domingo, 28 de abril de 2024

POR QUE OS INOCENTES SOFREM?

 

Cristianismo. Livro O Terceiro Milênio – e as Profecias do Apocalipse. Por Alejandro Bullón (1947 - ). POR QUE OS INOCENTES SOFREM? Era véspera de Natal e as famílias se preparavam para celebrar a data festiva de maneira especial. Fazia anos que os irmãos não se viam, mas desta vez todos viajaram para a casa paterna, e a família estava feliz. Eram muitos. Filhos, noras, genros e netos. Todos vivendo a alegria do espírito natalino. De repente, aconteceu algo trágico. Ouviu-se o barulho de um tiro de revólver e os gritos desesperados de um garoto. Quando os familiares entraram no quarto, viram um quadro horroroso. Felipe estava no chão, com o rosto ensanguentado. Faria nove anos no mês seguinte. Seu primo e melhor amigo, Luís, gritava tomado pelo pânico em frente ao guarda-roupa onde o pai guardava o revólver calibre 38, carregado. Nenhum adulto viu o momento em que a arma disparou. As duas crianças brincavam de índio, polícia, bandido e super-herói, quando a tragédia aconteceu. Esse foi o início de um Natal que ninguém da família poderá esquecer. A mão de Felipe gritava aos prantos: “Por que, Senhor? Por que teve que ser meu filho?”. O ser humano de nossos dias não consegue tirar do inconsciente essa pergunta terrível. Todos carregamos os nossos porquês. O sofrimento não tem explicação aparente, mas dói, perturba e não nos deixa ser feliz. Como posso comer em paz, quando há no mundo milhões de crianças que perecem de fome? Como desfrutar do calor de um cobertor, no inverno, quando tem gente morrendo de frio nas ruas das grandes cidades? Não existe um Deus de amor? Por que, então, existe sofrimento? A injusta que revolta. No capítulo seis do Apocalipse, ao abrir-se o quinto selo, João vê pessoas cansadas de sofrer. Elas perguntam: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”. Essas pessoas são símbolo de todos os que sofrem na Terra, sem motivo aparente. Se você olhar para o mundo, perceberá que existe muita injustiça. O mal parece triunfar sobre o bem. A pessoa honesta é considerada boba, enquanto o desonesto é tido como esperto. Até o profeta Habacuque indagou um dia: “Por que, pois, toleras os que procedem perfidamente, e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?” A injustiça e o sofrimento dos inocentes revolta, mas é preciso entender esse assunto no contexto de Apocalipse. Em primeiro lugar, Deus não é o autor do sofrimento. Nenhuma tragédia nasce na mente divina. A morte, a doença, a traição, a desgraça, a injustiça, as enchentes, secas, terremotos, furações e guerras. Enfim, tudo aquilo que traz dor ao ser humano tem origem na mente e no coração do inimigo de Deus. “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor, pensamentos de paz e não de mal”, Jeremias 29,11. A Bíblia é clara ao declarar que este mundo saiu das mãos de Deus como um mundo perfeito, Gênesis 1,31. Não existia orgulho, nem ciúmes, nem traição. A dor, a morte, a tragédia e o sofrimento não faziam parte do mundo perfeito idealizado pelo Criador. Mas a Bíblia também diz que Deus confiou este mundo aos cuidados do ser humano. “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no Jardim do Éden para o cultivar e o guardar. E p Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque, no dia em que dela comeres, certamente morreras”. Infelizmente, Adão e Eva venderam este planeta ao inimigo de Deus. E o venderam barato. Por um minuto de curiosidade, prazer ou descontrole. Tanto faz. O fato é que o venderam barato demais. Andando sobre as mesmas pegadas. Às vezes pensamos: Como é que Adão e Eva foram tão incautos a ponto de trocar um mundo tão belo e perfeito por um minuto de aventura? A realidade é que não foram só eles. Fomos nós também. Você, eu e todos os seres humanos. Porque ainda hoje continuamos fazendo a mesma troca. O homem arruína a família por um minuto de curiosidade. Estraga seu futuro por causa de uma aventura. Vende seus valores, seus princípios e até o próprio respeito. Ah, ser humano incoerente, que não valoriza o que tem, que só percebe o quanto perde, depois que o perdeu, que busca desesperadamente a morte, quando Deus lhe confiou a vida! Depois do pecado, o diabo introduziu no mundo o ciúme, a inveja, o egoísmo, a exploração, a morte, a dor, as enfermidades, furacões, terremotos, enchentes, secas e tudo aquilo que traz sofrimento e desgraça ao ser humano. A única motivação dele é fazer sofrer a criatura, porque sabe que por trás da criatura está o Criador. O diabo é o arqui-inimigo de Deus. Todavia sabe que na luta corpo a corpo está perdido. Já foi expulso uma vez dos Céus. Portanto, a melhor maneira de fazer o Pai sofrer é provocando dor nos seus filhos. Por outro lado, Satanás quer desvirtuar o caráter de Deus. Esse é o seu grande objetivo, e sabe que, finalmente, a criatura atribuirá todos os sofrimentos ao Criador. Porventura, não se perguntou você alguma vez por que Deus permite que crianças indefesas morram de fome enquanto os adultos brigam? Por que Deus permite que crianças inocentes nasçam defeituosas? Deus não é o autor dessas tragédias. Mas o ser humano as atribui a Ele inconscientemente. O inimigo conseguiu o que queria: apresentar a imagem de um Deus mau e arbitrário. O dono do mundo. Surge, então, outra pergunta: “Não é Deus mais poderosos que o diabo? Não pode Ele impedir que o sofrimento toque nossas vidas?” Pode sim. Mas já dissemos que Adão e Eva passaram o título de propriedade deste mundo ao inimigo. E Satanás sente-se tão dono que, quando Jesus esteve aqui, teve a ousadia de mostrar-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e dizer: “Tudo isto Te darei se, prostrado, me adorares”, Mateus 4,9. O diabo não é dono de nada. Ele é um ser criado como qualquer outra criatura, porém acha-se no direito de sentir-se dono do mundo e colocar dor e tristeza naquilo que ele considera sua propriedade. Foi por isso que Deus nunca prometeu que seus filhos não sofreriam neste mundo. Analisemos os seguintes casos. Sofrendo amparados. 1. Um dia, Lázaro, amigo de Jesus estava enfermo e as irmãs dele enviaram mensageiros com o seguinte recado: “Senhor, está enfermo aquele a quem amas. João 11,3”. Quer dizer que aqueles a quem Jesus ama também podem ficar enfermos? O que você acha? Mas a história bíblica diz mais. Ela afirma que Lázaro morreu e Maria reclamou dizendo: “Senhor, se estiveras aqui, meu irmão não teria morrido? João 11,32”. Maria era o típico ser humano que acha que ter a Jesus constitui-se num seguro de vida. 2. O salmista Davi escreveu, entre outros, o salmo 23, que é considerado o “salmo de ouro”. Nele, Davi expressa sua confiança no Senhor como seu grande Pastor. Mas apesar disso, ele declarou: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo. Salmos 23,4”. Davi não afirma que os que confiam no Senhor não morrerão. Ele diz que aqueles cujo Pastor é o Senhor, nunca estarão a sós no meio da escuridão e das trevas. O Pastor sempre os acompanhará. 3. Em outra ocasião, Jesus estava com os discípulos em alto mar, quando sobreveio uma tempestade. A noite ficou escura. Os ventos sopravam contrários. Os trovões e relâmpagos ameaçavam e “o barco era varrido pelas ondas. Mateus 8,24”. Onde estava Jesus naquele momento? Ali, no barco. Mas apesar disso, tinha-se a impressão de que o barco ia afundar. Quer dizer, mesmo quando Jesus está presente na sua vida, pode haver momentos tormentosos? Claro que pode. Só que a embarcação não afunda, porque “até os ventos e o mar lhes obedecem. 4. Existe outro salmo extraordinário na Bíblia. É o Salmo 46. Nele, o autor afirma: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” Salmos 46,1. Perceba a promessa. Aqui não diz que os filhos de Deus não terão tribulações. A promessa é clara: Deus será o nosso refúgio e fortaleza. Socorro presente em meio à dor. E se você alguma vez já foi surpreendido por uma tormenta no meio da rua ou do campo, sabe o que significa ter um refúgio. 5. Falando da atitude dos cristãos diante da morte, o apóstolo Paulo aconselha: “Não queremos, todavia, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não tem esperança. I Tessalonicenses 4,13”. Aqui, Paulo fala de duas maneiras de entristecer-se: com esperança e sem esperança. Como se entristecem os que não tem esperança? Amaldiçoam a Deus, clamam por vingança, ficam envenenados e, as vezes, até enlouquecem e morrem. E como reagem diante da morte de um ente querido aqueles que tem esperança? Choram, naturalmente, porque tem sentimentos. Sentem saudades, sofrem, mas sabem que, em meio ao sofrimento, não estão sozinhos. Jesus está com eles. Porventura está você vivendo um momento difícil em sua vida? A morte arrancou de você um ente querido e está doendo muito? Não rejeite a dor. Aceite-a e tente administrá-la com o conforto divino. Criados para não sofrer. Outro dia recebi a carta de um amigo que estava passando pelo vale da sombra da morte. Tudo estava escuro ao seu redor e ele não enxergava saída alguma para seu problema. Na carta ele relatava todo o drama que estava vivendo e, no final, dizia: “O que mais me dói não são as tribulações que estou enfrentando, sobretudo a minha maneira de reagir diante delas. Eu acho que, como cristãos, deveria alegrar-me com as provações e sofrimentos. No entanto eu não consigo alegrar-me, e sinto que nunca fui um bom cristão”. Alguma vez você experimentou esse mesmo sentimento? Então permita-me dizer-lhe algo. Sabe quem é que se alegra e até desfruta do sofrimento? O masoquista – aquele que procura prazer na dor ou sofrimento, uma patologia – doença. Um desvio de personalidade. Cristão não age desse modo. Nenhum ser humano normal buscará, nem se alegrará ou desfrutará da dor. Sabe por quê? Porque a dor e o sofrimento são experiências intrusas na existência humana. Deus não nos criou para sofrer, mas para ser eternamente felizes. Cardos e espinhos, dor, enfermidades e morte são consequências da entrada do pecado. Portanto, nunca se encaixarão confortavelmente na experiência humana. Sempre molestarão. Podemos conviver com tudo isso, no entanto, será sempre desconfortável. O conselho bíblico é que devemos regozijar-nos “em meio à dor” e não “por causa da dor”. Ou seja, é possível para o cristão conviver vitoriosamente com o sofrimento, por causa da presença de Jesus em sua vida. Os seres humanos, simbolizados no capítulo seis de Apocalipse, perguntam: “Até quando, ó Soberano Senhor, Santo e Verdadeiro, não julgas nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a Terra”. Aquelas pessoas tinham sido mortas, por causa da Palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Apocalipse 6,9”. Você pode perceber que, embora eles tivessem sido cristãos vitoriosos ao ponto de morrer por Cristo, nunca aceitaram o sofrimento como algo normal e. Mais ainda, eles achavam que havia chegado o momento de pôr fim à história do pecado. Lembra-se da acusação de Lúcifer no Céu? Ele colocou em tela de juízo o caráter divino. Ele acusou o Criador de não querer a felicidade da criatura. Deus podia ter destruído o inimigo ali mesmo, mas teria ficado para sempre a interrogação: “Será que ele tinha razão ou não?”. Portanto, era preciso que o tempo transcorresse. Que a história do mal e do sofrimento seguisse seu curso. E hoje podemos observar a insustentabilidade das acusações do diabo. Olhe a dor a sua volta. Observe até os seus entes mais próximos sofrendo. Vá ao outro lado do mundo e veja crianças morrendo de fome, exploradas e abusadas, e responda: deve a história do mal continuar? Deve Deus permitir que o inimigo continue com sua obra perniciosa e egoísta? Ouro purificado no fogo. Egoísmo! Essa é a palavra certa para tentar compreender as motivações do diabo ao provocar sofrimento no ser humano. Ele nos faz sofrer pelo puro prazer de ver o sofrimento. Ele causa dor só para destruir. Mas Deus, em seu infinito amor, toma esse sofrimento que sai da mente do inimigo para destruir, e o transforma num instrumento de edificação. Assim, o ouro entra no fogo, sendo que não se queima com a madeira. Pelo contrário, ele sai mais purificado. O diamante bruto é colocado sob o esmeril e não desaparece como pedra comum. Ao contrário, sai transformado num diamante valioso de facetas luminosas. Todo aquele que confia no Senhor Jesus é ouro e pedra preciosa. O sofrimento pode vir, todavia não será capaz de destruí-lo. Ele sairá vitorioso, puro como o ouro e brilhante como o diamante. Abraço. Davi.


quinta-feira, 25 de abril de 2024

JESUS NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. Parte II

 

