sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

UM SONHO CULTURAL


Cristianismo. www.vatican.va. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL. QUERIDA AMAZÔNIA. Do Santo Padre Francisco (1936 - ). Ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade. Capítulo II. UM SONHO CULTURAL. 28. O objetivo é promover a Amazónia; isto, porém, não implica colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora o melhor de si mesma. Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir. Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o mesmo pode acontecer com culturas portadoras duma mensagem ainda não escutada e que estão ameaçadas hoje mais do que nunca. O poliedro amazônico. 29. Na Amazónia, vivem muitos povos e nacionalidades, sendo mais de cento e dez os povos indígenas em isolamento voluntário (PIAV)[31]. A sua situação é fragilíssima; e muitos sentem que são os últimos depositários dum tesouro destinado a desaparecer, como se lhes fosse permitido sobreviver apenas sem perturbar, enquanto avança a colonização pós-moderna. Temos que evitar de os considerar como «selvagens não-civilizados»; simplesmente criaram culturas diferentes e outras formas de civilização, que antigamente registaram um nível notável de desenvolvimento[32]. 30. Antes da colonização, os centros habitados concentravam-se nas margens dos rios e lagos, mas o avanço da colonização expulsou os antigos habitantes para o interior da floresta. Hoje, a crescente desertificação obriga a novas deslocações muitos, que acabam por ocupar as periferias ou as calçadas das cidades por vezes numa situação de miséria extrema, mas também de dilaceração interior devido à perda dos valores que os sustentavam. Neste contexto, habitualmente perdem os pontos de referência e as raízes culturais que lhes conferiam uma identidade e um sentido de dignidade e vão alongar a fila dos descartados. Assim interrompe-se a transmissão cultural duma sabedoria que, durante séculos, foi passando de geração em geração. As cidades, que deveriam ser lugares de encontro, enriquecimento mútuo e fecundação entre diferentes culturas, tornam-se palco dum doloroso descarte. 31. Cada povo, que conseguiu sobreviver na Amazônia, possui a sua própria identidade cultural e uma riqueza única num universo multicultural, em virtude da estreita relação que os habitantes estabelecem com o meio circundante, numa simbiose – de tipo não determinista – difícil de entender com esquemas mentais alheios:

«Havia outrora uma paisagem que despontava com seu rio,
seus animais, suas nuvens e suas árvores.
Às vezes, porém, quando não se via em lado nenhum
a paisagem com seu rio e suas árvores,
competia a tais coisas assomar à mente dum
garotinho»[33].

«Do rio, fazes o teu sangue (…).
Depois planta-te,
germina e cresce
que tua raiz
se agarre à terra
mais e mais para sempre
e, por último,
sê canoa,
barco, jangada,
solo, jarra,
estábulo e homem»[34]
.

32. Os grupos humanos, seus estilos de vida e cosmovisões são tão variados como o território, pois tiveram que se adaptar à geografia e aos seus recursos. Não são iguais as aldeias de pescadores às de caçadores, nem as aldeias de agricultores do interior às dos cultivadores de terras sujeitas a inundações. Além disso, na Amazônia, encontram-se milhares de comunidades de indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos e habitantes das cidades que, por sua vez, são muito diferentes entre si e abrigam uma grande diversidade humana. Deus manifesta-Se, reflete algo da sua beleza inesgotável através dum território e das suas caraterísticas, pelo que os diferentes grupos, numa síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria. Quantos de nós observamos de fora deveríamos evitar generalizações injustas, discursos simplistas ou conclusões elaboradas apenas a partir das nossas próprias estruturas mentais e experiências. Cuidar das raízes. 33. Quero lembrar agora que «a visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade»[35]. Isto afeta muito os jovens, quando se tende a «dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série»[36]. Para evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são «um ponto de enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios»[37]. Convido os jovens da Amazônia, especialmente os indígenas, a «assumir as raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e frutificar»[38]. Para quantos deles são batizados, incluem-se nestas raízes a história do povo de Israel e da Igreja até ao dia de hoje. Conhecê-las é uma fonte de alegria e sobretudo de esperança que inspira ações válidas e corajosas. 34. Durante séculos, os povos amazónicos transmitiram a sua sabedoria cultural, oralmente, através de mitos, lendas, narrações, como sucedia com «aqueles primitivos jograis que percorriam as florestas contando histórias de aldeia em aldeia, mantendo assim viva uma comunidade que, sem o cordão umbilical destas histórias, a distância e a falta de comunicação teriam fragmentado e dissolvido»[39]. Por isso, é importante «deixar que os idosos contem longas histórias»[40] e que os jovens se detenham a beber desta fonte. 35. Enquanto o risco de perder esta riqueza cultural é cada vez maior, nos últimos anos – graças a Deus – alguns povos começaram a escrever para contar as suas histórias e descrever o significado dos seus costumes. Assim, eles próprios podem reconhecer explicitamente que há algo mais do que uma identidade étnica e que são depositários de preciosas memórias pessoais, familiares e coletivas. Alegra-me ver aqueles que perderam o contato com as suas raízes tentarem recuperar a memória danificada. Por outro lado, nos próprios setores profissionais, começou a desenvolver-se uma maior percepção da identidade amazônica, tornando-se a Amazônia – mesmo para eles, muitas vezes descendentes de imigrantes – fonte de inspiração artística, literária, musical, cultural. As várias expressões artísticas, particularmente a poesia, deixaram-se inspirar pela água, a floresta, a vida que se agita, bem como pela diversidade cultural e os desafios ecológicos e sociais. Encontro intercultural. 36. As culturas da Amazónia profunda, como aliás toda a realidade cultural, têm as suas limitações; as culturas urbanas do Ocidente também as têm. Fatores, como o consumismo, o individualismo, a discriminação, a desigualdade e muitos outros, constituem aspetos frágeis das culturas aparentemente mais evoluídas. As etnias que desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a natureza, com forte sentido comunitário, apercebem-se facilmente das nossas sombras, que não reconhecemos no meio do suposto progresso. Assim, far-nos-á bem recolher a sua experiência da vida. 37. É a partir das nossas raízes que nos sentamos à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas. Deste modo a diferença, que pode ser uma bandeira ou uma fronteira, transforma-se numa ponte. A identidade e o diálogo não são inimigos. A própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece. Por isso, não é minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem. Uma cultura pode tornar-se estéril, quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem»[41]. Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta se abram ingenuamente à «civilização». 38. Na Amazônia, mesmo entre os distintos povos nativos, é possível desenvolver «relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da esperança»[42]. Culturas ameaçadas, povos em risco.  39. A economia globalizada danifica despudoradamente a riqueza humana, social e cultural. A desintegração das famílias, que resulta das migrações forçadas, afeta a transmissão dos valores, porque «a família é, e sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as nossas culturas»[43]. Além disso, «diante duma invasão colonizadora maciça dos meios de comunicação», é necessário promover para os povos nativos «comunicações alternativas, a partir das suas próprias línguas e culturas», e que «os próprios indígenas se façam protagonistas presentes nos meios de comunicação já existentes»[44]. 40. Em qualquer projeto para a Amazônia, «é preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social (...) requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano»[45]. E se as culturas ancestrais dos povos nativos nasceram e se desenvolveram em estreito contato com o ambiente natural circundante, dificilmente podem ficar ilesas quando se deteriora este ambiente. Isto abre passagem ao sonho sucessivo (...). www.vatican.va. Abraço. Davi

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O ESPAÇO E O TEMPLO SAGRADO II


