quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A FORÇA DO ESPÍRITO


Judaísmo. www.morasha.com.br. A FORÇA DO ESPÍRITO. O Dr. Abraham J. Twerski (1930-  ) é o fundador e diretor-médico emérito do Centro de Reabilitação Gateway, na Pensilvânia, Estados Unidos. A entidade, especializada no tratamento de dependentes químicos, é citada por publicações americanas como um dos doze melhores centros para tratamento anti álcool e drogas do mundo. Ele é, também, um dos fundadores do JACS (Jewish, Alcoholics, Chemically Dependent Persons and Significant Others). Twerski tem 31 livros publicados, dois deles com ilustrações de Charles M. Schulz, que trazem os personagens Charlie Brown e Snoopy. É o fundador do primeiro programa da Pensilvânia para enfermeiras com problemas de álcool ou drogas, denominado Nurses Off Chemicals - Enfermeiras Longe de Substâncias Químicas. Também participou do Conselho Governamental sobre Drogas e Abuso de Álcool e foi presidente do Comitê da Sociedade Médica da Pensilvânia sobre Médicos Incapacitados. Em 1997, recebeu a maior honraria da Sociedade Médica da Pensylvania, o The Distinguished Service Award, por sua dedicação no combate à dependência química. Em 1988 foi agraciado pela Fundação Filantrópica Católica com o prêmio Charitas. No entanto, antes de se tornar um dos maiores especialistas dessa área, o dr. Abraham J. Twerski, ordenou-se rabino. Descendente de quarta geração do líder chassídico Baal Shem Tov e filho de um rabino, Twerski um dia percebeu que queria fazer algo mais, durante sua vida, do que oficiar serviços religiosos e cerimônias de Bar Mitzvá. Sua experiência como líder espiritual já lhe vinha mostrando que, às vezes, quando as pessoas procuram um rabino para conversar, querem algo mais. Na verdade, estão em busca de alguém que as ouça e que procure entendê-las, uma espécie de psicólogo. E foi no estudo da medicina e da psiquiatria que foi buscar as respostas para tentar compreender e ajudar os indivíduos, sem no entanto, abrir mão, a nenhum instante, de sua formação religiosa e de sua herança judaica. Ao contrário, o Rabino Twerski, já então com o título de médico, fez de sua bagagem espiritual um dos principais instrumentos de seu dia-a-dia profissional. Sua crença no ser humano e em sua capacidade de superar desafios, desde que encarados de frente, são os princípios que norteiam o seu trabalho junto a dependentes de álcool e de drogas. Sua fé em que a vida espiritual dos indivíduos – não importa qual a sua religião é fundamental para a recuperação dos dependentes, é um dos pilares que sustenta, há décadas, suas teorias. A maior prova da eficiência destes conceitos são os resultados obtidos pelo Centro de Reabilitação Gateway e em outras instituições que usam o seu método. Em entrevista concedida ao Projeto Morashá, algumas horas, após a sua chegada a São Paulo, recentemente, Twerski falou um pouco sobre os seus primeiros anos como médico. “Logo percebi que nem a universidade, nem mesmo a especialização em psiquiatria, iriam mostrar-me qual o melhor caminho para lidar com os dependentes químicos. Isso era algo que eu iria aprender gradativamente, no contato com os pacientes, através de longas conversas, tentando descobrir e entender as razões que os haviam levado ao vício. Mesmo sem nem sempre entendê-los, percebi que era muito importante ouvi-los, para então tentar conhecer o porquê e ajudá-los a trilhar o caminho da volta”, lembra Twerski. Através do contato com os pacientes, o rabino psiquiatra reafirmou sua certeza de que o caminho da sobriedade - ou o fim de qualquer dependência - passa necessariamente pela motivação dos indivíduos e pelo seu desejo autêntico de mudança. Sua crença nesse princípio fortaleceu-se após um contato mais estreito com a Associação Alcoólicos Anônimos (AAA), em 1961, uma entidade de autoajuda criada em meados de 1930 por duas pessoas que não conseguiam deixar de beber. “Eu sempre acreditei que a maioria das pessoas possui personalidade, força e recursos suficientes para lidar com os desafios da vida. Se falhamos, é porque não temos consciência da nossa capacidade e de nossos recursos. No meu contato com os pacientes, sempre trabalho no sentido de fazer com que descubram sua força e também mostrar-lhes que, às vezes, é preciso buscar uma ajuda externa com pessoas com as quais possam compartilhar suas experiências. Com isso, sentem-se iguais e não inferiorizados por estarem nessa situação. Instituições como a AAA desempenham um papel muito importante neste contexto, pois, além de estimularem a autoajuda, enfatizam a igualdade entre todos os membros. Lá, todo mundo é igual, todo mundo tem um problema que pode resolver e todo mundo precisa de ajuda. Isto se chama ‘compartilhar’ e, de modo geral, as pessoas dependentes são solitárias. O fato de compartilhar traz resultados positivos”. Segundo Twerski, no entanto, o processo de recuperação deve ser ordenado para que os objetivos sejam atingidos. Foi dentro deste espírito que elaborou um programa de “doze passos” que conduz a uma vida mais feliz e realizada. O método não possui nenhuma base religiosa específica, porém tem um componente espiritual, já que a oração e fé são essenciais para o sucesso do tratamento. “Acho fundamental que as pessoas acreditem em alguma coisa, que tenham crenças e procuro transmitir isso aos meus pacientes. Ao pensar em cada uma das etapas do programa de recuperação, eu tinha um objetivo definido: ajudar os indivíduos a corrigir sua visão distorcida da realidade e a obter uma conscientização plena da mesma e de si próprios”, ressalta o rabino psiquiatra. Ele falou, também, sobre o papel da família e do contexto social no processo de recuperação dos dependentes do álcool e das drogas. Segundo Twerski, é muito comum que as pessoas mais próximas dos viciados, inconscientemente, mascarem a realidade, preferindo ignorar a gravidade da situação. “Este é um comportamento que só prejudica a todos. Por mais doloroso que seja, é preciso enfrentar a situação e fazer com que o dependente confronte a si mesmo e àqueles com os quais convive. O relacionamento sincero e aberto entre todos os envolvidos, fazendo inclusive com que o dependente ouça e sinta como seu comportamento afeta e preocupa os demais, é um dos pontos de partida para o processo de recuperação. Sabemos que isto é muito difícil, principalmente porque, em geral, o dependente não admite que tem o problema e não reconhece sua impotência diante do elemento de dependência. Se conseguirmos fazer com que ele aceite esse fato, o caminho já começou a ser trilhado”. O caminho, no entanto, enfatiza Twerski, é longo e penoso e não termina nunca, pois cada dia é um novo dia e os indivíduos não devem jamais se desviar de suas metas. É neste processo constante de busca da sobriedade, que afirma ele, a crença na força interior, uma vida espiritual rica e a fé são fatores de grande importância. Em seu livro “Despertando na hora certa”, ele afirma que “as doze etapas do programa são como degraus de uma escada que devemos estar constantemente subindo, sempre reexaminando e colocando tudo em discussão. Assim, percebemos tudo o que há de melhor em nós e damos o máximo possível de nós mesmos”. Este programa, segundo Twerski, pode ser aplicado a qualquer tipo de dependência, não apenas química, pois tudo que passa de um determinado limite e que não pode mais ser controlado pelo indivíduo torna-se um vício. Quando questionado se até a Internet não se encaixa nisto, respondeu que provavelmente sim e mencionou o fato de ter descoberto, recentemente, um site sobre este tema - netaddiction.com. “O ponto fundamental quando se analisa a questão da dependência é justamente o que se refere à falta de controle. Ou seja, quando o elemento da dependência exerce tanto controle sobre os indivíduos que provoca mudanças significativas de comportamento, como agressividade e até lapsos de memória. É aí que se deve estar atento e não relevar qualquer mudança”. Como evitar comportamentos autodestrutivos. Especial para a Revista Morashá meu envolvimento no tratamento de alcoólatras tem sido uma forma de aprendizado muito valiosa. Indivíduos que levam a sério sua recuperação, e que fazem grandes esforços para eliminar em seu caráter as falhas que marcaram sua história com a bebida, podem ser vistos como uma rica fonte de mussar - disciplina. São exemplos vivos do que deve se fazer para evitar comportamentos autodestrutivos. Se substituirmos a palavra avera - transgressão - por álcool, podemos ver que existe uma similaridade muito grande entre um programa efetivo de recuperação para alcoólatras e muitos dos ensinamentos do mussar. É muito comum, por exemplo, ouvir de um alcoólatra que conseguiu se recuperar, a afirmação de que “na vida não há coincidências. Coincidências nada mais são do que milagres nos quais D’ us quis ficar anônimo”. A transição do alcoolismo para a sobriedade requer que o indivíduo aceite o quanto ele tem sido impotente perante certos aspectos de sua vida. Ao se conscientizar de sua própria falta de poder, ele poderá então aceitar a existência de uma Força Superior. Ao mesmo tempo em que temos livre arbítrio para termos