Maçonaria.
Texto de Lourivaldo Perez Baçan. MAÇONARIA E SATANISMO. Capítulo Nove. Sempre
houve uma polêmica oposição da Igreja contra a Maçonaria. Na raiz de todos os
entreveros que ocorreram ao longo do tempo, está o segredo maçônico e a
natureza do juramento feito pelo neófito, ao ser aceito. Para a Igreja, esse
juramento é perjuro e profano, mas o grande problema era a firme atuação da
Ordem contra os desmandos da própria Igreja. Nesse jogo de forças, um
personagem no mínimo singular surgiu, incendiando essas relações com uma farsa
inimaginável. Esse homem chamava-se Leo Taxil (1854-1907). Taxil foi, sem
sombra de dúvida, um dos mais refinados vigaristas de todos os tempos, conseguindo
enganar por um bom tempo a Igreja Católica e confundindo a opinião pública,
ligando a Maçonaria, instituição respeitável, com o culto do Satanismo, estigma
de que ela jamais conseguiu libertar-se ao longo do tempo. Essa mistificação
foi e ainda é utilizada por todos os detratores da Maçonaria que ignoram que
suas acusações baseiam-se numa das mais perfeitas enganações de todos os
tempos. Após uma série de farsas montadas para enganar a Igreja Católica, Leo
Taxil arrematou seu feito com uma das mais notáveis confissões públicas. A
CONFERÊNCIA DE LEO TAXIL Em 19 de abril de 1897, segunda-feira de Páscoa, tinha
lugar o desenlace de uma curiosa e extravagante história. Para esse dia, Taxil
havia convocado uma grande assembleia na sala da Sociedade Geográfica de Paris,
ao lado do Square de la Charité, onde, depois do sorteio de uma máquina de
escrever, tinha lugar uma Conferência com projeções sobre o culto paladista.
Mas Taxil aproveitou a afluência para comunicar ao numeroso e atento público
que havia conseguido a mais grandiosa mistificação dos novos tempos, pois Miss
Vaughan jamais havia existido e tinha estado enganando a Igreja Católica fazia
12 anos, de um modo formidável. Toda a imprensa da época divulgou a
Conferência, tanto mais que uma grande parte do numeroso público que acudiu
para ouvir Taxil se compunha especialmente de representantes da imprensa de
diversos países e ideologias. Também havia muitos sacerdotes, um grande número
de senhoras e de livres-pensadores e Franco-Maçons. A Nunciatura enviou dois
delegados; o Arcebispado também estava representado. O acesso à sala era
gratuito, mas só se admitia a entrada com os convites pessoais que haviam sido
enviados com um mês de antecedência. O ato abriu-se com o sorteio de uma
soberba máquina de escrever, oferecida por Miss Diana Vaughan. O feliz ganhador
foi Ali Kemal, redator do diário Ikdam, de Constantinopla. Na continuação,
tomou a palavra Taxil. Creio que seu discurso não é apenas interessante, como
também necessário - apesar de sua extensão - para conhecer o como e o porquê do
Satanismo na Maçonaria, embora tenha sido traduzido e publicado em Madri, em
forma de folheto de 33 páginas, na Rua Fuencarral, 119, com o título: "A
Célebre Conferência dada no Salão da Sociedade Geográfica de Paris"; por
não dispor da citada publicação, utilizou-se, previamente traduzido, o texto
original que o semanário parisiense Le Frondeur ofereceu a seus leitores alguns
dias depois, em 25 de abril de 1897. Eis a conferência de Leo Taxil: Meus
reverendos padres, senhoras, senhores: Antes de mais nada, quero dirigir meu
agradecimento àqueles meus confrades da imprensa católica, que - empreendendo
de repente, faz seis ou sete meses, uma campanha de ressonantes ataques -
produziram um resultado maravilhoso, que constatamos esta tarde e que se
constatará, todavia, melhor amanhã: o resplendor completamente excepcional da
