correta e o aperfeiçoamento da fé. Imam Mussa Ibn Jáfar (as) disse: “Quem não se examina e julga a si mesmo a cada dia, não é um dos nossos”. Este princípio moral preserva o homem de muitas das ilusões engendradas por Xaitan e verdadeiramente aquele que JULGA A SI MESMO e que se auto-repreende encontra o caminho para as boas ações. O incremento disso é a compreensão correta da verdadeira escala de valores que devemos adotar em nossa vida. No decorrer de nossa curta passagem neste mundo somos ensinados a adotar os mais diversos padrões e escalas de valores originados das crenças e idéias humanas, alguns dizem-nos que o conforto e a riqueza são os mais elevados valores da vida, outros que a cultura e a erudição representam esses valores, e muitas outras escalas de valores nos são ensinadas. Entretanto poucos de nós questionamos sobre qual seria a escala de valores que ALLAH Exaltado Seja, teria estabelecido quanto a nossa vida e nossas ações. Não obstante a nossa razão nos diga que com a morte nossas escalas de valores também morrem. Mesmo o mais materialista dos homens aceita a verdade de que a morte iguala a todos e anula as distinções forjadas pelo homem. Ainda que a estupidez humana tenha criado diferenças que são carregadas até o túmulo, todos somos forçados a concordar que todas as pretensões e convenções humanas terminam aí. A escala de valores de ALLAH, a qual transcende a morte e vigora na eternidade difere absolutamente de todos os padrões humanos de julgar a vida. Essa escala não exige do homem uma total renúncia da vida material como muitos insensatos preconizam, longe disso, essa escala exige que o homem cumpra suas obrigações mundanas, busque o ganho de vida lícito, que viva neste mundo e que satisfaça suas necessidades lícitas, apenas que não faça de tudo isso o Objetivo último de sua existência, que não tenha o bem estar mundano como uma única e exclusiva meta. O Islam nos ensina que o adotar o bem-estar mundano como objetivo último da existência, negligenciando a Realidade Maior da eternidade é um estado de absoluta ignorância, e aqueles que adotam tal modo de viver e pensar são os que provam o pior destino quando o inevitável os alcança. Evidencia o Alcorão: “AQUELES QUE NÃO CRÊEM NA OUTRA VIDA CONSTITUEM O PIOR EXEMPLO…” (16: 60) “E AQUELES QUE NEGAM O ALÉM TEMOS PREPARADO PARA ELES UM CASTIGO DOLOROSO.” (17:10) O negar a realidade do Akhira não se resume a uma negação formal baseada em descrença, mas sim é a atitude de negligenciar os Preceitos Divinos buscando como meta única da existência o satisfazer nossas próprias paixões, caprichos e desejos, elegendo-os como ídolos para os quais todos os nossos esforços e todo nosso tempo é devotado. Nessa escala divina de valores com a qual nossas vidas e nossas ações serão pesadas, absolutamente nada das pretensões humanas é levada em consideração. Nas fiéis tradições consta que o Mensageiro de ALLAH (saaw) tenha dito: “Quando um homem morre cessam todas suas obras, com exceção de três: a caridade ininterrupta, o conhecimento útil que tenha deixado a outrem ou um bom filho que peça a ALLAH por ele”. Invariavelmente, o ser humano torna-se cativo de suas ações ao fechar os olhos paras este mundo, deixando para trás todas as aparências externas e todas as escalas de valores forjadas pela vaidade humana. Imam Ali (as) disse: “Existem três amigos para um muçulmano. O primeiro amigo é o que diz: estarei contigo, quer você esteja vivo ou morto, este é sua Ação. O segundo amigo é o que diz: eu estarei contigo até a entrada de seu túmulo, então eu o abandonarei, este é seu filho. O terceiro amigo é o que diz: eu estarei com você até a sua morte, e este é a sua riqueza (seus bens), que pertencerão a seus herdeiros quando ele morrer”. Parte Dois. Diz Allah, O Altíssimo, no Alcorão: “SABEI QUE A VIDA TERRENA É SOMENTE JOGO, DIVERSÃO, VAIDADES, MÚTUA VANGLÓRIA E RIVALIDADE REFERENTE A MULTIPLICAÇÃO DOS BENS E DOS FILHOS; É COMO A CHUVA QUE COMPRAZ OS CULTIVADORES POR VIVIFICAR A PLANTAÇÃO, LOGO, COMPLETA-SE SEU CRESCIMENTO E A VERÁS AMARELADA E TRANSFORMADA EM FENO. NA OUTRA VIDA HAVERÁ CASTIGOS SEVEROS, E A INDULGÊNCIA E COMPLACÊNCIA DE ALLAH, QUE É A VIDA TERRENA SENÃO UM PRAZER ILUSÓRIO?” (57: 20) Este versículo sagrado discorre de modo esplêndido e conciso sobre a natureza da vida neste mundo. O versículo se inicia detalhando as atividades nas quais a maioria dos seres humanos gastam seu tempo de vida e sua motivações. Em seguida, declara que tudo isso está incluso em um ciclo efêmero que termina com a morte, e então, apresenta a realidade maior da vida eterna: a punição ou a misericórdia divina. A efemeridade deste ciclo seria por si só um motivo relevante para que o humano meditasse sobre o verdadeiro objetivo de sua existência e revisse sua escala de valores. Um certo número de questões perturbadoras tem sido sistematicamente afastadas da mente do homem: Qual a finalidade de minha existência? Fui criado para trabalhar de sol a sol para juntar coisas que a morte, inevitavelmente tirará de mim? Se o objetivo último de minha vida é comer, beber, dormir, acasalar e procriar porque foi me dada a razão se mesmo um cão não precisa dela para cumprir tudo isso? Estas e outras perguntas do mesmo teor surgem a um homem que tenha desenvolvido alguma sabedoria sobre si mesmo, e a menos que ele as considere seriamente não alcançará nenhum amadurecimento real. Algo que é profundamente perturbador para o homem que tenha sua consciência absorvida neste mundo, é a luta constante pelo acúmulo de bens e a luta ainda maior que segue a primeira pela manutenção do que juntou. A insegurança quanto ao dia de amanhã e o confronto com a realidade de que tudo lhe será tirado pela morte. Imam Assadeq (as) disse: “Aquele que devota seu coração a este mundo estará sujeito a 3 condições: preocupação sem fim, insaciáveis desejos e fútil esperança”. O Din (Religião) a seu turno, dispõe o coração humano ao equilíbrio e ao trato dos assuntos deste e do outro mundo segundo o seu grau de importância. Visa libertar o homem das algemas deste estado de ignorância que o arrasta e o faz viver como um escravo de todas as formas de ilusão até que a morte o alcança. Sobre este estado de inconsciência Imam Ali (as) comentou certa vez: “Quantos miseráveis (dignos de pena) estão com os dias contados, porém, estão laboriosamente buscando os bens (deste mundo)”. O Islam nos alerta quanto à necessidade de reflexão e o esforço no aproveitamento do tempo que temos a nossa disposição. O Mensageiro de Allah (saas) disse: “Aproveitai 5 oportunidades antes de 5 coisas: tua juventude antes de tua velhice, tua saúde antes de tua doença, tua riqueza antes de tua pobreza, teu tempo livre antes de tua ocupação e tua vida antes de tua morte.” De fato, o tempo é o item fundamental da existência humana. Lamentavelmente, poucos usam de sabedoria para administrá-lo e terminam por adotar um estilo de vida onde o tempo lhes possui e não o contrário. O Mundo Moderno caracteriza-se por seu mecanismo sutil de arregimentar o tempo. Somos condicionados a sacrificar o nosso tempo em atividades fúteis de tal modo que, a menos que despertemos para a realidade jamais encontraremos o tempo para o esforço espiritual e para a reflexão sobre nós mesmos e sobre o Akhirah (eternidade). O Islam prescreve o caminho do equilíbrio, do bom senso de não negligenciar nem as atividades da vida prática referentes ao ganho da vida e do cuidado com nossos bens e com nossos dependentes, e muito menos negligenciar nossas obrigações com Allah e o esforço pelas recompensas eternas. Imam Assadeq (as) tratou desse ponto