comportamentais e morais, devemos compreender que existem muitas coisas que são obras de D’us. Muitos acontecimentos em nossas vidas parecem ser “fenômenos naturais”, mas na realidade são atos de D’us nos quais Ele prefere permanecer anônimo. A Torá é repleta de milagres, mas é importante notar que nem todos são comemorados. Não temos uma festa para celebrar a ocasião na qual o profeta Yoshua parou o sol e a lua, para que o Povo de Israel pudesse continuar guerreando numa sexta à noite, sem violar o Shabat. Mesmo Pessach é celebrada como a Festa da Liberdade, e não como a Festa dos inúmeros milagres descritos na Torá. Chanucá e Purim são celebradas como as Festas dos Milagres porque os acontecimentos de ambas ocasiões podem ser facilmente interpretados como eventos naturais. Afinal, não há nada de excepcional na história de um rei bêbado se livrar de sua rainha e casar-se com uma mulher mais jovem que acaba defendendo a causa de seu povo. O triunfo dos Macabeus, celebrado em Chanucá, pode ser visto como o sucesso de guerrilhas numa luta. Mas, estes “acontecimentos naturais” devem ser compreendidos como intervenções Divinas. Mesmo se D’us preferiu permanecer anônimo em tais situações, não devemos permitir que assim sejam considerados. Você deve estar se perguntando por que um psicanalista está escrevendo sobre um assunto que a rigor deveria ser deixado para os rabinos? Porque enquanto há ansiedades patológicas que requerem tratamento médico ou psicológico, também há muitos tipos de estresse que são decorrentes da realidade que nos cerca. Estes são acompanhados por ansiedade e tensão que na realidade são respostas normais para eventos ou acontecimentos que nos incomodam, nos pressionam e nos estressam. São condições normais que não exigem “tratamento”. Este tipo de ansiedade pode ser atenuado pelo apoio de amigos com os quais podemos contar, e pela segurança que podemos ter através da fé e da confiança em D’us (emuná e bitachon). Devemos sempre lembrar que D’us está “tomando conta” e que Ele é Infinitamente Bom. Um paciente cuja insônia era resultante de uma situação que o deixava muito estressado me disse: “Eu finalmente consegui dormir quando percebi que D’us está sempre acordado, e que não há necessidade que ambos façamos o mesmo”. Tranquilizantes são remédios e estes só servem em caso de doenças. Porém, quando as realidades de nosso cotidiano nos deixam insatisfeitos e podem nos causar ansiedade e tensão, não devemos recorrer imediatamente a medicamentos. Talvez, confiar em D’us e se apoiar em um amigo que nos ouça e que compartilhe conosco nossa angústia, não sejam “tratamentos”, mas acreditem, podem ser atitudes de extrema eficácia. www.morasha.com.br. Abraço. Davi


terça-feira, 30 de outubro de 2018

A COMPREENSÃO DO SOFRIMENTO


Teosofia. Revista Teosófica. Texto de Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Palestra proferida em Saanen – Suíça, 18 de julho de 1963. A COMPREENSÃO DO SOFRIMENTO. Se não há compreensão do sofrimento, não há sabedoria; o fim do sofrimento é o começo da sabedoria. Para se compreender o sofrimento e dele se ficar livre completamente, requer-se compreensão, não só do sofrimento individual, particular, mas também do imenso sofrer humano.  Para mim, se não estamos totalmente livres do sofrimento, não pode haver sabedoria e tampouco terá a mente possibilidade de investigar deveras essa imensidade que se pode chamar Deus, ou outro nome qualquer. A maioria de nós está sujeita ao sofrimento em diferentes formas: nas relações, quando ocorre a morte de alguém, quando não podemos preencher-nos e decaímos até nos reduzirmos a nada, ou quando tentamos realizar algo, tornar-nos importantes e tudo redunda em completo malogro. E temos também o “processo” do sofrimento no plano físico: doença, cegueira, invalidez, paralisia, etc. Por toda a parte se encontra essa coisa extraordinária chamada “sofrimento” – com a morte à espreita em cada volta do caminho. E não sabemos enfrentar o sofrimento e, assim, ou o divinizamos ou o racionalizamos, ou, ainda, tratamos de evita-lo. Ide a qualquer IGREJA CRISTÃ e vereis que lá se diviniza o sofrimento, tornam-no algo de grandioso, de sagrado, e fala-se que só pelo sofrimento, só pela mão de CRISTO, o Crucificado, se pode encontrar Deus. No Oriente, há métodos próprios de fuga, outras maneiras de evitar o sofrimento; e é, para mim, um fato singular serem tão raros – tanto no Oriente como no Ocidente – os que estão verdadeiramente livres do sofrimento. Seria maravilhoso se, no processo de nosso escutar – sem emocionalismo nem sentimentalismo – o que nesta manhã se está dizendo, pudéssemos, antes de sairmos daqui, compreender realmente o sofrimento e dele ficar completamente livres; porque, então, já não haveria automistificação, nem ilusões, nem ansiedades, nem medo, e o cérebro poderia funcionar clara, penetrante, logicamente. E, então chegássemos a conhecer o amor. Ora, para se compreender o sofrimento é necessário investigar todo o “processo” do tempo. Tempo é sofrimento, não só sofrimento do passado, mas também sofrimento que inclui o futuro – a ideia de chegar, a esperança de algum dia nos tornarmos algo, com sua inevitável sombra de frustração. Para mim, essa ideia de consecução, de “vir a ser” algo no futuro (e isso é tempo psicológico) representa o sofrer máximo – e não o fato de perder um filho, de ser abandonado pela mulher ou marido, ou de se não alcançar êxito na vida. Tudo isso me parece bastante trivial, se me é permitido pregar esta palavra, que espero não seja mal compreendida. Há um sofrimento muito mais profundo, que é o tempo psicológico: o pensar que mudarei em anos futuros, que, se houver tempo, me transformarei, quebrarei as cadeias do hábito, alcançarei a liberdade, a sabedoria, Deus. Tudo isso exige tempo – e este, para mim, é o sofrimento máximo. Mas, para podermos aprofundar o problema, temos de descobrir porque há sofrimento em nós – essa onda de sofrimento que nos envolve e aprisiona. Compreendendo, primeiramente, o sofrimento existente em nós, talvez possamos também compreender o sofrimento humano coletivo, o desespero da humanidade. Por que sofremos? E tem fim sofrimento? Há tantas maneiras de sofrermos! A doença é uma forma de sofrimento – a incapacidade de pensar, por debilidade do cérebro, e tantas outras variedades da dor física. Temos, depois, todo o campo do sofrimento psicológico – o sentimento de frustração, por não se poder realizar nada, ou a falta de capacidade, de compreensão, de inteligência, e também está constante batalha dos desejos antagônicos, da autocontradição, com suas ânsias e desesperos. E há, ainda, a ideia de nos transformarmos através do tempo, de tornar-nos melhores, mais nobres, mais sábios – ideia que também encerra infinito sofrimento. E, por último, o sofrimento ocasionado pela morte, o sofrimento da separação, do isolamento, o sofrimento de nos vermos completamente sós, isolados e sem relação com coisa alguma. Todos conhecemos essas variadas formas de sofrimento. Os eruditos, os intelectuais, os virtuosos, os religiosos de todo o mundo veem-se tão torturados como nós pelo sofrimento, e se dele existe alguma saída, ainda não a encontraram. Investigar bem profundamente em nós mesmos é saber que esta é a primeira coisa que desejamos: pôr fim ao sofrimento. Mas não sabemos de que maneira começar. Estamos muito bem familiarizados com o sofrimento, vemo-lo em outros e em nós mesmos, e ele se acha no próprio ar que respiramos. Ide a qualquer parte, recolhei-vos a um mosteiro, caminhai pelas ruas apinhadas – o sofrimento está sempre presente, declarado ou oculto, expectante, vigilante. Ora, de que maneira enfrentamos o sofrimento? Que fazemos em relação a ele? E como teremos possibilidade de nos libertarmos dele, não apenas superficialmente, porém totalmente, de modo que se torne completamente inexistente? Estar completamente livre de sofrimento não significa ausência de sentimento, de amor, de compaixão, falta de bondade, de compreensão de outrem. Pelo contrário, na completa liberdade, nesse estado livre de sofrimento não há indiferença. É uma liberdade que traz grande sensibilidade, receptividade; e, como se alcança essa liberdade? Todos conheceis o sofrimento, não vos tornais estranho. Ele está sempre presente. E como o enfrentais? Apenas superficialmente, verbalmente? Tende a bondade de seguir isto. Passo a passo, caminhemos juntos, até o fim. Tentai nesta manhã, escutar com atenção completa, estar bem cônscios de vossas reações e penetrar profundamente, junto comigo, este problema do sofrimento. Mas isto não significa seguir-me – coisa extremamente absurda. Mas se, juntos, pudermos compreender esta coisa, investiga-la ampla e profundamente, então, talvez, ao sairdes daqui, possais olhar para o céu e nunca mais serdes atingidos pelo sofrimento. Então, não mais haverá medo: e, uma vez livres de todo temor, aquela imensidade poderá tornar-se vossa companheira. Assim, como enfrentais o sofrimento? Parece-me que, em geral, o enfrentamos muito superficialmente. Nossa educação, nossa instrução, nosso conhecimento, as influências sociológicas a que estamos expostos – tudo isso nos torna