Islamismo. Livro Jesus um Profeta no Islam. Por Muhammad Ata Ur Rahim. Capítulo II. JESUS NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. Parte II. Plínio e Josephus os mencionaram, mas foram virtualmente esquecidos pelos historiadores subsequentes. Plínio os descreve como a raça, propriamente, mais notável que qualquer outra no mundo: Não têm mulher, renunciam ao amor sexual, não têm dinheiro... A comunidade aumenta firmemente, com um elevado número de pessoas atraídas pelo seu estilo de vida... dessa forma a sua raça durou milhares de anos, embora ninguém tenha nascido no seu seio». Josephus, que começou a vida como Essênio, escreveu: «acreditam que a alma (ruach) é imortal e uma dádiva de Deus. Deus purifica algumas criaturas para Si, removendo todas as manchas da carne. A pessoa, assim aperfeiçoada, atinge uma santidade livre de todas as impurezas». Esses habitantes das cavernas continuaram a levar uma vida que não foi afetada pelas vagas de conquistadores, que tantas vezes destruíram o Templo e conquistaram os judeus. A vida no deserto não era uma fuga à responsabilidade que todo judeu tem, de lutar pela pureza da sua religião e de libertar a Judeia da agressão estrangeira. Lado a lado com aqueles que rezavam diariamente e que estudavam as Escrituras, alguns constituíram uma força eficiente e, não só pregavam a Doutrina de Moisés, mas também, estavam preparados para lutar pela liberdade de viver, de acordo com aquela Doutrina. Assim, a sua luta, apenas, era a serviço de Deus e não para ganhar poder ou consideração pessoal. Os membros dessa força de luta eram chamados pelo inimigo de “Zelotes”. Estavam organizados sob uma bandeira e cada tribo tinha a sua insígnia. Os Zelotes estavam agrupados em quatro divisões, cada uma encabeçada por um chefe. Cada divisão era composta por pessoas de três tribos de Israel. Desta forma, todas as doze tribos judaicas estavam organizadas sob uma bandeira. O chefe tinha que ser um Levita, que era, não só um comandante militar, mas também um professor da Lei. Cada divisão tinha o seu próprio Midrash (escola) e esse Levita, além de executar as tarefas de comandante militar, tinha que dar darsh (lições) regulares na escola. Assim, vivendo nas cavernas do deserto, os essênios se mantinham afastados da procura do prazer, desprezavam o matrimônio e desdenhavam a riqueza. Além disso, formavam uma sociedade secreta, cujos segredos nunca eram revelados a alguém que não fosse seu membro. Os romanos sabiam da existência dessas tribos, mas não conseguiram penetrar a muralha de segredo que os rodeava. O sonho de qualquer judeu, aventureiro, era se tornar membro dessa sociedade, pois esse era o único método prático, disponível, para lutar contra os invasores estrangeiros. Os essênios, tal como já vimos nos registros de Plínio, desprezavam o casamento, mas adotavam os filhos de outros homens desde que fossem dóceis e brandos, aceitando-os como parentes e moldando-os ao seu estilo de vida. Assim, por incrível que pareça, a sociedade essênia se perpetuou através de séculos, muito embora, ninguém nela tenha nascido. Desta forma, Zacarias, Sumo Sacerdote do Templo de Salomão, teve um filho, enviando-o aos essênios, no deserto, local onde a criança foi criada, conhecido na História como João Batista. Agora, sabendo-se que a comunidade essênia existiu, de fato, no deserto, a ação de Zacarias se torna compreensível, pois não estava mandando o filho querido, sozinho ao deserto, mas deixando-o aos cuidados da comunidade de maior confiança. Uma comunidade que procurava viver de maneira agradável a Jeová. Maria, a prima de Elisabete, mulher de Zacarias, foi criada por Zacarias, porque tinha sido entregue ao templo, em concordância com um voto feito por sua mãe. Foi nesse ambiente que nasceu Jesus. Além disso, havia, entre os judeus, a esperança num Messias, num novo «chefe» que seria batizado e anunciado como rei. O rumor que circulava entre os judeus, sobre o seu iminente nascimento, levou Herodes à decisão de matar todos os bebês nascidos em Belém, onde, de acordo com a tradição, o Messias deveria aparecer. A poderosa sociedade secreta dos essênios foi informada por Zacarias e Maria conseguiu, por isso, escapar das garras dos soldados romanos, indo com Jesus ao Egito, onde os Essênios tinham outra colônia. O desaparecimento súbito de Jesus e Maria, a fuga bem-sucedida foi um mistério às autoridades romanas e uma fonte de especulação, até a descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto. Nenhum dos Evangelhos cobre esse episódio, nem a existência da comunidade essênia, nem como lhes foi possível fugir dos perseguidores, com tanto sucesso, apesar da publicidade que deve ter rodeado o nascimento. Em circunstâncias diferentes, uma criança que falava coerentemente e com autoridade, desde o berço, que foi visitada por pastores e Magos, não poderia desaparecer tão facilmente. No ano 4 a.C., quando Jesus tinha três ou quatro anos de idade, Herodes morreu. Dessa forma, o perigo eminente, que rodeava sua vida, foi afastado e passou a poder se mover livremente. Ao que parece, Jesus foi educado sob a dura disciplina de professores essênios e, sendo um aluno inteligente, aprendeu a Torá muito depressa. Assim, quando tinha doze anos, foi mandado ao Templo, verificando-se que o aluno, em vez de repetir as lições que recebera, falava com certa confiança e autoridade. Há algumas tradições muçulmanas que falam das singulares dádivas, que tão cedo, foram dadas a Jesus, em sua vida. A citação que se segue pertence a Histórias dos Profetas, de Sa’labi: Wahb disse: «O primeiro sinal de Jesus, que as pessoas viram, ocorreu enquanto sua mãe vivia na casa do chefe da vila, onde José, o carpinteiro, levou-a, quando foi ao Egito; os pobres costumavam ir, frequentemente, à casa desse chefe. Entretanto, foi roubado algum dinheiro do tesouro que lhe pertencia, mas, embora não tivesse suspeitado dos pobres, Maria se afligiu com o seu tormento. Quando Jesus viu a preocupação da mãe com a aflição do anfitrião, perguntou-lhe: "Mãe, queres que eu o guie até o dinheiro?". Ao que ela respondeu: "Sim, meu filho. " Jesus disse: "Diz-lhe que reúna os pobres perante mim, em sua casa." Então, Maria disse isso ao chefe que reuniu os pobres. Quando todos estavam reunidos, Jesus se dirigiu a dois deles, um cego e outro coxo, pôs o coxo nos ombros do cego e disse-lhe: “Levanta-te com ele”. O cego respondeu: “Sou demasiado fraco para isso”. Jesus disse-lhe: “Como foste suficientemente forte para fazer isso ontem?” Quando o ouviram dizer isso, bateram no cego até que se levantasse e, quando isso aconteceu, viram que o coxo chegava à janela do tesouro. Então, Jesus disse ao chefe da aldeia: "Assim conspiraram, ontem, contra a tua propriedade, pois o cego se valeu da sua própria força e o coxo dos olhos. “ Então o cego e o coxo disseram: “Ele falou verdade, por Deus!” E devolveram o dinheiro todo. O dono o pegou, colocou-o no tesouro e disse: "Ouve Maria, podes ficar com metade”. Ela respondeu: “Não fui criada para isso”. O chefe disse: “Então, dá-o ao teu filho”. Ela respondeu: “Ele é-me superior”. ...E nessa altura tinha, ele doze anos». Outro sinal: Tal como disse Sadi: «Quando Jesus, a paz esteja com ele, andava na escola, costumava dizer aos rapazes o que os pais estavam fazendo. Teria dito a um rapaz: "Vai para casa, pois a tua família está comendo tal, prepararam tal para ti e estão comendo tal." Então, o rapaz teria ido à casa e chamado até lhe darem essa coisa. Ter-lhe-iam dito: "Quem te falou disso?" Ao que teria respondido: "Jesus." Reuniram-nos, então, numa casa e quando Jesus chegou à procura deles, disseram-lhe: "Não estão aqui." Jesus disse-lhes: "Então o que é que está nesta casa?" Eles responderam: "Suínos." Jesus disse: "Então que sejam suínos." E assim, quando abriram a porta, vede! Eram suínos. Os filhos de Israel estavam preocupados com Jesus e, assim, quando a sua mãe temeu por ele, pô-lo num burro e foram rapidamente ao Egito ...» Ata' disse: «Depois de Maria ter tirado Jesus da escola, confiou-o a diversos comerciantes, sendo os últimos, tintureiros; assim, entregou-o ao chefe para que Jesus pudesse aprender com ele. O homem, como tinha vários panos para tingir e precisava partir em viagem, disse a Jesus: "Aprendeste esse ofício e vou partir numa viagem, da qual não voltarei, senão daqui dez dias. Esses panos têm cores diferentes e eu marquei cada um de acordo com a cor com que deve ser tingido e, portanto, quero que tenhas o trabalho terminado quando eu voltar". Jesus, a paz esteja com ele, preparou um recipiente com uma cor, pôs nele todos os panos e disse-lhes: "Sede, com a permissão de Deus, o que é esperado de vós. " Quando o tintureiro voltou, vendo que todos os panos estavam no mesmo recipiente, disse: "Oh Jesus, o que foi que fizeste?" Jesus respondeu: "Acabei o trabalho." O homem disse: "Onde está a roupa?" Jesus respondeu: "No recipiente. " O homem disse: "Toda ela? " Jesus respondeu: "Sim. " O homem disse: "Como pode estar toda no mesmo recipiente? Estragaste-me esses panos. " Jesus respondeu: "Levanta-te e olha." O tintureiro levantou-se e Jesus tirou um trajo amarelo e um verde e um vermelho até os ter tirado todos de acordo com as cores que desejara. Então o tintureiro começou a pensar, porque sabia que aquilo era coisa de Deus, pois Ele é Grande e Glorioso. E disse às pessoas: "Venham e vejam o que Jesus (a paz esteja com ele) fez." Deste modo ele e os companheiros, que eram os discípulos, acreditaram e Deus, Grande e Glorioso como Ele é, sabe bem» Durante os primeiros anos da vida adulta de Jesus, espalhou-se o rumor de que João se afastara da sociedade essênia e vivia sozinho no deserto. «Vestia-se de trajes simples, de pelo de camelo, com uma faixa de couro à volta da cintura. Comia apenas gafanhotos e mel selvagem». (Mateus, 3:4) Assim começou a pregar, diretamente, às pessoas e não insistia no longo período de aprendizagem necessário, a qualquer pessoa que desejasse ser membro pleno da irmandade essênia. Era, portanto, um movimento público, pois João convidava todos a se voltarem a Jeová e assegurava-lhes que o Reino de Deus, em breve, seria estabelecido. Relacionado com esses acontecimentos, é de interesse ler na história escrita por Josephus, a parte relativa a outro eremita, de quem esse historiador foi discípulo. Josephus tinha passado três anos no deserto como um asceta. Durante esse tempo, era orientado por um eremita chamado Bannus, que se vestia com o que crescia nas árvores, comia apenas alimentos selvagens e se disciplinava à castidade, com constantes banhos frios. Portanto, é obvio que João seguia a tradição comum dos eremitas. O deserto tinha sido um lugar de refúgio a David e aos outros Profetas anteriores. Era um local onde os judeus podiam estar livres do domínio dos governantes estrangeiros e da influência de falsos deuses. No deserto, não havia a procura dos favores dos governantes pagãos. Essa atmosfera, onde apenas poderia haver a dependência do Criador e a Sua adoração como Deus Único, foi o berço do monoteísmo. A solidão do deserto removia qualquer falso sentido de segurança e o homem aprendia a confiar apenas na Realidade: «Na aridez do deserto faltam todos os outros apoios e o homem fica entregue ao Deus Único, Poder e Fonte Permanente de toda a Vida e Raiz de toda a Segurança». Assim, a luta no deserto tinha dois aspectos. Primeiro, ocorria no interior dos corações dos próprios homens, que tinham que travar batalhas internas, uma vez que se propunham a viver de maneira a agradar seu Senhor. Em segundo lugar, tal como já tínhamos visto, a escolha desse rumo de ação tinha, como resultado inevitável, o conflito com os que desejavam viver de outra maneira. A primeira luta era uma questão de fé em Jeová e na vitória espiritual, independentemente da segunda batalha poder ser ganha ou perdida. Abraço. Davi

terça-feira, 23 de abril de 2024

JESUS NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. Parte I

 