Religião Afro-brasileira. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018). Capítulo II. O ESPAÇO E O TEMPLO SAGRADO II. A ilé-orixá é muito mais vasta, pois se estende sobre a quase totalidade do terreiro, e se decompõe num certo número de habitações ou de aposentos, tendo, cada um, função bem diferenciada. A ilé-orixá é antes de mais nada um templo, e como tal guarda todos os objetos em que as divindades se fixaram: pedras, pedaços de ferro, tambores, etc. Mas é também um convento onde são iniciadas, onde são formadas as yauô, e onde as yauô, uma vez "feitas", encarnam as divindades nas danças públicas. Finalmente, como é necessária uma certa quantidade de pessoal para vigiar, cuidar, controlar templo e convento, a ilé-orixá é ao mesmo tempo moradia. Podemos deixar de lado este último aspecto, embora certas salas da moradia não deixem de desempenhar seu papel na vida mística da ilé-orixá. A cozinha, por exemplo, onde são preparados os alimentos tanto dos deuses quanto dos homens, ou ainda a sala de visitas, que muitas vezes está cheia de clientes, à espera de um conselho ou de uma ordem do babalorixá ou da ialorixá. O convento compreende a aliaché, isto é, o aposento em que se faz a iniciação, e o salão de danças, que é naturalmente o mais espaçoso de todo o edifício. O salão está dividido em dois por uma balaustrada, que delimita a localização de dançarinos e dançarinas. Atrás dela se colocam os espectadores, os homens de um lado e as mulheres do outro. Finalmente, num canto, sobre pequeno estrado, a música. Como já indicamos, distinguem-se no templo os Orixá do ar livre e os outros Orixá. Os primeiros, Omolú, Ogun, Oxossi, têm seus santuários separados do corpo do edifício. Os outros vivem num ou em vários aposentos da casa principal; mas, esteja o quarto do Orixá no interior ou no exterior da casa, seja-lhe ou não dado um nome especial (sala do trono de Xangô, sala do tanque de Yemanjá (...), todos são pegi. Ali se encontram, em travessas ou em pratos, as pedras "feitas", com os alimentos que lhe foram oferecidos, tudo recoberto por toalhas bordadas, as insígnias das divindades, e às vezes esculturas africanas ou imagens de santos católicos. As vestes litúrgicas das yauô estão quase sempre guardadas no interior de baús ou de armários, na parte da ilé-oríxá consagrada à habitação. Os tambores, nos intervalos que separam as cerimônias, permanecem cobertos por suas ojas. Tais são os elementos indispensáveis de todos os candomblés. Mas muitos deles possuem também uma fonte sagrada onde as filhas de santo vão tomar seus banhos, de onde se tira a água para a lavagem das pedras, e que se dá a beber como um teste de "pureza do corpo" (se a pessoa manteve relações sexuais na noite anterior, a água fá-la adoecer). Estas fontes têm nomes diferentes, conforme a divindade que as protege: fonte de Oxun, água de Xangô, bica de Oxalá (...). Vê-se também muitas vezes, nas moitas emaranhadas, uma ou duas árvores cujos galhos trazem pendurados pedaços de pano branco chamados ofa, e ao pé dos quais se encontram garrafas, pratos, recipientes de toda espécie. Uma dessas árvores, gameleira branca (ficus doliaria, religiosa?) é identificada com o Irocô, a árvore sagrada dos africanos. É preparada exatamente como se prepara uma pedra ou uma filha de santo, isto é, fixando-se dentro dela a divindade; daí por diante toma-se objeto de culto, não pode mais ser tocada por ninguém, e se lhe cortassem os galhos, deles correria sangue. No Recife mais particularmente, nalgumas festas, cânticos são algumas vezes entoados em sua honra. Mas não tem filhos, não monta nenhum cavalo. Não se deve confundir estas árvores sagradas com as dos terreiros bantos, que constituem as suas ilé-saim: as almas das filhas de santo mortas vêm habitar em seus ramos (de onde talvez se desprendam para entrar no ventre de uma mulher que passa e continuar, assim, o ciclo das reencarnações, como sucede na África). O espaço sagrado é, pois, espaço fechado entre os muros ou os limites do terreiro. Todavia, fora dos candomblés existem outros lugares que os africanos também consideram sagrados. Por exemplo, no tempo de Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), a "pedra de Ogun" se encontrava num município vizinho ao da capital. De forma de paralelepípedo irregular e colocada na encosta de um vale, à margem da estrada, a pedra tem a face voltada para o sul, enterrada no solo até quase o meio, mas a face norte, com mais de dois metros de altura, está toda descoberta. A pedra tem mais de três metros de comprimento e apresenta na face norte uma escavação ou entalhe natural que se estende até à face superior. Sobre esta pedra encontram-se de contínuo vestígios ou restos de sacrifícios, sangue, penas de aves, conchas marinhas, etc. A primeira vez que fui visitá-la, fiquei surpreendido de encontrar sobre a pedra um bom punhal, dentro de uma bainha de couro (...). Os laivos de ferrugem que se começavam a formar indicavam bem que ali tinha sido deposto havia poucos dias ainda (...). O punhal pertencia a um negro casado que tentara assassinar com ele a própria esposa e fora ali colocado por ordem de Ogun. Que naqueles dias se tinha manifestado à mãe do terreiro. Na Bahia mesmo, existe ainda a pedra de Oxunmarê, perto do mar, que apresenta anfractuosidade semelhante a uma pia de água benta. As jovens mães ali vão para de certo modo batizar os filhos, a concavidade estando sempre cheia d'água de chuva e das misturadas. Sinal feliz é nesse momento aparecer no céu um arco-íris: Oxunmarê está abençoando a criança que lhe apresentam. Os cultos de Yemanjá e de Oxun, deusas água salgada e da água doce, reclamam principalmente oferendas atiradas na margem ou de uma barca em alto mar. Os presentes, - sabões, água de colônia, flores, espelhinhos, pentes. Pois ambas as divindades são igualmente vaidosas, dão lugar a procissões solenes como as organizadas por Joana de Ogun, ou a grandes festas populares, como a do "presente de Yemanjá". Neste último caso, o barco que se afasta da praia para levar o "presente" para longe, no meio do oceano, é verdadeiro candomblé marítimo, com as filhas de santo, os tambores, em torno do enorme cesto cheio de presentes doados pelos fiéis. Todavia, não é qualquer ponto da praia que pode ser utilizado para tais manifestações; há lugares privilegiados, como o Dique, Montserrat, a praia do Rio Vermelho, etc. Não há, portanto, contradição, entre o que acabamos de dizer e a afirmação anterior de que o espaço sagrado é o espaço delimitando unicamente o candomblé. Efetivamente, os lugares profanos só revestem um aspecto religioso na medida em que se tornam um prolongamento exterior do terreiro. O texto de Nina Rodrigues, citado, mostra bem que a pedra de Ogun estava ligada a um santuário vizinho e que uma ialorixá cuidava dela. A pedra de Oxunmarê está também em relação estreita com a vida das seitas africanas e, no dia 24 de agosto, é ali celebrada uma festa que Edison Carneiro chama de "festa da purificação". Quanto às festas de Oxun ou de Yemanjá, estão sempre organizadas, controladas e dirigidas por um candomblé determinado; e o mar ou o lago não se tornam sagrados senão unicamente no local por onde passa o candomblé, e apenas enquanto dura a cerimônia. Foi por isso que, por ocasião da festa dos presentes, a 2 de fevereiro, um de nossos amigos negros fez-nos tirar os sapatos para banhar os pés no vaivém das ondas. Sendo que várias pessoas tinham trazido garrafas vazias para guardar um pouco da água cortada pela esteira do barco, pois ela possuía toda a espécie de virtudes curativas e profiláticas. Mas no dia seguinte, nesse mesmo lugar, a água não era mais do que água salgada comum. Não podíamos encontrar melhor prova de que somente o espaço do candomblé é realmente o espaço sagrado, e que os outros espaços não adquirem caráter místico senão na medida em que se puserem, de uma maneira ou de outra, em participação com o primeiro. Mas este espaço sagrado será também um espaço mítico? A construção do templo lembraria a criação do mundo? Representa o presente os gestos das divindades antigas? Pode parecer que não à primeira vista. As casas dispersas no terreiro são casebres de sapé ou de tijolos, como todas as da