dizendo: “O melhor auxílio a outra vida é esta”. E disse também: “Não é um dos nossos aquele que desiste deste mundo em prol do outro e nem o que desiste do outro mundo em prol deste”. Diz Allah no Alcorão: “TODO SER PROVARÁ O SABOR DA MORTE. NÓS VOS EXPERIMENTAMOS COM O MAL E O BEM PARA VOS POR A PROVA E SEREIS TRAZIDOS ATÉ NÓS”. (21: 35) Assim, todas as circunstâncias, alegrias, tristezas, triunfos e fracassos são aspectos desta prova que é sucedida pelo retorno a Allah. O fim de todas as medíocres expectativas desta vida terrena, de todas as rivalidades e vaidades, distinções, ambições e posses é seguido da confrontação consigo mesmo; com a realidade maior que se descortina com a morte, onde todas as máscaras caem e só resta aquilo que somos e fizemos. Ao descrente e ao iníquo esta confrontação é mais dolorosa. Evidencia o Alcorão: “SE PUDESSES VER OS INÍQUOS NA AGONIA DA MORTE QUANDO OS ANJOS COM AS MÃOS ESTENDIDAS LHE DISSEREM: ENTREGAI VOSSAS ALMAS! HOJE, SER-VOS-Á INFLIGIDO O CASTIGO AFRONTOSO POR HAVEREM DITO MENTIRAS ACERCA DE ALLAH E POR HAVERDES SE ENCHIDO DE SOBERBA DIANTE DE SEUS VERSÍCULOS.” (6 : 93) Tanto quanto a vida terrena, no que se refere a sua realidade física é o efeito do que foi concebido na vida intra-uterina, o estado do homem após a morte é o resultado do que tenha realizado na vida terrena. O estado de consciência em que tenha deixado este mundo será o estado em que se encontrará ao adentrar a dimensão do Barzakh (limbo). Diz Allah no Alcorão: “… E ANTE ELES HAVERÁ UMA BARREIRA QUE OS DETERÁ ATÉ O DIA EM QUE FOREM RESSUCITADOS”. (23: 99 e 100) BARZAKH é a denominação desta dimensão intermediária, desta nova realidade que se revela com a morte física. Nesta nova realidade, além dos limites físicos, a natureza e os valores das coisas são inteiramente diversos a este mundo. Nesta dimensão que antecede o Akhirah impera a escuridão e toda luz que pode ser conduzida para lá é a resultante do IMAN (FÉ) e das ações consoantes a ele que o humano realizou neste mundo. Se este Imán (fé) no momento da morte estiver firmemente estabelecido no coração, e se for fundamentado no que Allah revelou (FÉ MONOTEÍSTA) e no conhecimento quanto a profecia (conhecimento do último profeta enviado a humanidade) e baseado em ações dignas e consoantes a Lei Divina, este Imán será a luz de seu portador nas sombras do Barzakh. A intensidade desta luz corresponderá ao grau de consciência e de integridade desta fé. Um sábio dentre os Sufyyah escreveu que existem 5 espécies de escuridão e para cada uma delas há uma luz específica: “A escuridão do amor mundano, a luz para isto é o temor, a PIEDADE (TEMOR A ALLAH), a escuridão do pecado, a luz para isto é o arrependimento, a escuridão do Qabr (túmulo), a luz para isso é o kalima sagrado (axhadu an la iláha illa llah wa axhadu anna Mohammad rasulullah ), o além é escuridão, a luz para ela são as boas ações, o Sirat (ponte sobre o inferno) é escuridão, a luz para ela é o Imán (fé)”. Decerto que um Imán (fé) que não seja forte o bastante para fazer o seu portador estabelecer o Sallah corretamente sem negligenciar o seu tempo correto, cumprir o zakat, consagrar o Jejum de Ramadã, abster-se do ilícito e empenhar-se no bem e na caridade, não será luz suficiente para o momento da morte e a escuridão do além. Mesmo no instante da morte, a força do Imán se manifestará ou não, segundo o modo como foi conduzido no decorrer da vida e certamente uma fé que não tenha sido forte durante a vida neste mundo, não o será também no momento final. De fato, este processo de desenlace depende do grau de consciência adquirido em vida, da qualidade da fé e do estado espiritual da pessoa. A intensidade do sofrimento e da dificuldade no momento da morte é definida por esses fatores. Evidencia o Alcorão: “ELE É O SOBERANO ABSOLUTO SOBRE SEUS SERVOS E ENVIA ANJOS CUSTÓDIOS ATÉ QUE A MORTE CHEGUE A ALGUM DE VÓS, ENTÃO NOSSOS MENSAGEIROS ANGELICAIS RECOLHEM A ALMA, SEM DESCUIDAR-SE DE NADA.” (6: 61) E ainda: “QUANDO ALCANÇA (A ALMA) A GARGANTA E VÓS ENTÃO FICAIS PERPLEXOS A OLHAR E AINDA QUE NÃO NOS VEJAIS, ESTAMOS MAIS PERTO DELE QUE VÓS…” (56: 83 e 84) A alma é retirada pelos anjos e quando o corpo desce ao túmulo inicia-se um interrogatório em que é inquirida sobre ALLAH, O DÍN, O MENSAGEIRO DE ALLAH, O LIVRO (ALCORÃO) E O IMAM DE SUA ÉPOCA. O muçulmano virtuoso que tenha deixado o mundo com uma fé íntegra terá lucidez para responder satisfatoriamente estas questões. O descrente, o que tenha morrido em estado de ignorância, o hipócrita, o muçulmano que tenha cometido pecados graves sem ter se arrependido ou que tenha negligenciado suas obrigações para com ALLAH, se encontrarão em profundo embaraço e não conseguirão responder a estas questões. Deste interrogatório resultará a condição em que a alma se encontrará até o Dia do Juízo, se em paz e bem-aventurança ou em sofrimento, aflição e trevas. QABR (túmulo) é uma denominação genérica, não apenas um lugar físico como em nossa dimensão. Mesmo no caso de um corpo cremado, desaparecido nas águas, despedaçado por feras a alma ocupa um lugar no Barzakh ao qual denominamos Qabr e sua capacidade de compreensão e seus sentidos permanecem. Como uma criança que ao nascer pouco compreende do que está a sua volta, a alma tem um período variável de entorpecimento próprio do processo de transição (o modo como a morte se opera possui considerável influência nesse processo). Nesta dimensão intermediária, o alcance da percepção das almas varia tanto quanto os estados de sono e a natureza dos sonhos do seres humanos nesta vida. Com os sentidos permanecem as sensações de prazer e dor, calma e desespero, calor e frio. Os que deixaram este mundo com um Imán (fé) sincero e correto e deixaram para trás ações condignas, gozarão de serenidade e luz, os que morreram desprovidos de fé ou com uma fé equivocada ou com transgressões graves sofrerão as terríveis aflições do Qabr e serão oprimidos pela escuridão. Estágios de consciência ou estágios de inconsciência espiritual, forte condicionamentos e expectativas na vida física, apegos a ideias ou sensações vividas, elos mentais ou emocionais, presença ou não, no coração espiritual de uma pessoa, de energia espiritual proveniente da oração ou do Dhikr (recordação de Allah), esses e muitos outros elementos determinam o estado em que as almas se encontram nesta dimensão. Evidencia o Alcorão: “ALLAH DARÁ FIRMEZA AOS QUE CRÊEM COM A PALAVRA FIRME, NESTE MUNDO E NA VIDA FUTURA.” (14: 27) Os que creem e buscam sinceramente obedecer a ALLAH são cobertos pela misericórdia divina e protegidos dos tormentos. Nas tradições atribuídas ao Profeta (saas) consta que o Imán, o Sallah, o Jejum, o Zakat, o Dhikr, a recitação do Alcorão e todas as boas ações do Muçulmano tornam-se seus guardiões no Qabr. Se em linhas gerais, é possível traçar um quadro dessa realidade metafísica, é muito difícil definir com precisão os múltiplos estados possíveis em que os que deixam este mundo se encontram na dimensão do Barzakh. A multiplicidade de fatores que determinam estes estados também não podem ser de todo compreendidos. Tal conhecimento, em muitos de seus aspectos, está além da compreensão comum da grande maioria de nós. O que podemos ter em mente como uma idéia suficientemente adequada é que a realidade metafísica possui uma natureza que foge dos limites que conhecemos do tempo e do espaço, e que as sensações oníricas (os estados de sono e o que conhecemos como sonhos) se assemelham a algo da realidade metafísica existente no Barzakh. Falsas Noções Sobre a Vida após a Morte. As questões até aqui abordadas em todos os