Islamismo. Livro Jesus um Profeta do Islam. Por Muhammad Ata Ur-Rahim. Capítulo II. Parte I. JESUS NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA. Parte I. Quanto mais pessoas tentam saber quem foi realmente Jesus, mais se descobre quão pouco se sabe sobre ele. Há registros restritos de seus ensinamentos e de algumas de suas ações, mas, além disso, muito pouco se conhece acerca da maneira como realmente viveu a vida, momento a momento, como se relacionou diariamente com as outras pessoas. Certamente, as imagens que muitas pessoas deram de Jesus — de quem era e daquilo que fez — são distorcidas. Embora haja alguma verdade nos quatro Evangelhos aceitos, sabe-se que não só têm sido alterados e censurados através dos tempos, como também não constituem registros de testemunhas oculares. O primeiro Evangelho é o de Marcos, escrito por volta dos anos 60-70 d.C.. Marcos era o filho da irmã de São Barnabé. Mateus, por sua vez, era um coletor de impostos, um oficial menor que não viajava com Jesus. O Evangelho de Lucas também foi escrito muito mais tarde e teve, de fato, a mesma origem dos anteriores. Lucas era o médico de Paulo e, tal como Paulo, nunca conheceu Jesus. Por sua vez, o Evangelho de João tem uma origem diferente e foi escrito ainda mais tarde, por volta do ano 100 d.C. Além disso, esse João não deve ser confundido com João, o discípulo, que foi outro homem. Aliás, durante dois séculos foi ardentemente debatido, se esse Evangelho deveria ser aceito como um registro seguro da vida de Jesus e se poderia ser incluído nas Escrituras. A descoberta dos famosos Pergaminhos do Mar Morto veio lançar uma nova luz acerca da natureza da sociedade em que Jesus nasceu. O Evangelho de Barnabé cobre, mais extensamente do que os outros, a vida de Jesus, enquanto o Alcorão e os Ahadice clarificam ainda mais a imagem real de Jesus. Nós descobrimos que Jesus não era o "filho de Deus" no sentido literal da palavra, mas, tal como Abraão e Moisés, antes dele e Maomé (ár. Mohammad) depois dele, era um Mensageiro que, como todos os seres humanos, necessitava de alimentos e ia ao mercado. Nós descobrimos que Jesus travou, inevitavelmente, batalhas com outras pessoas, cujos interesses estavam em conflito com o que ensinava. Pessoas que não aceitavam a orientação que recebiam ou que, mesmo sabendo da verdadeira, optavam por ignorá-la em favor da busca do poder, da riqueza e da reputação aos olhos dos homens. Além disso, descobrimos que a vida de Jesus, na terra, faz parte integrante da história judaica e, por conseguinte, para perceber a sua história é necessário conhecer a dos judeus. Ao longo da vida, Jesus foi um Judeu Ortodoxo praticante e chegou a reafirmar e reviver os ensinamentos originais de Moisés, que tinham sido alterados através dos anos. Finalmente, descobrimos que não foi Jesus quem foi crucificado, mas alguém que se parecia com ele. Lentulus, um oficial romano, descreve Jesus da seguinte forma: «Tinha o cabelo castanho, cor de avelã, liso até as orelhas e formando caracóis que caiam levemente até os ombros, em anéis abundantes; usava risco ao meio, segundo a moda dos Nazarenos. A testa era lisa e clara e a face rosada, sem borbulhas nem sardas, nem defeitos no nariz e nem na boca. Usava uma barba farta e luxuriante, da mesma cor do cabelo e dividida ao meio. Os olhos eram dum azul acinzentado com uma capacidade de expressão variada e fora do vulgar. Tinha altura média, com quinze punhos e meio. Alegre na seriedade e, por vezes chorava, mas jamais alguém o viu rir». Uma Tradição Muçulmana, no entanto, traça uma imagem diferente, dando lhe um aspecto delgado. De acordo com essa fonte: «Era um homem rosado, tendendo ao branco e não tinha o cabelo comprido. Nunca ungiu a cabeça e costumava andar descalço; não tinha casa, nem bens, nem roupas, não usava adornos e não levava consigo provisões, exceto os alimentos necessários ao próprio dia. O seu cabelo era desgrenhado e o rosto pequeno. Era um asceta neste mundo, esperando ansiosamente pelo próximo a fim de adorar Deus (àr. Allah)». A data exata do nascimento de Jesus não é conhecida. De acordo com Lucas, essa data está associada a um censo efetuado no ano 6 d.C. Mas, por outro lado, é também afirmado que Jesus nasceu no reinado de Herodes e que esse morreu no ano 4 a.C. Vicent Taylor, contudo, conclui que a data do nascimento de Jesus pode ter sido anterior, isto é, no ano 8 a.C.; dado que o decreto de Herodes, desencadeado pelas notícias do recente ou do eminente nascimento de Jesus, pretendia que todas as crianças recém-nascidas em Belém fossem mortas, tem que, obviamente, ter precedido a morte de Herodes. Mesmo se seguirmos Lucas, a discrepância entre dois versículos no mesmo Evangelho é de dez anos. A maioria dos comentadores acredita no segundo versículo, que infere que Jesus nasceu no ano 4 a.C., isto é, quatro anos "Antes de Cristo". A miraculosa concepção e o nascimento de Jesus têm sido igualmente assuntos de muita discussão. Algumas pessoas creem que ele não era mais do que o filho de carne e osso de José; enquanto outras, acreditando na imaculada concepção, concluem que ele era o "filho de Deus", mas permanecem divididas, quanto ao fato de o tratamento dos termos poder ser feito literal ou figurativamente. Lucas diz o seguinte: «O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma virgem ... e o nome da virgem era Maria. Ao entrar em sua casa, o Anjo lhe disse: "Salve, ó cheia de Graça, o Senhor está contigo". Ao ouvir essas palavras, perturbou-se e inquiriu-se a respeito do significado de tal saudação. Disse-lhe o Anjo: "Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Hás de conceber no teu seio e dar à luz a um filho, ao qual porás o nome de Jesus ... " Maria disse ao Anjo: "Como será isso, se eu não conheço homem?" E o Anjo lhe respondeu: "...porque nada é impossível a Deus". Maria disse, então: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o Anjo se retirou». (Lucas 1: 26-39). O mesmo episódio é descrito no Alcorão da seguinte forma: “Recorda-te de quando os anjos disseram: Ó Maria, Deus te elegeu, purificou-te e te preferiu a todas as mulheres da humanidade! Ó Maria, consagra-te ao Senhor. Prostra-te e ajoelha-te com os que se ajoelham! Esses são alguns relatos do desconhecido, que te revelamos (ó mensageiro). Tu não estavas presente com eles (os judeus) quando, com setas, tiravam a sorte para decidir quem se encarregaria de Maria; tampouco estavas presente quando estavam a discutir entre si. E quando os anjos disseram: Ó Maria, Deus te anuncia o Seu Verbo, cujo nome será o Messias, Jesus, filho de Maria, nobre neste mundo e no outro, que se contará entre os próximos de Deus. Falará aos homens, ainda no berço, bem como na maturidade e se contará entre os virtuosos. Perguntou: Ó Senhor meu, como poderei ter um filho, se mortal algum jamais me tocou? Disse-lhe o anjo: Assim será. Deus cria o que deseja, posto que quando decreta algo, basta dizer: Seja! E é”. (Alcorão, 3:42-47) Dos quatro Evangelhos, Marcos e João mantêm silêncio em relação ao nascimento de Jesus e, Mateus, só casualmente o menciona. Tal como entre Mateus e Lucas, o primeiro indica vinte e seis pessoas entre Adão e Jesus, ao passo que Lucas tem quarenta e dois nomes em sua lista. Portanto, há uma discrepância, entre os dois, de dezesseis pessoas. Se considerarmos os quarenta anos, a idade média de uma pessoa, então, há uma lacuna de seiscentos e quarenta anos entre os dois registros da suposta linha da ascendência de Jesus! Contradições desse gênero não existem na Doutrina do Alcorão, nem quanto à imaculada concepção, nem em relação ao milagroso nascimento de Jesus. No entanto, o Alcorão rejeita firmemente a Divindade de Jesus, tal como é mostrado nessa descrição, do que aconteceu pouco depois de seu nascimento: “Regressou ao seu povo levando-o (o filho) nos braços. E lhe disseram: Ó Maria, eis que trouxeste algo extraordinário! Ó irmã de Aarão, teu pai jamais foi um homem do mal, nem tua mãe uma (mulher) sem castidade! Então, ela lhes indicou que interrogassem o menino. Disseram: Como falaremos a uma criança que ainda está no berço? Ele lhes disse: Sou o servo de Deus, o Qual me concedeu o Livro e me designou como profeta. Fez-me abençoado, onde quer que eu esteja, recomendou-me a oração e o Zakat enquanto eu viver. E me fez gentil com a minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou rebelde. A paz está comigo, desde o dia em que nasci; estará comigo no dia em que eu morrer, bem como no dia em que eu for ressuscitado. Este é Jesus, filho de Maria; é a pura verdade, da qual duvidam. É inadmissível que Deus tenha tido um filho. Glorificado seja! Quando decide uma coisa, basta-lhe dizer: Seja! E é.” (Alcorão, 19:27-35) O nascimento de Adão foi o maior milagre, uma vez que nasceu sem pai nem mãe; mas o nascimento de Eva foi um milagre maior do que o nascimento de Jesus, pois, também, ela nasceu sem uma mãe. O Alcorão diz: “O exemplo de Jesus, ante Deus, é idêntico ao de Adão, que Ele criou do pó; então lhe disse: Seja! E foi”. (Alcorão, 3:59) É muito importante examinar a vida de Jesus, no contexto do que estava acontecendo, no âmbito político e social, na sociedade em que nasceu, pois era um tempo de grande desassossego no mundo judaico. Ao longo de sua história, os judeus têm sido espezinhados pelos invasores, um em seguida do outro, numa série de invasões que serão examinadas, detalhadamente, mais à frente. Além disso, devido às derrotas e ao abandono delas resultante, a chama do ódio se manteve sempre ardendo em seus corações. No entanto, mesmo nos dias de mais negro desespero, grande parte dos judeus manteve o equilíbrio mental e continuou à espera de um novo Moisés, que viesse, com seu exército, afastar o invasor e dar início ao Governo de Jeová. Esse seria o Messias, ou o Anunciado. Sempre existiu uma parte da nação judaica que idolatrava todas as auroras e desfraldava as velas, qualquer que fosse o vento, na ocasião, de maneira a tirar o maior proveito, mesmo de um mau negócio. Assim adquiriam fortuna e posição, tanto temporais, como religiosas, mas eram odiados pelo restante dos judeus e considerados traidores. Além desses dois grupos, havia um terceiro agrupamento de judeus que diferia profundamente dos primeiros. Refugiava-se no deserto, onde podia praticar a religião, de acordo com a Torá e preparava-se para combater os invasores sempre que a oportunidade surgisse. Durante este período, os romanos fizeram muitas tentativas falhas para descobrir o seu esconderijo, mas o número desses patriotas continuou sempre a crescer. A primeira vez que tivemos conhecimento deles, foi através de Flavius Josephus (37-100), que apelidava esses três grupos judeus de fariseus, saduceus e essênios, respectivamente. A existência dos Essênios era conhecida, mas sem grande pormenor, não sendo mencionada, nem uma vez, nos Evangelhos. Então, subitamente, os documentos conhecidos como Pergaminhos do Mar Morto vieram a lume nas montanhas do Jordão, perto do Mar Morto, descoberta que desabou sobre todo o mundo intelectual e eclesiástico como uma tempestade. A história de como esses documentos foram encontrados precisa ser contada. Em 1947, um rapaz árabe, enquanto apascentava o seu rebanho, perto de Qumran, notou que lhe faltava uma das ovelhas e, como tal, decidiu subir a montanha mais próxima à procura do animal que lhe faltava. Durante a busca, chegou à boca de uma caverna onde pensou que a ovelha entrou. Atirou um calhau no interior e esperou ouvi-lo bater em pedra. Em vez disso, o calhau provocou um estalido como se tivesse atingido um pote de barro e o rapaz pensou que, talvez, tivesse tropeçado num tesouro escondido. Na manhã seguinte, voltou à caverna e entrou, levando um amigo para ajudá-lo. Porém, em vez do tesouro, encontraram alguns potes de barro entre olaria partida. Levaram um deles ao acampamento onde viviam, mas ficaram amargamente desapontados ao verem que tudo o que encontraram foi uma coisa suja e cheirando a pergaminho de couro, que desenrolaram até chegar de uma ponta à outra da tenda. Era um dos pergaminhos que, mais tarde, foi vendido por um quarto de milhão de dólares. Os rapazes venderam-no a um cristão sírio, chamado Kando, por alguns xelins. Kando era um sapateiro e estava apenas interessado na pele, que lhe poderia servir para reparar sapatos velhos. No entanto, o sapateiro reparou que a folha de couro tinha letras escritas, que não conhecia. Após uma observação mais minuciosa, decidiu mostrá-la ao Bispo Primaz Sírio, do Mosteiro de São Marcos, em Jerusalém e essas duas figuras sombrias carregaram, então, o pergaminho de país em país, na esperança de ganhar dinheiro. No Instituto Oriental Americano do Jordão, verificaram que o pergaminho era a mais antiga cópia do Livro de Isaías do Antigo Testamento. Sete anos depois, o pergaminho foi colocado pelo governo de Israel no Santuário do Livro em Jerusalém. Numa estimativa incerta, existem cerca de seiscentas cavernas na encosta sobranceira ao leito do rio. Ora, nessas cavernas viviam os essênios, uma comunidade de pessoas que tinha renunciado ao mundo, dado que o verdadeiro judeu podia viver, apenas, sob a soberania de Jeová e não lhe era permitido obedecer a nenhuma autoridade, além d’Ele. Portanto, segundo as suas crenças, um judeu vivendo sob outro domínio e reconhecendo o Imperador Romano como senhor absoluto, cometia um pecado. Cansados da pompa, do espetáculo do mundo e oprimidos por forças incontroláveis que conduziam, inevitavelmente, ao conflito e à autodestruição, os essênios procuraram refúgio no silêncio dos rochedos, que se elevavam às margens do Mar Morto. Recolhiam-se à solidão das cavernas, nas montanhas, a fim de poderem se concentrar, levando uma vida de pureza, para conseguirem, assim, ganhar a salvação. Ao contrário de muitos dos judeus do Templo, não usavam o Antigo Testamento para ganhar dinheiro, mas tentavam viver segundo seus ensinamentos e, com isso, esperavam alcançar perfeição e santidade. A sua finalidade era criar um exemplo que mostrasse, aos restantes judeus, como escapar da estrada que os levava à destruição e que sabiam aproximar-se rapidamente, a menos que os judeus seguissem a Palavra de Deus. Escreviam canções gnósticas, o que devia ter agitado os corações das pessoas, mais profundamente do que as palavras, por si só, pudessem exprimir. Uma vida gnóstica é como uma embarcação numa tempestade, diz uma canção. Noutra, um gnóstico é descrito como um viajante numa floresta cheia de leões, cada um com uma língua afiada como uma espada. No princípio do caminho, um gnóstico é atormentado pela dor, tal como uma mulher em trabalho de parto ao dar à luz ao seu primeiro filho, mas, se conseguir suportar essa dor, torna-se iluminado pela Luz perfeita de Deus. Então, percebe-se que o homem é uma criatura frívola e vazia, moldado em barro e amassado com água. Depois de ter passado pelo severo teste do sofrimento, de ter suportado os limites da dor e do desespero, alcançará a paz na agitação, a alegria no sofrimento e uma nova vida de felicidade na dor. Então, ficará envolto no manto do amor de Deus. Nesse ponto, com um humilde reconhecimento, alcançará o significado do que é ter sido arrebatado de um fosso e colocado num plano elevado. E, assim iluminado pela Luz de Deus, poderá se manter ereto e inflexível perante a força bruta do mundo. Antes da descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto, muito pouco se sabia acerca dos Essênios. Abraço. Davi

sexta-feira, 19 de abril de 2024

O CONCEITO DE DEUS PARA JUDEUS E CRISTÃOS. Parte II

 

