Espiritismo.
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AUTO DE FÉ DE BARCELONA. A Doutrina Espírita surge em meio a grandes
acontecimentos que marcaram o século XIX (1801-1900), sendo um desses episódios o Auto de
Fé, que aconteceu no dia 09/10/1861, em Barcelona – Espanha. Neste ano de 2023 comemoramos os 162 anos desse dia que podemos afirmar ser um divisor de águas
para a Doutrina Espírita nascente. Cuja luz começava a resplandecer ante o
obscurantismo do materialismo. O Auto de Fé de Barcelona foi um importante
episódio para a História do Espiritismo, apesar de se tratar de um ato da
Inquisição Católica contra a Doutrina Espírita. De Paris - França, Allan Kardec (1804-1869) enviara cerca de 300 obras espíritas, de sua autoria e de outros
escritores, para serem comercializadas pela livraria de Maurice Lachâtre
(1814-1900) — escritor, editor e intelectual francês exilado em Barcelona.
Quando passava pela alfândega espanhola, a remessa foi confiscada pela Igreja
local, sob a ordem do bispo Antônio Palau y Termes (1806-1862). A pretexto da
autoridade que lhe era concedida pela Inquisição. Argumentando que aquelas
obras eram contrárias à fé católica, o bispo de Barcelona então sentenciou que
fossem queimadas, sem qualquer tipo de indenização aos seus proprietários. A
execução se efetivou na esplanada central daquela cidade, às 10h30. Os
principais jornais internacionais noticiaram o Auto de Fé de Barcelona com um
tom majoritariamente de reprovação à sentença. Que atiçou ainda mais a opinião
pública contra a intolerância ideológica e arbitrariedade das autoridades que
se auto imputaram competentes para o Auto. Além disso, o fato acabou propagando
ainda mais o Espiritismo e despertando o interesse popular pelas obras
espíritas. O Jornal Las Novedades de Madrid notificou: “Eis o repugnante
espetáculo, autorizado pelos homens da união liberal, em pleno século dezenove:
uma fogueira em La Coruña, outra em Barcelona, e ainda muitas outras, que não
faltarão, em outros lugares. É o que deve acontecer, pois é uma consequência
imediata do caráter geral que domina o atual estado de coisas e que em tudo se
reflete. Reação no interior, relativa aos projetos de lei apresentados. Reação
no exterior, apoiando todos os governos reacionários da Itália, antes e depois
de sua queda. Combatendo as ideias liberais em todas as ocasiões, buscando por
todos os lados o apoio da reação, obtido ao preço das mais desastradas
concessões.” Tão logo soube da apreensão dos livros, mas antes da execução da
sentença, Kardec consultou seu guia espiritual — O Espírito da Verdade — se
seria favorável reclamar a restituição das obras e se deveria publicar os fatos
relacionados na Revista Espírita. Eis a resposta: “Por direito, pode
reclamá-las e conseguiria que te fossem restituídas, se te dirigisse ao
Ministro de Estrangeiros da França. Mas, ao meu parecer, resultará desse
auto-de-fé maior bem do que o que viria da leitura de alguns volumes. A perda
material não é nada em comparação da repercussão que semelhante fato produzirá
em favor da Doutrina. Deve compreender quanto uma perseguição tão ridícula e atrasada
poderá fazer bem ao progresso do Espiritismo na Espanha. A queima dos livros
determinará uma grande expansão de ideias espíritas e uma procura febricitante
das obras dessa doutrina. As ideias se disseminarão lá com maior rapidez e as
obras serão procuradas com maior avidez, desde que as tenham queimado. Tudo vai
bem.” [Sobre publicar ou não na Revista Espírita] “Espera o auto-de-fé.” Allan
Kardec (1804-1869) – Obras Póstumas – “Auto-de-fé em Barcelona” Na Revista
Espírita daquele mesmo mês, Kardec publicou duas comunicações espirituais,
dentre tantas, recebidas na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. A