tempos suscitaram a inquietação e inumeráveis teorias entre os seres humanos. Muito embora Allah tenha concedido o Conhecimento correto a seus Mensageiros para que orientassem os povos sobre todas as questões da vida humana, a humanidade na maioria das vezes negligenciou a orientação divina e abraçou crenças forjadas e teorias sem fundamento sobre esses temas. Desde o início dos tempos Xaitan e seus seguidores dentre os gênios e os humanos propagaram falsas concepções e crenças que com o decorrer do tempo imprimiram-se fortemente em todas as sociedades, distorcendo mesmo o conhecimento revelado. As principais falsidades propagadas sobre o além foram a teoria da reencarnação e a crença em uma possível comunicação com os mortos; ambas, de origem pagã. A teoria da reencarnação advoga que a alma ao deixar este mundo retorna a ele em outro corpo, tal processo se repetiria sucessivas vezes, o que alguns dos que defendem esta teoria justificam como sendo um processo de evolução da alma. Esta crença tornou-se comum entre os povos antigos à medida que se afastaram do MONOTEÍSMO original e caíram na ignorância espiritual, na idolatria e nas práticas mágicas. Esta teoria se opõe a MENSAGEM DOS PROFETAS (o DÍN), pois todos os mensageiros de Allah e todas as escrituras divinamente reveladas afirmam claramente que: Allah decretou ao homem uma vida terrena, a morte física, a ressurreição no dia do Juízo, o julgamento e o destino eterno (akhirah) seja no paraíso ou no inferno. A teoria da reencarnação por sua vez desmente os profetas de ALLAH, tenta ludibriar o homem quanto a realidade do Akhirah, dando-lhe falsas esperanças e desviando-o da Orientação Divina. Nos últimos 150 anos, os defensores da reencarnação no ocidente têm tentado sem sucesso, provar a veracidade de sua crença se apoiando em pesquisas científicas. O fato, porém, é que nenhum cientista sério jamais corroborou tal teoria, o que alguns tentam justificar como provas de reencarnação é na verdade a constatação de uma outra teoria amplamente aceita pela ciência que é a herança genética. Os avanços das pesquisas sobre herança genética tendem a desmascarar as pretensões dos defensores da reencarnação. Quanto a crença numa possível comunicação com as almas dos mortos, também se originou do ideário pagão nos tempos antigos e incorporou-se a crença popular européia no final do séc. XIX sob o nome de Kardecismo. O fundador deste movimento buscou revestir as antigas práticas pagãs de um caráter cristão, entretanto NEM NAS ESCRITURAS E NEM NOS DIZERES ATRIBUÍDOS A JESUS OU A QUALQUER OUTRO PROFETA É POSSÍVEL ENCONTRAR QUALQUER APOIO A ESSA CRENÇA. Na verdade nenhum dos autênticos mensageiros de ALLAH jamais praticou ou recomendou qualquer prática desse tipo. Mas a questão é: podem os mortos se comunicar com os vivos? No Barzakh, a alma pode ouvir e mesmo ver (se lhe for permitido) tudo o que provém do mundo terreno. Em variados níveis de consciência a alma pode estar ciente do estado em que se encontram seus parentes no mundo físico. Porém, a alma não pode transpor os limites da dimensão em que se encontra. O que explica os inúmeros e corriqueiros fenômenos de suposta comunicação e que tais fenômenos são operados não pelas almas dos mortos, mas sim, pelos gênios a serviço de Xaitan que utilizam este estratagema para ludibriar e manipular os humanos neste mundo. Esses seres fazem uso de seus poderes de mistificação para se fazerem passar por pessoas já falecidas. Nas tradições consta que o Mensageiro de Allah tenha dito: “Todo humano desde o seu nascimento tem a acompanhá-lo um gênio maligno (a serviço de Xaitan) que conhece todos os seus segredos, pois circula nele como o sangue em suas veias”. Com a morte dessa pessoa, Xaitan eventualmente usa desse artifício para iludir e criar falsas esperanças nos demais usando o que conhece acerca do falecido, pois sua missão e objetivo é desviar e forjar falsas crenças sobre o invisível e o Din. Ganhando a confiança dos incautos, ele propaga crenças como a reencarnação, a inexistência do dia do Juízo, do paraíso e do inferno, fazendo com que desmintam Allah e seus profetas. É precisamente esta oposição ao que foi revelado por Allah a seus profetas e mensageiros o objetivo de Xaitan na propagação dessas falsas crenças. Com efeito, ao negar o dia do juízo, a ressurreição e a existência do paraíso e do inferno os que adotam crenças como o espiritismo se tornam descrentes renegando a Verdade revelada trazida por todos os profetas (as). Ademais, a própria razão para uma suposta comunicação entre os vivos e os mortos levanta uma questão: se a verdade e a orientação divina fosse comunicada por esse meio, então afinal, para que Allah teria enviado os profetas e mensageiros para viverem como homens entre os homens, enfrentarem todo o tipo de vicissitudes e perseguições? Decididamente não há como harmonizar a Mensagem revelada aos profetas com a doutrina espírita. Em alguns casos, Xaitan opera curas e previsões para sustentar a autenticidade de tais fenômenos, iludindo multidões. Algumas dessas manifestações nada mais são do que estados alterados da consciência humana (transes) em que o inconsciente individual do médium entra em contato com o inconsciente coletivo (onde estão registradas as impressões mentais e metafísicas). Em nenhum dos dois casos há de fato uma comunicação com as almas dos mortos. Tais fenômenos nada mais são do que a habilidade de Xaitan em iludir o ser humano. Para por fim, induzi-lo a morrer num estado de descrença e ignorância da realidade espiritual. Consequentemente, aquele que deixa este mundo com essas crenças será considerado no mundo vindouro e no dia do juízo como um descrente, um seguidor de Xaitan e como tal, suas obras serão reduzidas a nada e será atirado no inferno. Diz o Altíssimo no Alcorão: “DIZE-LHES: QUEREIS QUE VOS INTEIRE DE QUEM SÃO OS MAIS DESMERECEDORES POR SUAS OBRAS? SÃO AQUELES CUJOS ESFORÇOS SE DESVANECERAM NA VIDA TERRENA, NÃO OBSTANTE CREREM TER PRATICADO O BEM. ESTES SÃO OS QUE RENEGARAM OS VERSÍCULOS DE SEU SENHOR E O COMPARECIMENTO ANTE ELE; ASSIM SUAS OBRAS TORNARAM-SE NULAS E NÃO LHES RECONHECEREMOS MÉRITO ALGUM NO DIA DA RESSURREIÇÃO. SUA MORADA SERÁ O INFERNO POR SUA DESCRENÇA E POR TEREM ESCARNECIDO MEUS VERSÍCULOS E MEUS MENSAGEIROS”. (18:103 a 106). Palavras Finais. Diz Allah, O Poderoso, no Alcorão: “AQUELES QUE NÃO ESPERAM NOSSO ENCONTRO APRAZEM-SE COM A VIDA TERRENA CONFORMANDO-SE COM ELA E NEGLIGENCIAM NOSSOS VERSÍCULOS”. (10: 7). Dia após dia, convivemos com a morte a nossa volta. Os noticiários, as catástrofes, a perda de nossos parentes, vizinhos e amigos e de fato, pouco ou quase nada meditamos sobre isso. Em nossa escala de valores e prioridades quase sempre a diversão, o trabalho por nossos bens ocupam os primeiros lugares, ainda que o LIVRO DE ALLAH e os exemplos dos profetas (as) e dos Imames (as) sejam evidências de uma realidade que transcende as nossas medíocres expectativas quanto a esta vida. É relatado nos ahadith que o Mensageiro de Allah (saas) tenha dito: “Os sensatos e os nobres são os que mais recordam a morte e estão constantemente a preparar-se para o seu encontro”. Cada novo dia é uma preciosa oportunidade para que nos empenhemos nas boas ações, para que nos examinemos cuidadosamente a fim de rejeitar as más inclinações e nos aproximarmos dos princípios do Din. Queira Allah que este modesto trabalho seja de valia aos muçulmanos e muçulmanas nesse sentido, para que fortaleçam seu din em busca das melhores recompensas nesta vida e na vida futura”. Allahuma Salli Ala Mohammad Wa Ali Mohammad. www.arresala.org.br. Abraço. Davi.