Judaísmo. Livro Judaísmo e Cristianismo. As Diferenças. Por Trude Weiss Rosmarin (1908-1989). Capítulo I. O CONCEITO DE DEUS PARA JUDEUS E CRISTÃOS. Parte II. A crença num Deus pessoal está calcada na convicção de que o Eterno do universo, apesar de inimaginavelmente superior e elevado acima do ser humano, está, entretanto, próximo e é acessível a ele. Essa crença, não depende da suposição de que Deus seja uma pessoa ou possuidor das características e traços geralmente associados ao ser humano. Simplesmente implica, conforme os rabinos afirmam, que “apesar de Ele ser exaltado, acima de seu mundo, mesmo quando o homem adentra na Casa de Oração, permanece por trás de uma coluna e ora sussurrando, o Santíssimo – abençoado seja Ele – ouvirá essa prece (...). Pois Deus está tão próximo de suas criaturas quanto a boca do ouvido”. Tal visão naturalmente inspirou a conclusão reconfortante dos sábios de que Deus, ao proclamar os Dez Mandamentos, apresentou-se como “teu Deus”, empregando a forma singular, com o intuito de ensinar que Ele é o Deus de cada homem, mulher e criança”. Essa consciência e certeza da proximidade de Deus para com todos aqueles que o buscam, apesar de sua incomensurável distância de qualquer atributo ou faculdade que possa ser compreendida pelo intelecto humano. Não foi necessário para o judaísmo humanizar Deus com o intuito de trazê-lo mais próximo â alma e suas necessidades humanas. O judaísmo, portanto, não necessita da segurança e do conforto que o cristianismo encontra na doutrina da encarnação de Deus em Jesus. Ao contrário, essa doutrina parece ao judeu ser uma infração e uma diminuição da incomparável Unicidade e Unidade de Deus. Num recente e respeitável estudo sobre o cristianismo, encontramos a seguinte definição: “O cristianismo é um monoteísmo ético-pessoal> o Supremo é espírito, é pessoa, é um é bom”. Tal conceito de Deus é diametralmente oposto aquele que o judaísmo aceita. Assim o judaísmo é um monoteísmo ético não baseado em uma pessoa: o Supremo é o espírito, mas não uma pessoa. Ele é um, mas o mistério dessa Unicidade é incomensurável. Não obstante – e disso os judeus sempre tiveram certeza – é indivisível em três partes mesmo sendo todas partes do um, conforme prega o cristianismo. O monoteísmo judaico não é somente a negação dos vários deuses, mas também a rejeição da personificação de Deus por um lado e da deificação dos seres humanos por outro. O judaísmo se recusa a adorar Jesus, não somente devido ao seu repúdio à doutrina da encarnação, da crença que Deus se tornou uma pessoa. Mas também devido a sua resistência a toda e qualquer tentativa de atribuir qualidades e honrar divinas a meros mortais. Já foi ressaltado que o abismo que separa o judaísmo do catolicismo é mais amplo e mais profundo que o que existe entre o judaísmo e o protestantismo. Porém esse último aboliu vários conceitos e práticas helenistas que a Igreja antiga adotava. É importante entender, todavia, que as diferenças entre judaísmo e protestantismo são menos pronunciadas somente em quantidade e não em qualidade. Pode-se notar prontamente este aspecto ao se examinar a atitude dos católicos e protestantes na adoração de pessoas. O catolicismo adora pessoas e suas imagens. Contudo, enquanto o catolicismo venera, além de Jesus, uma grande e crescente galeria de santos e suas relíquias. Além de devotar um culto especial a adoração da “Mãe de Deus”, o protestantismo adora somente o Jesus Triuno, além do “Pai”. O judaísmo, contudo, sumariamente rejeita a adoração de pessoas, independentemente de ser uma ou várias, e assim não é menos incompatível como protestantismo do que com o catolicismo. Todavia, é inútil especular se o judaísmo está mais próximo do protestantismo ou do catolicismo.  De fato, ele é afastado dos dois, sendo que qualquer distância menor que o separe do protestantismo é insignificante. Poderemos melhor compreender esse aspecto ao examinar atentamente a postura tradicional judaica com relação a deificação de mortais. Antes disso, não obstante, façamos urna pausa para provar as diferenças entre as posturas judaica e cristã com relação a adoração de imagens. O judaísmo, por tempos e tempos, tem sido ilimitadamente fiel a cada letra do segundo mandamento, que proíbe a elaboração de imagens, e não somente sua adoração, apesar de alguns judeus ocasionalmente terem transgredido essa lei. O cristianismo tem sido menos severo na aplicação desse mandamento. O catolicismo, especialmente,  tem feito concessões consideráveis para aquecer conceitos, concessões estas que o protestantismo não faz. Como a que permite aos católicos orarem não somente defronte o crucifixo, mas também em frente às imagens da “Mãe de Deus” e de santos. Contudo o protestantismo, mesmo tendo extinguido todas as imagens e estátuas com exceção do crucifixo, não se aproxima do judaísmo, em qualidade, uma vez que, este rejeita o pensamento de rezar diante de qualquer objeto, independentemente de seu significado simbólico. Para demostrar a aversão a qualquer símbolo material de veneração, os antigos tanaítas judeus já haviam interpretado alegoricamente o incidente da “serpente abrasadora”, registrado no Pentateuco. Quando o povo de Israel foi atormentado por serpentes venenosas como castigo pela falta de fé. Deus instruiu Moisés, Números 21,8: “Fazei para si uma serpente abrasadora e põe na sobre uma haste. E acontecerá que todo aquele, olhando para ela, viverá”. Na verdade, essa foi uma aproximação muito perigosa da adoração de imagens. Os rabinos, apesar disso, se apressaram em destacar que essa história é uma alegoria, ”pois pode uma serpente matar, ou manter vivo? Isso se deu simplesmente para mostrar que quando o povo olhou para os Céus e manteve o coração submisso ao Pai do Céus, foram curados; senão estariam perdidos”. A interpretação dos rabinos sobre a história da serpente abrasadora prova o quanto a aversão a adoração de imagens está entranhada no judaísmo. Claro que o judeu é bastante consciente de que os cristãos inteligentes não rezam e adoram o crucifixo, mas sim, o que ele representa. Contudo, ele só pode considerar o papel do crucifixo no ritual cristão como uma ofensa ao segundo mandamento. Que proíbe não somente a adoração de imagens, mas também sua fabricação, o que invariavelmente conduz a pecado mais grave. O judaísmo tem sido singularmente cuidados em manter a Unicidade de Deus. Tem, todavia, veementemente, se recusado a representar essa Unicidade de qualquer forma material ou de conceder a qualquer ser humano a possibilidade de compartilhar dessa Unicidade. O judaísmo é, portanto, zeloso no que diz respeito à manutenção do domínio de Deus e dos limites do ser humano separados. Todavia, desde o início, negou a possibilidade de qualquer pessoa, mesmo a mais perfeita, atingir a perfeição Divinal. No judaísmo, o homem é homem e Deus é Deus, e permanecerá Deus em sua majestade eterna e inigualável. Vale a pena mencionar quão diligentemente todas as fontes judaicas, da Bíblia aos filósofos racionalistas, enfatizam o aspecto de que nenhum mortal atingiu a perfeição Divina. Por esse motivo, Moisés, o outorgador das leis e “mestre dos profetas”, foi representado simplesmente por um homem – mais devoto, claro, e possuidor de uma mente mais aguçada, certamente superior a de qualquer mortal, sendo somente assim somente um homem. Moisés também pecou e foi punido por sua transgressão. Também amava a vida e temia a morte, pois era um homem e não um ser Divino. O judaísmo, atento ao perigo da deificação e ocultada na sombra de uma personalidade tão elevada quanto Moisés, constantemente ressaltava seu caráter humano. “O homem Moisés”. É assim que o Pentateuco se refere a ele. E pelo fato de que o judaísmo pretende mantê-lo como o “homem Moisés”, até mesmo escondeu sua sepultura para que as gerações futuras não viessem a orar e adorá-lo. O Maimônides postulou a fé na verdade da profecia Maimônides – a profecia de Moisés, e não o Moisés homem – como uma das crenças judaicas mais importantes, resumindo o consenso judaico sobre ele mesmo como: “Ele foi o mestre de todos os profetas que o precederam, e os que vieram depois dele foram todos inferiores”. Ainda assim, quando o mais perfeito dos profetas e mestres implorou a Deus, Êxodo 33,18: Rogo-te que me mostres a tua glória”. Deus explicou a ele, citando Maimônides. “Mas isso era impossível já que seu intelecto estava vinculado à matéria – isto é, era um ser humano. Ele (Deus), portanto, disse a ele, Êxodo 33,20 “Não poderás ver minha face, porque o homem não pode ver-me e continuar vivendo”. Em outras palavras, quando Moisés presumiu estar invadindo o eterno enigma do Divino, foi rejeitado e remetido â sua própria esfera – a esfera dos mortais. Moises sempre foi para o judaísmo o que era desde o início: um ser humano. Os judeus não acreditam em Moisés, mas sim, como o Maimônides colocou, na profecia de Moisés, ou seja, em sua mensagem. O Maimônides é bastante explícito ao ressaltar, em outro contexto, que o caráter Divino da revelação da Torá de maneira alguma conferiu divindade a Moisés. Uma vez que, “ao outorgar a Torá, Moisés atuou como um escriba que anota o ditado na sua totalidade (...). É neste sentido que é tido coo portador das leis”. Os resultados desta investigação, superficial quanto ao estudo das características e papel de Moisés, deem ter deixado claro o porquê de o judaísmo se recusar ousadamente a reconhecer Jesus e a divina perfeição atribuída a ele. O judaísmo nunca concedeu honras divinas a qualquer ser humano nascido do ventre de uma mulher. O “homem Moisés” tem sido o lema ao longo do tempo, e assim a religião tem evitado todas as tentativas de entronar qualquer mortal como um deus. Com veemência semelhante, tem recusado a admitir a possibilidade de qualquer pessoa compatibilizar da perfeição de Deus ou a encarnação de Deus em qualquer ser humano. Por esse motivo, na religião judaica não se glorificam pessoas. Nenhuma festa judaica é centrada em pessoas, independentemente do papel que certo indivíduo tenha nos eventos comemorados. Apesar de Moisés ter sido o líder da libertação dos judeus do Egito. Ele não é glorificado na Hagadá, o livro de rezas que rege a celebração do Sêder (ceia) que comemora o Êxodo. Claro que essa omissão não é acidental, mas motivada pela forte tendência de evitar a glorificação de méritos e importância de grandes seres humanos, um tributo, o que poderia facilmente conduzir à adoração de um herói e à deificação de pessoas. Enquanto o judaísmo excluiu rigorosamente qualquer vestígio de adoração a heróis de seus rituais festivos, as festas cristãs, sem exceção, são centradas em pessoas. No protestantismo, em Jesus Triuno, e no catolicismo, além de Jesus, na “Mãe de Deus” e nos vários santos. Esta diferença tem uma implicação consideravelmente maior do que a simples ênfase em pessoas numa religião e a ausência completa desta ênfase na outra. Isso significa que o Judaísmo mantém, em todos os aspectos e incondicionalmente, a pureza inalterada do absoluto monoteísmo, que foi abandonado consideravelmente em todas as formas de cristianismo. Abraço. Davi.