muito superficiais. A mente superficial é aquela que se refugia na igreja, em alguma conclusão, conceito, crença ou ideia. Tudo isso são refúgios para a mente em sofrimento. E, quando nenhum refúgio encontrais, construís em torno de vós uma muralha e vos tornais acrimoniosos (sabor ácido, azedo; cor acre), duros, indiferentes, ou buscais a fuga em alguma reação neurótica, fácil. Todas essas fugas ao sofrimento impedem a investigação mais aprofundada. Espero me estejais acompanhando, porque é justamente isto o que faz a maioria de nós. Pois bem; observai um cérebro superficial – ou mente; notai, por favor que, quando digo “mente” ou “cérebro”, refiro-me à mesma coisa. Outro dia estivemos considerando a distinção entre “mente” e “celebro”, mas tal distinção é só verbal, sem importância. Empregarei a palavra “mente” e espero que sigais e compreendais o que se irá dizer. A mente superficial não pode resolver este problema do sofrimento, porque sempre procura evitar o sofrimento. Foge ao fato – o sofrimento – por meio de uma reação fácil e imediata. Se tendes uma forte dor de dentes, naturalmente logo tratais de procurar o dentista, porque desejais livrar-vos dessa dor física. E isso é uma reação normal e correta. Mas, a dor psicológica é muito mais profunda e sutil, e não há médico, não há psicólogo, não há nada que vos possa extingui-la. No entanto, vossa reação instintiva é fugir dela. Tratais de ligar o rádio, de ver televisão, de ir ao cinema – sabeis quantas distrações a civilização moderna inventou. Qualquer espécie de entretenimento, seja uma cerimônia religiosa, seja uma partida de futebol, é essencialmente a mesma coisa, mera fuga à vossa aflição, ao vosso vazio interior; e é isto o que estamos fazendo em toda a parte: buscando em diferentes formas de entretenimento o auto esquecimento. E, também, é a mente superficial que procura explicações. Diz: “Desejo saber por que sofro. Por que devo eu sofrer, e vós não?” Está cônscia de não ter praticado, na vida, nenhuma iniquidade e, assim, aceita a teoria de vidas passadas e a ideia disso que na Índia se chama Karma – causa e efeito. Diz ela: “Pratiquei antes alguma ação injusta, e agora estou passando por ela”, ou “Estou agora fazendo algo de bom, e colherei no futuro os correspondentes benefícios”. É assim que a mente superficial se deixa enredar nas explicações. Observai, por favor, vossa própria mente, observai como vos livrais de vossos sofrimentos com explicações, como vos absorveis no trabalho, em ideias, ou vos apegais à crença em Deus ou numa vida futura. E, se nenhuma explicação ou crença tiver sido satisfatória, recorreis à bebida, ao sexo ou vos tornais mordaz, duro acrimonioso, melindroso. Consciente ou inconscientemente, é isso o que de fato ocorre com cada um de nós. Mas a ferida do sofrimento é muito profunda. Ela vem sendo transmitida de geração em geração, de pais a filhos, e a mente superficial nunca retira a atadura que cobre essa ferida: ela não sabe, em verdade, o que é o sofrimento, não o conhece intimamente. Tem apenas uma ideia a seu respeito. Tem uma imagem, um símbolo do sofrimento, mas nunca se encontra com ele próprio, só se encontra com a palavra “sofrimento”. Compreendeis? Ela conhece a palavra “sofrimento”, mas não estou certo se conhece o sofrimento. Conhecer a palavra “fome” e sentir realmente fome são duas coisas muito diferentes, não? Quando sentis fome, não vos satisfazeis com palavras “comida”. Quereis comida – o fato. Ora, quase todos nos satisfazemos com palavras, símbolos, ideias, e com as nossas reações a essas palavras, de modo que nunca estamos em intimidade com o fato. Quando subitamente nos vemos frente a frente com o fato do sofrimento, isso nos causa um choque, e nossa reação é a fuga a esse fato. Não sei se já notastes isso em vós mesmos. Tende a bondade de observar o estado de vossa própria mente, e não fiqueis meramente escutando as palavras que estão sendo proferidas. Nunca nos encontramos com o fato, nunca “vivemos com ele”. Vivemos com uma imagem, com a memória do que foi, e não com o fato. Vivemos com uma reação. Ora, se ao enfrentar o sofrimento a mente tem um motivo, isto é, se deseja fazer algo a respeito do sofrimento, não é possível compreendê-lo, assim como também não é possível haver amor, se há motivo para amar. Entendeis? Em geral, temos um motivo quando encaramos o sofrimento; desejamos fazer alguma coisa em relação a ele. Isto é, suponhamos que eu tenha perdida alguém, por morte: profundamente, psicologicamente, já não posso obter o que dessa pessoa desejava, e vejo-me a sofrer. Se nenhum motivo tenho, ao olhar o sofrimento, ele é ainda sofrimento, ou coisa totalmente diferente? Estais seguindo? Digamos que meu filho morre, e eu estou a sofrer porque me vejo só. Nele eu depositara todas as minhas esperanças e, agora, todo o meu mundo desabou. Desejara estabelecer para mim próprio uma certa espécie de imortalidade, uma continuidade, através de meu filho: ele deveria herdar meu nome, meus haveres, continuar com o meu negócio, e o acabar de tudo isso causou-me choque. Ora, posso compreender o sofrimento em que me acho, se algum motivo existe, que me impele a olhá-lo? E, se existe, atrás de amor, algum motivo, isso é amor? Por favor, não concordeis comigo: observai-vos, apenas. Por certo, não deve haver motivo algum, se desejo compreender o sofrimento, se desejo descobrir a profundeza plena e a significação do sofrimento – ou do amor, pois os dois andam sempre juntos.  A morte, o amor e o sofrimento são inseparáveis, estão sempre juntos, e também os acompanha a criação: mas esta é outra questão, que examinaremos noutra oportunidade. Se desejo compreender profundamente, completamente, o fato do sofrimento, não posso ter um motivo a ditar minha reação ao fato. Só posso viver com o fato e compreendê-lo, quando nenhum motivo tenho. Entendeis? Se não, podeis fazer-me perguntas, depois, a respeito deste ponto. Se vos amo porque podeis dar-me alguma coisa – vosso corpo, vosso dinheiro, vossa lisonja, vossa companhia, ou o que quer que seja – isso por certo, não é amor, e é claro que também vós obtendes algo de mim, e essa permuta, para a maioria de nós se chama amor. Sei que encobrimos isso com palavras bonitas, mas atrás dessa fachada, está a ânsia de ter, possuir, ser dono. Agora, sofrimento não é autocompaixão? De certa maneira, fostes despojado de alguma coisa, vossas relações com outro redundaram em fracasso, não vos preenchestes do sentido de serdes reconhecido como pessoa importante, em atividades de reforma social, em atividades artísticas e tantas outras coisas mais – e todas as correspondestes frivolidades; assim, há sofrimento. Compreender o sofrimento é viver com ele, olhá-lo, conhece-lo como realmente é; mas não tendes possibilidade de conhece-lo quando o olhais com um motivo – que supõe o tempo. A mente superficial, incessantemente ocupada em melhorar-se, em lastimar-se, em torturar-se numa dada relação; desejosa de libertar-se do sofrimento sem enfrentar o fato – essa mente prosseguirá sofrendo indefinidamente. O fato é que estais sozinho. Em virtude de e vossa educação, de vossas atividades, pensamentos e sentimentos, vos isolastes profundamente em vosso interior e não sois capaz de viver com esse extraordinário sentimento de solidão, não sabeis o que ele significa, porque dele sempre vos abeirais com uma palavra que desperta o medo. Estais vendo, pois, a dificuldade – as maneiras sutis com que a mente preparou suas vias de fuga, tornando-se incapaz de viver com essa coisa extraordinária que chamamos “sofrimento”. Para se ser livre do sofrimento, é necessário compreender, consciente e inconscientemente, todo o seu “processo”, e isso só é possível vivendo-se com o fato, olhando o sem motivo. Deveis perceber as manhas de vossa mente, suas fugas, as coisas aprazíveis a que estais apegado e as coisas desagradáveis de que desejais livrar-vos com rapidez. Cumpre observar o vazio, o embotamento e a estupidez da mente que só trata de fugir. E pouca diferença faz, se se foge para Deus, para o sexo, ou para a bebida, porquanto todas as fugas são essencialmente a mesma coisa. Compreendeis? Que sucede quando perdeis alguém, arrebatado pela morte? A reação imediata à uma sensação de paralisia, e ao sairdes desse estado vos encontrais com o sofrimento. Ora, que significa esta palavra – “sofrimento”? A camaradagem, os colóquios ditosos, os passeios e tantas outras coisas agradáveis que fizestes e planejastes fazer em companhia um do outro – tudo isso vos foi arrebatado num segundo, e ficastes vazio, desamparado, sozinho. É contra isso que estais protestando, é contra isto que vossa mente se revolta: ter ficado a sós consigo, isolada, vazia, sem amparo. Ora, o que verdadeiramente importa é viver com esse vazio, com ele viver sem reação alguma, sem racionalizá-lo, sem dele fugir com recorrer a médiuns espíritas, à doutrina da reencarnação, e outras futilidades, viver com ele, com todo sofrimento – um findar real, e não simplesmente verbal, não o findar superficial, resultante de fuga, de identificação com um conceito ou devotamento a uma ideia. Vereis que nada há para proteger, porquanto a mente está toda vazia e já não reage no sentido de preencher o seu vazio; e quando assim o sofrimento termina completamente, tereis encetado uma outra jornada – jornada sem fim e sem começo. Existe uma imensidade que ultrapassa todas as medidas, mas nesse mundo não ingressareis sem a prévia e total extinção do sofrimento. Revista Teosófica. Abraço. Davi