quinta-feira, 25 de março de 2021

QUADRO DO INFERNO PAGÃO

 

Espiritismo. www.espirito.org.br. www.espirito.org.br. Texto de Allan Kardec (1804-1869). QUADRO DO INFERNO PAGÃO. 9. Tudo o que conhecemos a respeito do inferno pagão está nas descrições dos poetas, principalmente de Homero e de Virgílio. Por serem descrições poéticas, têm uma limitação quanto à forma. A descrição de Fénelon, em Telêmaco, embora se prenda à mesma fonte quanto às crenças fundamentais, tem a simplicidade mais precisa da prosa e não da poesia. Descrevendo o aspecto lúgubre dos lugares, ressalta o tipo de sofrimento que os culpados suportam e se estende bastante sobre o destino dos maus reis, tendo em vista a instrução de seu aluno real. Por mais popular que seja sua obra, muitas pessoas, sem dúvida, não se lembram ou não refletiram suficientemente sobre ela. Daí reproduzirmos aqui algumas partes, que têm relação direta com o assunto que nos interessa, ou seja, aquelas partes que tratam mais especificamente da penalidade individual. 10. “Entrando, Telêmaco ouviu gemidos inconsoláveis de uma pessoa, que era apenas uma fraca imagem, uma sombra. Qual é – disse ele – seu sofrimento? Quem foi você na Terra? – Eu era Nabofarzan (século VII AC), rei da soberba Babilônia – respondeu a sombra. Todos os povos do Oriente tremiam só de ouvir meu nome. Os babilônicos me adoravam em um templo de mármore, onde eu era representado por uma estátua de ouro, diante da qual se queimavam dia e noite os perfumes da Etiópia. Jamais alguém ousou me contradizer, sem ser punido. A cada dia, inventavam novos prazeres, para tornar minha vida mais deliciosa. Eu era jovem e forte. Oh! Tristeza! Quanta prosperidade eu teria ainda para desfrutar em meu trono! Mas uma mulher que eu amava e que não me amava me fez sentir que eu não era deus: me envenenou e agora não sou mais nada. Ontem, com toda a pompa, colocaram minhas cinzas em uma urna de ouro. Choraram, arrancaram os cabelos, pareciam querer se jogar nas chamas de minha fogueira, para morrer comigo. Vão ainda se lamentar, diante do soberbo túmulo em que depositaram minhas cinzas. Mas ninguém tem pena de mim. Minha lembrança é um horror até mesmo para minha família, e aqui embaixo sofro um tratamento horrível. “Telêmaco, impressionado, perguntou: Você era verdadeiramente feliz, durante seu reinado? Sentia essa doce paz, sem a qual o coração fica apertado e murcho, em meio às delícias? – Não, respondeu o babilônico. Eu nem mesmo sei o que você quer dizer. Os sábios falam dessa paz como um bem único, que eu nunca senti. Meu coração estava sempre agitado por novos desejos, de fé e de esperança. Eu tratava de me aturdir, pelo abalo de minhas paixões, de alimentar essa embriaguez, para torná-la contínua: o menor intervalo de razão tranquila me era muito amargo. Esta é a paz que eu desfrutei. Qualquer outra me parece uma fábula e um sonho. Estes são os bens por que lamento. “Assim falando, o babilônico chorava como um homem enfraquecido pela prosperidade e que não está de forma alguma acostumado a suportar uma constante infelicidade. Tinha a seu lado alguns escravos, mortos para honrar seus funerais. Mercúrio os tinha entregue a Caronte, com seu rei, a quem serviram na Terra e sobre o qual lhes dera um poder absoluto. Estas sombras de escravos não têm mais medo da sombra de Nabofarzan e a mantêm acorrentada, submetendo-a às mais cruéis indignidades. Todos lhe diziam: não éramos homens tanto quanto você? Como você foi tão insensato em se acreditar um deus? Não seria necessário lembrá-lo de que você era da mesma etnia que os outros homens? Outro, para insultá-lo, dizia: você tinha razão em não querer ser considerado como um homem, porque você era um monstro, sem humanidade. Outro dizia: Está bom!!! Onde estão agora seus bajuladores? Você não tem nada a dar, infeliz! Você não pode mais fazer nenhum mal, é escravo de seus próprios escravos, os deuses demoram, mas fazem justiça. “Diante de tão duras palavras, Nabofarzan batia o rosto contra o chão, arrancando os cabelos, em um acesso de raiva e desespero. Mas Caronte incentivava os escravos: arrastem-no pela corrente, levantem-no, contra sua vontade, ele não terá nem mesmo a consolação de esconder sua vergonha. É preciso que todas as sombras do Estige sejam testemunhas, para justificar aos deuses, que por tanto tempo suportaram que este ímpio reinasse sobre a Terra. “Em seguida, ele percebe a seu lado o negro Tártaro, de onde saía uma fumaça negra e espessa, cujo cheiro horrível mataria qualquer ser vivo que dela se aproximasse. Essa fumaça cobria um rio de fogo, com turbilhões de chamas, que pareciam aquelas correntes impetuosas que se lançam dos mais altos rochedos ao fundo dos abismos, fazendo um barulho tão grande, que não se podia ouvir claramente qualquer outra coisa naquele infeliz lugar. “Telêmaco, secretamente animado por Minerva, entra, sem medo, naquele abismo. De início, vê um grande número de homens que tinham vivido nas mais humildes condições e eram punidos por ter procurado riquezas, por meio de fraudes, traições e crueldades. Aí notou muitos ímpios hipócritas que fingiram ser religiosos e usaram a religião como um belo pretexto para satisfazer sua ambição e para se aproveitar de pessoas crédulas. Esses homens, que abusaram da própria virtude, o maior dom dos deuses, eram punidos como os piores de todos. Os filhos que haviam degolado seus pais; as esposas que mancharam as mãos no sangue dos maridos; os traidores que tinham vendido a pátria, violando todos os juramentos, sofriam, apesar de tudo, penas menores que aqueles hipócritas. “Os três juízes do infernais assim o queriam, por esta razão: os hipócritas não se contentam com ser maus como os demais ímpios, porém querem passar por bons e concorrem por sua falsa virtude para a descrença e corrupção da verdade. Os deuses de que eles se aproveitaram e que tornaram desprezíveis para os homens têm prazer em empregar toda sua força, para se vingar dos insultos que receberam. “Ao lado daqueles, aparecem outros homens, que normalmente quase nem se julgariam culpados, mas que os deuses perseguiam sem piedade: são os ingratos, os mentirosos, os aduladores que louvaram o vício, os críticos malévolos, que denegriram a mais pura virtude. Enfim, aqueles que julgaram temerariamente as coisas, sem conhecê-las a fundo, manchando, assim, a reputação de inocentes. “Telêmaco, vendo os três juízes sentados, condenando um homem, ousou perguntar-lhes quais seriam seus crimes. Imediatamente, o condenado gritou: eu jamais fiz qualquer mal, sempre tive prazer em fazer o bem, fui magnânimo, liberal, justo, piedoso, de que podem me acusar? Então, Minos lhe disse: Nada o reprova, sob o ponto de vista dos homens, mas você não devia mais aos deuses que aos homens? De qual justiça se vangloria? Você não faltou a nenhum dever, com relação aos homens, que nada são. Foi virtuoso, mas creditou toda sua virtude a você mesmo e não aos deuses, que lhe deram essa virtude. Queria aproveitar os frutos de sua própria virtude e fechar-se sobre si mesmo: você foi sua própria divindade. Mas os deuses, que tudo fizeram, e tudo fizeram para si mesmos, não podem renunciar a seus direitos. Você os esqueceu, eles o esquecerão, o deixarão entregue a si mesmo, já que você quis ser só você mesmo, sem eles. Procure, então, agora, se puder, a consolação dentro de seu próprio coração. Veja-se agora, separado dos homens que você sempre quis agradar. Veja-se sozinho consigo mesmo, já que você era seu próprio ídolo, aprenda que não há nenhuma verdadeira virtude, sem respeito e amor pelos deuses, a quem você tudo deve. Sua falsa virtude, com que, por muito tempo, você deslumbrou homens fáceis de enganar, vai ser destruída. São cegos – quanto ao bem e quanto ao mal – os homens que julgam os vícios e as virtudes, apenas pelos aspectos que lhes agradam ou incomodam. Aqui, uma luz divina joga por terra todos os seus julgamentos superficiais: muitas vezes, condena o que eles admiram e justifica o que condenam. “Ouvindo tais palavras, o filósofo, como se tivesse sido atingido por um raio, quase não podia se segurar. Transformou-se em desespero a complacência com que ele tinha outrora contemplado sua moderação, coragem e inclinações generosas. Sentir o próprio coração, inimigo dos deuses, se tornou um suplício. Não consegue deixar de olhar a si mesmo, vê a presunção dos julgamentos dos homens, aos quais quis agradar com todos seus atos. Opera-se uma revolução completa em seu interior, como se fossem revolvidas todas suas entranhas. Não se reconhece, não encontra força no coração. Sua consciência, que lhe parecia tão serena, revolta-se contra ele e o repreende amargamente o desvio do caminho e a ilusão de todas as suas virtudes, que nunca tiveram como princípio ou como fim o culto da divindade. Fica perturbado, consternado, cheio de vergonha, remorso e desespero. As Fúrias não o atormentavam mais, porque era suficiente ele ter se voltado para si mesmo, para que seu próprio coração vingasse muitas vezes os deuses desprezados. Não podendo se esconder de si mesmo; procura os lugares mais sombrios, para se esconder dos outros mortos. Procura as trevas e não as encontra, porque uma luz inoportuna o segue por toda parte. Em todos os lugares, raios penetrantes vingam a negligência que ele teve para com a verdade. Tudo o que ele amou se torna odioso, como se fosse a fonte de seus males, que nunca terminarão. E ele se lamenta: Ó insensato que fui: nunca conheci nem os deuses, nem os homens nem a mim mesmo! Nada conheci, já que nunca amei um único e verdadeiro bem, todos os meus passos foram desvios, minha sabedoria era apenas loucura, minha virtude, um orgulho ímpio e cego. Eu era o meu próprio ídolo! “Finalmente, Telêmaco avistou os reis que estavam sendo condenados, por