Bahia, quadrangulares em vez de arredondadas, e que nada têm de africano. O homem se adaptou a seu novo meio geográfico e cultural; pediu emprestado ao branco as técnicas dos pedreiros, a planta das habitações. Todavia, desde nossa primeira viagem à Bahia, ficamos vivamente impressionados por um traço arquitetural que ninguém tinha ainda assinalado. A existência, no meio do salão de dança, de um poste central. Este poste não podia ter função arquitetônica, não era suporte do teto uma vez que não existia nos terreiros bantos, fosse qual fosse a dimensão das salas de dança, E pelo menos num caso, no candomblé de Oxunmarê, não ia até o teto. Por outro lado, tinha função ritual evidente; era em torno dele que giravam as filhas de santo em suas rodas extáticas, e era também a seus pés que, nas cerimônias mortuárias ou axêxê, se depositavam os pratos de oferenda, os potes de barro da morta, os pratos contendo farinha ou dinheiro miúdo. Um estudo comparativo levou-nos a encontrar este poste noutras regiões aa América, também atingidas pela civilização africana. No Brasil mesmo, é encontrado ainda no Piauí, como um dos raros traços africanos conservados no interior de uma religião que sofreu fortes influências ameríndias. No Haiti, eleva-se também um pilar, chamado poteaumitan no centro do terraço descoberto em que se desenrolam as danças, e em seu pé são desenhados os vêvê. São depostos os objetos sagrados, são saudados os deuses; em torno dele gira também a roda das vodun-si. Este poste, cercado de vasos de flores e de velas, entrou até no culto protestante de Trinidad. Para que semelhante traço de arquitetura se tenha conservado com tal força, a ponto de se introduzir em seitas tão pouco tradicionais quanto a dos "Encantados", do Piauí, ou a dos "Hurleurs" de Trinidad. É preciso que corresponda a algo de muito importante. Com efeito, é ao pé deste pilar que se enterra, na Bahia, o axé do terreiro. Contudo, sua importância não deriva daí, tal fato não constitui senão consequência da importância dele. É porque o pilar representa algo simbolicamente extraordinário que foi escolhido como o lugar onde se vai depositar o axé da consagração. Jacques Roumain (1907-1944) cita um cântico dirigido a Lôko, isto é, à mesma divindade que nosso Irôko brasileiro (Lôko é seu nome dahomeano), no qual se encontra o seguinte verso: Eya I poteau-a planté Negue Atísou. O termo "poteau" não pode designar aqui senão o Lôko, uma vez gue na cerimônia descrita não se menciona ainda o poteau-mitan. O poteau-mitan só aparece no fim, no momento do sacrifício ao Tambor Assoto. Cava-se então um buraco no solo e nele se finca uma estaca, entoando: Eeh ! plantez poteau Plantez poteau (bis) Eeh I plantez poteau Assôtô Micho planté poteau li Eeh I plantez poteau Abobo (ter) . Eeh I plantez Ie poteau Plantez Ie poteau (bis) Eeh I plantez le poteau Assotô Micho a planté son poteau Eeh ! plantez le poteau Abobo (ter). Pode-se perguntar então se o poste não seria simplesmente a imagem, em pedra, da árvore Irôko. Mas também se pode supor que Irôko é sagrado porque seu tronco venerável lembra o poste central. Tanto mais que no Haiti a mitologia tradicional se desagregou completamente e que o vodoun se tornou ali um culto nacional, muito mais do que a conservação de pura sobrevivência africana. A ligação entre o poste e a árvore pode ser válida, mas nada informa sobre seu sentido. Se vai da árvore para o poste, ou ao contrário do poste para a árvore. Devemos, pois, reiniciar inteiramente a busca. Sabe-se que entre os Yoruba, o casal divino primitivo é constituído por Obatalá, o Céu, e Odudua, a Terra, e que dá união do Céu e da Terra nascem Aganjou, o Firmamento, e Yemanjá, as Águas. Sabe-se- também que este casal em cópula é representado por duas metades de cabaça, fechadas uma sobre a outra, uma figurando a abóbada celeste, a outra a terra fecundada, cabaça sagrada chamada igba. Porém algumas vezes esta cabaça é indicada como símbolo de Oxalá, e então estamos mais próximos do Brasil. Oxalá é considerado hermafrodita, isto é, sua metade superior é masculina, e a inferior feminina. Frobenius comparou longamente mito e certos objetos africanos, com representações similares de povos asiáticos. Assim como com objetos arqueológicos, para chegar a esta conclusão geral que, por sua vez, pode atingir a plenitude de seu significado neste trabalho: "O templum é a imagem refletida do cosmos. O homem deve ter representado com emoção neste palco, a peça da eclíptica, da cópula do céu com a terra, da ascensão do céu!" E um pouco mais adiante: "O palco da peça tornou-se imagem do mundo e formou um edifício complicado. O grande poste central serviu de suporte para a cadeia dos antepassados, o frontispício passou a apresentar a imagem do astro, enquanto os quatro pilares de sustentação tornaram-se os pilares do céu" (estes quatro pilares não são mais do que o sinal dos quatro pontos cardeais. É pena que Ferdinand Georg Frobenius (1749-1917) tenha complicado sua teoria, mascarando assim o valor de uma intuição justa, a concepção de "desempenho teatral". Mas pelo menos podemos reter a ligação cosmos-templum como ponto de partida de nossa interpretação. Com efeito, nota Raimundo Nina Rodrigues, justamente a respeito do caráter andrógino de Obatalá (o outro nome de Oxalá na Bahia). E apesar de seus preconceitos raciais: "A representação desta divindade (...) por duas meias cabaças cortadas em forma de prato ou de cuia rasa e superpostas uma à outra para simbolizar o Céu, Obatalá, e a Terra, Odudua, tocando-se no horizonte. Já pela justaposição dos dois órgãos da geração em funcionamento (...) todas estas representações que Ellis mencionava na Costa dos Escravos, eu encontro aqui na Bahia. Onde de ordinário as cuias ou pratos de cabaça pintados de branco são substituídos por uma tigela de louça branca, de tampa, contendo, como descrevi, limo da Costa, vindo da África, cawries e um arco de metal". De fato, tudo no candomblé é símbolo ou imagem. A adaptação às novidades ocidentais, ao tipo de construção, ou, como neste caso, à cerâmica europeia, não impedem o respeito pelas normas míticas que asseguram o valor religioso dos objetos utilizados. E este reflexo do divino, em funcionamento aqui, tornamos a encontrá-lo nos menores e nos maiores detalhes. Nos utensílios do culto, nos instrumentos de música, na construção da ilé-orixá. A cabaça dupla continua a ser a representação de Obatalá, ainda quando as duas metades são substituídas por uma espécie de sopeira com tampa. Em Cuba, a mesma metamorfose tem lugar, e do mesmo modo. Todavia, a cabaça reaparece como imagem do mundo num instrumento de música que já descrevi brevemente noutro trabalho e que só é utilizado nas cerimônias fúnebres. Este instrumento é encontrado também em Cuba, onde foi particularmente bem estudado por Fernando Ortiz Fernandez (1881-1969). Ora, basta comparar este instrumento musical com a imagem do mundo, tal qual Bernard Maupoil (1906-1944) a desenhou em sua Geomancie à l'ancienne Côte des Esclaves. Ou com o desenho de Dennet, para perceber a identidade entre o instrumento, a concepção do mundo e a dupla cabaça de Obatalá. O que pode parecer curioso é que a cabaça de Obatalá, deus da criação, seja utilizada num rito fúnebre. Mas, pode-se perguntar se o axêxê não seria também uma criação, a criação do Egun, do mesmo modo que a iniciação, como vimos, é considerada como uma criação. E por isso mesmo posta sob o signo de Oxalá. Além disso, outra razão mais simples ainda seria lembrar que a água que cerca por todos os lados a superfície da terra habitada e a separa do céu na linha do horizonte, é considerada moradia dos mortos. O que nos interessa, porém, é o fato de Céu e Terra se tocarem, reunidos, colados pelos bordos das duas cuias. Efetuam uma união matrimonial e a mesma representação do mundo pode ser feita por intermédio dos órgãos da reprodução. Os santuários africanos muitas vezes não têm teto, é o céu que lhes forma a abóbada, mas compreendem, entre outros elementos arquitetônicos, os postes; estes são chamados pelo povo de bastão de Oranyan, e, pelos sacerdotes, Opa Oranyan, isto é, pênis de Oranyam. Iniciar na página 100. Livro O Candomblé da Bahia – Rito Nagô. Abraço. Davi