manifestação da verdade em uma questão cuja solução poderia, quiçá, sem eles,
passar absolutamente despercebida. A estes queridos colegas, pois, minha primeira
felicitação! Em seguida, compreenderão quão sincero e justificado é este
agradecimento. Neste bate-papo tentarei esquecer o que de injusto e ardente
contra minha pessoa foi publicado no curso da polêmica a que acabo de me
referir; ou, ao menos, se me vejo forçado a ilustrar certos fatos com uma luz
que, para muitos, é insuspeitável, direi a verdade descartando de meu
pensamento inclusive a sombra do mais breve ressentimento. Talvez após estas
explicações, cuja hora finalmente soou, esses colegas católicos não cessarão
seus ataques ante minha pacífica filosofia; mas se meu bom humor, em lugar de
acalmá-los, os irrita, asseguro-lhes que nada me fará abandonar esta placidez
de alma que adquiri faz 12 anos e na qual sou infinitamente feliz. Além do
mais, se é verdade que este auditório de elite está composto dos elementos mais
díspares -posto que se convocou indistintamente a todas as opiniões-, estou
convencido de que não carece do sentimento da mais doce tolerância em matéria
de exame. Resumindo: estamos aqui entre gente de bem. Todos sabemos julgar o
que é sério e o examinamos com a gravidade necessária, sem cólera; mas não nos
aborreçamos quando o fato que nos é submetido é, antes de tudo, divertido. Mais
vale rir que chorar, diz o provérbio. Agora me dirijo aos católicos e lhes
digo: quando soubestes que o doutor Bataille, que se dizia entregue à causa
católica, havia passado onze anos de sua vida explorando os antros mais
tenebrosos das sociedades secretas, lojas e trans lojas, inclusive Triângulos
luciferianos, o aprovastes sem rodeios; julgastes sua conduta admirável.
Recebeu uma verdadeira chuva de felicitações. Teve artigos elogiosos, inclusive
dos jornais daqueles que, hoje em dia, não têm suficiente raios para pulverizar
Miss Diana Vaughan, tratando-a de mito, aventureira e fabricante de cartas.
Hoje poderíamos recordar aquelas aclamações que acolheram ao doutor Bataille;
mas já não acontecem mais; mas, sem dúvida, foram espalhafatosas. Ilustres
teólogos, eloquentes pregadores, eminentes prelados, cumprimentaram-no com
insistência. E não digo que não tiveram razão. Constato pura e simplesmente. E
esta constatação tem também como finalidade que me permitais dizer tudo. Não
vos aborreceis, meus reverendos Padres, riais melhor, com vontade, ao saber hoje
que o que aconteceu é exatamente o contrário do que acreditastes ter
acontecido. Não houve, de modo algum, nenhum católico que se dedicou a explorar
a Alta Maçonaria do paludismo. Pelo contrário, houve um livre-pensador que para
seu proveito pessoal, de modo algum por hostilidade, veio passear por vosso
campo, durante onze anos, talvez doze; e (...) vosso servidor. Não há o menor
complô maçônico nesta história e o provarei imediatamente. É preciso deixar
Homero cantar os êxitos de Ulisses, a aventura do legendário cavalo de madeira;
esse terrível cavalo não tem nada que ver no caso presente. A história de hoje
é muito menos complicada. Um certo dia, vosso servidor se deu conta que, tendo
partido demasiado jovem para a irreligião e quiçá as com demasiado ímpeto,
podia muito bem não ter o sentimento exato da situação; então, trabalhando por
conta própria, querendo retificar sua maneira de ver, se era possível, não
confiando sua resolução, em princípio, a nada, pensou ter encontrado o meio de
melhor conhecer, de melhor dar-se conta, para sua própria satisfação.