 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

BUDISMO BÁSICO - Parte II

 

Budismo. Livro A Vida de Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) O Dalai Lama. BUDISMO BÁSICO – Parte II. Pensamento Válido e Inválido. No budismo, mente tem um significado amplo que abrange todo o espectro da experiência consciente, incluindo todos os pensamentos e emoções. Um fato natural – suponho que se possa chamá-lo de lei psicológica – de nossa experiência subjetiva é que dois pensamentos ou emoções diretamente opostas não podem coexistir ao mesmo tempo. A partir de nossa experiência cotidiana normal, sabemos que existem pensamentos que podem ser classificados como válidos e inválidos. Por exemplo, se um determinado pensamento corresponde a realidade, ou seja, se existe uma correspondência entre um estado de coisa no mundo e a percepção que temos dele, então se pode chamar isso de pensamento válido ou de experiência válida. Mas também temos pensamentos e emoções completamente contrários à maneira como as coisas se apresentam. Em alguns casos, podem ser formas de exagero, mas em outros podem ser diametralmente opostos à maneira como as coisas realmente são. Esses pensamentos e emoções podem ser chamados de inválidos. Os textos budistas, especialmente aqueles que lidam com os modos de conhecimento, fazem essa distinção entre pensamentos e emoções válidos e inválidos para discutir a cognição válida e seus resultados. O que queremos dizer é que, para que um empreendimento seja bem-sucedido e leve a realização de um objetivo, são necessários pensamentos e emoções válidos. Nos textos budistas, o alcance de mais alta liberação espiritual é considerado fruto de pensamentos e emoções válidos. Por exemplo, segundo os ensinamentos budistas, considera-se que o principal fator que dá origem a iluminação é a verdadeira percepção da natureza da realidade. Essa percepção da natureza da realidade é uma maneira válida de conhecer as coisas, tais como a natureza do mundo. A compaixão, o altruísmo e o bodichita – o espírito de iluminação – são parte integrante dessa verdadeira percepção da realidade e, assim, baseiam-se em pensamentos válidos. Embora o altruísmo e a compaixão sejam mais emoções do que pensamentos cognitivos, o processo que leva à realização da compaixão universal e do bodichita envolve a comparação de verdades e falsidades. Portanto, podemos dizer que ser um Buda em si é uma consequência de pensamentos e emoções válidos. Pelo contrário, podemos ver a experiência não iluminada (samsara) como produto de modos de experiência inválidos. Por exemplo, segundo o budismo, a raiz fundamental de nossa existência não iluminada é a ignorância. A principal característica dessa ignorância é uma percepção distorcida do mundo e de nós mesmos. Mais uma vez, pensamentos e emoções inválidos, maneiras inválidas de ver e experimentar as coisas e nós mesmos, são, no final das contas, a origem de nosso sofrimento e de nossa não iluminação. Em última análise, pensamentos e emoções válidos estão relacionados com a felicidade e com a liberdade espiritual. Enquanto pensamentos e emoções inválidos estão relacionados com o sofrimento e com o estado não iluminado. As Duas Verdades. Ao treinar a mente, desenvolvemos, intensificamos e aperfeiçoamos pensamentos e emoções válidos, assim como impedimos, minamos e acabamos por eliminar as formas inválidas. As múltiplas abordagens do treinamento da mente têm dois aspectos principais. Um deles é o desenvolvimento da percepção ou da sabedoria, ou seja, desenvolver essas maneiras válidas de pensar. O outro é o método ou os meios habilidosos. Esse modo de ver a essência dos ensinamentos do Buda como ensinamentos sobre conhecimento e sobre método corresponde maravilhosamente a uma observação de Nagarjuna, quando diz que todos os ensinamentos do Buda devem ser compreendidos por meio das duas verdades – a verdade convencional e a absoluta. É preciso entender os ensinamentos essenciais das quatro nobres verdades em termos dessas duas verdades. No entanto, quando falamos sobre a natureza das duas verdades, devemos entender que elas não são dois reinos independentes e sem relação. As várias escolas filosóficas budistas têm entendimentos diferentes dessas duas verdades. Quando falo sobre elas, meu entendimento está fundamentado na perspectiva dos pensadores indianos da Escola Madhyamika, com relação aos quais tenho inclinação particular baseada na admiração. Segundo a visão Madhynujam a realidade convencional é constituída pela experiência comum do reino da causa e efeito. Esse é o reino da multiplicidade, no qual vemos operarem as diversas leis da realidade. Esse nível de realidade é chamado de verdade convencional porque a verdade de nossa experiência nesse nível é especifica a uma maneira convencional ou normal de entender o mundo. Se formos mais além, descobrimos que todas as coisas são o resultado de muitas causas e condições. A origem das coisas e acontecimentos depende de fatores múltiplos. Qual a implicação dessa realidade de interdependência? A implicação é que nenhuma coisa, nenhum acontecimento, incluindo o próprio eu de cada um, possui uma realidade independente ou intrínseca. Essa ausência de realidade, independente é chamada de verdade absoluta. A razão pela qual é chamada de verdade absoluta é que ela não é óbvia para nós, em nosso nível comum de percepção do mundo. É preciso ir adiante para encontrá-la. Essas duas verdades são, na realidade, dois lados da mesma coisa – duas perspectivas de um mesmo e único mundo. O princípio das duas verdades é muito importante porque fala diretamente ao nosso entendimento da relação entre nossa percepção e a realidade do mundo. Encontramos na literatura budista indiana inúmeras conversas, debates e análises sobre como a mente, ou consciência, apreende o mundo. Surgem perguntas como: Qual a natureza da relação entre nossa experiência subjetiva e o mundo objetivo? Até que ponto nossas experiências são constituídas pelo mundo que apreendemos? Penso que a razão pela qual essas questões foram tão intensamente discutidas no budismo é que sua resposta tem um papel crucial no desenvolvimento de nossa mente. O Dois Aspectos da Budeidade. A esses dois níveis de realidade correspondem as duas dimensões do caminho: método e sabedoria E porque há duas dimensões principais do caminho existem dois aspectos do estado resultante de budeidade. Um deles é o corpo formal de um Buda, e o outro é seu corpo verdadeiro, a verdadeira realidade de uma mente iluminada. O corpo formal é definido como o aspecto de um ser plenamente iluminado que existe puramente em relação aos outros. Ao assumir formas e aparências tão diversas, um ser plenamente iluminado pode realizar todo tipo de atividade para assegurar o bem-estar dos outros. O corpo verdadeiro de um Buda é definido como o aspecto que existe em relação a outras Budas. A razão para tal é que o corpo verdadeiro só é diretamente acessível a um ser plenamente iluminado. É só assumindo um corpo formal que o corpo verdadeiro pode se manifestar e realizar atividades benéficas para seres não iluminados. Assim, a budeidade pode ser considerada a realização tanto do interesse pessoal de uma pessoa quanto do interesse dos outros. Tornar-se um Buda significa que uma pessoa compreendeu plenamente a verdadeira natureza da realidade e desenvolveu plenamente o desejo de beneficiar outras pessoas. Portanto, um buda é uma manifestação completa tanto de sabedoria quanto de compaixão. Abraço. Davi.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

BUDISMO BÁSICO - Parte I

 

Budismo. Livro A Vida de Compaixão. Por Tenzin Gyatso (1935 - ) O Dalai Lama. BUDISMO BÁSICO – Parte I. Apesar de Acreditar que a compaixão e a afeição humanas sejam valores universais que transcendem as fronteiras da diferença religiosa, o significado da compaixão dentro do budismo está baseado em uma visão de mundo específica, com objetivos e métodos. Essa visão de mundo não expõe apenas o que expliquei anteriormente a respeito dos benefícios da compaixão e dos métodos para desenvolvê-la. Mas também mostra como o desenvolvimento da compaixão é parte integrante do entendimento budista da realidade e do caminho para a iluminação. Assim, pode ser útil fornecer algumas explicações sobre a filosofia budista. As Quatro Nobres Verdades e a Causalidade. Os ensinamentos fundamentais do Buda se baseiam nas quatro nobres verdades. Elas são a base do ensinamento budista. São a verdade do sofrimento, sua origem, a possibilidade da cessação do sofrimento e o caminho que leva a essa cessação. Os ensinamentos das quatro nobres verdades baseiam-se na experiência humana, no centro da qual está a aspiração natural para buscar a felicidade e evitar o sofrimento. A felicidade que desejamos e o sofrimento que afastamos não são aleatórios, mas ocorrem devido a determinadas causas e condições. Entender esse mecanismo causal do sofrimento e da felicidade é o objetivo das quatro nobres verdades. De modo a entender o mecanismo causal por trás de nosso sofrimento e de nossa felicidade, devemos analisar a causalidade com cuidado. Por exemplo, você pode pensar que suas experiências de dor e sofrimento e felicidade ocorrem sem razão – em outras palavras, que não tem causa. Os ensinamentos budistas dizem que isso não é possível. Talvez você pense que uma substância primeva possa estar na origem de todas as coisas. Os ensinamentos budistas rejeitam essa possibilidade também. Usando razões para eliminar essas possibilidades, o budismo conclui que nossas experiências de sofrimento e felicidade não ocorrem por moto próprio nem devido a alguma causa de existência independente. Nem tampouco são o produto de alguma combinação dessas coisas. pelo contrário, o ensinamento budista compreende a causalidade em termos do que chama de originação interdependente. Todas as coisas e acontecimentos, incluindo nossas experiências de sofrimento e felicidade, vêm da reunião de uma multiplicidade de causas e condições. Entendendo o Papel Primário da Mente. Se examinarmos com cuidado o ensinamento das quatro nobres verdades, descobriremos a importância primordial da consciência, ou da mente, na determinação de nossas experiências de sofrimento e felicidade. O ponto de vista budista é que existem diferentes níveis de sofrimento. Por exemplo, há o sofrimento que é óbvio para todos nós, como as experiências dolorosas. Todos podemos reconhecer isso como sofrimento. Um segundo nível de sofrimento inclui o que definimos normalmente como sensações prazerosas. Na realidade, as sensações prazerosas são sofrimentos porque carregam dentro de si a semente da insatisfação. Há também um terceiro nível de sofrimento, que na terminologia budista chama-se sofrimento penetrante do condicionamento. Poder-se-ia dizer que esse terceiro nível de sofrimento é o simples fato de nossa existência como seres não iluminados sujeitos a emoções, pensamentos e ações cármicas negativas. Carma significa ação, e é o que nos mantém presos a um ciclo negativo. Estar preso ao carma dessa maneira é o terceiro tipo de sofrimento. Se você olhar para esses três tipos diferentes de sofrimentos, verá que em última instância estão baseados em estados de espírito. Na verdade, estados de espírito indisciplinados são por si só sofrimento. Se olharmos para a origem do sofrimento nos textos budistas, veremos que, embora leiamos sobre carma e sobre ilusão que motiva a ação cármica, estamos lidando com ações cometidas por um agente. Já que sempre há um motivo por trás de cada ação, o carma também pode ser compreendido em termos de estado de espírito que está indisciplinado. Da mesma forma, quando falamos sobre ilusões que fazem com que uma pessoa aja de modo negativo, elas também são estados de espírito indisciplinados. Portanto, quando os budistas se referem à verdade da origem do sofrimento, estamos falando sobre um estado de espírito indisciplinado e indomado, que obscurece nossa iluminação e que nos faz sofrer. A origem do sofrimento, a causa dele e o sofrimento em si, no final das contas, só podem ser entendidos em termos de estado de espírito. Quando falamos sobre a cessação do sofrimento, estamos falando apenas em relação a um ser vivo, um agente com consciência. Os ensinamentos budistas descrevem a cessação do sofrimento como o estado mais elevado de felicidade. Essa felicidade não deve ser entendida em termos de sensações prazerosas, não estamos falando e felicidade no nível do sentimento ou da sensação. Estamos, isso sim, nos referindo ao nível mais elevado de felicidade: total liberação do sofrimento e da ilusão. Mais uma vez, isso é um estado de espírito, um nível de realização. Por fim, de modo a compreender nossa experiência de sofrimento e dor, e o caminho que leva à cessação – as quatro nobres verdades – temos que entender a natureza da mente. Mente e Nirvana. O processo pelo qual a mente cria o sofrimento no qual vivemos é descrito pelo mestre indiano Chandrakirti (600-650) em seu Guia para o Caminho do Meio, quando afirma: “Um estado de espírito indisciplinado dá origem a ilusões que levam um indivíduo a ações negativas, que em seguida criam o ambiente negativo no qual a pessoa vive”. Para tentar entender a natureza da ausência de sofrimento que os budistas chamam de nirvana, podemos examinar um trecho do célebre Fundamento do Caminho do Meio, de Nagarjuna (século II e III d.C.), onde ele, de algum modo, equilibra a existência não iluminada (samsara) e a existência iluminada (nirvana). O que Nagarjuna explica é que não devemos pensar que existe uma natureza intrínseca, essencial de nossa existência, seja ela iluminada ou não. Do ponto de vista do vazio, ambas são igualmente desprovidas de qualquer tipo de realidade intrínseca. . o que diferencia um estado não iluminado de um iluminado é o conhecimento e a experiência do vazio. O conhecimento e a experiência do vazio do samsara por si só é o nirvana. A diferença entre samsara e nirvana é um estado de espírito. Assim, levando isso em conta, é legítimo perguntar: o budismo está sugerindo que tudo nada mais é do que a projeção da nossa mente? Essa é uma questão crítica que suscitou diferentes respostas de professores budistas ao longo da história do budismo.  Por um lado, grandes mestres argumentaram que, em última análise, tudo, até nossa experiência do sofrimento e da felicidade, nada mais é do que uma projeção de nossa mente. Mas existe outra vertente que argumentou com veemência contra essa forma extrema de subjetivismo. Essa segunda vertente afirma que, embora se possa, em certo sentido, entender tudo, até mesmo as próprias experiências como criações da própria mente, isso não significa que tudo seja apenas na mente. Eles argumentam que é preciso manter um grau de objetividade e acreditar que as coisas de fato existem. Embora essa vertente também afirme que a consciência desempenha um papel na criação de nossa experiência e do mundo, ao mesmo tempo existe um mundo objetivo. Há outra coisa que penso que se deva entender em relação ao conceito budista de nirvana. Nagabuddhi, um aluno de Nagarjuna, afirma que: “A iluminação ou a liberdade espiritual não é uma dádiva que alguém possa lhe dar, nem tampouco a semente da iluminação é algo que pertença a alguma outra pessoa”. O que isso implica é que o potencial para a iluminação existe naturalmente em todos nós. O aluno de Nagarjuna prossegue, perguntando: “O que é o nirvana, o que é a iluminação, o que é a liberdade espiritual’? Em seguida ele responde: “A verdadeira iluminação não é nada até que a natureza do próprio ser seja plenamente realizada”. Essa natureza do próprio ser é o que os budistas chamam de luz clara derradeira ou natureza interna radiante da mente. Quando isso estiver plenamente cumprido ou realizado, isso é a iluminação, isso é a verdadeira budeidade. Podemos ver que, quando falamos de iluminação e nirvana, que são frutos das realizações espirituais de cada um, estamos falando de estado de espírito. Do mesmo modo, quando falamos das ilusões que obstruem nossa realização desse estado iluminado, também estamos nos referindo em particular às ilusões baseadas em uma maneira distorcida de apreender o próprio ser e o mundo. A única maneira de podermos eliminar esse entendimento errado, essa maneira distorcida de apreender o próprio ser e o mundo, é cultivando uma compreensão da verdadeira natureza da mente. Em suma os ensinamentos do Buda identificam, por um lado, um estado de espírito indisciplinado com o sofrimento e, por outro, um estado de espírito disciplinado com a felicidade e a liberdade espiritual. Esse é um ponto essencial. Abraço. Davi.