primeira foi assinada pelo Espírito Dollet, que havia sido um livreiro do
século XVI: “O amor da verdade deve sempre fazer-se ouvir: ela rompe o véu e
brilha ao mesmo tempo por toda parte. O Espiritismo tornou-se conhecido de
todos; logo será julgado e posto em prática. Quanto mais perseguições houver,
tanto mais depressa esta sublime doutrina alcançará o apogeu. Seus mais cruéis
inimigos, os inimigos do Cristo e do progresso, atuam de maneira que ninguém
possa ignorar a permissão de Deus. Dada àqueles que deixaram esta Terra de
exílio, de voltarem aos que amaram. “Ficai certos: as fogueiras apagar-se-ão
por si mesmas; e se os livros são lançados ao fogo, o pensamento imortal lhes
sobrevive.” Allan Kardec (1804-1869) - Revista Espírita, novembro de 1861 -
“Sobre o Auto-de-Fé de Barcelona” A outra foi ditada pelo Espírito daquele que
havia encarnado como frade de origem espanhola e inquisidor do Santo Ofício:
São Domingos de Gusmão (1170-1221): “Era necessário que algo ferisse
violentamente certos Espíritos encarnados, a fim de que se decidissem a
ocupar-se desta grande doutrina que vai regenerar o mundo. Nada é feito
inutilmente em vossa Terra. Nós, que inspiramos o auto-de-fé de Barcelona,
sabíamos perfeitamente que assim agindo daríamos um grande passo à frente. Esse
fato brutal, inacreditável nos tempos atuais, foi consumado com vistas a chamar
a atenção dos jornalistas que se mantinham indiferentes diante da profunda
agitação que tomava conta das cidades e dos centros espíritas. Eles deixavam
dizer e fazer, mas, obstinados, faziam ouvidos de mercador, respondendo pelo
mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. Queiram ou não, é
preciso que hoje falem; uns, constatando o histórico do caso de Barcelona,
outros o desmentindo, ensejaram uma polêmica que fará a volta ao mundo e da
qual só o Espiritismo aproveitará. Eis por que hoje a retaguarda da Inquisição
praticou o seu último auto-de-fé, porque assim o quisemos.” Allan Kardec -
Revista Espírita, novembro de 1861 - “Sobre o Auto-de-Fé de Barcelona” Depois
de publicar o ocorrido na edição de novembro de 1861, a Revista Espírita
continuou cobrindo os seus desdobramentos. Na edição de agosto do ano seguinte,
a revista deu nota do falecimento do bispo de Barcelona e da sugestão que a
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas recebeu de um correspondente espanhol
para evocar o Espírito de Dom Antônio Palau y Termes (1806-1862), que se
antecipou, ditando a seguinte mensagem, conforme a transcrição da revista: “Auxiliado
por vosso chefe espiritual pude vir ensinar-vos com o meu exemplo e vos dizer:
Não repilais nenhuma das ideias anunciadas, porque um dia, um dia que durará e
pesará como um século, essas ideias amontoadas clamarão como a voz do Anjo:
Caim, que fizestes de teu irmão? Que fizestes de nosso poder, que devia
consolar e elevar a Humanidade? O homem que voluntariamente vive cego e surdo
de espírito, como outros o são do corpo, sofrerá, expiará e renascerá para
recomeçar o labor intelectual, que a sua preguiça e o seu orgulho o levaram a
evitar; e essa voz terrível me disse: Queimaste as ideias e as ideias te
queimarão! Orai por mim. Orai, porque é agradável a Deus a prece que lhe é
dirigida pelo perseguido em benefício do perseguidor. Aquele que foi bispo e
que não passa de um penitente.” Allan Kardec - Revista Espírita, agosto de 1862
- “Morte do bispo de Barcelona”. Comentando a mensagem do bispo, Allan Kardec
escreve: “Não podemos censurá-lo, pelo triplo motivo de que o verdadeiro
espírita a ninguém condena, não guarda rancor, esquece as ofensas e, a exemplo
do Cristo, perdoa aos seus inimigos. Em segundo lugar, longe de nos prejudicar,