Acrescenteis a isso, se quereis, um toque de farsante no caráter; não se é
impunemente filho de Marselha! Sim, acrescenteis este delicioso prazer, que a
maioria ignora, mas que é bem real; esta alegria íntima que se experimenta
diante do adversário, sem malícia, só por divertimento, para rir um pouco. Bem,
devo dizê-lo agora mesmo. Esta mistificação de doze anos me proporcionou, desde
o início, um precioso ensinamento: que havia agido verdadeiramente sem medida;
que devia ter permanecido sempre no terreno das ideias; que na maioria dos
casos não pretendia atacar as pessoas. Esta declaração, tenho o dever de
fazê-la e, devo dizer também, que não me custa fazê-la. Nestes 12 anos passados
sob a bandeira da Igreja, ainda que enrolado como palhaço, adquiri a convicção
de que se imputa injustamente as doutrinas a malignidade que é própria de
certas pessoas. Tudo é bom. O que é mau, permanece mau; da mesma forma que o
que é bom trabalha com bondade tanto se permanece crente como se perde a fé. Há
gente má por toda parte e homens bons por toda parte. Fiz, pessoalmente, um
estudo que trouxe seus frutos. É este estudo que me deu esta serenidade de
alma, esta filosofia íntima de que falava no início. Em primeiro lugar, tinha
vindo por curiosidade, um pouco pela aventura, mas propondo-me, bem entendido,
a retirar-me uma vez realizada a experiência. Depois, o doce prazer da
brincadeira me contagiou totalmente, dominando-me; conforme me introduzia no
campo católico, desenvolvia cada vez mais meu plano de mistificação, às vezes
divertido e instrutivo, dando-lhe proporções sempre mais vastas, conforme
avançavam os conhecimentos. Assim cheguei a conseguir dois colaboradores; dois,
nada mais. Um, um antigo camarada de infância, que eu mesmo mistifiquei no
início, dando-lhe o pseudônimo de Dr. Bataille; a outra, Miss Diana Vaughan,
protestante francesa, muito mais livre pensadora, mecanógrafa de profissão,
representante de uma fábrica de máquinas de escrever dos Estados Unidos. Um e
outra eram necessários para assegurar o êxito do último episódio desta alegre
brincadeira, que os jornais americanos chamam "a maior mistificação dos
tempos modernos" Este último episódio, que devia naturalmente encerrar-se
em abril, mês da alegria, mês das farsas - e não nos esqueçamos que a
mistificação começou igualmente em abril, em 23 de abril de 1885, este último
episódio é o único que deve ser explicado hoje e, ademais, apenas esboçado,
pois, se tivesse que contar tudo, mostrando o reverso da questão desde o começo
da aventura, necessitaríamos vários dias. Este mês de abril se converteu em uma
grande tragédia. Não obstante, há que se ilustrar o ponto de partida com alguns
traços de doce luz. Entre os adágios da arte culinária cita-se com frequência
este: "Chega-se a cozinheiro, mas se nasce assador". A perfeição na
ciência de assar não se aprende. Creio que ocorre o mesmo com a farsa; nasce-se
farsante. Eis algumas confidências de minha iniciação nesta nobre carreira: em
primeiro lugar, no meu povoado natal. Ninguém se esqueceu, em Marselha, da
famosa história da devastação da enseada por um cardume de tubarões. De várias
localidades da costa chegavam cartas de pescadores narrando como haviam
escapado dos mais terríveis perigos. O pânico se estendeu aos banhistas e os
estabelecimentos de banhos de mar, desde os Catalães até a praia do Prado,
ficaram desertos durante semanas. A Comissão municipal se assustou; o alcaide
emitiu a opinião, muito ajuizada, que esses tubarões, pragas da enseada, haviam
provavelmente vindo da Córsega, seguindo algum navio que, sem dúvida, havia
jogado na água alguma carga estragada de carnes defumadas. A Comissão municipal
votou um requerimento ao general Espivent de la Villeboisnet – estava-se,
então, sob o regime de estado de sítio – pedindo-lhe que pusesse à sua
disposição uma companhia armada de fuzis, para uma expedição em um rebocador. O
bravo general, não desejando outra coisa senão ser agradável aos
administradores que ele mesmo havia escolhido para a querida e boa cidade onde
vim à luz, o general Espivent, hoje senador, concedeu, pois, cem homens, bem
armados, com uma ampla provisão de cartuchos. O navio libertador abandonou o
porto, saudado com os aplausos do alcaide e seus adjuntos; a enseada foi
explorada em todas as direções, mas o rebocador voltou com o rabo entre as
pernas; nem um só tubarão! Uma pesquisa posterior demonstrou que as cartas de
queixa, vindas de diversos pescadores da costa, eram todas fruto da fantasia.