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

RENÚNCIA DAS OBRAS


Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Capítulo V. RENÚNCIA DAS OBRAS. Neste capítulo se expõe como o homem exterior e terreno não pode, de própria vontade e própria força, fazer qualquer coisa boa ou santa, porque todo o bem procede de Deus. Para poder-se agir sabiamente, é necessário possuir sabedoria. E quem possui sabedoria, não age por si mesmo, mas serve apenas de instrumento à Vontade Divina.

Então falou Arjuna, o príncipe de Pandu, a Krishna, o Senhor Bem-aventurado, dizendo: Ó Senhor, ora luvas a renúncia das obras, ora a prática das obras. Dize-me, de ambas qual é a superior? Fala-me claramente, para que em mim não haja mais dúvida nem confusão. 2. O Verbo Divino: Ó Arjuna, tanto a renúncia como a prática das obras têm grande mérito; ambos conduzem ao alvo supremo. Entretanto, é preferível a prática das obras à sua renúncia. A reta ação é melhor do que a inação. 3. Para não caíres em confusão, discerne bem o uso destes termos. Só se abstêm verdadeiramente, aquele que não odeia a ação, nem por ela se apaixona. Assim é que ele pratica a renúncia, nada odiando e nada desejando. Quem está acima dos contrastes e conserva-se calmo e contente, sempre pronto a cumprir a sua tarefa e, contudo, sem apegar-se à obra, facilmente se liberta dos vínculos da ilusão. 4. Os inexperientes que principiam a estudar a Verdade, costumam designar o conhecimento e as obras, ou a abstenção da ação e a prática da reta ação como duas coisas diferentes. Mas os sábios as reconhecem como uma coisa só. Pois quem tem o conhecimento, há de ter também as obras, e quem tem as obras, terá igualmente o conhecimento. 5. Ambos estes caminhos conduzem ao mesmo fim, e os que seguem um deles chegam ao mesmo ponto que os que vão pelo outro. Quem tem a reta percepção vê que o conhecimento e a atividade, ou – por outras palavras – a renúncia e a prática são uma coisa só, em sua essência. 6. Abster-se e renunciar é muito difícil para quem não tem experiência das ações. Abençoado, porém, é aquele que sabe harmonizar os dois caminhos. O seu espírito dirige-se ao Eterno e une-se com Deus, entrando na Paz do Nirvana. 7. Quem é firme na prática da Reta Ação e, ao mesmo tempo, domina a si mesmo, subjugando à Vontade Divina os seus sentidos e desejos, sente-se uno com tudo o que existe e não é influenciado pelas obras que pratica. 8. Ele conhece a Vida Universal e o que dela procede, e sabe que não é ele, como espírito, quem age, mas é a sua natureza que vê, cheira, sente, come, caminha e respira. 9. Em verdade, pode ele dizer: os sentidos fazem a sua parte no mundo sensual. Deixemo-los agir, eu não sou vinculado nem iludido por eles, porque sei qual é o seu fim. 10. Quem encara suas ações como obra dos sentidos, e as executa sem apego, não é maculado pelo egoísmo. Tal qual a flor do lótus, que não é poluída pelas águas que a rodeiam. 11. O yogi, tendo-se libertado de todo o apego, executa as ações do corpo, da mente e do intelecto, e até dos sentidos, sempre com o fim de purificar a mente e sem qualquer motivo egoísta. 12. Vivendo em harmonia com a Natureza, tendo abandonado o desejo e a esperança de recompensa pelas ações, alcança a Paz. Ao contrário, o homem que não vive em tal harmonia e que nutre desejos de recompensa por suas ações, é turbado, inquieto e descontente. 13. A alma do sábio que no fundo de sua vontade, renuncio a toda ação e inação própria, e não procura recompensa, habita o corpo, que é o Templo do Espírito. Conserva-se quieta, em paz, sem desejo de agir e sem cessar ação, e, entretanto, está sempre pronta a executar a sua parte na ação, quando o dever a chama. Porque o sábio sabe que ainda que o seu corpo, essa cidade com as nove portas, se ocupe de ações, o Eu Real permanece imperturbado. 14. O Senhor do Mundo (o Eu Real) não engendra nem a atividade, nem as ações, nem as relações entre a causa e o efeito. Em tudo isto age apenas a natureza dos seres. 15. O Senhor do Mundo não interfere nem nos pecados nem nas boas ações de ninguém. A luz da sabedoria está obscurecida pela fumaça da ignorância, e o homem ilude-se com isso e pensa que a fumaça é a chama, não podendo enxergar está atrás daquela. Mas aqueles que são capazes de transpor a fumaça, percebem a clara luz do Espírito que brilha como uma infinidade de sóis, livre e sem o véu da fumaça que a esconde às vistas da maior parte dos homens. 17. Meditando sobre o Altíssimo, que é o Eu Real, unindo-se a Ele, conhecendo-o e amando-o. Passa o sábio aos estados superiores, aos planos mais altos, dos quais não volta mais para os degraus inferiores da existência. O conhecimento da Verdade consumiu todos os seus pecados e erros, e ele entra no reino da Bem-aventurança. 18. A sua vista, sendo livre da fumaça do erro e da ilusão, reconhece um Ser em tudo. Igual sentimento e respeito tem ele para os homens eruditos, reverendos, nobres, nobres e iluminados. Como para os pobres, ignorantes e desprezados e até para as vacas, os elefantes e os cães. Porque, tendo vencido as ilusões, vê que as personalidades de todas as ilusões, vê que as personalidades de todas as formas de vida são irreais. Comparadas com o Eu Real, de maneira que, contempladas do alto, desparecem até as maiores distinções mundanas. 19. Os que conservam a equanimidade, já neste mundo se unem com Brahma (Deus Criador), porque Ele é imutável e eternamente o mesmo. 20. Não te deixes arrebatar, quando te acontece algo desagradável, nem percas o ânimo, quando tens má sorte. Levanta o teu pensamento à claridade limpa da esfera divina, imerge-te em Deus e Nele vive. 21. Em delícias eternas vive a alma que em si mesma encontra a fonte da felicidade, sendo unida com Deus e desapegada dos objetos do mundo exterior. 22. Os prazeres nascidos do contato dos sentidos externos, e a que chamam satisfação, são fontes de sofrimentos, porque têm princípio e fim. O sábio não procura neles a sua felicidade. 23. Feliz é aquele que nesta Terra, ainda antes de deixar o corpo, pode resistir aos impulsos do desejo e da ira. 24. Quem em si mesmo encontra o céu, quem em si mesmo encontra a luz da iluminação, é um yogi, é um santo. A sua vida conflui com a vida de Brahma, e são-lhe abertas as portas do Nirvana. 25. Assim os Rishis, tendo-se libertado dos pecados, tendo vencido toda ideia de dualismo e separação, e vendo que toda a vida é uma. Que toda ela emana de Um, e sentindo que o bem-estar de todos é o bem-estar de cada um, unificaram-se com o Todo e entraram no Nirvana. 26. Assim todos os homens que seguem o seu exemplo, vivendo em humildade e na luz da fé, controlando as ações e dominando o eu inferior, aproximam-se da Paz Divina. 27. O verdadeiro yogi, deixando os objetos exteriores influenciar só o seu exterior e não a sua alma, abre as vistas interiores à Luz Eterna e une a sua respiração externa com a interna, em ritmo de harmonia. 28. Todos os seus sentidos obedecem à vontade Espiritual, todo o seu pensar tem as raízes em Deus. Nada para si deseja, nada receia. A ele não tem acesso nem ódio nem ira. A sua salvação está realizada. 29. Ele Me conhece como Sou, sabe que Me agrada o domínio de si mesmo, reconhece-Me como Senhor do Universo, e amante de todas as almas, e une-se comigo. Pois Eu sou o amparo de todos os que em Mim se refugiam. Livro Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Abraço. Davi.



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

QUEM SE ESFORÇA, ENCONTRA (...)