terem abusado do poder. De um lado, uma Fúria vingativa lhe mostrava um espelho, que refletia toda a deformidade de seus vícios. Sem poder desviar os olhos, viam a própria vaidade grosseira e ávida de ridículas bajulações; a dureza que tiveram para com homens a quem deveriam ter feito felizes; a insensibilidade para com a virtude, o medo de compreender a verdade e a predileção pelos fracos e bajuladores. Contemplavam sua desatenção, moleza, indolência, sua desconfiança, o fausto e a magnificência, baseados na ruína dos povos; sua ambição para comprar um pouco de glória inútil, à custa do sangue dos cidadãos. Enfim, sua crueldade, que procura novos prazeres a cada dia, nas lágrimas e desespero de tantos infelizes. Vendo-se no espelho, sentiram- -se mais monstruosos do que a Quimera, vencida por Belerofonte, que a Hidra de Lerna, abatida por Hércules. Mais até que Cérbero, mesmo que este vomitasse por suas três goelas um sangue negro e venenoso, capaz de infectar toda a raça de mortais da Terra. “Ao mesmo tempo, do outro lado, outra Fúria lhes repetia, com insultos, todos os elogios que seus bajuladores lhes tinham dito durante a vida e lhes mostrava outro espelho, em que eles se viam como seriam, com todas as adulações com que eram retratados. A oposição dessas duas pinturas, tão diferentes, era o suplício para suas vaidades. Note-se que os piores entre esses reis eram os que mais bajulações tinham recebido durante a vida. Por isso, os piores são mais temidos do que os bons e exigem, sem vergonha, as covardes adulações dos poetas e oradores. “Eles gemem, nas trevas profundas, onde só percebem os insultos e zombarias que sofrem. Nada ao redor lhes dá algum repouso, nada que ão os contradiga ou confunda, em relação ao que viveram na Terra, onde pretendiam que tudo se fizesse para servi-los. Naquelas profundezas, são entregues a todos os caprichos de alguns escravos, a quem devem devotar uma cruel subserviência. Submetem-se dolorosamente, sem qualquer esperança de amenizar seu cativeiro. Ficam à mercê de seus escravos, que se transformaram em seus tiranos impiedosos, como uma bigorna, sob as marteladas dos Cíclopes, quando Vulcano os apressa para trabalhar, nas fornalhas ardentes do Monte Etna. “Telêmaco viu rostos pálidos, hediondos e consternados. Uma tristeza negra corrói esses criminosos, que têm horror de si mesmos, de que não podem se livrar, porque não podem se livrar de sua própria natureza. Não precisam de outros castigos para seus erros, que esses próprios erros, que enxergam sem parar, com toda sua enormidade, como espectros horríveis, os perseguem. Para se livrarem, procuram uma morte mais poderosa do que a que os separou de seus corpos. Em seu desespero, pedem o socorro de uma morte que apague também todos seus sentimentos e conhecimentos. Pedem aos abismos que os engulam, para se livrarem dos raios da verdade que os perseguem. Mas o que lhe está reservada uma vingança, que destila gota a gota, sem jamais acabar. A verdade que eles temem ver é seu suplício. Mas essa verdade é a única coisa que conseguem ver. Ela se lança sobre eles, sua vista se fere, se despedaça e os arranca de si mesmos. Como um raio, sem nada destruir ao redor, penetra-lhes no fundo das entranhas. “Entre esses seres, que lhes faziam arrepiar os cabelos, Telêmaco viu muitos antigos reis da Lidia, punidos por terem preferido os prazeres de uma vida indolente ao trabalho de amenizar a vida dos povos, que deve ser inerente à realeza. “Esses reis, em sua cegueira, se recriminavam reciprocamente. Um dizia ao outro, que fora seu filho: Eu não lhe recomendei, muitas vezes, durante minha velhice e antes de minha morte, que reparasse os males que causei com minha negligência? – Ah, infeliz pai – dizia o filho – foi você que me perdeu! Foi o seu exemplo que me inspirou o fausto, o orgulho, a voluptuosidade e a dureza para com os homens! Vendo-o governar com tanta incúria, rodeado de frouxos bajuladores, me acostumei a gostar de adulação e de prazeres. Acreditei que, para os reis, os homens eram para os reis o que os cavalos e outras bestas de carga são para os homens: animais que só servem para prestar serviços e comodidades. Você me fez acreditar em tudo isso e, agora, sofro tanto, por tê-lo imitado. E acrescentavam terríveis maldições a essas recriminações, como que possuídos de raiva bastante, para que se dilacerassem uns aos outros. “Ao redor desses reis, ondulavam ainda, como aves noturnas de rapina, as cruéis suspeitas, os inúteis receios e as desconfianças, que vingam os povos, pela dureza de seus reis. E também a fome insaciável de riquezas, a falsa glória, sempre tirânica, e a lassidão que duplica todos os males que sofrem, sem compensação de prazer. “Viam-se muitos desses reis severamente punidos, não por males que tivessem praticado, mas por terem negligenciado o bem que deveriam ter feito. Todos os crimes dos povos, provindos da negligência em obedecer as leis, eram imputados aos reis, que só devem governar para que as leis exerçam seu ministério. Eram-lhes imputadas também todas as desordens que vieram do fausto, do luxo e de todos os outros excessos, que levam o homem a estados violentos, com a tentação de desprezar as leis para adquirir um bem. Tratavam-se com muito rigor os reis que, em vez de serem bons e vigilantes pastores de seus povos, apenas cuidaram de devastar o rebanho como lobos famintos. “Mas o que mais entristeceu Telêmaco foi ver, neste abismo de trevas e de males, um grande número de reis que tinham sido considerados muito bons na Terra e que eram condenados, por se deixarem influenciar por homens maus e ardilosos. Eram punidos pelos males que tinham permitido fazer em nome de sua autoridade. Além disso, muitos desses reis eram tão fracos, que não tinham sido nem bons nem maus. Não tiveram medo de não conhecer a verdade, não tiveram o menor interesse pela virtude e nem o menor prazer de praticar o bem”. Livro O Céu e o Inferno. www.espirito.org.br. Abraço. Davi

quarta-feira, 24 de março de 2021

O SUSPIRO DA MÃE TERRA

 

Editor do Mosaico. O SUSPIRO DA MÃE TERRA. “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a. Dominai (...) pela Terra”. Gênesis 1,28. Esse versículo traduzido da Septuaginta judaica – versão do Antigo Testamento – realizada por 72 rabinos provavelmente na Biblioteca de Alexandria (Egito) no final do século III e início do II antes de Cristo. Traduzido para Vulgata – Bíblia latina – efetuada por São Jerônimo (347-420). Segundo hermeneutas e exegetas das Escrituras Sagradas o verbo dominar, usado nesse contexto não se harmoniza com a criação no sentido de dependência, sintonia e conexão. Vemos nos primeiros versículos do Gênesis que no princípio Deus criou céu e Terra. A Terra não tinha forma e estava vazia. Mas o Espírito de Deus pairava pelas águas. Esse era o caos. Com a autoridade da Palavra, Deus fez aparecer a luz. Após separou a luz das trevas. A primeiro virou dia e o segundo transformou em noite. A seguir separou as águas de cima das águas de baixo. Fazendo aparecer a porção seca, os oceanos e mares. Tudo em perfeita consonância e sinergia física e espiritual. Aí surgiram as relvas, ervas, plantas e árvores. Após os grandes luzeiros apareceram. Sol, lua e estrelas. Animais marinhos, peixes e outras criaturas dos oceanos vieram. Também os bichos terrenos. Em cada um destes dias Deus disse bom, ao final deles. Já no sexto dia, quando criou o homem a sua imagem e semelhante, exclamou: muito bom. Parece claro no relato que, mesmo o homem tendo preeminência sobre a criação, não é colocado na posição de supremo e absoluto ditador. Na prerrogativa de fazer ou desfazer da ordem estabelecida por Deus. Usando e destruindo a natureza – fauna e flora a seu bel prazer. Com fins egoístas e de supremacia econômica e consumista. Ele deveria trabalhar em consonância com todos os seres para o desenvolvimento e preservação das criaturas viventes. Além das vegetações, rios, mares e oceanos. A visão de mundo do erudito católico mantinha a supremacia e potencialidade do homem sobre todos os seres. A criação seria subserviente aos interesses humanos podendo ser explorada a exaustão e destruída a qualquer momento. Também uma crendice milenar dizia que ela se restauraria periodicamente, voltando a seu estado original. Isso é falso desde o início da Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XVIII. O aquecimento global está aí para confirmar esse fato. Milhões de toneladas de monóxido de carbono, gás venenoso emitido pelas variadas indústrias mundiais. Destruindo a camada de ozônio, proteção natural da atmosfera terrestre, preservando animais, plantas e seres humanos dos raios ultravioletas emitidos pelo Sol. Provocando poluição do ar nas cidades e chuvas ácidas em várias regiões do globo. Os últimos acontecimentos ocorridos no planeta, demonstraram claramente que a Mãe Terra clama por socorro. Nós humanos por ignorância, propositalmente, ambição econômica - materialista e política a golpeamos mortalmente. Agora precisamos da cooperação de todos os seus habitantes para curá-la e restituir-lhe a beleza e formosura da criação original. Biomas (vegetações) em todo mundo estão sendo destruídos para fins comerciais. As fiscalizações ineficientes, multas desobrigadas de pagamento e legislações que facilitam o conluio.  