Nas localidades onde estas cartas haviam sido depositadas nos correios, não
existiam esses pescadores; ao reunir as cartas, observou-se que pareciam ter
sido escritas todas pela mesma mão. 0 autor da mistificação não foi descoberto.
Vós o tendes diante de vocês. Era 1873; tinha eu, então, dezenove anos. Espero
que o general Espivent me perdoe de ter, por um barco, comprometido
momentaneamente seu prestígio aos olhos da população. Havia extinguido o
Marotte, jornal de Loucos. O assunto dos tubarões foi, portanto, uma muito
inofensiva vingança. Alguns anos mais tarde, estava eu em Genebra, fugindo de
alguns crimes de imprensa. A Fronde, depois o Frondeur, tinha substituído ao
Marotte. Um certo dia, o mundo erudito foi surpreendido ao tomar conhecimento
de uma maravilhosa descoberta. Talvez alguém, neste auditório, se recordará do
fato: tratava-se de uma cidade sublacustre que se localizava - dizia-se - muito
vagamente, no fundo do lago Leman, entre Nyon e Coppet. Foram enviadas
informações a todos os rincões da Europa, tendo os jornais divulgado com exatidão
as supostas escavações. Havia-se dado uma explicação muito científica apoiada
nos Comentários, de Júlio César. A cidade devia ter sido construída na época da
conquista romana, num tempo em que o lago era tão estreito que o Ródano o
atravessava sem misturar, com ele, as suas águas. Rapidamente a descoberta
provocou, por toda parte, muito barulho; por toda parte, exceto na Suíça,
certamente. Os habitantes de Nyon e de Coppet estranhavam muito a chegada de
algum turista que, de vez em quando, pedia para ver a cidade sublacustre. Os
remadores do lugar acabaram por decidir levar ao lago os turistas mais
insistentes. Espalhou-se azeite sobre a água para ver melhor; com efeito, teve
quem distinguisse algo..., restos de ruas muito bem alinhadas, encruzilhadas, que
sei eu? Um arqueólogo polonês, que havia feito a viagem, voltou satisfeito e
publicou um informe em que afirmava haver distinguido muito bem restos de uma
praça pública, com alguma coisa informe que bem podia ser restos de uma estátua
equestre. Um Instituto enviou dois de seus membros; estes, porém, quando
chegaram, dirigiram-se às autoridades e, ao inteirar-se que a cidade
sublacustre era apenas uma brincadeira, voltaram como tinham vindo e não viram
nada; lástima! A cidade sublacustre não sobreviveu a esta visita científica. O
padre da cidade sublacustre de Leman, que está aqui presente, teve um precioso
auxiliar na propagação da lenda, na pessoa de um de seus companheiros de exílio
- é necessário dizer que também era um marselhês? Meu confrade e amigo Henri
Chabrier, aclimatado hoje, como eu, às margens do Sena. Estas duas anedotas,
entre cem que eu poderia citar, foram trazidas a fim de estabelecer que o gosto
de vosso servidor pela grande e alegre farsa remonta há mais de doze anos.