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

II. A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO E A SABEDORIA NO COTIDIANO


Budismo. www.budavirtual.com.br. Texto de Jetsunma Tenzin Palmo (1943-  ). II. A PRÁTICA DA MEDITAÇÃO E SABEDORIA NO COTIDIANO. Prajna Paramita, Ou SABEDORIA. Demos uma olhada em shamatha, essa ideia de deixar a mente mais quieta e calma, mais concentrada. Também consideramos o fato de que shamatha ajuda a mente a enxergar o fundo do lago. Mas ela não remove o lodo, não remove todo o lixo e todas as ervas daninhas que estão no fundo. Quando eu estava em Lahaul, fora da minha caverna, havia uma área plana que parecia um pátio. Era de terra endurecida e na superfície havia moitas de florzinhas bonitas. Quando chovia, tudo ficava barrento, e decidi assentar algumas pedras grandes e planas. Isso significava que eu teria que arrancar as florzinhas. Decidi que a única maneira de me livrar daquelas flores delicadas era não apenas cortá-las, mas arrancar todas as raízes para que não crescessem novamente. Imaginei que puxaria e elas sairiam. Porém, quando comecei a rastrear às raízes das florizinhas, descobri que literalmente estendiam-se por todo o pátio. Estavam espalhadas e interconectadas em uma enorme rede subterrânea, embora apenas algumas pequenas moitas fossem visíveis na superfície. As ervas daninhas da nossa mente são assim. Além de tudo, parecem atraentes. ”Ah, eu amo chocolate” ou ”Eu adoro roupas novas”. Tão inocente. Mas essas raízes de nosso desejo são profundas e grossas, espalham-se e estão na base de tudo. Esse é o problema. Essas raízes de negatividades, nossas ilusões, nossa má vontade e nossa ganância são tão profundamente arraigadas em nossa mente que permeiam tudo, e muitas vezes nem sequer as reconhecemos pelo que realmente são. Podemos questionar para que arrancá-las fora. Puxamos, um pouco aqui, cortamos e aparamos um pouco ali, mas não enfrentamos esse sistema de raízes penetrantes. A mim parece que a meditação vipassana lida com a mente em duas frentes que, ao fina, se unem na realização da natureza vazia da mente. Primeiro, lidamos com o fato de que nossa mente é permeada por impulsos negativos muito profundos, que criam muita dor e muitos problemas em nossa vida, para nós mesmos e para os outros. Além disso, há toda a questão de quem afinal experimenta essa doer e esses problemas. Trataremos disso resumidamente, pois é um assunto vasto. Por meio da pratica de shamatha, nossa mente se acalma. E, à medida que a mente se aquieta, o fluxo de pensamentos passa por 3 estágios. Primeiro é como uma cachoeira, uma queda d’água estrondosa. Depois, torna-se como um rio turbulento, tornando-se gradualmente mais plácido conforme vai correndo. Eventualmente o rio deságua no oceano. Talvez em nossa prática de meditação da permanência serena, nossa mente tenha chegado ao ponto em que não é mais uma cachoeira, é como um rio correndo calmamente. Neste ponto não precisamos entrar no oceano de samadhi, ou absorção profunda.  Isso não é tão importante. Precisamos apenas deixar a mente mais quieta, precisamos apenas adquirir a capacidade de nos concentrarmos em um único ponto, ter concentração uni direcionada. Essas duas condições são necessárias, mas não precisamos ficar em um estado sem quaisquer pensamentos. Anteriormente, como estávamos desenvolvendo a concentração uni focada, ignorávamos os pensamentos. Não dávamos qualquer atenção a eles. Dávamos atenção ao ponto focal de nossa concentração, que era a respiração. Agora, no entanto, aplicamos a concentração aos próprios pensamentos. Pode-se dizer que isso é como alguém sentado na beira de um rio apenas observando- o fluir. Não tentamos represar o rio, ou alterar seu fluxo de forma alguma, estamos apenas sentados as margens de nosso rio mental, observando os pensamentos fluírem. Não tentamos interferir. Não fazemos nada a respeito. O importante é não ficarmos fascinados ou sermos capturados pelos pensamentos – ”Óh! que ideia interessante”. Hmm sim certo”. – e no minuto seguinte nossa mente é carregada rio abaixo. Precisamos apenas observar os pensamentos fluindo. No entanto, se observamos a mente muito tensos, mantendo todos pensamentos, acabamos nos desequilibrando. O mestre zen Suzuki Roshi (1904-1971) disse que a maneira de controlar uma vaca é dar-lhe um amplo pasto. Quando tentamos desenvolver as qualidades da consciência, da atenção plena e da observação da mente, é muito importante dar a mente um bom pasto bem amplo e não a mantendo muito apertada. Essa tensão extrema não é o que desejamos. Em vez disso, queremos a sensação de permitir que nossos pensamentos venham e flutuam, e, enquanto isso, tomamos conhecimento, observamos, vemos os pensamentos, e se perderemos alguns não faz mal. Assim, esta é a etapa que vem depois de termos praticado com a respiração, ou algum objeto a nossa frente. Quando os pensamentos se acalmaram um pouco e não estão caóticos, e quando o foco, a concentração e a consciência se tornaram um pouco mais fortes e bem definidos, aí sim levamos a atenção da respiração para a própria mente. Segundo a psicologia budista, não podemos ter dois pensamentos ao mesmo tempo. Dois estados mentais não podem surgir em nossa consistência ao mesmo tempo. Os estados mentais são incrivelmente rápidos, e no entanto, sequenciais. Portanto, a medida que temos mais momentos de consciência, temos menos momentos de pensamento discursivo. Os pensamentos começam a desacelerar, começa a haver menos pensamentos, [..] quando chegamos a esse ponto, começamos a desenvolver o que é chamado de insight. Começamos a usar essa inteligência para observar a própria mente. Como eu disse antes, vivemos a partir da mente, experienciamos qualquer coisa apenas por meio da mente. No entanto, não a conhecemos. Nunca olhamos para ela. Dizemos ”Eu acho”, ”eu me lembro”, ”na minha opinião”, ”meu julgamento é”. Estamos cheios de julgamentos, intenções, ideias, pensamentos, fantasias, sonhos e memórias, mas o que é um pensamento? Qual a sua aparência? De onde vem? Onde permanece? Para onde vai? Qual é a sensação? Se parece com o que? ”Estou com raiva”, ”Estou feliz”, ”estou triste” – que aparência tem uma emoção? De onde vem? É dessa forma que usamos a mente para olhar para ela mesma. Tentamos ver o que é um pensamento – qual a sua aparência. O que é? Podemos pensar a respeito de um pensamento, mas podemos realmente experienciá-lo? Podemos continuar a investigar a mente. ”Tudo bem, há momentos em que há pensamentos. E depois há momentos em que não há pensamentos”. É igual ou diferente? E que tal a consciência que observa os pensamentos – a consciência é igual aos pensamentos ou é diferente? E a consciência se parece com o que? Podemos ver o observador? Podemos observa-lo? E então, é claro, podemos nos fazer a pergunta das perguntas: ”’Quem é o observador?”. Não vou dar a resposta a vocês! Nós dizemos: ”Eu acho”, ”eu me lembro”, ”eu gosto”, ”eu não gosto”, ”sou boa pessoa” ”sou má pessoa, mas quem é esse ”eu”? Nunca nos questionamos, nunca olhamos. Isso é essencial, porque estamos agarrados às nossas identificações, o que nos causa confusão e angústia. Nós nos identificamos primeiramente com o corpo que temos neste momento: ”Eu sou uma mulher”, ”eu sou um homem”, ”eu sou branca, ”eu sou negra”, ”eu sou europeia” ”eu sou americana, ”eu sou bonita”, ”eu sou feia”, ”eu sou gorda, ”eu sou magra”, esta sou eu”. Mas é claro que não somos os nossos corpos. […]. Nos identificamos com nossos pensamentos, com nossas opiniões e com nossos julgamentos, e nos identificamos com nossas memórias, especialmente as tristes, especialmente as difíceis. Nos agarramos, e nossa identidade orbita em torno do sofrimento. Somos seres tão perversos, mas, quando olhamos para nossa mente, vemos que as memórias são apenas pensamentos – e isso é tudo. Os eventos que estamos recordando terminaram, aconteceram anos atrás. Não estão aqui, não existem. Tudo o que nos restou são os pensamentos, mas, quando olhamos para os pensamentos vemos que eles, em si mesmos, são bastantes transparentes. Um pensamento não é uma coisa. Então por que nos identificamos tanto com eles? Nossas percepções criam a realidade que percebemos. Mas é claro que isso não quer dizer que a totalidade de fenômenos externos é puramente ilusão. Os tibetanos dizem que é como uma ilusão porque projetamos e não estamos conscientes de que é uma projeção nossa. Uma vez que nossas percepções são impuras e distorcidas pelo ego, não vemos as coisas como são, percebemos apenas a nossa própria versão, baseada na delusão (engano). Estamos olhando para a mente. Estamos olhando para o fluxo de pensamentos. Enquanto observamos os pensamentos e a consciência está em firme, os pensamentos começam a desacelerar. É como um filme: se começa a ser passado mais devagar e mais lentamente, reconhecemos quadro por quadro em vez do filme projetado. Da mesma forma, se nossa consciência é clara e firme, os pensamentos começam a desacelerar e podem ser reconhecido como unidades interligadas. E, quando nossa consciência estiver muito clara, pode acontecer o fluxo de pensamentos ser interrompido por uns instantes, havendo um intervalo entre o último pensamento e o seguinte. Quando existe esse intervalo, o observador se funde diretamente com aquilo que está subjacente ao pensamento, a natureza de clara luz da mente. Neste momento, surge a intuição direta e a realização da natureza da mente- não dual, não conceitual, não condicionada, além dos pensamentos.  