Empresários do agronegócio devastam grandes áreas para plantio de monocultura – soja, milho, trigo e outras. Assoreando estas regiões para uma possível desertificação. Pouco apoio, os governos dão, à cooperativas familiares de alimentos que produzem sem agrotóxico. Essas preservam o ambiente de cultivo e suas matas ciliares. Ano passado foi terrível para o Planeta. No Brasil tivemos as queimadas na Floresta Amazônica. O “pulmão do mundo” ardeu em chamas. Quase 30 por cento da atual área foram destruídas. Um clamor mundial foi levantado por alguns países à que se tomasse providência. Infelizmente a política atual do Brasil quanto a diminuição do efeito estufa – concentração de gases tóxicos que permitem a passagem de raios solares e absorção de calor –  vai na contramão do mundo. O país não participou da cúpula do clima organizado pela ONU em 2019, simplesmente por não mostrar interesse quanto ao tema – aquecimento global. O governo brasileiro despreza as mudanças que estão ocorrendo quanto à matriz energética. Em poucos anos, os combustíveis fósseis – carvão mineral, gás natural e petróleo – serão substituídos pelas fontes alternativas de energia – vento, álcool, elétrica e outras. O chamado crédito de carbono será usado como moeda. Representa a não emissão de tonelada de carbono na atmosfera. Os bônus serão emitidos pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O Pantanal Mato-grossense também foi severamente afetado pelas chamas em nossos país. Milhares de hectares de florestas foram consumidas pelo fogo. A Mata Atlântica e o Cerrado igualmente foram atingidos, mas felizmente em menores proporções. Nos Estados Unidos da América as queimadas afetaram o estado da Califórnia. Grande parte da Floresta estadual foi destruída pelas chamas. Milhares de casas foram queimadas e mortos foram encontrados devido ao fogo. Lembrando que nesses desastres ambientais muitos animais são mortos, além de plantas, arvores raras centenárias e nascentes de água desaparecem. A Austrália passou pelo maior desastre ambiental de sua história. Sua Floresta Tropical Gondwana, centena de anos mais antiga que a brasileira, foi terrivelmente afetada por queimadas ano passado. Esses incêndios diferem em relação ao do Brasil, pois foram causados por ventos fortes, temperaturas elevadas e vegetação seca. Três milhões de hectares de florestas foram queimados – quase 30 por cento do que existia. O pior incêndio florestal dos últimos anos no “continente australiano”. As temperaturas chegaram aos incríveis 46 graus. Diretamente ocasionado pelo aquecimento global. Na Índia as geleiras do monte Himalaia estão se desfazendo rapidamente. A consequência são as grandes inundações provocadas. Mais perigoso ainda são que milhares de nascente desaparecerão. Os principais rios do país Hindu e Ganges terão seu fluxo de água fortemente comprometidos. Os dois rios são o coração da Índia. Se nada for feito, milhões de indianos, terão dificuldades quanto a água potável em curto espaço de tempo além, claro, da fome extrema. Inacreditável imaginar que esse rio sagrado, para a milenar religião indiana, corre sério risco de desaparecer. Países inteiros poderão ser engolidos por mares e oceanos. Exemplos: Ilhas Maldivas, Seychelles, Polinésia Francesa, Tuvalu, Kiribati, Holanda e Bélgica. As atuais atividades vulcânicas na Islândia – no Oceano Atlântico Norte –  têm correspondência com fatos que mencionamos. Oito mil abalos sísmico foram sentidos nos últimos meses na ilha. A grande quantidade de vulcões preocupa os cientistas, que alertaram para provável perigo em relação a península de Reykjanes. Pior cenário fluxo de larva em direção a Grindavik. Chance de inúmeros problemas no aeroporto e na região metropolitana da capital Reyjavik a capital islandesa. Nesse cenário preocupante se acrescenta a pandemia global. Os números de casos do covid-19 no mundo são impressionantes chegando a marca de 121.882.440. Igualmente o número de mortes é assustador sendo de 2.692.608. Atualmente o Brasil é o segundo país com mais mortes no mundo com a assustadora cifra de 290.314 mortes e 2.815 óbitos diários. Foram 11.871.390 pessoas contaminadas pelo covid-19. Enfrentamos o segundo ano da Pandemia e seu pior instante até aqui. Nosso país vive, após as eleições de 2018, uma sociedade dividida entre extremistas e continuístas. Essa polarização política, impede o diálogo, fazendo aparecer cicatrizes antigas não curadas. Problemas refletidos na Pandemia. A falta de gestão e coordenação diminui o fluxo de resultados práticos na vacinação, contratação de novos imunizantes e combate efetivo ao coronavírus e suas variantes. O Brasil demorou em fazer as tratativas com laboratórios e indústrias de insumo para adquirir vacinas. O negacionismo científico entre membros do governo federal, disseminou-se entre apoiadores e população em geral. Aumentando o descumprimento das medidas para conter a infecção. As evidências científicas são desprezadas por autoridades ligadas ao governo central. Governadores dos estados e Prefeitos municipais tem si mobilizado em consorcio para adquirir mais vacinas e insumos à acelerar o número de vacinados no país. O mandatário da nação foi visto, várias vezes, em eventos públicos sem máscara, aglomerando pessoas em sua volta. Claro incentivo a desobediência sanitária básica. A área da saúde de seu governo indicou protocolo médico do hidroxicloroquina, ivermectina, cloroquina e azitromicina no combate a covid-19. Remédios esses não recomendados por especialista da OMS. Sem comprovação científica de cura do coronavirus. O contágio aumentou assustadoramente. O Sistema de Saúde entrou em colapso em quase todos os estados da Federação. Não há mais leitos de UTIs disponíveis. A fila de espera por esses só aumenta nos hospitais públicos e privados. Os insumos de intubação começam a faltar de norte a sul do país. Situação extremamente difícil a que enfrentamos nesse momento da Pandemia. Não fosse a misericórdia e graça divina a coisa estaria bem pior. Por que O Suspiro da Mãe Terra ? Os antecedentes desse suspiro foram relatados acima. O decorrente dessa respiração é a Pandemia. Não tinha como frear o descontrole do capitalismo selvagem e o progresso desordenado e extenuante do consumismo materialista senão desgastando a matriz humana. Principal causadora do desastre ecológico. Explicamos o nosso descaso perante a natureza e todos os elementos que a compõem. Causamos tanto sofrimento aos seres e entes minerais, vegetais, animais e humanos. Esgotamos recursos que não serão mais reparados. A Pandemia global é o preço que a humanidade está pagando. Devemos perceber, que apesar de tanto sofrimento e morte, ainda estamos na misericórdia do Pai Eterno. A natureza nos corrige pela bondade divina na obediência dos preceitos eternos. Ela foi forçada a tomar essa posição para manter vivo o planeta Terra. Do contrário, existiríamos, infelizmente, mais que algumas centenas de anos nesse tão belo recanto de Deus criou ao bem-estar de todos os seres vivos. Devemos, hoje, ter um coração de gratidão e reconhecimento pela Providência Divina ter vindo no exato momento em que precisávamos. Como dito na Bíblia Sagrada: “Não retarda o Senhor a sua vinda, como muitos a julgam demorada. Pelo contrário, ele é longânimo não querendo que ninguém pereça. Mas que todos cheguem ao arrependimento”. A Mãe Terra tomou esses dois anos (2020, 2021 e talvez o próximo) para tomar ar ou fôlego. Ela tem passado o mesmo procedimento de cura quando alguém é acometido da infecção pelo covid-19. Sintoma, enfermaria, internação, unidade de terapia intensiva, intubação e alta ou morte. Arrisco a dizer que nossa querida irmã Mãe Terra já estava intubada, respirando artificialmente (aparelho) para continuar sobrevivendo. Nós a sufocamos com nosso egoísmo, arrogância, autoritarismo, covardia, desequilibrado, deslealdade, desumano, individualismo, ganancia, imprudência, interesses, intolerância etc. A física quântica compartilha a ideia de ser humano no âmbito do planeta Terra. O homem tem órgãos físicos principais e outros secundários. Exemplo: coração, cérebro, pulmão, rins, intestino e outros. A Terra também tem sua composição química: crosta terrestre, manto, núcleo, litosfera, mesosfera. Esses e outros elementos periféricos do planeta têm sua correspondência com órgãos humanos. Assim a Terra é mais um ser vivente entre os bilhões e trilhões de milhares em nossa Galáxia. Costumamos pensar na Terra como independente e tendo vida própria. Isso é falso. Ela e nós somos um mesmo ente. O Gênesis confirma esse conceito ao se referir a criação do homem. Enfatiza que Deus formou o homem do pó da Terra. Soprou em suas narinas o fôlego da vida. Dessa maneira, o homem passou a ser alma vivente. Assim nossa constituição tem origem na Terra. Nossa formação é basicamente oxigênio, carbono, hidrogênio e nitrogênio. Além de cálcio, fósforo, potássio, enxofre, sódio, cloro, magnésio e outros. Somos barro, pó, poeira, chão, cisco. Nascemos da Mãe Terra e seus filhos nos tornamos. A Bíblia diz em seu terceiro capítulo inicial que “do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à Terra, porque dela fostes tomado. Porquanto és pó e ao pó tornaras”. Nosso destino é a Terra, foi e sempre será. Cooperemos com nossa Mãe nesse momento difícil que enfrentamos. A Pandemia traz a lição desses aspectos compartilhados acima. Precisamos urgentemente reconhecer nossa importância no processo de cura e restabelecimento da saúde humana e da Terra. Nosso sentimento deve estar voltado à esses dois lados. Um origina do outro e não existe vida fora da interação mútua. O cuidado com nossa saúde nessa pandemia. Não aglomeração social. Distanciamento social. Uso de máscara, cobrindo nariz e boca ao sair. Higiene das mãos com álcool ou água. E principalmente tomando a vacina conforme os protocolos estabelecidos. Serão importantíssimo para eliminar o contágio e a propagação do vírus em nosso planeta. Estas mudanças e transformações que vivemos, ensinam-nos a refletir mais sobre a importância do meio ambiente sua sustentabilidade e nosso envolvimento na solidariedade.  Importantíssimo à ajuda e suprimento dos menos favorecidos. Assim preservaremos vivos a Mãe Terra e seus filhos que somos nós. Abraço. Davi.