ele nos foi útil; enfim, porque reclama de nós a prece do perseguido para o
perseguidor, como a mais agradável a Deus, pensamento todo caridade, digno da
humildade cristã, revelada pelas últimas palavras: ‘Aquele que foi bispo e que
não passa de um penitente’. Bela imagem das dignidades terrenas deixadas à
beira do túmulo, para se apresentar a Deus tal que se é, sem os aparatos
impostos aos homens”. Logo mais, faz uma exortação aos confrades espíritas:
“Espíritas, perdoemos-lhe o mal que nos quis fazer, como quereríamos que as
nossas ofensas nos fossem perdoadas e oremos por ele no aniversário do
auto-de-fé de 9 de outubro de 1861.” Em setembro de 1864, o periódico
notificava que o novo bispo de Barcelona, Dom Pantaleão Montserrat y Navarro,
trilhava pelos mesmos costumes medievais de Dom Antônio Palau, numa cruzada
contra o Espiritismo, conforme a transcrição de uma pastoral do eclesiástico,
da qual extraímos o seguinte trecho: “A geração atual se vê obrigada a assistir
a esse triste espetáculo que hoje nos dão os povos mais adiantados em Ciência e
em civilização. Os Estados Norte-Americanos, essa nação chamada modelo, e
algumas partes da França, aí compreendida a colônia da Argélia. Esforçam-se,
desde algum tempo, ao estudo ridículo e à aplicação do Espiritismo, que, sob
esse nome, vem ressuscitar as antigas práticas da necromancia. Pela evocação
dos Espíritos invisíveis, que repousam no lugar de seu destino, além do
sepulcro. E os consultam para descobrir os segredos ocultos sob o véu que Deus
estendeu entre o tempo e a eternidade.” Allan Kardec - Revista Espírita,
setembro de 1864 - “O novo bispo de Barcelona” Refutando as acusações dessa
pastoral, o codificador espírita finaliza com um recado direto ao bispo: “E vos
admirais, monsenhor, dos progressos da incredulidade! Antes vos deveríeis
admirar de que, em pleno século XIX (1801-1900), a religião do Cristo seja tão
mal compreendida pelos que são encarregados de ensiná-la. Não fiqueis, pois,
surpreso se Deus envia seus Espíritos bons para lembrarem o sentido verdadeiro
de sua lei. Eles não vêm para destruir o Cristianismo, mas para libertá-lo das
falsas interpretações e dos abusos que nele introduziram os homens.” Allan
Kardec - Revista Espírita, setembro de 1864 - “O novo bispo de Barcelona”
“Graças a esse zelo imprudente, todo o mundo na Espanha vai ouvir falar do
Espiritismo e quererá saber o que é ele; é tudo quanto desejamos. Podem
queimar-se livros, mas não se queimam ideias. As chamas das fogueiras as
superexcitam, em vez de abafar. Aliás, as ideias estão no ar, e não há Pireneus
bastante altos para as deter. Quando uma ideia é grande e generosa encontra
milhares de pulmões prestes a aspirá-la.” Allan Kardec - Revista Espírita,
setembro de 1864 - “O novo bispo de Barcelona” “Mas, ai daquele por quem venha
o escândalo. Quer dizer que o mal sendo sempre o mal, aquele que a seu malgrado
servir de instrumento à justiça divina. Aqueles cujos maus instintos foram
utilizados, nem por isso deixou de praticar o mal e de merecer punição. Assim
é, por exemplo, que um filho ingrato é uma punição ou uma prova para o pai que
sofre com isso. Porque esse pai talvez tenha sido também um mau filho que fez
sofresse seu pai. Passa ele pela pena de talião. “Castigo que consiste em fazer
sofrer o delinquente. O que ele fez sofrer a vítima”. Mas, essa circunstância
não pode servir de escusa ao filho que, a seu turno, terá de ser castigado em
seus próprios filhos, ou de outra maneira.” Allan Kardec – O Evangelho Segundo
o Espiritismo. Capítulo VIII item 16 “Bem-aventurado os que tem puro coração”.
“Podem queimar os livros, mas não se queimam ideias”. Auto de Fé de Barcelona.
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Abraço. Davi