Não somos capazes de pensar sobre isso, mas podemos experienciar. Neste tipo de meditação, a ideia é conseguir o maior número possível de lampejos de visão não dual como esses e prolonga-los. A medida que a mente repousa naturalmente nessa consciência não nascida com mais frequência e por períodos mais longos, ao final o praticante irá permanecer nesse estado desperto o tempo todo. É um nível de consciência que não tem fronteiras. Não existe o eu e o outro. O céu não tem centro e o céu não tem circunferência, é ilimitado. O céu permeia tudo, não apenas o espaço acima de nós, mas todos os lugares. É o espaço. Sem o espaço, não poderíamos ser nada porque o espaço é tudo. Quando falamos sobre o nosso verdadeiro eu, temos a ideia de alguém sentado dentro de nós – maior, o melhor e mais maravilhoso eu. Mas não é disso que estamos falando, de maneira alguma. Quando realizamos a verdadeira natureza do nosso ser, onde está o ”eu”, onde está o ”outro”?  Quanto ao espaço, não posso dizer que este é o meu espaço e aquele é o seu. É apenas espaço. E a verdadeira natureza da mente é assim. E essa natureza pode ser experienciada e realizada. É a mente de um buda. E esta qualidade vasta e ampla da mente está preenchida com todas as qualidades de sabedoria, compaixão e pureza. É a clara consciência por trás do funcionamento dos nossos sentidos que nos permite conhecer as coisas, que ilumina nosso pensamento e nossas emoções. Por trás do movimento da mente conceitual está o vasto conhecer silencioso. É tão simples. Mas não acreditamos. E de fato é triste que isso escape-nos. Ignoramos a simplicidade que está a nossa frente. Isso pode parecer muito frio, mas, as vezes, quando olhava nos olhos das outras pessoas ao meu redor, podia ver que estavam extremamente envolvidas com o que ouviam, viam e pensavam, e que não havia qualquer espaço interno. Por conta disso, suas mentes eram muito turbulentas, assim como minha própria mente também costumava ser. Uma compaixão imensa brotou dentro de mim porque entendi nossa situação difícil de forma muito clara. A compaixão genuína surge do insight. Normalmente, quando olhamos e quando experimentamos alguma coisa, acreditamos para valer no que estamos vendo e experimentando. Ficamos envolvidos. É como se não houvesse espaço interno. Porém, quando desenvolvemos a consciência pura, não ficamos mais submersos em nossos pensamentos. A consciência está sempre por trás do pensamento, e dos sentimentos. E assim nós praticamos. Praticamos a habilidade de dar um passo atrás para ver os pensamentos memórias, sentimentos e emoções apenas como pensamentos, memórias e sentimentos, meramente como estados mentais, e não como algo sólido ou real. ”Eu” e ”meu” são apenas estados mentais. Eles vêm, permanecem por um tempo e vão. Isso é tudo o que realmente está acontecendo, mas por não termos espaço em nossa mente, não conseguimos ver. A meditação nos permite ter espaço para ver que pensamentos e sentimentos não são algo sólido, opaco. São vazios em sua natureza, como uma bolha. Não podemos agarrá-los. Se olhamos para o pensamento em si, ele evapora. Em última análise, esta é a maneira mais hábil para lidarmos com as emoções, porque, quando qualquer emoção vem à tona, podemos olhá-la diretamente e, no momento em que a vemos, ela simplesmente desaparece. Tomemos uma emoção negativa como a raiva, por exemplo. No exato instante em que o pensamento de raiva se transforma espontaneamente em uma forma sutil de energia clara e aguda. Os venenos da mente, em suas raízes, são uma fonte de grande energia de sabedoria. O problema é que permitimos que se desenvolvam sem reconhecê-los, e surgem em formas muito distorcidas, como ganância, raiva e ciúme. Contudo, se conseguimos pegá-los no exato momento em que emergem na consciência, têm vibração e clareza. É uma forma extremamente clara de energia. Nos ensinamentos mais elevados se diz que quanto maiores as nossas impurezas emocionais, maior a nossa sabedoria. Entretanto, até que possamos pegar o pensamento em sua forma incipiente, no momento em que nasce – a menos que possamos fazer isso e transformá-lo naquele instante -, será melhor tentar lidar com as emoções negativas de outras maneiras. Porém, uma vez que possamos fazer isso, uma vez que tenhamos essa consciência poderosa que você as coisas de forma clara a cada momento, não há nada a temer, porque cada pensamento que aparece é transformado em energia de sabedoria. Nos textos tibetanos é dito: ”Olhe, onde está a mente? Está no estomago? Está no pé? No coração?”. Nesses textos, nunca se pergunta: ”Está na cabeça?” Não é interessante? Talvez nunca tenha ocorrido a eles que fosse possível a mente estar na cabeça. Certa vez, lembro que meu lama, Khamtrul Rinpoche, disse que era muito curioso que os ocidentais pensarem que a mente está na cabeça. Disso que o cérebro está na cabeça, mas o cérebro não é a mente. ”Já sabemos muito sobre o cérebro, mas ainda não encontramos a mente”, disse um famoso neurocirurgião. Quando os ocidentais, que dão muito valor a cabeça, meditam, acontece frequentemente de a meditação ficar localizada na cabeça. Às vezes, as pessoas, tem dores de cabeça por causa disso. Se alguém me dissesse: ”Eu sei que esta manhã você roubou minha carteira. Você é uma ladra!”. Eu diria: ”Quem? Eu?”, e apontaria para meu peito. Eu não diria ”Quem? Eu?”. Apontando para cabeça. A perfeição da sabedoria tem a ver com a qualidade de vacuidade. Os budistas falam muito sobre a vacuidade. Porém, quando os budistas dizem que tudo é vazio, estão falando basicamente de 2 coisas: uma é que nada existe por si mesmo, nada existe em si e por si só. Tudo pode surgir apenas em relação com todo o resto. É bastante óbvio. Não podemos pensar sobre a escuridão a menos que pensemos sobre a luz. Não podemos ter a esquerda a menos que tenhamos a direita. Só podemos pensar em termos relativos. A filosofia ocidental também lida com isso. Existem estudiosos na tradição budista que analisam tudo em termos de seus componentes. Esse relógio, por exemplo. Se eu disser: ”O que é isso?” Vocês vão responder ”É um relógio”. Então podemos questionar: ”Qual parte é o relógio?” A da frente? A de trás? A pulseira? O mecanismo interno?”‘ . Continuamos investigando para tentar encontrar a ”relogiedade”, o que faz o relógio um relógio, mas nunca poderemos encontrar o relógio em si. É apenas um rótulo que damos a uma combinação de muitas coisas.  A coisa em si não existe. É vazia de existência intrínseca. Nunca conseguimos encontrar a coisa em si e por si. Tudo o que vemos e experienciamos é um rótulo convencional. As pessoas passam 30 anos estudando esta abordagem. Vocês têm sorte – conseguiram em apenas algumas frases! O outro significado de vacuidade é o que abordamos anteriormente, essa qualidade de espaço de todas as coisas que permite que sejam preenchidas, mas aquilo que preenche é intrinsecamente vazio. E isso se aplica também a e mente. Os filósofos e estudiosos passam muitos anos analisando a realidade externa. Os iogues analisam a realidade interna. Durante minha primeira lição de meditação com o meu velho professor iogue, ele apontou para uma mesinha e perguntou ”Aquela mesa é vazia?”. ”Sim”, eu disse. Tinha feito meus estudos budistas. ”Você vê que ela é vazia?”. ”Não”, respondi. ”Sua mente é vazia?”. Disse ele. ”Sim”, disse, com um pouco mais de confiança. ”Você vê que ela é vazia?”