Judaísmo. www.morasha.com.br. QUEM SE ESFORÇA, ENCONTRA (...). A festa de Chanucá vem-nos lembrar uma grande filosofia de vida. Os hashmonaim, minoria absoluta e totalmente despreparada para enfrentar qualquer guerra, acabam vencendo o exército helenista. Isto só foi possível graças à firme decisão de tentar vencer, apesar de, aparentemente, terem mínimas chances. Consta na Torá: "Veasú li mikdash veshachanti betocham" - e me farão um santuário e morarei entre eles. Diz o Midrash que quando D'us lançou esta ordem, Moshé Rabenu, espantado, perguntou: "Como é possível ao ser humano construir uma morada para o Eterno? Nada neste mundo pode conter o Todo-Poderoso!" Disse D'us a Moshé: "Saiba que Meu pedido é proporcional à capacidade do povo e não ao que Eu realmente mereço (...)!" Daí, segundo o Chafets Chaim, concluímos que o Todo-Poderoso exige do ser humano apenas aquilo que está dentro de seu alcance e de acordo com suas possibilidades. Nunca D'us irá querer que o ser humano faça algo que lhe seja impossível. Nossos sábios lembram-nos na Ética dos Pais (cap. 2:16): "Você não tem obrigação de concluir o trabalho (referindo-se ao serviço do Todo-Poderoso), porém você não está livre para não o realizar". Isto significa que a pessoa não deve desistir de iniciar o trabalho espiritual alegando que é impossível terminá-lo, já que não lhe foi ordenado concluir o trabalho, mas apenas iniciá-lo. O Todo-Poderoso pede e exige do ser humano apenas o esforço, não o resultado. Por isso, o ser humano não está livre de deixar de realizar a sua obrigação - cada um deve agir de acordo com as suas possibilidades. E é justamente isto que nossos sábios nos ensinam: "Quando o ser humano se santifica ainda que pouco, o Altíssimo, nos céus, santifica-o muito". Portanto, apesar de ser impossível ao ser humano construir um santuário para o Todo-Poderoso, D'us nunca exigiu isto dele. O Altíssimo pede que cada um de nós faça o que está a seu alcance. Quando cada um fizer tudo o que puder, isto será a moradia que D'us almejou e assim Ele, sem dúvida, fará pairar entre nós a sua Divina Presença. Nossos sábios instituíram uma reza para o término de um estudo de um tratado de Talmud: "Eu me esforço no meu estudo e todos os outros trabalhadores fazem o mesmo - eu me esforço e sou recompensado e eles se esforçam sem receber nenhuma recompensa" (Berachot 28:2). Esta reza necessita uma profunda análise. Será que um sapateiro, um alfaiate ou qualquer outro profissional não receberá o seu salário no final de um dia de trabalho ou ao concluir o serviço? Será que alguém duvida da recompensa reservada para quem a merece? Então, como dizemos nesta oração que os outros operários não recebem recompensa? Não há dúvida que todo aquele que fornece um trabalho será finalmente pago pelo serviço realizado. Porém, o pagamento será pelo resultado e não pelo esforço. Por exemplo, um alfaiate se esforça, durante vários dias, para cortar o tecido para a confecção de um terno, mas percebe que, infelizmente, os modelos talhados não ficaram de acordo com o tamanho desejado. O alfaiate não receberá o pagamento, apesar de ter trabalhado durante algumas horas ou mesmo alguns dias. Se ele não entregar o terno pronto, nas medidas encomendadas, ele não terá cumprido o seu compromisso. É certo que ele trabalhou e se esforçou durante vários dias, porém o que conta para o cliente é o resultado. No mundo espiritual a coisa é bem diferente. Aquele que se esforça para estudar Torá e cumprir um mandamento, mesmo se não tiver êxito em seu esforço, receberá a recompensa. Isto porque tentou e se empenhou. Na Ética dos Pais (capítulo 4) consta a seguinte passagem: "Aquele que ensina uma criança é comparado à tinta usada para escrever em uma nova folha de papel, e aquele que ensina um idoso é comparado à tinta usada em uma folha de papel que já foi usada e seu conteúdo apagado". Isto significa que ensinar jovens é sempre muito mais vantajoso, pois estes terão facilidade em lembrar o que estudaram enquanto que os mais idosos encontrarão dificuldades de memorização. Isto, a priori, pode causar um certo desânimo para os menos jovens que desejam estudar, enriquecendo sua bagagem espiritual. Ficarão desestimulados por pensar que não irão conseguir memorizar o estudo e todo o esforço será praticamente em vão. De acordo com que foi analisado acima, concluímos que o que conta no judaísmo é o esforço. Mesmo se a pessoa não tiver sucesso nos seus empreendimentos, a recompensa pelo desempenho está garantida.
O Talmud conta que Moshé Rabenu teve dificuldades para confeccionar a Menorá do Santuário. O Todo Poderoso teve que lhe mostrar, numa visão profética, todos os detalhes que envolviam tal fabricação. Após perceber que Moshé não estava captando as orientações e que a tarefa parecia ser muito além do seu alcance, o Todo-Poderoso lhe ordenou atirar o ouro no fogo. Milagrosamente surgiu a Menorá Sagrada. Por que D'us tinha que mostrar a Moshé todos os detalhes da fabricação da Menorá se, na realidade, ele não conseguiria confeccioná-la sozinho, sem a intervenção Divina? Porém, este é o ensinamento da Torá. Devemos saber que o ser humano tem que se esforçar para realizar o que está a seu alcance, o resto vem posteriormente por si só. Isto é válido para todas as mitzvot. Quando a pessoa se esforça para fazer o máximo, o resto fica por conta de D'us. O Midrash Rabá nos relata: "Disse D'us ao povo de Israel: Façam-me uma abertura bem pequena, como o buraco de uma agulha, e eu abrirei para vocês portões por onde passem carruagens e carroças..." O Todo-Poderoso aguarda que a pessoa dê o primeiro passo; aí, então, Ele completa e faz o que for necessário. Quando Moshé Rabenu presenciou a revelação de D'us no Monte Sinai, ele quis se aproximar para ver tão fantástica visão, querendo entender por que o arbusto não se consumia. Rabi Yochanan diz que Moshé, naquela oportunidade, deu três passos à frente para contemplar a visão. Resh Lakish diz que ele apenas estendeu o pescoço. Disse D'us a Moshé: "Você se esforçou tanto para ver, que revelarei o que quer saber". D'us, então, o chamou de dentro do arbusto ardente. É difícil acreditar que Moshé mereceu uma tal revelação Divina apenas por ter feito um esforço tão pouco significativo - deu meros três passos ou, de acordo com a segunda opinião, apenas estendeu o pescoço. Um gesto tão simples e, em contrapartida, uma recompensa tão elevada? Porém é isto mesmo que nossos sábios nos ensinam no Talmud (Meguilá 6:2): "Yagaati Umatsati" - Esforcei-me e por isso acabei encontrando um bom resultado. Metsiá, em hebrai-co, significa um achado. Aquele que se empenha, teoricamente deve receber algo proporcional ao esforço investido. Porém o Talmud nos ensina que aquele que se esforça acaba encontrando, isto é, bem além do que o esforço investido, como um achado que a pessoa encontra sem esforço nenhum. Conta o Midrash que durante os nove meses que o bebê se encontra no ventre da mãe, um anjo lhe ensina toda a Torá. No momento do nascimento, o anjo dá um tapa na criança e a faz esquecer-se de toda a Torá. É muito difícil entender este comportamento tão estranho do anjo. Se a criança já se esforçou e estudou toda a Torá, porque tem que esquecer tudo o que o próprio anjo lhe ensinou? O motivo pelo qual D'us faz questão que a criança estude a Torá inteira antes do nascimento é para nos lembrar de que a Torá não é algo estranho e distante da pessoa, pois a criança já estudou esta mesma Torá no ventre materno. A Torá é algo conhecido pela criança e foi parte integrante de seu ser durante nove meses. Ela irá posteriormente esquecer o seu estudo porque o que conta aqui neste mundo é, justamente, o esforço. A vida é um mistério que o ser humano tem que descobrir. Sabendo, de antemão, de toda a mensagem Divina - a Torá, a pessoa não teria mais nenhum motivo para continuar a vida. A dificuldade que a pessoa encontra em realizar as tarefas e as boas ações, é uma indicação de que aquilo é necessário e muito importante para o cumprimento de sua missão e para o alcance da perfeição. Uma boa imagem para se entender isto é o efeito da fisioterapia. Uma pessoa machucou o braço e este ficou imobilizado durante três meses. Sem dúvida, a pessoa terá muita dificuldade em mexer o braço após retirar o gesso. Na sua primeira sessão de fisioterapia, este indivíduo certamente reclamará de uma forte dor ao fazer os movimentos exigidos. Para se livrar de tal dor, ele sugere ao fisioterapeuta fazer os exercícios necessários com o segundo braço, que nunca foi machucado. Porém, obviamente, fazer os exercícios com o outro braço não resolveria o problema. O fato de sentir dor e ter dificuldades em realizar os movimentos no braço enfraquecido demonstra o quanto isto é importante para o seu restabelecimento. Quanto mais difícil e doloroso, mais rápida será a plena recuperação. De forma geral, o ser humano encontra mais êxito nas coisas nas quais investiu um certo esforço do que nas que recebeu facilmente. As primeiras Tábuas da Lei entregues ao povo de Israel eram obra de D'us, fabricadas de um material precioso, pelo próprio Criador. Infelizmente elas não tiveram uma longa existência e foram quebradas por Moshé Rabenu ao ver que o povo de Israel tinha desviado do caminho de D'us, curvando-se ao Bezerro de Ouro. Na segunda vez, o Todo-Poderoso ordenou a Moshé que talhasse novas Tábuas e Ele escreveria os mesmos mandamentos que constavam das primeiras. Estas segundas Tábuas, obra da mão de Moshé Rabenu, existem até hoje. Isto reforça a ideia de que o fruto de um grande empenho só pode ser o sucesso e a perpetuidade. www.morasha.com.br. Abraço. Davi