 

sábado, 13 de abril de 2024

A DOUTRINA UNITÁRIA E O CRISTIANISMO

 

Islamismo. Livro Jesus Um Profeta do Islam. Por Muhammad Ata ur-Rahim. Capítulo I. A DOUTRINA UNITÁRIA E O CRISTIANISMO. A pesquisa histórica mostrou que o animismo e a adoração de ídolos, pelos povos primitivos de todo o mundo, constituem uma subversão da crença Unitária original, que o Deus Único, do judaísmo, cristianismo e islamismo, cresceu em oposição à multiplicidade de deuses, em vez de evoluir a partir deles. Pode-se, assim dizer, que é na fase inicial de qualquer tradição que devemos procurar o ensinamento mais puro, resultando, necessariamente, um declínio de toda a doutrina que o segue posteriormente. É, pois, sob essa perspectiva que deve, também, ser examinada a história do cristianismo. A crença inicial num só Deus veio a se corromper, tendo-se aceitado, então, a doutrina da Trindade, a qual deu origem a uma confusão que afastou cada vez mais o homem da serenidade intelectual. No século seguinte ao desaparecimento de Jesus, seus seguidores continuaram a afirmar a Unidade Divina, o que é ilustrado pelo fato de o Pastor de Hermas, escrito cerca de 90 d.C., ter sido considerado pela Igreja um Livro Revelado. Esse é o primeiro dos doze mandamentos que ele contém: «Acima de tudo, acreditem que Deus é um só, que criou todas as coisas, organizou-as, do que não existia fez tudo existir e Ele contém tudo. Mas nada o contém ...» De acordo com Theodore Zahn, o 1o artigo da Fé até cerca de 250 d.C. era «Eu acredito em Deus Todo-Poderoso» Entre 180 e 210 d.C. foi inserida a palavra Pai antes de Todo-Poderoso, o que provocou vivas contestações por parte de muitos chefes da Igreja. Entre os principais responsáveis desse movimento, contam-se os Bispos Victor e Zephysius, que entendiam ser um sacrilégio inqualificável acrescentar ou retirar qualquer palavra das Escrituras. Opunham-se à tendência de considerar Jesus como Deus e sublinhavam a unidade de Deus tal como foi expressa nos ensinamentos originários de Jesus. Defendendo que, embora Profeta e muito favorecido pelo Senhor, Jesus era, na sua essência, um homem como os outros. Essa fé era compartilhada pelas Igrejas que tinham surgido no Norte da África e na Ásia Ocidental. À medida que se expandiam, os ensinamentos de Jesus tomavam contato com outras culturas e entravam em conflito com elas, tendo sido assimilados e adaptados por essas culturas e, simultaneamente, sofrido alterações, de forma a serem reduzidas as perseguições por parte dos governantes. Na Grécia, sobretudo, sofreram uma metamorfose, devido a serem expressos pela primeira vez numa nova língua de uma cultura com ideias e filosofia próprias. E foi o ponto de vista da multiplicidade de deuses dos gregos que contribuiu largamente para a formulação desta Doutrina da Trindade. Ao mesmo tempo em que alguns, principalmente, Paulo de Tarso, transformavam gradualmente Jesus, de Profeta que era, em Deus. Apenas em 325 d.C. a doutrina da Trindade foi declarada Ortodoxa pelo Cristianismo; ainda assim, alguns dos que a subscreveram não acreditavam nela, por não encontrarem nas Escrituras nenhuma autoridade a garanti-lo. Atanasio, que é considerado o pai desse credo, não estava muito seguro da sua justeza. Admite que «sempre que forçava a inteligência na meditação da divindade de Jesus confrontava-se com a ineficácia dos seus porfiados esforços, acontecendo que, quanto mais escrevia, menos capaz era de expressar os seus pensamentos». E chega mesmo a escrever: «Não existem três, mas um ÚNICO DEUS». A sua crença na doutrina da Trindade não se baseava na certeza, mas em conveniências políticas e em necessidades circunstanciais. O papel desempenhado por Constantino, o imperador pagão de Roma que presidiu ao Concílio de Nicéia, mostra bem, como aquela histórica decisão ficou devendo a expedientes políticos e a falsos argumentos filosóficos. As florescentes comunidades cristãs constituíam, já, uma força que Constantino não desejava enfrentar e, cujo apoio ao fortalecimento do Império era insubstituível. Ao remodelar o cristianismo, Constantino esperava ganhar a simpatia da Igreja e ao mesmo tempo acabar com a confusão nela existente, o que constituía uma fonte, ainda maior, de confusão no seu Império. O processo que o levou a atingir parcialmente o seu objetivo pode ser ilustrado através de um incidente ocorrido na Segunda Guerra Mundial. Em certa altura, estava próxima a festa Islâmica do 'Id, começou a chegar a Singapura, Tóquio, anunciando que se tratava de uma ocasião histórica com repercussão em todo o mundo Islâmico. Após alguns dias, a propaganda foi subitamente suspensa, sabendo-se, através de um prisioneiro japonês, capturado numa emboscada, que Tojo, o chefe do governo japonês, planeava surgir como o maior reformador Islâmico dos tempos modernos, ajustando os ensinamentos do Islam às necessidades dos tempos atuais. Tornava-se, para isso, necessário, segundo ele, que os muçulmanos deixassem de se orientar à Meca, durante a oração e passassem a se orientar a Tóquio, onde estaria sediado o futuro centro do Islam, sob a direção de Tojo. Os muçulmanos recusaram essa reorientação do Islam e, por isso, todo o projeto abortou, não sendo permitida a oração de ‘ld, nesse ano, em Singapura. Tojo tinha compreendido a importância do Islam e desejava usá-la como instrumento dos seus desígnios imperialistas, mas não teve êxito. Constantino teve êxito onde Tojo falhou e Roma substituiu Jerusalém, como centro da Cristandade Paulina. Esta degenerescência dos ensinamentos puros de Jesus, que teve como resultado inevitável a aceitação da multiplicidade de deuses pela Cristandade, encontrou sempre antagonistas. Quando em 325 d.C., a Doutrina da Trindade foi oficialmente proposta como Doutrina Ortodoxa Cristã, Árius, um dos chefes Cristãos do Norte de África, ergueu-se contra a aliança de Constantino com a Igreja Católica e recordou que Jesus sempre afirmara a Unidade Divina. Constantino tentou esmagar, enérgica e brutalmente, o incômodo povo do Deus Único, mas falhou. Ironicamente, embora Constantino tenha morrido como Unitário, a Doutrina da Trindade transformou-se, oficialmente, a base do Cristianismo na Europa. Esta doutrina causou muita confusão, sobretudo entre aqueles a quem se pediu para acreditar sem que tentassem compreender. Todavia, não era possível impedir as pessoas de tentarem demonstrar a Doutrina e explicá-la intelectualmente e, em termos gerais, desenvolveram-se três escolas de pensamento. A primeira está associada ao Santo Agostinho, que viveu no século IV e defendia a opinião de que a doutrina não podia ser provada, mas podia ser ilustrada. S. Victor, que viveu no século XII, está associado à segunda escola, que defendia ser a Doutrina demonstrável e ilustrável. O século XIV viu nascer a terceira escola, que acreditava ser impossível demonstrar ou ilustrar a Doutrina, pelo que, nela se devia acreditar cegamente. Embora, os livros contendo os ensinamentos de Jesus tivessem sido destruídos, suprimidos ou alterados, para evitar qualquer contradição manifesta com a Doutrina, uma boa dose de verdade subsistiu, nos que sobreviveram, pelo que a defesa da Doutrina da Trindade evidenciava uma diferença de ênfase entre o que as Escrituras rezavam e o que os Chefes da Igreja diziam. Sustentava-se que a Doutrina se fundamentava numa revelação especial feita à Igreja, a "Noiva de Jesus", pelo que não surpreende assistir-se à reprimenda de Fra Fulgentio pelo Papa numa carta em que se lê: «Pregar as Escrituras è uma coisa suspeita; aquele que seguir de perto as Escrituras arruinará a fé Católica». Na carta subsequente, o Papa é ainda mais explícito, advertindo contra uma insistência exagerada nas Escrituras: «...as quais são livros que destruirão a Igreja Católica se alguém os tomar por guia». O abandono efetivo dos ensinamentos de Jesus deveu-se, em grande parte, à completa obscuridade que rodeia a sua realidade histórica. A Igreja tornou a Religião, não só independente das Escrituras, mas também de Jesus, tendo-se transformado Jesus-homem em Cristo-mítico. Mas a fé em Jesus não se identifica necessariamente com a fé na ressurreição de Cristo. Enquanto seus seguidores basearam suas vidas no exemplo de Jesus, o Cristianismo Paulino se baseou na crença de um Cristo supostamente crucificado, que desvalorizou a vida e o ensino de Cristo, enquanto vivo. À medida que a Igreja estabelecida se distanciava, cada vez mais, dos ensinamentos de Jesus, os seus chefes se envolviam, cada vez mais, nos assuntos dos que tinham poder terreno. À medida que os ensinamentos de Jesus e os desejos dos poderosos se fundiam uns nos outros, a Igreja - embora defendendo sua separação do Estado - identificou-se cada vez mais com o Estado e ganhou poder. Nos primeiros tempos, a Igreja estava submetida ao poder Imperial, mas com o seu crescente compromisso, a situação se inverteu. Sempre existiu oposição a estes desvios relativos aos ensinamentos de Jesus, mas à medida que a Igreja ganhava poder, a negação da Trindade se tornava muito perigosa e conduzia quase, inevitavelmente, à morte. Embora Lutero tivesse abandonado a Igreja Romana, a sua revolta se dirigia, mais, contra a autoridade do Papa do que contra as Doutrinas fundamentais da Igreja Católica Romana. O resultado foi a fundação duma nova Igreja encabeçada por Lutero. Os princípios Cristãos básicos foram adotados e mantidos, apesar do aparecimento de algumas Igrejas Reformistas e seitas. Assim, a doutrina de Cristo, anterior à Reforma, não sofreu perturbações e os dois ramos principais da Igreja de Paulo continuaram a existir até hoje. No Norte de África e no Oeste Asiático, a maioria das pessoas aceitou os ensinamentos de Árius e, mais tarde, quando o Islamismo apareceu, abraçaram-no prontamente. Aliás, foi por já ter sido adotada a Doutrina do Deus Único e o ensinamento puro de Jesus que reconheceram o Islam como Verdade. Na Europa, a corrente do Unitarismo, no seio da Cristandade, nunca foi quebrada e o movimento cresceu de fato, em força, sobrevivendo à perseguição continua e brutal das Igrejas no passado, bem como à sua indiferença no presente. Hoje, cada vez mais pessoas estão conscientes de que a Doutrina de Cristo, tal como é conhecida, pouco tem a ver com os ensinamentos originais de Jesus. Durante os dois últimos séculos, as pesquisas dos historiadores deixaram pouco espaço para os "mistérios" cristãos, mas o fato já comprovado de que o Cristo da Igreja estabelecida não ter, quase, nada a ver com o Jesus da História, não ajuda em nada os cristãos, no que diz respeito à Verdade. O dilema atual dos cristãos é esclarecido pelo que escrevem os historiadores da Igreja, no nosso século, sua dificuldade fundamental, tal como foi apontada por Adolf Harnack, é a seguinte: «O Evangelho existente já tinha sido mascarado pela filosofia grega no século IV, pelo que coube , aos historiadores, a missão de lhe arrancarem a máscara, revelando, assim, como os contornos iniciais da Doutrina subjacente tinham sido diferentes». Harnack, no entanto, aponta mais uma dificuldade na realização dessa tarefa, quando diz que a máscara Doutrinal, usada durante um período suficiente, pode remodelar a face da religião: «A máscara adquire vida própria — a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a infalibilidade e todas as proposições que secundam esses dogmas, foram produto de decisões e de situações históricas e podem acabar por se revelar bastante diferentes... no entanto... mais cedo ou mais tarde, produto ou força remodelada, o dogma persiste no que tinha sido desde o princípio, um mau hábito de intelectualização que os cristãos adquiriram com os gregos quando fugiram dos judeus». Harnack retoma este tema noutro livro, onde admite o seguinte: «...o quarto Evangelho não provêm, nem declara provir, do Apóstolo João, não podendo ser considerado como uma verdade histórica... O autor desse Evangelho atuou com uma liberdade suprema, inverteu a ordem dos acontecimentos e os expôs a uma luz diferente. «Além disso, ele próprio criou a controvérsia ao explicar os grandes pensamentos com situações imaginárias». O mesmo autor se refere, ainda, ao trabalho do famoso historiador cristão, David Strauss, que descreve como tendo «quase destruído a credibilidade histórica não só do quarto, mas também dos três primeiros Evangelhos». De acordo com Johannes Lehmann, outro historiador, os autores dos quatro Evangelhos aceitos descrevem um Jesus diferente daquele que pode ser identificado na realidade histórica. Lehmann cita Heinz Zahrnt quando chama a atenção para as consequências deste fato: «Se a investigação histórica fosse capaz de provar que existe uma antítese irreconciliável entre o Jesus histórico e Cristo tal como é pregado e, portanto, que a crença em Jesus não se fundamenta no próprio Jesus, isso seria não só absolutamente fatal em termos teológicos, como diz N. A. Dahl, mas significaria, também, o fim de toda a Doutrina de Cristo. No entanto, eu estou convencido de que, mesmo assim, nós, os teólogos, seríamos capazes de encontrar uma saída — houve alguma ocasião em que não o tenhamos conseguido? Mas, ou estamos a mentir agora, ou estivemos a mentir outrora». Enquanto essas curtas citações mostram o dilema em que a Cristandade atual se debate, as palavras de Zahrnt demonstram, ainda, algo muito mais sério, subjacente a tudo isso: é possível ficar tão envolvido com os pormenores daquilo que aconteceu à Doutrina de Jesus, às Igrejas e às seitas que se lhe seguiram, que o objetivo original do ensinamento passa a ser sobrevalorizado ou esquecido. Assim, Theodore Zahn, por exemplo, esclarece os desagradáveis conflitos existentes no interior das Igrejas estabelecidas. Esse autor considera, ainda, que os católicos romanos, com boas ou más intenções, recusam a remodelação do texto da Sagrada Escritura com adições e omissões pela Igreja Ortodoxa Grega; os gregos, por seu rumo, entendem que são os próprios católicos que se afastam do texto original em diversos locais e, não obstante, as suas diferenças combinam acusar os cristãos não conformistas de se desviarem do "verdadeiro caminho", condenando-os como heréticos. Os heréticos, por sua vez, acusam os católicos de «terem dado outro cunho à verdade, como os falsificadores». E conclui: «Não são os fatos o suporte dessas acusações?» O verdadeiro Jesus está completamente esquecido e os que estão conscientes dessa degeneração e desejam, sinceramente, regressar e viver segundo os preceitos iniciais, são impedidos de fazê-lo, porque a Doutrina original, na sua totalidade, já desapareceu e é irrecuperável. Erasmo afirmou o seguinte: «Os antigos filosofaram muito pouco acerca das coisas Divinas... Primeiramente a fé estava na vida, mais do que na profissão dos crentes... Quando a fé passou à escrita, mais do que aos corações, então , apareceram quase tantas crenças como homens. Os artigos aumentaram e a sinceridade diminuiu. As contendas se tornaram quentes e o amor tornou-se frio. A Doutrina de Cristo, que no princípio não conhecia distinções demasiado sutis, veio a depender da ajuda da filosofia. Foi este o primeiro degrau no declínio da Igreja». Então, a Igreja foi forçada a explicar o que não podia ser expresso em palavras e, para ganhar o apoio do Imperador, recorreu a ambos os lados. Erasmo, comentando esse fato, continua: «A injeção da autoridade do Imperador, nesse assunto, não ajudou grandemente a sinceridade da fé ... quando a fé está na boca em vez de estar no coração, quando o sólido conhecimento das Sagradas Escrituras nos falha, mesmo que pelo terror, levemos os homens a acreditar no que não acreditam, a amar o que não amam, a saber o que não sabem. O que é forçado não pode ser sincero». Erasmo compreendeu que os primeiros cristãos, os seguidores próximos de Jesus, tinham um conhecimento da Unidade que nunca foi necessário exprimir, mas quando o seu ensino se espalhou e nasceram conflitos entre as Igrejas, os homens conhecedores foram forçados a tentar explicar os seus conhecimentos da Realidade. Entretanto, tinham já perdido a Doutrina de Jesus, na sua totalidade, bem como a linguagem da Unidade que lhe estava associada e recorriam apenas ao vocabulário e à terminologia da filosofia grega, que já não considerava a Unidade, mas uma visão tripartida da existência. E a tão simples e pura confiança na Realidade foi, inevitavelmente, expressa numa linguagem estranha a Jesus e levou à formação da Doutrina da Trindade com a deificação de Jesus e do Espírito Santo. Confusão e cisma foram os resultados inevitáveis e sucederam sempre que os homens perderam de vista a Unidade da Existência. Compreender isso é essencial para qualquer pessoa que queira saber quem foi Jesus e o que realmente ensinou, tanto como o conhecimento de que, uma vez que as pessoas deixem de recorrer completamente às ações do dia a dia de um Profeta (que não são mais do que a personificação do seu ensinamento), ficam perdidas, quer acreditem na Doutrina da Trindade, quer afirmem verbalmente a Unidade Divina. Abraço. Davi.