. ”Não”. […] uma vez entendida a vacuidade da mente, entendemos tudo. Quando realizamos a natureza da mente, não apenas pensamos a respeito, mas vemos diretamente como ela funciona e como projeta a realidade externa. Considere que qualquer físico diria que esta mesa é basicamente vazia. É espaço com uns prótons e nêutrons esvoaçando. Mas não vemos assim. Nossa experiência não é essa. Experienciamos a mesa como algo muito sólido. Ela pesa quando tento erguê-la. Embora essa seja a minha experiencia, não é assim que um físico vê a matéria, não é? Portanto, o que estou experimentando é o que a minha mente projeta. Agora, se eu tivesse sentidos muito diferentes e um tipo diferente de mente, é provável que experienciasse a mesa de uma forma completamente distinta. Se fosse um daqueles insetos que fazem furos na maneira, minha percepção da mesa seria diferente, mas também seria real. Para o cupim, seria real. Nós acreditamos em nossos sentidos, temos uma espécie de consenso e conspiração para ver as coisas conforme nossas percepções sensoriais nos apresentam. Está ótimo, porque é assim que funcionamos, e não há nada de errado com isso em um nível relativo. É assim que estamos equipados para lidar com a vida em um plano convencional. Mas o problema surge quando pensamos que isso é verdadeiro. O problema surge porque acreditamos que nossos pensamentos condicionados estão nos dizendo a verdade. Acreditamos implicitamente em nossas identidades muito transitórias. O problema não é o ego – o problema é nossa identificação com o ego. A solução é saber que estamos apenas desempenhando um papel, como um ator. Para ser convincente, o ator precisa desempenhar o papel de forma mais persuasiva possível. O ator se identifica com o papel. Mas que problemão se o ator sai do palco e pensa que ainda é o personagem! O termo ”personalidade” vem da palavra latina persona, que era a máscara que os atores usavam no palco para representar os diferentes personagens. O problema é que nunca tiramos as nossas máscaras, mesmo na privacidade do nosso quarto. Pensamos: ”Este é quem realmente sou”. […] Por trás de tudo com o que nos identificamos está a consciência vasta e aberta que não é apenas o conhecimento, mas é em si a plenitude da sabedoria e compaixão. Sabedoria significa vermos as coisas como realmente são. Compreendemos as coisas com clareza, sem distorções. Quando falamos sobre sabedoria e vacuidade, não nos referimos a algo frio e distante. Esta consciência ampla e aberta contém tudo. A mente de Buda é vazia, por isso, pode estar repleta de todas as qualidades. Estamos plenos de todas as qualidades do Buda. Neste momento, elas estão apenas encobertas pelo esquecimento. A única maneira de descobri-las é olhar para dentro e começar a remover os falsos véus que cobrem o que sempre esteve presente, esperando ser encontrado.  “Vocês têm a oportunidade de treinar a mente. Não estão pensando o tempo todo em como poderão conseguir a próxima refeição para os seus filhos. Têm tempo livre e oportunidade para pensar além. Vocês nunca terão um momento melhor do que este de agora para usar esta vida de maneira significativa”. “A compaixão é extraordinariamente importante no caminho espiritual. É o outro lado da moeda — temos a sabedoria e a compaixão. Quanto maior a compreensão da dor inerente aos seres — quanto mais clara se torna a mente, como se limpando a poeira dos olhos —, mais se vê a dor subjacente à vida das pessoas e mais compaixão surge. Mesmo que as pessoas não aparentem explicitamente estar sofrendo, vemos que por trás da fachada há muita dor e muitos problemas. Naturalmente, então, surge a compaixão e uma nutre a outra. Compaixão sem sabedoria é estéril, é cega. É como ter pernas, mas não ter olhos. Sabedoria sem compaixão é como ser mutilado, não se consegue ir a lugar algum. Então, precisamos das duas e elas se apoiam mutuamente, porque não apenas o intelecto tem que estar aberto, mas também o coração. Elas são indivisíveis. Sabedoria e compaixão são como duas asas. Não conseguimos voar com uma só”. — Tenzin Palmo, em “No Coração da Vida”. Estes textos acima fazem parte do livro ‘No coração da vida: Sabedoria e compaixão para o cotidiano”. O primeiro livro de Jetsunma Tenzin Palmo em português. Para adquirir, clique aqui. Trata-se de um verdadeiro presente e oportunidade ter uma obra destas em português. O conteúdo deste livro refere-se a praticantes comuns preocupados em traduzir as instruções do Dharma para uma experiência de vida em andamento. Um aspecto importante do Dharma trata da transformação de nossa mente e atitudes ordinárias em algo altamente positivo, que traga benefícios não só para nós mesmos, como para todos que tenham contato conosco. O problema básico que encaramos é como mudar uma mente cheia de pensamentos e emoções negativos – ganância, raiva, ansiedade, inveja e por aí vai – em uma mente mais pacífica e cordial, com a qual seja um prazer para todo mundo (inclusive nós mesmos) viver. Este livro estabelece de forma simples alguns indicadores para ajudar praticantes comuns a usar o Dharma para levar uma vida mais significativa. Nossa mente, com seu fluxo incessante de pensamentos, memórias, opiniões, esperanças e medos, é nossa companhia constante, da qual não conseguimos escapar nem mesmo em sonhos. Assim, faz sentido cultivar para nossa jornada uma companhia de viagem que valha a pena. www.budavirtual.com.br. Abraço. Davi

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

I. PRÁTICA DA MEDITAÇÃO


Budismo. www.budavirtual.com.br. Texto de Jetsunma Tenzin Palmo. I. PRÁTICA DA MEDITAÇÃO E SABEDORIA NO COTIDIANO. “Vamos começar de onde estamos. E vamos começar com o que somos. Não adianta querer ser outra pessoa, não é bom fantasiar sobre como seria se fôssemos assim ou assado. Temos que começar do aqui e do agora, na situação em que estamos. Temos que lidar com nossa família, com os amigos e com todos que encontramos. Esse é o desafio. Às vezes evitamos as circunstâncias atuais e achamos que seguramente encontraremos a situação perfeita em algum outro lugar. Mas isso nunca vai acontecer. Nunca haverá um momento e um lugar ideais, porque levamos conosco a mesma mente a todos os lugares. O problema não está lá fora, em geral o problema está dentro de nós. E por isso precisamos cultivar a transformação interior. Uma vez que tenhamos desenvolvido a mudança interna, podemos lidar com o que quer que aconteça”. Jetsunma Tenzin Palmo (1943-  ) no livro NO CORAÇÃO DA VIDA. COMEÇANDO A MEDITAR, PRIMEIRO PASSO. Quer esteja sentado em uma almofada ou em uma cadeira, sente-se ereto. O importante é manter as costas retas e os pés apoiados no chão. Erga os ombros, leve-os para trás e baixe-os novamente, dessa maneira você fica em uma boa postura. Agora, apenas relaxe. Caso contrário, irá se cansar. Concentre a sua atenção do vai e vem da respiração. A respiração é um bom foco para a prática porque existe uma forte ligação entre a respiração e o nosso estado mental.  Fique ciente de sua respiração conforme ela vem e vai.  Com a respiração como foco, você estará presente. Você não consegue respirar no passado ou no futuro. Você só pode respirar no agora. Normalmente, não temos consciência dela, trazemos a nossa mente para o presente. Esse é um meio hábil. Você pode tomar consciência da sua respiração durante o dia a dia, a qualquer momento: dirigindo, andando, sentado no computador, mesmo enquanto estiver falando. Inspirando, expirando. E isso em si é uma meditação. Nem é necessário sentar-se ereto, mantendo uma postura formal. De acordo com a tradição tibetana, deve-se ser capaz de manter a mente unifocada em 21 respirações, sem se distrair. Os pensamentos não são o problema. Seguir e identificar-se com os pensamentos é o problema. Pensamentos podem ser como um rio e nós, muitas vezes, ficamos no meio desse rio, sendo jogados para cima e para baixo. Tomar consciência dos pensamentos é uma forma de sair desse rio. Quando sai da corrente do rio, você pode concentrar a sua atenção no que está em primeiro plano: na respiração, na entrada e na saída do ar, e especialmente na expiração. Você pode contar um quando inspira, dois quando expira. Não dê nenhuma atenção aos pensamentos que estão no fundo da mente. Se, por acaso, você pular de volta no rio e for arrastado, vá para a margem e comece de novo. Um quando inspira, dois quando expira. Mantenha a mente bem relaxada, centrada, concentre-se apenas na respiração, conforme o ar entra e sai. E isso é tudo o que você tem que fazer. Agora, nada mais no mundo importa, a não ser inspirar e expirar, e saber disso. Começando a Meditar, SEGUNDO PASSO. Agora, tome esse foco de consciência que está centrado na respiração e volte-o para dentro, para os seus próprios pensamentos. Nossos pensamentos estão constantemente fluindo, a cada momento. O conteúdo do rio muda o tempo todo. Mas, agora, como estamos muito relaxados, podemos sair do rio e descansar na margem. Podemos apenas observar o rio passar sem mergulhar nele. Nessa ocasião não julgamos os nossos pensamentos. Não ficamos pensando que esse é um pensamento inteligente, ou um pensamento terrível, estúpido ou interessante – são apenas pensamentos. Quaisquer que sejam os pensamentos que surjam dentro de nós, quaisquer que sejam os sons que surjam fora de nós, são apenas pensamentos, apenas sons, e não são importantes. O que é importante é a qualidade conhecedora, a qualidade conhecedora que está centrada no fluxo de pensamentos. Normalmente, quando estamos pensando, nós somos os pensamentos. Mas agora recuamos e nos tornamos testemunhas dos pensamentos, observadores. Portanto, há a corrente de pensamentos e há aquele que está ciente da corrente de pensamentos. Mantenha a mente bem relaxada, mas muito centrada, apenas observe os pensamentos conforme eles fluem e não se envolva com eles. Tente isso por cinco minutos e veja o que acontece. Seja qual for o som que você ouça, é apenas um som, e não é importante. Não siga. Seja qual for o pensamento que surja em sua mente, é apenas um pensamento. Não fique, fascinado pelos pensamentos, não os siga. Continuei apenas sentado na margem. Veja se consegue realizar uma espécie de separação na mente, entre o fluxo de pensamentos e a consciência conhecedora. Começando