 

terça-feira, 23 de março de 2021

QUADRO DO INFERNO CRISTÃO

 

Espiritismo. www.espirito.org.br. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. QUADRO DO INFERNO CRISTÃO. 11. As opiniões dos teólogos podem ser resumidas pelas citações que seguem. (Tiradas de O Inferno, de Pierre Augusto Callet (1812-1883) Esta descrição, tirada de autores sagrados e da vida de santos, pode ser considerada como a expressão da fé ortodoxa sobre o assunto, já que é sempre reproduzida, com algumas variações, nos sermões, nas igrejas e nas instruções pastorais. 12. “Os demônios são puros Espíritos e os condenados podem também ser considerados como puros Espíritos, já que apenas a alma desce ao inferno. O corpo torna-se poeira e se transforma continuamente em ervas, plantas, frutos, minerais, líquidos, sofrendo, sem saber, as contínuas metamorfoses da matéria. Mas os condenados, como os santos, devem ressuscitar no último dia e retomar, para sempre, o mesmo corpo carnal com que eram conhecidos, enquanto vivos. Serão diferenciados uns dos outros, porque os eleitos ressuscitarão, com um corpo purificado e radiante, e os condenados, com um corpo sujo e deformado pelo pecado. Então, não haverá mais puros Espíritos, no inferno, e sim homens como nós. O inferno é, por consequência, um lugar físico, geográfico, material, já que será povoado por criaturas terrestres, com pés, mãos, boca, língua, dentes, orelhas, olhos, semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis à dor. “Onde está situado o inferno? Alguns doutores o colocaram nas entranhas de nossa terra; outros, em não se sabe qual planeta. É uma questão não decidida em nenhum concílio. Neste ponto, têm-se apenas conjecturas. A única coisa que se afirma, é que o inferno, esteja onde estiver, é um mundo formado por elementos materiais, mas sem sol, sem uma, sem estrelas. Mais triste, menos hospitaleiro, mais desprovido de qualquer gérmen ou aparência de bem do que as piores regiões deste mundo onde pecamos. “Os teólogos circunspectos – como os egípcios, hindus e gregos – não se aventuram a pintar todos os horrores deste lugar e se limitam a mostrá-lo, como um exemplo do pouco que a Escritura revela: os lagos de enxofre do Apocalipse, os vermes formigantes de Isaías sobre os cadáveres de Tofel e os demônios atormentando os homens que se perderam, e os homens chorando e rangendo os dentes, segundo a expressão dos evangelistas. “Santo Agostinho não concorda que essas penas físicas sejam simples imagens das penas morais. Vê, em um verdadeiro lago de enxofre, vermes e serpentes verdadeiras presos furiosamente sobre todas as partes do corpo dos condenados, acrescentando umas feridas às provocadas pelo fogo. Com base em um versículo de São Marcos, ele afirma que este fogo estranho, embora material como o nosso, agindo sobre os corpos materiais, os conservará, como o sal conserva a carne das vítimas. Mas os condenados sentirão a dor desse fogo, que queima sem destruir, que lhes penetrará na pele, impregnará e saturará seus membros, seus ossos, as pupilas de seus olhos e as fibras mais sensíveis de seus corpos. Se pudessem mergulhar na cratera de um vulcão, encontrariam um lugar mais fresco e mais repousante. “Assim falam os teólogos mais tímidos, mais discretos, mais reservados. Não negam que haja no inferno outros suplícios corporais, mas alegam não terem conhecimento tão suficiente, como o têm sobre os suplícios do fogo e dos vermes, para falarem sobre eles. Há, entretanto, teólogos mais ousados ou mais esclarecidos que fazem descrições mais detalhadas, variadas e completas sobre o inferno. Embora não se saiba em que lugar do espaço está situado, há santos, como Santa Teresa, que o viram. Não foram para lá, com a lira nas mãos, como Orfeu, com a espada, como Ulisses, e sim foram transportados em Espírito. “Segundo o relato de Santa Teresa, parecia existirem cidades no inferno. Ela viu pelo menos uma ruela, longa e estreita, como existe nas cidades medievais, pela qual caminhou com horror, sobre um terreno lodoso e fétido, cheio de répteis monstruosos. Mas foi detida por uma muralha que lhe serviu como um inexplicável abrigo. Seria, disse ela, o lugar que lhe seria destinado, caso abusasse, enquanto viva, das graças com que Deus a cobria em sua cela em Ávila. Embora tivesse entrado com muita facilidade nesse nicho de pedra, não conseguia sentar-se nem deitar. Nem ao menos manter-se em pé ou sair. As paredes a envolviam, a apertavam, como se estivessem vivas. Parecia que a sufocavam, a estrangulavam e, ao mesmo tempo, a esfolavam, a cortavam em pedaços. Sentia-se queimar e experimentava todos os tipos de angústia. Sem nenhuma esperança de socorro, tudo eram trevas à sua volta. Entretanto, através das trevas, ela podia perceber, apavorada, a terrível rua em que estava e toda a imunda redondeza, uma visão tão insuportável como os apertos de sua prisão. “Era, sem dúvida, um pequeno pedaço do inferno. Outros viajantes espirituais foram mais favorecidos. Viram no fogo do inferno grandes cidades, como Babilônia e Nínive e mesmo Roma, com seus palácios e templos em brasas e todos os habitantes acorrentados. Os negociantes em seu balcão, padres reunidos em festas com cortesãos, urrando, presos sem poder sair de suas cadeiras, levando ao lábio taças flamejantes. E criados de joelhos, com os braços estendidos, dentro de cloacas ferventes e príncipes em cujas mãos escorria lava de ouro derretido. Outros viram no inferno planícies sem limites e fumegantes, cavadas e semeadas com sementes estéreis, por agricultores famintos. Como nada crescia, esses camponeses se comiam, uns aos outros, mas continuavam tão numerosos quanto antes, tão magros e esfomeados, que se dispersavam em bandos, indo procurar, inutilmente, terras melhores. Outras colônias de condenados errantes os substituíam imediatamente, nos campos que abandonavam. Outros viram ainda no inferno montanhas cheias de precipícios, fontes de lágrimas, ribeirões de sangue, rodamoinhos de neve em desertos de gelo, barcos de desesperados, vagando em mares sem praias. Resumindo, viram tudo o que os pagãos viam: um reflexo da terra, uma sombra incomensurável de suas misérias, seus sofrimentos naturais eternizados e até cárceres, forcas e instrumentos de tortura forjados por nossas próprias mãos. “De fato, há demônios que, para melhor atormentar os homens, tomam seus corpos. Têm asas de morcego, couraças de escamas, patas com garras, mostram-se armados com espadas, garfos, pinças, tenazes ardentes, foles, grelhas, executando eternamente a tarefa de cozinheiros e açougueiros da carne humana. Transformados em leões ou enormes víboras, arrastam suas presas para cavernas solitárias. Alguns se transformam em corvos, para arrancar os olhos de certos culpados, outros, em dragões voadores, para carregá-los sobre as costas, arrebentados e sangrando, aos gritos, através de espaços tenebrosos, e depois jogá-los no lago de enxofre. Há nuvens de gafanhotos, escorpiões gigantes, cuja visão produz arrepios, cujo odor dá náuseas e o menor contato dá convulsões. Há monstros de várias cabeças, que abrem suas goelas vorazes, chacoalhando suas crinas de víboras venenosas, esmagam os reprovados, com suas mandíbulas ensanguentadas, e os vomitam, mastigados, mas vivos, porque são imortais. “Não são um acaso estes demônios, com formas sensíveis, que lembram visivelmente os deuses do Amenti e do Tártaro, e os ídolos adorados pelos fenícios, moabitas e outros gentios, vizinhos da Judeia. Cada um tem sua função e seu trabalho. O mal que eles fazem no inferno corresponde ao mal que induziram na Terra. Os condenados são punidos em todos os sentidos e órgãos, pelos quais ofenderam a Deus. Punidos de uma forma, como gulosos, pelos demônios da gula, de outra forma, como preguiçosos, pelos demônios da preguiça, e, ainda, como fornicadores pelos demônios da fornicação. Enfim, punidos de tantas maneiras quantas são as formas de