 

 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

O MÉDIUM DE UMBANDA

 

Religião Afro-brasileira. Umbanda. Livro Código de Umbanda. Por Rubens Saraceni (1951-2015). O MÉDIUM DE UMBANDA. Capítulo III. O médium de Umbanda, ainda que muitos não o valorize, é o ponto chave do ritual de Umbanda no plano material. E por sê-lo, deve merecer dos filhos de Fé já maduros, iniciados, toda atenção, carinho e respeito quando adentram no espaço interno das tendas, pois é mais um filho da Umbanda que é “dado” à luz. E tal como quando a generosa mãe dá a luz mais um filho, em que tanto o pai quanto os irmãos se acercam do recém nascido e o cobrem de bençãos, amor, carinho e ... compreensão para os seus choros. O novo filho de Fé ainda é uma criança que veio à luz e precisa de amparo e todos os  cuidados devido à sua ainda frágil constituição íntima e emocional. Do lado espiritual, todo o apoio lhe é dado, pois nós, os espíritos guias deles, sabemos que este é o período em que mais frágil se sente um ser que traz a mediunidade. Para um médium iniciante, este é um momento único em sua vida, e um período de transição, onde todos os seus valores religiosos anteriores de nada lhe valem, pois outros valores lhe estão sendo apresentados. Para todos os seres humanos este é um período extremamente delicado em suas vidas. E não são poucos os médiuns que se decepcionam com a falta de compreensão para sua fragilidade diante do novo e do ainda desconhecido. É tão comum uma pessoa dotada de forte mediunidade e de grandes medos ser vista como “fraca” de cabeça pelos já “tarimbados” médiuns. Mas estes não param para pensar um pouco no que realmente incomoda o novo irmão e, com isso, o Ritual de Umbanda Sagrada vê mais um dos seus recém-nascidos filhos perecer na maior angústia, e socorrer-se a outros rituais que primam pela ignorância do mundo espiritual e sufocam nos seus fieis seus mais elementares dons naturais. Muitos apregoam que tantos e tantos brasileiros são umbandistas, e que isso demonstra o vigor da religião umbandista. Contudo, infelizmente, isso não é verdade, e só serve para diminuir o que poderia ser uma grande verdade. Vários milhões de brasileiros já assumiram suas mediunidades por completo e são médiuns praticantes, que incorporam regularmente seus guias dentro das tendas onde trabalham. Ou nas suas reuniões mais íntimas em suas próprias casas. Mas alguns milhões de filhos de Fé com um potencial mediúnico magnífico já foram perdidos para outros rituais. Por os diretos das tendas não deram a devida atenção ao “fator médium” do Ritual de Umbanda, assim como não atentaram para o fato de que aqueles que lhes são apresentados pelos guias zeladores dos novos médiuns, se lhes são enviados, o são pelo próprio Espírito Universal e universalista anima a Umbanda Sagrada. E que é o seu espírito religioso, que no lado espiritual tem meios sutis de atuar sobre um filho de Fé. Todavia no lado material depende fundamentalmente dos sacerdotes, animadores materiais desse corpo invisível, ativo e totalmente religioso. É tão comum vermos médiuns já iniciados que não tem a menor noção da existência desse corpo religioso umbandista que se move através do plasma universal que é Deus, é fé e é religiosidade. “Eu sou filho de tal Orixá ...”, e pronto. Sua fé acaba a partir daí, e sua ligação com esse plasma divinizado em uma religião fica restrito a isto: “Eu sou filho de tal Orixá”. Incorpora seus guias, estes trabalham, e maravilhosamente, pois estão em comunhão total com esse espírito ativo que é o corpo religioso umbandista. Corpo este que assume a forma de Orixás ou de seus pontos de forças, mas que não deixam de irradiar essa energia divina chamada Fé. O ritual é aberto a todas as manifestações, todavia o lado material, médiuns, tem de ser esclarecido de que as manifestações só acontecem por causa desse espírito religioso invisível conhecido por Ritual de Umbanda, e fora dele não há manifestações, tão somente possessões espirituais. É este espírito invisível  que sustenta todas as manifestações, quando em nome da Umbanda Sagrada são realizadas. Houve um tempo em que os Orixás foram sincretizados com santos católicos, pois aí a concretização do ritual aconteceria. As imagens “mascaravam” a verdade oculta e as perseguições religiosas, políticas e policiais foram abrandadas. Mas atualmente, isso já não é preciso como meio de expansão da Umbanda Sagrada. Hoje já existe liberdade suficiente para que todos digam abertamente: Sou um filho de Fé, sou um filho de Umbanda. Mas, para que isso possa ser realmente dito, é chegado o tempo de a Umbanda deixar de perder seus filhos recém-nascidos para religiões que ainda recorrem a princípios medievais, quando não obscurantistas. Há de ser criada uma forte linha de fé doutrinadora dos sentimentos religiosos dos filhos de Fé, pois só assim, a Umbanda Sagrada sairá do interior das tendas e dos lares e abarcará, em um movimento abrangente e envolvedor, os milhões de irmãos que afluem as tendas ou aos médiuns à procura de uma palavra de consolo, conforto ou esclarecimento. É chegado o momento de todos os médiuns, diretores espirituais, dirigentes espirituais e pais e mães no Santo imprimirem aos seus trabalhos mais uma vertente da Umbanda Sagrada: a doutrinação dos irmãos e irmãs que afluem as tendas nos dias de trabalho. É preciso uma conscientização dos pais e mães no Santo de que os necessitados, os aflitos e os carentes não só as tendas de Umbanda, mas também a todas as outras portas abertas onde há uma promessa, um vislumbre de socorro imediato. Mas só aquelas portas que, ao lado do socorro imediato, oferecerem uma luz para toda a vida alcançarão seu real objetivo, pois ao par do imediato também oferecem o bem duradouro, que é a fé forte em uma religião. E a Umbanda Sagrada é uma religião ! Por isso, ela tem de sair da tenda e conquistar os corações dos que a ela afluem nos dias de trabalho, e conquistar o e respeito e a confiança de todos os cidadãos no seu trabalho de doutrinação e salvação de almas. Nós temos acompanhado com carinho e atenção os irmãos umbandistas que têm oferecido a maior parte de suas vidas a esta necessidade da religião umbandista. Abençoados são estes verdadeiros filhos de Umbanda, porém temos acompanhado a vida de todos os pais e mães de Santo e temos visto que bloqueiam a si próprios e às suas potencialidades doutrinadoras dentro da Umbanda Sagrada, quando limitam a si e sua religião aos trabalhos dentro de suas tendas, quando seus guias incorporam e ... trabalham. Limitam-se só a isso e limitam à própria religião umbandista, mas não concedem a si próprios as qualidades que seus Orixás lhes mostram serem possuidores. Muitos filhos de Fé, movidos por nobres e dignificantes intenções, buscam nas línguas a explicação do termo “umbanda”. Alguns chegam a mergulhar no passado ancestral em busca do real significado desta palavra. Nada a opor de nossa parte, mas melhor fariam e mais louvável aos olhos dos Orixás seriam seus esforços, caso já tivessem atinado com o real e verdadeiro sentido do termo “Umbanda”. Umbanda significa: o sacerdócio em si mesmo, na m’banda, no médium que sabe lidar tanto com os espíritos quanto com a natureza humana. Umbanda é o portador das qualidades, atributos e atribuições que lhe são conferidas pelos senhores da natureza; os Orixás. Umbanda é o veículo de comunicação entre os espíritos e os encarnados, e só um Umbanda está apto a incorporar tanto os do Alto, como os do Embaixo, assim como os do Meio, pois ele é, em si mesmo, um templo. Umbanda é sinônimo de poder ativo. Umbanda é sinônimo de curador. Umbanda é conselheiro. Umbanda é sinônimo de intermediador. Umbanda é sinônimo de filho de Fé. Umbanda é sinônimo de sacerdote. Umbanda é a religiosidade do religioso. Umbanda é o veículo, pois traz em si os dons naturais pelos quais os encantados da natureza falam aos espíritos humanos encarnados. Umbanda é o sacerdote atuante, que traz em si todos os recursos dos templos de tijolos, pedra ou concreto armado. Umbanda é o mais belo dos templos, onde Deus mais aprecia ser manifestado ou mesmo onde mais aprecia estar: no mínimo o ser humano. Umbanda foram os primeiros espíritos dos sacerdotes, que aos poucos foram criando para si, no íntimo dos médiuns filhos de Santo já preparados para recebê-los, uma lista tão poderosa, mas tão poderosa, realizam curas milagrosas nos frequentadores dos terreiros de “macumba”. Umbanda eram os caboclos índios que dominavam os quiumbas e libertavam os espíritos encarnados de obsessões e perseguidores. Umbanda eram os pretos velhos que baixavam nas “mesas brancas” e faziam revelações que não só deixavam admirados quem os ouviam, mas encantavam também. Umbanda eram os exus e pomba giras brincalhões, debochados e francos, tanto quanto os encarnados. Falavam a estes e igual para igual, e com isso iam rompendo o temor dos filhos de Santo para com seus “santos”. Umbanda era o início do rompimento da casca grossa do ritual do culto aos eguns (sacerdotes já no outro lado de vida. Umbanda o sacerdócio, embanda, o chefe do culto. Umbanda, o ritual aberto do culto aos ancestrais. Umbanda na banda do “Um”, mais um, todos nós somos, pois tudo o que nos cerca, por meio de nós pode manifestar-se. Umbanda na banda do “Um”, todos são e sempre serão, desde que limpem seus templos íntimos dos tabus a respeito dos Orixás e os absorvam por intermédio da luz divina que irradiam seus mistérios. Daí em diante, serão todos “mais um”, plenos portadores dos mistérios dos Orixás. Umbanda provém de “m’banda”, o sacerdote, o curador. Umbanda é sacerdócio na mais completa acepção da palavra, colocando o médium na posição de doador das qualidades de seus Orixás, que, impossibilitados de falarem diretamente ao povo, falam a partir de seus templos humanos: os filhos de Fé! Despertem para esta verdade, pais e mães de Santo! Olhem para todos os que chegam até vocês, não como seres perturbados, mas sim como irmãos em Oxalá que desejam dar “passagem” as forças da natureza que lhes chegam. Contudo irmãos em Oxalá que desejam dar “passagem” as forças da natureza que lhes chegam. Todavia encontram seus templos (mediunidade) ocupados por escolhos, inculcados neles ao longo dos séculos e séculos que estiveram afastados de seus ancestrais Orixás. Não inculquem mais escolhos dizendo a eles que há Orixá brigando pela cabeça deles ou que exu está cobrando alguma coisa. Tratem os filhos de olorum, o Incriado, envia-lhes com o mesmo amor, carinho e cuidados que devotam a seus filhos encarnados. Cuidem deles, transmitam a eles amor aos Orixás, sendo Orixá é o amor do Criador às suas criaturas. Ensinem-lhes que, na lei de Oxalá, ninguém é superior a ninguém, como na banda do “Um”, mais um todos são. Mostrem-lhes que Orixá é um santo, sendo mais do que isso: Orixá é a natureza divina se manifestando de forma humana, para os espíritos humanos. Não percam tempo tentando contar lenda dos tempos do cativeiro, quando irmãos de cultos diferentes, raças diferentes e formações as mais diversas possíveis eram reunidos em uma só senzala. Evitavam a mistura dos Orixás com medo de perderem seus últimos vestígios humanos, seus “santos” de cabeça e de fé. O tempo de escravidão já é passado e Umbanda é liberdade de manifestação dos Orixás por intermédio dos seus veículos naturais: os médiuns. Ensinem-lhes que, estando aptos a incorporar o “seu” pai de cabeça, também estão aptos a serem as moradas de todos os outros “pais”. Assim, Orixá é, inicialmente e acima de tudo, isto: senhor da cabeça. É senhor da coroa luminosa que paira em torno do mental purificado do filho de Fé já liberto dos escolhos que o mantinham acorrentado. Também escravizado a tabus e dogmas religiosos, que inicialmente visavam a impedi-lo de ser mais um na banda do “Um”. Mantendo-se na eterna dependência da vontade dos carnais, senhores dos cultos ao Criador, em que um é o pastor e o restante, só rebanho, ovelhas mesmo! Digam que, na banda do “Um”, o rebanho é composto só de pastores, pois “Umbanda” é o sacerdócio. Esclareçam ao filho recém-chegado que se sente incomodado que isso não é nada de ruim, há todo um santuário aprisionado em seu íntimo tentando explodir por meio de sua mediunidade magnífica. Conversem demoradamente com ele e procurem mostrar-lhe que Umbanda não é panaceia para todos os males do corpo e da matéria, Todavia sim o aflorar da espiritualização sufocada por milênios de ignorância e descaso com as coisas do espírito. Expliquem que pode fazer o que quiser com seu corpo material, mas deve preservar sua cora (cabeça), desde modo é nela que a luz dos Orixás lhe chega e o liberta dos vícios da carne e do materialismo brutal. Ensinem-lhe que, como templos, deve manter limpos seus íntimos, pois nesse íntimo há uma centelha divina animada pelo fogo divino que a tudo purifica. E que o purificará sempre que entregar sua coroa ao seu Orixá. Instrua os com seu mentor e guia chefe, irmãos e irmãs (pais e mães de santo). Estabeleçam um dia da semana ou do mês dedicado exclusivamente a um guia doutrinador que lhe falará da Umbanda a partir da visão mais acurada desta religião. Em que os fiéis são mais que fiéis” são “meios” pelos quais toda uma gama magnífica de seres de altíssima evolução se manifesta como humildes pretos velhos. Garbosos, mas amáveis caboclos, inocentes crianças ou humanos exus e pomba giras. Sim, porque nós conhecemos irmãos exus que possuem muito mais luz do que vocês imaginam. E, se preferem atuar como exus, é porque assim, bem humanos, chegam mais rápido até onde desejam, aos consulentes sofredores e veículos de espíritos sofredores afins. Ensinem aos médiuns que eles trazem consigo mesmo todo um templo já santificado e que nele se assentem os Orixás sagrados. E que por intermédio desse templo muitas vozes podem falar, serem ouvidas, onde Umbanda provém de Embanda: sacerdote”. E o médium é um sacerdote, um embanda, um Umbanda ou mais um na banda do um, a Umbanda!. Abraço. Davi.