a Meditar, TERCEIRO PASSO. O terceiro passo é o mais fácil de todos. Simplesmente, repouse nessa consciência. Pode ser que você pense que não tem consciência de nada, mas o próprio fato de poder pensar e saber que está pensando é uma manifestação da consciência. No entanto, normalmente, não estamos conscientes de estarmos conscientes. Basta sentar-se e ter consciência de estar consciente. Não há absolutamente nada para fazer. Queremos estar sempre fazendo alguma coisa, e esse é o problema. Sempre pensamentos ”O que eu faço agora”? Não há nada a fazer, não há nada em que se concentrar, não há nada, além de estar neste momento, do jeito que ele é. Tecnicamente falando, se quiser um nome oficial para esse tipo de meditação, ela é chamada de ”repousar na natureza da mente”. A maneira mais rápida de parar de sofrer é reconhecer a ausência de identificação com pensamentos e sentimentos. Normalmente, tentamos superar nossa insatisfação subjacente nos distraindo. Tentamos fortalecer nosso senso de ego, alimentando-o com o máximo de prazer possível. Nos distraímos interminavelmente para não precisarmos ver que por baixo de tudo há uma insatisfação profunda. Nos EUA por exemplo, país que tem um alto grau de prosperidade material, é notória a impressão de que praticamente todas as pessoas que podem pagar parecem ter seu próprio terapeuta ou psiquiatra particular, da mesma forma que teu seu próprio dentista ou médico. Então, está claro que ter muito prazer e conforto não basta para encobrir o desconforto subjacente ou o que Buda chamou de dukkha. Na verdade, ”desconforto” é uma boa tradução para dukkha, que é o oposto de sukha, ou seja, ”conforto”, aquilo que é aparentemente suave e agradável. Quando reconhecemos dukkha, o desconforto, dentro de nós mesmos, passamos a reconhecer o quanto estamos doentes com os 3 venenos do desejo, ódio e confusão. A renúncia é uma questão de soltar. E a renúncia absoluta é liberar a fixação a um eu autônomo, duradouro e separado, que está no centro do universo. Uma das maneiras mais rápidas de obter a realização é realmente observar a mente – observar os pensamentos e ver que não somos nossos pensamentos.  Existe algo por trás dos pensamentos: existe uma consciência por trás das idas e vindas dos pensamentos. E é a isso que devemos prestar mais atenção, especialmente durante a prática. Nossa mente é como um computador inteligente. Podemos programa-lo muito bem, mas essa não é a energia motriz do computador. Precisamos reconectar com a energia que está por trás do computador, e a meditação é uma maneira de nos trazer de volta a isso. A fonte de energia é imensa. Nosso computador é apenas um pequeno computador, mas essa energia é vasta e todo-abrangente. DHYANA PARAMITA, OU MEDITAÇÃO. Basicamente, a meditação é dividida em duas correntes: shamatha, ou permanência serena, que vamos discutir aqui, e vipassana, ou insight, que é tradicionalmente explicada em relação a última das seis perfeições, e da sabedoria. Externa e internamente, somos capazes de conhecer alguma coisa apenas por meio da mente. Vivenciamos tudo através da mente. Se a mente não estiver funcionando, estaremos mais ou menos mortos, ou como um zumbi. Tudo o que experienciamos e conhecemos nos chega através dos seis sentidos. Nossos seis sentidos são não apenas os cinco sentidos habituais, mas incluem a mente, o que significa que todas as coisas que pensamos são processados pela mente. Todavia, quantos de nós tema alguma ideia do que é amente? Quantos de nós tem a experiencia da mente em si? Estamos sempre a procura de algo fora de nós, e mesmo quando falamos a respeito da mente, falamos do ponto de vista intelectual. Ouvimos todos tipos de teorias, ideias e tipos de psicologia, mas quase nunca nos perguntamos como é experimentar um pensamento como um pensamento, uma emoção como uma emoção. No entanto, tudo – nossas alegrias e tristezas, nossas esperanças e medos -, que sentimos e poderíamos possivelmente sentir só é possível através da mente. Atenção Plena. Antes de estudarmos a meditação em mais detalhes, é útil discutirmos a atenção plena, que, no contexto das perfeições, é tecnicamente um fator que contribui para o desenvolvimento shamatha. No entanto, pode também ser entendida de forma mais geral como uma qualidade da consciência que podemos desenvolver na vida diária e que traz grande benefício. Assim, embora a atenção plena, nesse sentido, não seja estritamente parte das paramitas, gostaria de aprofundar nossa investigação sobre como podemos incorporar essa prática espiritual em nossa vida diária. O que significa atenção plena? ”Atenção plena”, em sânscrito, é smriti e em tibetano, drenpa. Ambas, tem o mesmo significado, que é ‘lembrar’. Isso é muito próximo da ideia católica de relembrar, de recordar, ou de auto recordação. É a qualidade de estar aqui e agora, que em geral é exatamente onde não estamos. Normalmente, nós nem sequer estamos conscientes de que estamos aqui ou de que estamos um pouco aqui e um pouco em outro lugar. É extraordinário o quanto ignoramos nossa mente. No budismo a prática da atenção plena também está ligada a estados mentais positivos. Por exemplo, um ladrão de banco pode estar muito atento e consciente de suas ações, mas não se diria que ele possui atenção plena porque sua motivação não é virtuosa e se baseia em ganância e desejo. Quando começamos a treinar a atenção plena, vemos o quanto nossa mente de fato está totalmente fora de controle. Uma das maneiras de perceber isso é tentar permanecer no aqui e agora. Se dizemos: ”Tome consciência do corpo neste momento, apenas perceba”, nesse momento conseguimos, podemos sentir – não julgamos, apenas percebemos. Porém, quando pensamos, ”Isso é fácil! Olhe, estou consciente do meu corpo estou plenamente atento, entendi tudo”, já nos perdemos. Porque estamos apenas pensando em estar plenamente atentos, e não estamos mais plenamente atentos.  Então é complicado. A qualidade de estarmos atentos ao que fazemos no momento é muito importante, porque o momento presente é tudo o que temos. Todo o resto é passado, já foi. Nosso futuro ainda não chegou. A única coisa que está acontecendo é o momento presente, tão rápido que já quase o perdemos antes mesmo de ele chegar. Está fluindo, certo? Se não estivéssemos presentes apenas de vez em quando, não teria importância, mas o fato é que não estamos presentes na maior parte de nossa vida. Ficamos presentes por alguns segundos e saímos em seguida. Por isso nossa vida se torna aborrecida, rotineira e chata. Os franceses têm uma expressão para estar entediado – je mennuie – que significa literalmente, ”eu entedio a mim mesmo”. Exatamente. Não tem nada a ver com o que está acontecendo ao nosso redor. Nossa mente nos entedia. Vejamos como podemos estar presentes. Porque, se pudermos aprender a desenvolver algum grau básico de atenção plena, daremos mais vida a tudo, a todas as coisas que fizermos durante o dia. Isso é muito importante, portanto, não durma! Thich Nhat Hanh (1926-  ), mestre zen vietnamita, fala sobre duas maneiras de lavar pratos. Uma maneira é lavar os pratos para obter pratos limpos, e a outra maneira é lavar os pratos para lavar os pratos. Normalmente, quando lavamos pratos, como em qualquer outra atividade que fazemos, queremos um resultado. Lavamos pratos para termos pratos limpos e depois seguimos para próxima tarefa. A tarefa real, de lavar pratos em si, é irrelevante. Enquanto lavamos os pratos, estamos pensando no que foi dito no café da manhã, ou no programa de televisão que vimos na noite passada, ou pensamos ”Bem, depois disso, vou tomar um pouco de café e a seguir tenho que ir ao supermercado – o que preciso comprar”? Pensamos em algo que faremos naquela noite, ficamos presos em algum mundo de fantasia ou o que seja. Só não estamos pensando naqueles pratos. Certo? E, quando terminamos de lavar os pratos, que agora estão limpos e empilhados, vamos tomar o nosso café com uma fatia de bolo. Tomamos o café. Normalmente estamos bastante conscientes no primeiro gole; julgamos se gostamos ou não gostamos. Mas, já no segundo gole, não estamos mais conscientes. E, no terceiro gole, estamos totalmente inconscientes de que estamos tomando café porque estamos pensando no que temos que comprar no supermercado, isto é, antes de surgir uma memória de anos atrás – ”e então ele me disse isso, e eu respondi aquilo…”. Quando comemos o bolo ou qualquer outra coisa boa, decidimos se está gostoso na primeira mordida, na segunda mordida já perdemos o interesse, e na terceira mordida estamos mastigando e nem sequer sabemos. Toda nossa vida é levada assim. Um dos significados da palavra buda é ”despertar”. Ele é O Desperto. Ele despertou do sonho da ignorância. Mas o resto de nós ainda está sonhando. Sonhos bons ou pesadelos – é tudo um sonho. Somos sonâmbulos. Parecemos muito brilhantes, mas estamos dormindo. Onde está nossa mente? As vezes realmente acho que seria interessante – horrível, mas interessante – se tivéssemos alto-falantes conectados a nossa mente, para que todos pudessem ouvir nossos pensamentos. Todo mundo iria correr para aprender a meditar, não iriam?! Porque, quando olhamos para dentro e vemos o que está acontecendo em nossa mente, encontramos conversas sem fim, trivialidades sem fim, e não é nem mesmo divertido. Se observarmos, veremos como tudo é chato. Os mesmos pensamentos, opiniões e memórias velhos e rançosos são constantemente reciclados. Enquanto tagarelamos sozinhos, temos o rádio ligado ou a televisão berrando ao fundo. Não há silêncio. Atenção plena tem a ver com estar em silêncio. Diz respeito a ter uma mente completamente quieta e presente no que está acontecendo. A outra maneira é lavar pratos para lavar pratos. Dessa maneira também obtemos pratos limpos.  