Chego, pois, à mais grandiosa farsa de minha existência, a que termina hoje e
que será, evidentemente, a última, pois, após esta, me pergunto que confrade,
inclusive a imprensa da Islândia ou Patagônia, acolheria, com minha
recomendação ou com a de um de meus amigos, a informação de não importa que
acontecimento extraordinário... Compreender-se-á, sem dificuldades, que não era
muito fácil, com a formidável bagagem de meus escritos irreligiosos, ser
recebido no seio da Igreja sem uma desconfiança sem dúvida mais destacada. Não
obstante, eu precisava chegar ali e ser recebido para poder, quando as
desconfianças fossem completamente dissipadas, ainda que superficialmente,
organizar e dirigir a fenomenal mistificação da demonologia contemporânea. Para
alcançar o resultado a que me havia proposto, era necessário, indispensável,
não confiar meu segredo a ninguém, absolutamente ninguém, nem sequer a meus
mais íntimos amigos, nem sequer a minha mulher, pelo menos nos primeiros
momentos. Era preferível passar por louco aos olhos dos que me conheciam. A
menor indiscrição podia fazer fracassar tudo. Eu jogava uma grande cartada,
pois queria ganhar uma grande partida. A hostilidade de alguns, a contrariedade
insípida e excitada de outros foram, pelo contrário, meus melhores triunfos, posto
que - o que era infalível -fui submetido a rigorosa observação durante os
primeiros anos. Sem dúvida alguns pequenos detalhes serão reveladores para meus
antigos amigos, se me recordo bem. Assim, após a publicação de minha carta,
onde me retratava de todas minhas obras irreligiosas, os grupos parisienses da
Liga Anticlerical se reuniram em assembleia geral, para votar minha expulsão.
Surpreenderam-se ao ver-me chegar; os membros da Liga ficaram espantados e, na
verdade, minha presença era incompreensível, posto que não vinha desafiar
aqueles de quem me havia separado e não disse uma só palavra para tentar
atraí-los para mim, como teria feito um convertido em seu ardor de neófito.
Não! Fui a essa sessão com o pretexto de dizer adeus -fazia já três meses que
eu havia apresentado minha demissão-, mas, na realidade, para buscar e
encontrar a ocasião de falar quando chegasse o momento. Em sua grande maioria,
os membros da Liga Anticlerical eram meus amigos. Havia quem chorava; eu mesmo
estava emocionado (...). Asseguro-vos que não me separei deles sem dor. Enfim,
aceiteis como queirais. Apesar de emocionado, guardei meu sangue frio em meio a
uma verdadeira tempestade; eu vos remeto aos jornais da época. Para encerrar a
sessão, o presidente submeteu à ordem do dia a seguinte proposição, que foi
votada por unanimidade: Considerando que o chamado Gabriel Jugand Pagés,
conhecido como Leo Taxil, um dos fundadores da Liga Anticlerical, renegou todos
os princípios que havia defendido, traiu o livre pensamento e a todos seus anti
religionários. Os membros presentes na reunião de 27de julho de 1885, sem
deter-se nos motivos que ditaram ao supracitado Leo Taxil sua infame conduta,
expulsam-no da Liga Anticlerical como traidor e renegado. Então protestei
contra uma palavra, uma só palavra, dessa ordem do dia. Sem dúvida há na sala
antigos amigos que tomaram parte nessa reunião de julho de 1885. Recordo-lhes
os termos de meu protesto. Disse isto com a voz mais tranquila: -Amigos meus,
aceito esta ordem do dia, salvo por uma palavra (...). O presidente me
interrompeu para gritar. Na verdade, és demasiado audaz! - continuei, sem
perturbar-me: Tendes o direito de dizer que sou um renegado, posto que acabo de
publicar, faz quatro dias, uma carta onde me retrato e renego expressamente
todos meus escritos contra a religião. Mas peço-vos que apaguem a palavra
traidor que de modo algum se ajusta ao meu caso; não há sombra de traição no
que faço hoje. O que vos digo agora não podeis compreender, mas o
compreendereis mais tarde. Eu fiz questão de frisar bem esta última frase, pois