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segunda-feira, 8 de abril de 2024

UM MUNDO RACIONAL. Parte I

 

Hinduísmo. O Livro das Religiões. Por meio do sacrifício nós mantemos a ordem do universo.  UM MUNDO RACIONAL. Parte I. Em contexto – Principal fonte os Vedas. Quando e onde 1500 – 500 a.C. Antes – A partir da Pré-História. Segundo as crenças iniciais, os acontecimentos são imprevisíveis e dependem da vontade dos deuses. 1700 a.C. Raças arianas começam a migrar para o subcontinente indiano. Depois – Século VI a.C. A autoridade da classe brâmane que realiza sacrifícios é contestada por Buda e Mahavira, fundador do movimento jainista. Século VI d.C. O hinduísmo devocional ou bhakti, ganha popularidade. Adoradores fazem suas próprias oferendas para manter um relacionamento pessoal com os deuses, uma ideia muito diferente do estabelecimento da ordem pelo sacrifício védico. Existe uma ordem racional oculta no universo. Esse sentido de ordem é confirmado quando realizamos sacrifícios aos deuses. No sacrifício, ficamos sabendo qual o nosso lugar nessa ordem e a maneira certa de viver. Por meio do sacrifício, mantemos a ordem do universo. A rigor não existe nenhuma religião que possa ser chamada de hinduísmo. Hinduísmo é um termo ocidental corrente utilizado para denominar as diferentes religiões e filosofias espirituais do subcontinente indiano. Não obstante, algumas características básicas nessas ideias e práticas religiosas são compartilhadas pela maioria dos hinduístas, e são essas ideias que agrupadas, recebem o nome de “hinduísmo”. Na prática os hindus são livres para escolher quais divindades reverenciar, em casa ou no templo, e com que frequência participarão das cerimônias religiosas. Contudo todos possuem antecedentes sociais e religiosos comuns, o que diferencia o hinduísmo dos outros sistemas de crenças, sobretudo os credos monoteístas. Da mesma forma que outras religiões, entretanto, o hinduísmo procura explicar a relação da vida humana com o contexto universal. Seus rituais e práticas voltam-se para três níveis de relacionamento – da pessoa com a divindade, de uma pessoa com outra e da pessoa com ela mesma – e a ligação disso tudo com a ordem universal das coisas. A ordem cósmica eterna. Dharma ou “o caminho certo” é um termo essencial para explicar o que é o hinduísmo. Em sua forma original, sanatana dharma, poderia ser traduzido como “a eterna ordem das coisas, verdade ou realidade”, expressando a ideia de que há uma estrutura e um sentido oculto no Mundo. Por trás da complexidade e aparente aleatoriedade dos acontecimentos, existem princípios fundamentais, sustentados por uma realidade única e imutável. Essas ideias manifestam-se na hierarquia de deuses e deusas, cada um responsável por um aspecto específico de uma verdade absoluta. A ideia de “ordem eterna” também possui implicações individuais e sociais. A religião, de fato, é uma forma de compreender o lugar da humanidade no mundo. Se o mundo for compreendido e tiver uma hierarquia ou estrutura definida, o indivíduo, ao seguir essa estrutura, poderá viver em harmonia com o resto da sociedade e com o universo como um todo. Uma característica axial das vertentes religiosas que orientam o hinduísmo é que, para manter essa ordem, ou dharma, a pessoa pode ter que realizar rituais e oferendas aos deuses, como forma de sacrifício. “O hinduísmo não é apenas uma religião. É a união entre a razão e a intuição, algo que não pode ser explicado, somente vivido. Radhakrishnan, Bhagavad-Gita”. As ideias hinduístas de tempo. Os hindus veem o tempo como cíclico, acreditando que o universo já passou por três grandes ciclos de milhões de anos. Considerar o tempo como algo cíclico tem uma importante inferência no pensamento religioso. No conceito ocidental linear de tempo, tudo é resultado de algo precedente, lei de causa e efeito, e, portanto, é natural querer saber como o mundo começou. Esse ponto de partida é o único estágio no qual as teorias lineares de tempo requerem explicações para além do mundo. Algo tem que ter sido responsável por colocar em movimento o grande. Ao realizar rituais da maneira prescrita, os hindus acreditam que estão se alinhando com a ordem racional do mundo e tornando-se um com o universo. Imagens e ações são cheias de simbolismo. Por outro lado, no pensamento hindu, os infinitos ciclos de tempo sucessivos contrastam com a ideia da eterna realidade imutável, conhecido como Brahman, que existe em tudo e através de tudo. O tempo terrestre acontece em ciclos, porém o Brahman é atemporal – a força central que mantem os ciclos em movimento, a realidade eterna por trás do processo de criação e destruição que caracteriza o mundo da experiência humana. Se os grandes ciclos de tempo são totalmente dependentes de uma realidade atemporal, o ordenamento correto deste mundo em constante transformação da consciência dessa realidade. Essa lógica dá origem à ideia de que um dos objetivos da religião é compreender e manter a ordem correta do mundo. Rituais religiosos e ordem. A partir de 1700 a.C., e nos séculos seguintes, o povo ariano da Ásia central exerceu uma influência gradual na Índia, trazendo consigo seu panteão e suas ideias, similares as dos gregos antigos. Os arianos integraram-se a civilização no vale do Indo, no norte da Índia, uma antiga sociedade conhecida por ter suas próprias tradições religiosas. Existem fortes evidências de banhos ritualísticos e adoração de uma grande deusa-mãe. Outros artefatos encontrados incluem urnas de cremação e um selo com a imagem de uma divindade de chifre e pernas cruzadas. A mudança não se deu de maneira repentina e opressiva. O que ocorreu foi uma mistura de culturas. Em termos de religião, surgiu uma tradição de devoção e rituais de sacrifícios manifestada nos hinos da primeira grande coleção de escritos sagrados hindus, os Vedas. Nessa nova tradição, os rituais e sacrifícios religiosos eram considerados importantes porque se acreditava que eles mantinham a ordem do universo, além de ajudarem os participantes a compreender seu dentro dessa ordem. “Concentramo-nos na luz radiante do deus Sol, que sustenta o céu, a Terra e o espaço. Mantra Gayatri, Rig Veda”. O sacrifício foi o principal rito da tradição védica – uma encenação simbólica da criação do mundo na qual se evocavam divindades que representavam características do universo ou da verdadeira realidade. Segundo a tradição, por meio desses cultos o ser humano realiza a mais importantes da tarefa humanas, criar uma ligação com o divino. O sacrifício ritualístico, além de possibilitar uma conexão com o plano invisível da realidade, também ajudava a estabelecer a ordem certa das coisas. Em troca do sacrifício, o indivíduo podia obter proteção de forças malignas e benefícios materiais – como melhores colheitas, tempo bom, saúde e felicidade. “Sacrifício” nesse contexto significava apenas fazer uma oferenda aos deuses, geralmente de comida ou bebida. O fogo desempenhava um papel crucial nos sacrifícios, pois, segundo a tradição ele existe tanto na Terra quanto no Céu, possuindo, portanto, o poder de alcançar os deuses. Com o desenvolvimento da religião védica , tornou-se importante que os sacrifícios fossem realizados pelas pessoas certas – a classe brâmane – e de maneira exata. Detalhes dos hinos a serem recitados e das ações a serem realizadas foram cuidadosamente prescritos. O terreno dos sacrifícios numa área específica, conforme recomendado pelos Vedas. Os textos também especificavam o modo certo de acender o fogo sacrificial e o tipo de recipiente necessário para receber a oferenda. Os sacerdotes tinham a missão de alimentar o fogo com oferendas que incluíam manteiga de garrafa, cereais, frutas ou flores, entoando cânticos dos Vedas. O sacrifício também devia ser realizado numa data propícia. A oferenda podia ser para um deus específico – ou deusa – mas os preferidos eram Agni, Varuna e Indra. Agni é o deus do fogo. Sua principal função é manifestar-se como fogo no altar do sacrifício, destruindo qualquer demônio que queira tentar interromper o culto. Varuna, o deus do céu, das águas e do oceano celestial, é também o guardião do rta – a ordem cósmica. Responsável por separar a noite e o dia, é o mais importante deus do Riga Veda – o livro de rituais dos Vedas. Indra, o deus dos trovões, da chuva e da guerra, é conhecido por gostar de soma, uma bebida sagrada utilizada nos sacrifícios. É fundamental garantir a boa vontade de Indra – ele está preso numa eterna luta contra as forças do caos e da destruição, e são seus esforços que separam e sustentam o Céu e a Terra. A bebida dos deuses. A bebida ritualística soma aparece nos Vedas e nos textos sagrados de zoroastrismo, a antiga religião persa, que, como o hinduísmo, remonta às primeiras culturas arianas. Produzida a partir do sumo de determinadas plantas, a bebida tem propriedades inebriantes, possivelmente estimulantes e alucinógenas. O Rig Veda descreve-a como “Rei Soma”, proclamando. Já tomamos soma e nos tornamos imortais. Atingimos a luz, os deuses descobriram. O soma era preparado pelos sacerdotes como uma oferenda aos deuses. Abraço. Davi