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

A INCRÍVEL HISTÓRIA DE ADELINE


Editorial do Mosaico. Nossa equipe se solidariza com a dedicação e empenho do governo chinês, na pessoa do seu líder Xi Jinping, em eliminar a epidemia do coronavirus (Covid-19). Toda organização da saúde chinesa (municipal, provincial e federal) com suas equipes de profissionais afins. Além de pesquisadores e cientistas não tem medido esforços, diuturnamente, para encontrar maneiras de diminuir o contágio. Também medicamentos apropriados ao tratamento estão sendo aplicados com sucesso. Tanto que o número dos que se recuperam já ultrapassa o número de mortes. Esse é um excelente sinal de que se vislumbra o termino da doença. A OMS (Organização Mundial de Saúde) tem cooperado no combate ao vírus usando as redes sociais Facebook, Twitter, Pinterest e o Google por todos os países orientando na prevenção e maneiras sociais de evitar o contágio. Mais de 70 mil casos foram confirmados na China com o número de vítimas ultrapassando 1.700 pessoas. Já são mais de 700 casos confirmados em países como EUA, França, Itália, Alemanha, Espanha, Hong Kong, Taiwan, Filipinas, Irã dentre outros. Sendo nesses mais de 30 mortes. O Brasil não tem caso confirmado do vírus. Oração. Santíssima Mãe Divina, que conhece o coração de todos os humanos que habitam a Terra. Consola e conforta os familiares que perderam seus entes queridos por esse contágio. Recebe em seu seio de amor e misericórdia a todos esses que morreram. Obrigado pelo direito que todos temos de entrar nos portais celestes, para vivermos o outro lado da vida. Continue iluminando e fortalecendo as autoridades mundiais constituídas, que desenvolvem os programas de contingenciamento e eliminação deste mal. Fortaleça o povo chinês para se recuperarem dessa situação e prosseguirem na pujança de sua economia contribuindo para o bem estar do mundo e progresso das nações. Envia os seus ministros, anjos e guardiães celeste a nos proteger e guiar pelo caminho da justiça e santidade. Ao mesmo tempo que nos entristecemos nos enchemos de esperança, certos que, breve, essa situação será uma página virada nas relações internacionais que a humanidade atravessa. Oh Consciência Cósmica que tudo perscruta e tudo conhece, ti adoração e bendizemos. Amém.


Editor do Mosaico. Assisti recentemente o filme A INCRÍVEL HISTÓRIA DE ADELINE. Um drama interessante, estreado em 2015, e sugiro aos leitores que quando tiverem tempo assistam tirando suas conclusões. Segue algumas reflexões sobre o enredo. O drama de Adeline apesar das tragédias e vicissitudes encontradas pelo personagem é positivamente emotivo, sentimental e motivacional. Subliminarmente o diretor, principalmente nas falas dos personagens e criações das cenas simples e complexas, passa a ideia da surpresa, tristeza e angústia que é vencida pela superação, otimismo, motivação e bom ânimo. Comparando seria um dia com trovoadas, ventos e fortes chuvas que depois é clareado por um céu límpido, sol com raios reluzentes e uma brisa suave e leve. Considero o filme com forte expressão de "magia" e encanto que fascina aquele que o aprecia. Minha esposa não desgrudou os olhos da tela, assistindo à projeção sem se levantar da poltrona, coisa rara em se falando de cinema. Adeline traz ao inconsciente humano a lembrança de que todo indivíduo passa por situações imprevisível que não temos como controlar, num primeiro momento, tal seu impacto em nossa emoção ou sentimento. O conceito do livre arbítrio e da predestinação é levantado como um dos temas. Doutrinas cristãs irreconciliáveis na moderna teologia que causou tantos "estragos" à necessidade de aproximação das divergentes correntes teológicas. De um lado os ortodoxos conservadores "predestinados" não abrem um centímetro de brecha à que os progressistas do "livre arbítrio" assumam uma postura menos dogmática na questão eclesial. O jovem diretor Lee Toland Krieger (1983 - ) foi feliz por não se envolver na polêmica cristã, mostrando nas ações e intenções de Adeline os pressupostos dos dois aspectos. Fazendo o que o cristianismo não conseguiu até agora, reconciliando no drama as duas milenares correntes divergências do credo cristão. Desse modo em sua história Adeline sobrepõe os extremos, criando a percepção de que em nossa alma ou espírito somos perduráveis e em nosso corpo somos perecíveis. Isso é a conclusão da história quando ela finalmente depois de 107 de vida consegue enxergar um fio de cabelo branco em sua cabeça. Entretanto até que esse fato fosse percebido muitas situações foram necessárias que se realizassem em sua vida. Interessante que o roteiro do drama não se preocupou em mensurar o tempo como costumamos entendê-lo em sua linearidade no passado, presente e futuro. A ideia de Adeline chegar “pronta” no mundo vivendo-o como uma pessoa adulta, acaba provoca-nos um susto. Isso é mostrado, quando seu nascimento e infância, mau são detectados pelo espectador; supondo, um claro detalhe quase imperceptível. O desenrolar do enredo tem a preocupação cíclica do tempo como se não tivesse início e nem fim. Essa ideia é percebida na forma como Adeline vive seu drama que na verdade expressa uma crise existencial onde no tempo, vê-se uma extemporânea. Chegando a sua juventude ela não é desgastada fisicamente como os demais humanos. Permanece jovem, em pleno vigor físico e sem acrescentar ao menos uma única ruga. Uma abstração mais refletiva pode nos levar a pensar na reencarnação de Adeline, quem sabe ela renasceu naquele corpo para passar pela disciplina pedagógica do carma que balancearia suas atitudes boas e más ao longo das vidas passadas que ela enfrentou. Uma posição explicativa à luz da filosofia oriental para suas duas "ressurreições" apresentadas nos acidentes fatais onde ela retorna à vida. Apesar de ser mencionado quanto a esses fatos esclarecimentos científicos que poucos de nós compreendemos sua essência. E convenhamos, se isso for possível (a longevidade humana) a técnicas genética levará centenas de anos a disponibilizar mecanismos para esse propósito. Sendo um sonho desde a Escola Platônica e os Alquimistas. Lembram da mitologia da Pedra Filosofal que os homens antigos imaginavam que poderiam manufaturar um objeto capaz de produzir a conservação da vida em seu estado juvenil; além de garantir fortuna ao que realizasse esse intento. Dizem que o místico, mago e alquimista Nícholas Flamel nascido no século XIV viveu mais de 400 anos. Uma vida rodeada de mistérios e enigmas experimentando algo parecido com a narrativa de Adeline, mas em seu caso acumulou enorme riqueza que distribuiu toda aos pobres da Idade Média. Uma ideia cristã discutida no roteiro do drama é a expressão material da eternidade. Nesse aspecto podemos inferir pelo drama que é inaceitável na condição à expressão da vida humana. O processo de morte é inalienável ao Ser ou Ente. Todos e tudo tem a experiência da morte como requisito do Vir a Ser. Tudo o que é deixa de ser para depois voltar a ser. É o contínuo Devir que os filósofos explicam ao dizer que Tudo Flui. Impensável o homem se eternizar no planeta não havendo circunstância razoável capaz de sustentar tal fato. O roteiro de Adeline questiona essa possibilidade colocando em check o conceito de uma eternidade na forma que aprendemos na teologia. A ideia da continuidade da vida desenvolvida no enredo faz pensarmos no big bang. Se o Universo tem 13,3 bilhões de anos e a Terra 4,5 bilhões de anos; se os átomos são divisíveis e destrutíveis fazendo ligações químicas entre seus prótons, nêutron e elétrons. Possivelmente originamos das partículas materiais cósmicas quando do ajuntamento para formar a Terra há bilhões de anos atrás. Lembrando que nossa constituição química básica é oxigênio, carbono, hidrogênio, nitrogênio, fluor, cálcio, fósforo, enxofre, potássio, (...), cobalto, urânio, berilo e rádio. São 47 elementos químicos e enumerei como exemplo apenas 13. Seria uma interpretação esotérica de Gênesis 2:7 “E formou o Senhor Deus ao homem do pó da Terra”. Mencionarei algumas cenas da filmagem que chamaram minha atenção. Quando Adeline observa uma gravura mostrando a devastação do terremoto em São Francisco no ano de 1906, quando possivelmente ela tinha 21 anos. Isso pensando que na noite do ano novo de 1986 já contava 107 anos, sendo a fatídica data de seu segundo acidente. Essa hecatombe na Califórnia suscita a lembrança de que a península espera segundo geólogos um novo terremoto de proporções parecidas com a daquele do início do século XX. Agora provavelmente agravado com as também projeções da erupção do vulcão kilauea no Havaí que alcançará Manhattan em Nova Iorque. O estado da Califórnia é o mais rico da USA com aproximadamente US$ 2,7 trilhões de dólares em seu produto interno bruto, maior que o PIB brasileiro que é que US$ 2,05 trilhões de dólares. O povo californiano sempre foi "guerreiro" e corajoso desde os tempos da "corrida do ouro" em seu estado (1848-1855). A prova disso é a construção da famosa ponte Golden Gate em São Francisco em plena depressão econômica de 1929. Aos americanos que leem esse texto estejam tranquilos e em paz. Tudo tem uma causa e efeito; nada acontecendo sem a permissão da Natureza e seus deuses. Como diz o Eclesiastes bíblico "Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu". O cãozinho que Adeline criava foi seu único amigo por alguns anos. Uma expressão de companheirismo e convivência que, às vezes, supera a dos humanos. Sua morte produziu angústia e tristeza em seu ser. A cena dela ajoelhada chorando por essa circunstância é comovente. Um sentimento visto mais nos budistas e hinduísta que consideram a existência estendida em todos os reinos da Natureza. Um animal, pode ter sido um humano em vidas passadas que devido sua retificação cármica acabou regredindo no nível evolutivo. Seu relacionamento com sua mãe que envelhecia rapidamente e ela continuava vigorosa e bela é estranho aos nossos olhos. Sua amizade e depois o comprometimento amoroso com o patrocinador da biblioteca pública onde ela trabalhava dá o tom romântico ao drama. Também um desfecho trágico e esperançoso da história que se desenrola a partir do momento em que o pai do favorecedor de livros descobre que no passado teve um caso com Adeline. Ela continua jovem e linda sem as marcas do tempo advindas com a velhice. É hilário quando Adeline, parada no trânsito, é questionada por um policial que lhe pede a carteira, e conferindo com a idade fica perplexo ao perceber a incompatibilidade dos anos. A história acaba sem terminar como se Adeline começasse a reviver novamente seu drama. Agora com uma expectativa de alcançar a velhice e finalmente a morte da qual todos os seres terão que inexoravelmente passar. O filme, suponho, teve inspiração no famoso romance da filosofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1968) com o título Todos os Homens são Mortais (1960). Nele é contado a história do rei de Carmona Fosca nascido no ano de 1279 que bebe o elixir da imortalidade, vivendo a angústia de não morrer atravessando vários séculos de existência. Pensamos na imortalidade, porém não refletimos sobre ela. Como sempre, nossa ignorância detêm-se no imediatismo do prolongamento físico sem percebermos as consequências. Morte e vida no contexto material, foi o equilíbrio encontrado pela natureza à perpetua todas as coisas. Além de proporcionar mecanismos para nossa evolução espiritual. Rigorosamente falando, somos eternos, vindo a este mundo travestidos em formas e aparências dadas pelo nosso caminhar e proceder em vidas passadas. Assim, como parte de um Todo Cósmico que é nossa origem. Retornaremos a ele no tempo e espaço apropriado à tal completude harmônica e infinita. A Incrível História de Adeline contem em seu figurino e cenas charme, glamour e beleza. A protagonista Blake Lively (1987-  ) é linda e seu desempenho no drama é nota 10. Tem um caráter firme, é misteriosa, se expressa com ponderação, fala pouco mas com discernimento, é discreta e serena. A beleza física e interior da Lively encanta o espectador em especial os homens. Qualidades vistas em poucas mulheres no mundo ocidental. Esses fatores já valem os 112 minutos de apresentação da filmagem. Assistindo-o lembrei do famoso filme de Alfred Hitchcok (1899-1980) Os Pássaros (1963) estrelado pela famosa e linda atriz Tippi Hedren (1930-  ) no papel de Madelaine. Nele também é misturado a tragédia, motivação e esperança. Abraço. Davi.     