não podia deixar que suspeitassem de meu segredo. Mas o disse bem claramente
para que pudesse ficar nas memórias, ainda que se prestasse a diversas
interpretações. E quando tive a oportunidade de publicar um informe desta
sessão, tive muito cuidado em omitir esta declaração; efetivamente, ela poderia
despertar suspeitas. Segundo fato. Entre o dia de abril em que fiz a um
sacerdote a confidência de minha conversão e o dia da sessão de minha expulsão
do livre pensamento, teve lugar em Roma um congresso anticlerical, de que fui
um dos organizadores. Nada me teria sido mais fácil que desorganizá-lo e
fazê-lo fracassar completamente. Esse congresso teve lugar nos primeiros dias
de junho. Todos os livres-pensadores sabem que até o fim me entreguei com todas
as minhas forças ao êxito do mesmo; apenas a morte de Victor Hugo, que
sobreveio naquele momento, desviou a atenção pública desse congresso. Mais
tarde, quando se soube que havia conversado com sacerdotes desde o mês de
abril, se disse e se imprimiu que, com a desculpa desse congresso, havia ido a
Roma negociar minha traição, que tinha recebido uma grande soma; falou-se que
"um milhão" Deixei que dissessem, pois tudo isso pouco me importava e
eu ria sozinho. Mas hoje tenho o direito de dizer que tudo aconteceu de outra
forma. Entre os convites distribuídos para esta conferência se encontra o de um
antigo amigo que efetuou comigo essa viagem, que me acompanhou por todas as
partes e que não me deixou um instante. Ele está aqui, e não me desmentirá.
Deixou-me um segundo? Acaso me ausentei de sua companhia para fazer qualquer
gestão suspeita? Não! E isto não é tudo. Ao longo dessa mesma viagem, ao voltar
para a França, detivemo-nos em Gênova. Tinha que fazer uma visita a alguém, com
quem estava unido por amizade: o General Canzio Garibaldi, o genro de
Garibaldi. Nessa visita fui acompanhado pelo amigo em questão e por outro que
ainda vive: o Doutor Baudon, que recentemente foi eleito deputado de Beauvais.
Os dois podem certificar isso: que, no transcurso dessa visita, afastei-me um
momento com Canzio. E Canzio, por seu turno, poderá certificar que lhe disse: -
Meu querido Canzio, tenho que declarar-vos, em segredo, que em breve farei um
rompimento completo e público. Não o estranheis nem um pouco. E mantenhais-me
fielmente vossa confiança. Tampouco insisti mais e, inclusive, mais tarde, temi
ter falado demais. Canzio, durante dois ou três anos, enviou-me seu cartão de
ano novo, apesar de nosso rompimento. Depois julgou, sem dúvida que a coisa
durava muito; desistiu e não me deu mais sinal de vida. Enfim, um de meus
colaboradores, que gostava muito de mim continuou, apesar de tudo, convivendo
comigo. Está morto: era A~ed Paulon, que foi conselheiro e homem bom. Sei que o
resultado de sua observação perspicaz e constante foi que havia participado da
mistificação por minha causa. Paulon, meu antigo colaborador que continuou
convivendo comigo, tinha uma maneira de defender-me que, frequentemente,
molestava-me. Eis aqui em que termos falava de mim a meus amigos: "Leo é
incompreensível. Em primeiro lugar, acreditei que havia enlouquecido, mas
quando retomei contato com ele, constatei que, pelo contrário, estava em
perfeito juízo. Não compreendo nada; há algo que me diz que ele está, no entanto,
de coração e de espírito, conosco (os livres pensadores); eu o sinto. Não lhe
falo jamais de questões religiosas, porque vejo bem que não quer se revelar,
mas poria a mão no fogo: ele não trabalha a favor dos clericais; um dia ou
outro haverá uma grande surpresa. " Alfred Paulon não pode dar o
testemunho de suas observações, mas ele as comunicou a numerosos amigos. E, se
estão nesta sala, eu lhes pergunto: é verdade que, ao falar de mim, Paulon se
expressava assim? (Diversas vozes: É verdade! É verdade!) Agora chegamos à
mistificação em si, a essa mistificação ao mesmo tempo divertida e instrutiva.