pecar. Sentirão frio, estando queimando, e calor, estando gelados. Desejarão eternamente repouso e movimento, sempre esfomeados e alterados, e mil vezes mais cansados do que um escravo no fim do dia, mais doentes que os moribundos, mais alquebrados e cobertos de chagas que os mártires. “Nenhum demônio recusa – e jamais recusará – sua odiosa tarefa. Todos são bem disciplinados e fiéis à execução das ordens de vingança que receberam. Se não fosse assim, o que seria do inferno? Os pacientes repousariam se os carrascos discutissem ou relaxassem. Mas não há qualquer repouso para uns nem qualquer discussão entre outros. Por mais maldosos e numerosos que sejam os demônios – estão de um lado a outro do abismo – jamais se viram sobre a Terra nações tão dóceis a seus príncipes, armadas tão obedientes a seus chefes, comunidades monásticas mais humildemente submissas a seus superiores. “Quase nada se conhece sobre essa ralé de demônios, esses vis Espíritos que formam a legião de vampiros, sapos, escorpiões, corvos, hidras, salamandras e outras bestas sem nome, que compõem a fauna das regiões infernais. Mas se conhecem os nomes de diversos príncipes que as comandam: entre outros, Belfegor, o demônio da luxúria; Abadon ou Apolion, o demônio do assassinato; Belzebu, o demônio dos desejos impuros ou das moscas que engendram as corrupções; Mamon, da avareza; Maloc, Belial, Baalgad, Astarot e tantos outros, e acima de todos, o chefe universal, o sombrio arcanjo que no céu se chamava Lúcifer e, no inferno, Satanás. “Eis, em síntese, a ideia que nos dão sobre o inferno do ponto de vista de sua natureza e de suas penas físicas. Abram os escritos dos padres e dos antigos doutores, consultem as legendas religiosas, olhem as esculturas e pinturas de nossas Igrejas, prestem atenção ao que se diz nos púlpitos, e vocês saberão mais sobre essa questão”. 13. O autor ainda faz algumas reflexões sobre o quadro: “A ressurreição dos corpos é um milagre, mas Deus faz um segundo milagre, ao dar a esses corpos mortais, já desgastados pelas provas da vida, já diminuídos, a virtude de sobreviver, sem se desmanchar, em uma fornalha na qual até metais evaporariam. Pode-se compreender que se diga que a alma é seu próprio carrasco, que Deus não a persegue, que a abandona no estado infeliz que escolheu, embora o abandono eterno de um ser desgarrado e sofredor pareça pouco de acordo com a vontade de Deus. Mas não se pode dizer o mesmo da alma e das penas espirituais e do corpo e das penas corporais. Para perpetuar as penas corporais, não basta que Deus se ausente. Ao contrário, é preciso que Ele se mostre, que intervenha, que aja, sem o que o corpo sucumbiria. “Os teólogos supõem, então, que Deus age, depois da ressurreição, este segundo milagre de que falamos. De início, Ele tira nossos corpos dos sepulcros que os devoravam. E os retira no estado em que entraram: com suas enfermidades originais, as degradações da doença e do vício. Devolve-os em estado decrépito, friorentos, gotosos, cheios de necessidades, sensíveis a uma picada de abelha, cobertos de marcas da vida e da morte – este é o primeiro milagre. Depois, dá a esses corpos medíocres, prontos para retornar ao pó de onde saíram, uma propriedade que nunca tiveram: a imortalidade, esse dom que em Sua cólera, ou antes, em Sua misericórdia, havia tirado de Adão, ao sair do Éden – este é o segundo milagre. Adão, imortal, era invulnerável. Tornando-se mortal, passou a ser vulnerável: a morte acompanhada pela dor. “A ressurreição não nos restabelece, então, nem nas condições físicas de inocente nem de culpado. É uma ressurreição apenas de nossas misérias, com uma sobrecarga de novas misérias, infinitamente piores. É, em parte, uma verdadeira – e a mais maliciosa – criação que a imaginação já ousou conceber. Deus muda de ideia e para juntar eternos tormentos carnais aos tormentos espirituais dos pecadores, por um golpe de poder, muda as leis e propriedades da matéria, por Ele criadas, desde o início. Ressuscita carnes doentes e corrompidas, junta em um nó indestrutível os elementos que tendem a se separar por si mesmos, mantém e perpetua, contra a ordem natural, essa podridão viva. Joga-a no fogo, não para purificá-la, mas para perpetuá-la e torná-la imortal, da maneira como é: sensível, sofredora, ardente, horrível. “Por esse milagre, faz-se de Deus um dos carrascos do inferno, porque se os condenados só podem atribuir a si mesmo seus males espirituais, por outro lado, só podem atribuir a Ele os outros males. Era muito pouco, aparentemente, abandoná-los, após a morte, à tristeza, ao arrependimento e a todas as angústias de uma alma, que sente ter perdido o bem supremo. Segundo os teólogos, Deus irá procurá-los nessa noite, no fundo do abismo, chamando-os momentaneamente para a vida, não para consolá-los, mas para revesti-los de um corpo horrível, imortal, mais empesteado que o manto de Dejanira, e então abandoná-los para sempre. “Na verdade, Deus não os abandonará, já que o inferno, o Céu e a Terra dependem de um ato de Sua vontade para existir e desapareceriam se não fossem por Ele sustentados. Assim, Deus terá em Suas mãos estes condenados, para impedir que o fogo se apague e que seus corpos parem de se consumir. Quer que estes infelizes imortais contribuam, com a perenidade de seu suplício, para a edificação dos eleitos”. 14. Dissemos, com razão, que o inferno dos cristãos vai além do inferno dos pagãos. No Tártaro, veem-se os culpados torturados pelo remorso, diante de seus crimes e de suas vítimas, oprimidos por aqueles que oprimiram, durante a vida. Vê-se que fogem da luz que os penetra e procuram em vão escapar dos olhares que os perseguem. O orgulho é rebaixado e humilhado. Todos trazem os estigmas de seu passado. Todos são julgados por seus próprios erros, a tal ponto que, para alguns, não seria necessário nenhum castigo, bastaria livrarem-se deles mesmos. Mas todos são sombras, isto é, almas com seus corpos fluídicos, imagem da existência terrestre. Não se vê homens retomarem seu corpo carnal, para sofrer materialmente, nem o fogo penetrar-lhes a pele e saturá-los, até moer-lhe os ossos. Não se vê o requinte nem o refinamento dos suplícios, que são a base do inferno cristão. No inferno pagão, há juízes inflexíveis, mas justos, que dão a pena proporcional ao erro, enquanto que no império de Satanás, todos se confundem, sob a mesma tortura, tudo se baseia na materialidade e não existe critério de justiça. É verdade que existem hoje na Igreja alguns homens de bom senso que não admitem essas coisas ao pé da letra, mas como alegorias que devem ser interpretadas. Mas são apenas opiniões individuais e não a lei. Portanto, a crença no inferno material, com todas as suas consequências, continua sendo um artigo de fé. 15. Pergunta-se como podem homens, em êxtase, enxergar coisas que não existem. Não cabe aqui explicar a fonte das imagens fantásticas, aparentemente reais, que às vezes se produzem. Diremos apenas que é necessário reconhecer que o êxtase é a menos segura fonte de revelação, porque este estado de super excitação nem sempre é um afastamento da alma, tão completo como se pode acreditar. Muitas vezes, é o reflexo de preocupações anteriores. As ideias que nutrem o Espírito cujas imagens são retidas pelo cérebro, ou melhor, pelo invólucro perispiritual, se reproduzem ampliadas, como em uma miragem, com formas vaporosas, que se cruzam e se confundem, e compõem conjuntos estranhos. Aqueles que entram em êxtase, em todos os cultos, sempre viram coisas relacionadas à sua própria fé. Não surpreende, pois, que aqueles, como Santa Teresa, fortemente imbuídos das ideias de inferno, formadas a partir de descrições verbais ou de pinturas, tenham visões, que são a reprodução dessas ideias, com efeito de um pesadelo. Um pagão, cheio de fé, teria antes visto o Tártaro e as Fúrias, ou Júpiter, no Olimpo, empunhando o raio. Livro O Céu e o Inferno. www.espirito.org.br. Abraço. Davi