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

QUERIDA AMAZÔNIA - CAPÍTULO I - UM SONHO SOCIAL


Cristianismo. www.vatican.va. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL. QUERIDA AMAZÔNIA. Do Santo Padre Francisco (1936 - ). Ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade. INTRODUÇÃO. 1A Amazónia querida apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério. Deus concedeu-nos a graça de a termos presente de modo especial no Sínodo que se realizou em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019, concluindo com o Documento Amazónia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral. O sentido desta Exortação 2. Ouvi as intervenções ao longo do Sínodo e li, com interesse, as contribuições dos Círculos Menores. Com esta Exortação, quero expressar as ressonâncias que provocou em mim este percurso de diálogo e discernimento. Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não pretendo substitui-lo nem repeti-lo. Desejo apenas oferecer um breve quadro de reflexão que encarne na realidade amazônica uma síntese de algumas grandes preocupações já manifestadas por mim em documentos anteriores, que ajude e oriente para uma reação harmoniosa, criativa e frutuosa de todo o caminho sinodal. 3. Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o citado Documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo e no qual colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a problemática da Amazônia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente. Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente. 4. Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazónia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade. Sonhos para a Amazónia. 5. A Amazônia é um todo plurinacional interligado, um grande bioma partilhado por nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa. Todavia dirijo esta Exortação ao mundo inteiro. Faço-o, por um lado, para ajudar a despertar a estima e solicitude por esta terra, que também é «nossa», convidando-o a admirá-la e reconhecê-la como um mistério sagrado; e, por outro, porque a atenção da Igreja às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios. 6.  Tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo, para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem melhor a riqueza inesgotável da graça. Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja. Por isso, nesta breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira: 7Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos. Cristianismo. www.vatican.va. EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL. QUERIDA AMAZÔNIA. Do Santo Padre Francisco (1936 - ). Ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade. Capítulo I. UM SONHO SOCIAL. 8. O nosso é o sonho duma Amazônia que integre e promova todos os seus habitantes, para poderem consolidar o «bem viver». Mas impõe-se um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazónia está a enfrentar, deve-se notar que «uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres»[1]. Não serve um conservacionismo «que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazónicos»[2]. Injustiça e crime. 9. Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente, fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu:

«São muitas as árvores
onde morou a tortura
e vastas as florestas
compradas entre mil mortes»[3].
«Os madeireiros têm parlamentares
e nossa Amazônia não tem quem a defenda (…)
Mandam em exílio os papagaios e os macacos (…)
Já não será igual a colheita da castanha»[4].