Em primeiro lugar, não tem relação com o bom homem, o vigário, um sacerdote com
alma sensível, que teve a primeira confidência do golpe de graça que eu havia
recebido, como Saulo a caminho de Damasco. `Isso não me diz nada que valha a
pena", pensava-se entre agente da Igreja. Foi então decidido, no dia
anterior à minha carta de retratação, que deveria fazer um bom e breve retiro
em uma casa dos reverendos padres jesuítas e se escolheu um dos mais espertos
na arte de interrogar e perscrutar as almas. A escolha não se fez ao léu.
Fizeram-me esperar uma longa semana pelo grande perscrutador que me estava
destinado. Um velho capelão militar, que se tornou jesuíta, um maligno entre os
malignos! Seu conceito teria um grande peso. Ah, foi uma dura partida a que nós
dois jogamos! Tenho, no entanto, dor de cabeça quando penso nele. O querido
diretor me fez praticar, entre outras coisas, os Exercícios Espirituais de Santo
Início. Pouco me importava com esses exercícios, mas, pelo menos, precisava
percorrer as páginas afim de dar a impressão de ter-me submergido nestas
extraordinárias meditações. Não era o momento de me deixar apanhar em falta.
Era minha confissão geral a que ia me fazer ganhara batalha. Essa confissão
geral não durou menos de três dias. Para esse fim havia guardado um golpe
fulminante. Disse tudo, isto e aquilo, e mais ainda, mas meu partner
compreendia que havia um grande pecado, muito gordo, muito gordo, que era
difícil de ser confessado: um pecado mais penoso de dizer que a confissão de
mil impiedades. Finalmente, foi preciso decidir-se afazer sair aquele
monstruoso pecado. A vós, senhoras e senhores, não vos quero fazer esperar
tanto: meu grande pecado era um crime, mas um crime de primeira ordem, um
assassinato dos mais bem elaborados. Não tinha degolado a toda uma família,
não! Mas, sem ser um Tropmann, nem um Dumolard, a guilhotina me esperava sem
remédio se tivesse sido descoberto. Havia tido o cuidado de procurar alguns
desaparecimentos noticiados nos jornais três anos antes e, sobre um, deles
construí uma pequena novela; mas meu reverendo padre não quis deixar-me expor
todos os seus detalhes. Havia-me julgado capaz dos mais horríveis sacrilégios e,
além do mais, eu lhe havia causado agradáveis surpresas; quanto a ter um
assassino ajoelhado diante dele, não o esperava deforma alguma. Quando as
primeiras palavras da confissão saíram de meus lábios, o reverendo padre teve
um sobressalto muito significativo. Ah, agora compreendia minha indecisão,
minhas dificuldades, minha forma de privilegiar certos pecados menos
embaraçosos!. Era que eu tinha vergonha de confessar meu crime! Não somente
tinha vergonha, mas estava alterado, espantado. Havia uma viúva neste assunto;
o reverendo padre me fez prometer que entregaria à viúva de minha vítima uma
renda indireta, muito engenhoso, a meu critério. Não quis conhecer nenhum nome,
mas o que lhe interessava era saber se havia sido assassinado com ou sem
premeditação. Após longas dúvidas, oprimido pelo peso da vergonha, confessava a
premeditação, uma verdadeira insídia. Tenho o dever de render homenagem a esse
reverendo padre jesuíta. jamais fui incomodado pelos magistrados. Minha fraude
mepermitiu, pois, pôr a prova o segredo da confissão. Se conto um dia com
detalhes a história desses doze anos, o farei, como hoje, com a mais estrita
imparcialidade, e com calma, senhor Abade Granier! O que no momento retardo é o
fato de minha primeira vitória, como entrei em batalha. Se alguém tivesse
ousado dizer ao reverendo padre que eu não era o mais sério dos convertidos,
seria admoestado. Não entrava em meu plano precipitar minha visita ao Soberano
Pontífice. Certamente, minha confissão de assassino tivera um magnífico êxito;
mas o diretor de meu retiro em Clamartguardava o segredo para ele.