10. Isto favoreceu os movimentos migratórios mais recentes dos indígenas para as periferias das cidades. Aqui não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e miséria. Nestas cidades caraterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje habita a maior parte da população da Amazônia, crescem também a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas. Por isso o clamor da Amazónia não brota apenas do coração das florestas, mas também do interior das suas cidades. 11. Não é necessário repetir aqui as análises tão abrangentes e completas que foram apresentadas antes e durante o Sínodo. Mas lembremos ao menos uma das vozes ouvidas: «Estamos sendo afetados pelos madeireiros, criadores de gado e outros terceiros. Ameaçados por agentes económicos que implementam um modelo alheio em nossos territórios. As empresas madeireiras entram no território para explorar a floresta, nós cuidamos da floresta para nossos filhos, dispomos de carne, pesca, remédios vegetais, árvores frutíferas (…). A construção de hidroelétricas e o projeto de hidrovias têm impacto sobre o rio e sobre os territórios (…). Somos uma região de territórios roubados»[5]. 12. Já o meu antecessor, Bento XVI, denunciava «a devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana das suas populações»[6]. Desejo acrescentar que muitos dramas tiveram a ver com uma falsa «mística amazônica»: é sabido que, desde os últimos decênios do século passado, a Amazónia tem sido apresentada como um enorme vazio que deve ser preenchido, como uma riqueza em estado bruto que se deve aprimorar, como uma vastidão selvagem que precisa de ser domada. E, tudo isto, numa perspectiva que não reconhece os direitos dos povos nativos ou simplesmente os ignora como se não existissem e como se as terras onde habitam não lhes pertencessem. Nos próprios programas educacionais de crianças e jovens, os indígenas apareciam como intrusos ou usurpadores. As suas vidas e preocupações, a sua maneira de lutar e sobreviver não interessavam, considerando-os mais como um obstáculo de que nos temos de livrar do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer outro e com direitos adquiridos. 13. Para aumentar esta confusão, contribuíram alguns slogans, nomeadamente o de «não entregar»[7], como se a citada sujeição fosse provocada apenas por países estrangeiros, quando os próprios poderes locais, com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças com o objetivo de devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as formas de vida que abriga. Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a destruição do ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se, sobreviver e conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade e sentido. A disparidade de poder é enorme, os fracos não têm recursos para se defender, enquanto o vencedor continua a levar tudo, «os povos pobres ficam sempre pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos»[8]. 14. Às operações económicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime. Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações económicas e tornam-se um instrumento que mata. É usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural. Não podemos permitir que a globalização se transforme num «novo tipo de colonialismo»[9]. Indignar-se e pedir perdão. 15. É preciso indignar-se[10], como se indignou Moisés (cf. Ex 11, 8), como Se indignava Jesus (cf. Mc 3, 5), como Se indigna Deus perante a injustiça (cf. Am 2, 4-8; 5, 7-12; Sal 106/105, 40). Não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto «um rasto de delapidação, inclusive de morte, por toda a nossa região, (…) coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do habitat dos camponeses e indígenas»[11]. Os casos de injustiça e crueldade verificados na Amazónia, ainda durante o século passado, deveriam gerar uma profunda repulsa e ao mesmo tempo tornar-nos mais sensíveis para também reconhecer formas atuais de exploração humana, violência e morte. Por exemplo, a propósito do passado vergonhoso, recolhamos uma narração dos sofrimentos dos indígenas da época da borracha na Amazónia venezuelana: «Os nativos não recebiam dinheiro, mas apenas mercadorias, e caras, que nunca acabavam de pagar. (...) Pagava, mas diziam ao indígena: “Ainda estás a dever tanto” e o indígena tinha que voltar a trabalhar (...). Mais de vinte aldeias ye’kuana foram completamente arrasadas. As mulheres ye’kuana foram violadas e seus seios cortados; as grávidas desventradas. Aos homens, cortavam-lhes os dedos das mãos ou os pulsos, para não poderem navegar (...), juntamente com outras cenas do sadismo mais absurdo»[12]. 16. Esta história de sofrimento e desprezo não se cura facilmente. E a colonização não para; embora em muitos lugares se transforme, disfarce e dissimule[13], todavia não perde a sua prepotência contra a vida dos pobres e a fragilidade do meio ambiente. Os bispos da Amazónia brasileira recordaram que «a história da Amazónia revela que foi sempre uma minoria que lucrava à custa da pobreza da maioria e da depredação sem escrúpulos das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milénios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados»[14]. 17. Ao mesmo tempo que nos deixamos tomar por uma sã indignação, lembremo-nos de que sempre é possível superar as diferentes mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e desenvolvimento: «o desafio é assegurar uma globalização na solidariedade, uma globalização sem marginalização»[15]. Podem-se encontrar alternativas de pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não poluem, de fontes dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das culturas. Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais pobres, uma educação adequada que desenvolva as suas capacidades e empoderamento. É precisamente nestes objetivos que se mede a verdadeira solércia e a genuína capacidade dos políticos. Não servirá para devolver aos mortos a vida que lhes foi negada, nem para compensar os sobreviventes daqueles massacres, mas ao menos para hoje sermos todos realmente humanos. 18. Anima-nos recordar que, no meio dos graves excessos da colonização da Amazónia, cheia de «contradições e lacerações»[16], muitos missionários chegaram lá com o Evangelho, deixando os seus países e aceitando uma vida austera e desafiadora junto dos mais desprotegidos. Sabemos que nem todos foram exemplares, mas o trabalho de quantos se mantiveram fiéis ao Evangelho também inspirou «uma legislação, como as Leis das Índias, que protegiam a dignidade dos indígenas contra as violações de seus povos e territórios»[17]. E dado que frequentemente eram os sacerdotes que protegiam os indígenas de ladrões e abusadores, aqueles «pediam-nos insistentemente – contam os missionários – que não os abandonássemos e faziam-nos prometer que voltaríamos novamente»[18]. 19. E, nos dias de hoje, a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazónicos, «para poder exercer com transparência o seu papel profético».[19] Entretanto como não podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez «peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América»[20] e pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazônia. Aos membros dos povos nativos, agradeço e digo novamente que, «com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência (…). Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum».[21]. Sentido comunitário. 20. A luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana. Então, sem diminuir a importância da liberdade pessoal, ressalta-se que os povos nativos da Amazónia possuem um forte sentido comunitário. Vivem assim «o trabalho, o descanso, os relacionamentos humanos, os ritos e as celebrações. Tudo é compartilhado, os espaços particulares – típicos da modernidade – são mínimos. A vida é um caminho comunitário onde as tarefas e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem comum. Não há espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu território»[22]. Estas relações humanas estão impregnadas pela natureza circundante, porque a sentem e percebem como uma realidade que integra a sua sociedade e cultura, como um prolongamento do seu corpo pessoal, familiar e de grupo:

«Aquele luzeiro se aproxima
revolteiam os beija-flores
mais do que a cascata troa meu coração
com esses teus lábios regarei a terra
possa o vento jogar em nós»[23].

21. Isto multiplica o efeito desintegrador do desenraizamento que vivem os indígenas forçados a emigrar para a cidade, procurando sobreviver, por vezes de forma não digna, no meio dos costumes urbanos mais individualistas e dum ambiente hostil. Como sanar um dano tão grave? Como reconstruir estas vidas desenraizadas? À vista desta realidade, é preciso valorizar e acompanhar todos os esforços que fazem muitos destes grupos para preservar os seus valores e estilo de vida e integrar-se nos contextos novos sem os perder, antes pelo contrário oferecendo-os como uma própria contribuição para o bem comum. 22. Cristo redimiu o ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se relacionar com os outros. O Evangelho propõe a caridade divina que brota do Coração de Cristo e gera uma busca da justiça que é inseparavelmente um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro. A sabedoria do estilo de vida dos povos nativos – mesmo com todos os limites que possa ter – estimula-nos a aprofundar tal anseio. Por esta razão, os bispos do Equador solicitaram «um novo sistema social e cultural que privilegie as relações fraternas, num quadro de reconhecimento e valorização das diferentes culturas e dos ecossistemas, capaz de se opor a todas as formas de discriminação e domínio entre os seres humanos»[24]. Instituições degradadas. 23. Na Encíclica Laudato si’, lembramos que, «se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana (…). Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que regulam as relações humanas. Tudo o que as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda da liberdade, a injustiça e a violência. Vários países são governados por um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo»[25]. 24. Como estão as instituições da sociedade civil na Amazónia? O Instrumentum laboris do Sínodo, que reúne muitas contribuições de pessoas e grupos da Amazónia, refere-se a «uma cultura que envenena o Estado e suas instituições, permeando todos os estratos sociais, inclusive as comunidades indígenas. Trata-se de um verdadeiro flagelo moral; como resultado, perde-se a confiança nas instituições e em seus representantes, o que desacredita totalmente a política e as organizações sociais. Os povos amazónicos não são alheios à corrupção e tornam-se suas principais vítimas»[26]. 25. Não podemos excluir que membros da Igreja tenham feito parte das redes de corrupção, por vezes chegando ao ponto de aceitar manter silêncio em troca de ajudas económicas para as obras eclesiais. Por isso mesmo, chegaram ao Sínodo propostas que convidavam a «prestar uma atenção especial à procedência de doações ou outro tipo de benefícios, assim como aos investimentos realizados pelas instituições eclesiásticas ou pelos cristãos»[27]. Diálogo social. 26. A Amazónia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta. Os demais, somos chamados a participar como «convidados», procurando com o máximo respeito encontrar vias de encontro que enriqueçam a Amazónia. Mas, se queremos dialogar, devemos começar pelos últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazônia. E a grande questão é: Como imaginam eles o «bem viver» para si e seus descendentes? 27. O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também respeitá-los como protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo «como outro», com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar. Caso contrário, o resultado será, como sempre, «um projeto de poucos para poucos»[28], quando não «um consenso de escritório ou uma paz efémera para uma minoria feliz»[29]. Se tal acontecer, «é necessária uma voz profética»[30] e, como cristãos, somos chamados a fazê-la ouvir. Daqui nasce o sonho sucessivo (...). www.vatican.va. Abraço. Davi