Evidentemente não pode ao menos dizer ao seu superior hierárquico que lhe havia
confiado o mandato de investigar as profundezas de minha alma: Leo Taxil?
(...). Eu respondo por ele! As desconfianças do Vaticano ficavam descartadas;
como fazer-me agradável? Pois para levar a mistificação ao máximo que eu
sonhava e que tinha a indizível alegria de alcançar, necessitava realizar
alguns dos pontos do programa da Igreja mais queridos pela Santa Sé. Esta parte
de meu plano havia sido estudada desde o princípio, desde minha primeira
resolução de captar exatamente o conteúdo do catolicismo. O Soberano Pontífice
havia se caracterizado, um ano antes, pela Encíclica Humanum Genus e está
encíclica respondia a uma ideia muito fixa nos católicos militantes. Gambetta
havia dito: "O Clericalismo, aí está o inimigo!" A Igreja, de sua
parte, dizia: "O inimigo é a Franco Maçonaria!" Mexer com os Maçons
era, pois, o melhor meio de preparar o caminho para a colossal farsa, da qual
saboreava de antemão toda sua agradável sorte. No princípio os Maçons se
indignaram; não previam que a conclusão, pacientemente preparada, seria uma
universal gargalhada. Acreditavam-me verdadeiramente disposto. Dizia-se,
repetia-se, que era um dos meios de vingar-me da expulsão que datava de 1881,
cuja história, que de modo algum me desonra, é bem conhecida: pequena querela
levantada por dois homens, hoje em dia desaparecidos e desaparecidos em
condições lamentáveis. Não, não me vingava; divertia-me e se se examina hoje o
que sobrou dessa campanha, reconhecer-se-á, inclusive entre os Maçons que me
foram mais hostis, que não prejudiquei ninguém. Diria, inclusive, que fiz um
serviço à Maçonaria francesa. Quero dizer que minha publicação dos rituais não
foi alheia, certamente, às reformas que suprimiram práticas anacrônicas e
ridículas aos olhos dos maçons amigos do progresso. Mas deixemos isso e
resumamos os fatos. Minha finalidade era criar todas as peças da diabrura
contemporânea - o que é muito mais forte que a vila sublacustre de Leman; era
preciso proceder ordenadamente; era preciso estabelecer os limites; era preciso
pôr e incubar o ovo de onde nasceria o Paladismo. Uma fraude desta categoria
não se fabrica em um dia. Havia constatado, desde os primeiros tempos de minha
conversão, que um certo número de católicos estava convencido de que o nome de
"Grande Arquiteto do Universo", adotado pela Maçonaria para designar
o Ser Supremo sem pronunciar-se no sentido particular de nenhuma religião; estavam
convencidos – digo de que este nome servia na realidade para ocultar habilmente
ao senhor Lúcifer ou Satã, o diabo! Aqui e ali citam-se algumas anedotas,
segundo as quais o diabo faz, de repente, sua aparição em lojas maçônicas e
preside a sessão. Isto é admitido pelos católicos. Embora não se acredite, há
gente honrada que imagina que as leis da natureza são às vezes contrariadas por
espíritos bons ou maus e, inclusive, por simples mortais. Eu mesmo ouvi com
estupor que se me pedissem, faria um milagre. Um bom cônego de Friburgo, caindo
em minha presença como uma bomba, me disse textualmente: Ah, Senhor Taxil, sois
um santo! Para que Deus o tenha afastado de um abismo tão profundo, é preciso
que tenhais uma montanha de graças sobre a cabeça! Quando soube de vossa
conversão, tomei o trem e eis-me aqui. É preciso que ao meu regresso possa
dizer não somente que vos vi, mas que haveis realizado um milagre diante de
mim. Não esperava semelhante pedido. O Livro Secreto da Maçonaria. Abraço.
Davi.