Porém, quando lavamos a louça desse jeito, estamos fazendo a coisa mais importante que poderíamos fazer nesse momento. Estamos lavando os pratos. É o que estamos fazendo. Este é o momento. Se não estivermos presentes, nós o perdemos. Se ficamos alertas, conscientes da água, das próprias mãos e dos pratos, podemos perceber e apenas estar presentes. Essa sensação de presença, de conhecimento, é o ponto vital. Porque, se realmente aprendermos a fazer isso, quando tivermos terminado não teremos apenas lavado os pratos – teremos lavado nossa mente.  Nossa mente será agradável limpa e brilhante assim como a louça. É muito fácil. Mas o problema é que esquecemos. O verdadeiro significado de atenção plena é lembrar, e seu inimigo direto é o esquecimento. A inércia de nossa mente é muito grande. Às vezes, quando ouvem ensinamentos sobre atenção plena, as pessoas pensam: ”É, isso parece bom, deixa eu experimentar um pouquinho”. Realmente tentam estar presente com o que estão fazendo. Tentam ouvir a si mesmas quando falam e saber o que estão pensando, tentam estar presentes e saber como estão se movendo e como estão aqui, no momento, o máximo possível. Logo que começamos, pensamentos basicamente em ficar presentes, e isso é muito difícil. Prosseguimos de onde estamos. As pessoas tentam ficar presentes, e a seguir dizem: ”Isto foi ótimo, realmente gostei. Tenho tentado praticar a dois ou 3 dias e é muito divertido estar atento. Meus amigos já estão dizendo que me tornei uma pessoa muito mais agradável e me sinto muito bem. Isso é ótimo”. E pensamos ”Ah, sim, vamos aguardar”. Dentro de 6 semanas perguntamos como vai à atenção plena. ”Atenção plena? Opa, esqueci! Esqueceu. Não porque não estivesse funcionando. Não porque fosse incrivelmente difícil. Na verdade, a atenção plena é razoavelmente fácil. Mas a inércia, a preguiça da mente e a relutância em estar no presente são muito profundas. O Buda disse que a atenção plena era como o sal nos molhos curry. Em outras palavras, é o que dá sabor a tudo o que fazemos. Dá vida a tudo, porque é como se estivéssemos fazendo as coisas pela primeira vez. O mundo se torna vívido e claro. Normalmente, é como se olhássemos através de uma lente e tudo estivesse embaçado. Não conseguimos ver com clareza. Assim é com a mente. Mas, quando ajustamos a lente, tudo entra em foco e parece recém-lavado, como os pratos, e não como a velha mente rançosa com a qual normalmente vivemos. Esta é uma noa mente. A qualidade da atenção plena é muito importante no desenvolvimento das qualidades espirituais em nossa vida diária. E é ago que todos nós podemos cultivar dia e noite. O Buda dividiu a atenção plena em quaro aspectos: atenção plena ao corpo, atenção plena as sensações, atenção plena a própria mente e, na interpretação do Mahayana, atenção plena aos darmas ou fenômenos externos. Ou seja, tudo o que é recebido por meio dos 5 sentidos – imagens, sons, sabores, toques e odores. Vamos começar com a atenção plena ao corpo. O corpo é o mais tangível dos aspectos. Os tibetanos usualmente enfatizam a atenção plena a própria mente, mas isto é bastante difícil nessa fase inicial, visto que nossa mente flui de forma muito rápida e turbulenta, e é bem difícil acompanhá-la. Talvez seja melhor começarmos com algo bem mais estável e sólido, como o corpo. O Buda diz que começamos pensando: ”Quando estou em pé, sei que estou em pé; quando estou sentado, sei que estou sentado; quando estou deitado, sei que estou deitado, quando estou caminhando, sei que estou caminhando”. Pense sobre isso. Quantas vezes ficamos em pé ou sentamos sem nem mesmo estarmos conscientes de que estamos em pé ou sentados porque nossa mente está correndo lá na frente? Normalmente nem sequer sabemos o que nosso corpo está fazendo. No entanto, isto é algo muito simples de trazer para o presente – basta sabermos que estamos sentados quando estamos sentados. Experienciar como o corpo se sente no momento: isto é consciência corporal. Ficar ciente da respiração. Inspirar e expirar com consciência é uma maneira de ficar instantaneamente centrado. Não podemos respirar no passado ou no futuro – só podemos respirar agora. Existem infinitas oportunidades ao longo do dia para a prática da atenção plena ao corpo. Alguns anos atrás, em Nova Délhi, em cima da luz vermelha dos semáforos, escreveram em grandes letras brancas: RELAXE. Quando paramos no farol vermelho, relaxamos, inspiramos e expiramos, sentindo gratidão pelo sinal estar fechado, dando a oportunidade de nos centrarmos novamente. Se ligamos para alguém e temos que ouvir a gravação interminável da secretária eletrônica, ótimo – inspiramos e expiramos, nos centramos, e então estamos prontos para deixar uma mensagem após o sinal. Ao longo do dia, existem inúmeras oportunidades para voltarmos ao nosso centro, ao nosso ser consciente – escovando os dentes, comendo e bebendo, penteando o cabelo, fazendo a barba etc. Use esse momento, essa ação simples – e saiba o que está fazendo nesse momento. Não escove os dentes pensando em mil outras coisas.  Apenas escove os dentes para escovar os dentes, e perceba. Tudo faz parte do treinamento para estar presente. Porque o presente é tudo o que temos. Se aprendermos como usar o nosso dia para desenvolver a qualidade de atenção plena e consciência, quando nos sentarmos para meditar tais problemas não existirão. Em vez de a mente não ser nada mais que um obstáculo, nós a utilizamos para nos ajudar. Aqueles que são sérios quanto ao cultivo dessa prática devem ler livros sobre o assunto e, se possível, participar de cursos de meditação e perguntar a quem tem mais experiência na prática da atenção plena. Porque essa é uma qualidade muito importante, e não tem nada a ver com orientação espiritual. Todo mundo pode utiliza-a. Durante essa prática profunda, ninguém sequer sabe que estamos praticando! Podemos leva-la conosco a todos os lugares em qualquer circunstância, até mesmo para o banheiro. Não importa onde – cada ação, cada pensamento, e cada palavra pode ser um objeto para nossa consciência, para nosso conhecimento. Shamatha, ou permanência serena. Nossa mente costuma ser muito agitada pelos seis sentidos – imagens, sons, odores, sabores, tato e pelo sexto sentido da própria mente, com seus pensamentos, julgamentos, memórias, ideias e opiniões. Tudo isso revolve a nossa mente de maneira contínua. E, por causa disso, não vemos as coisas com clareza. Não retratamos o ambiente externo como realmente é. Apenas temos a nossa versão, a nossa interpretação do que está acontecendo, que é distorcida por todo esse tumulto que ocorre dentro de nós. Respondemos apenas a nossa versão, a nossa interpretação do que está acontecendo, e não aos fatos propriamente. Quando tentamos observar a própria mente, ela está tão revolta que não conseguimos enxergar nada além dos pensamentos e da tagarelice superficiais. Por meio da meditação de shamatha, a mente começa a se acalmar. Os sentidos externos se tornam menos reativos. E o sexto sentido interior, a própria mente, torna-se mais tranquila, calma e unifocada. Torna-se clara. E, quando está clara, a mente enxerga com muita precisão porque já não está mais interpretando. Ao mesmo tempo, temos condições de usar essa mente calma e unifocada para olhar para si mesma e enxergar por entre camadas cada vez mais sutis da psique. Portanto, atingir esse primeiro estado de calma e concentração é realmente importante. Certa vez, um lama me disse que se tivermos uma boa prática de shamatha, todo o Darma estará na palma de nossa mão. Qualquer que seja a prática que façamos, se fizermos com uma mente distraída não funcionará. Há livros que dizem que, ainda que passemos uma centena de éos (imensurável período de tempo) recitando mantras, se recitarmos com uma mente distraída não atingiremos o objetivo. Mas, se recitarmos alguns poucos mantras com a mente concentrada e fundida na prática, então os resultados virão com rapidez. Portanto, vale a pena treinar nossa mente, tanto quanto pudermos, para torna-la quieta, focada e calma. Este é o estágio número um. Nossa prática não termina aqui. […]. Embora esse tipo de meditação seja muito importante como preparação, desfrutar dele por muito tempo poderia ser contraproducente. As vezes os praticantes entram em estados de bem-aventurança e acham que estão liberados, tudo é tão claro. Mas pode acontecer que esse estado de bem-aventurança atue como um escudo que esconde as emoções negativas. As delusões (enganos), a avareza, a luxúria, a raiva e a má vontade estão todas ainda ali de forma latente. Isso é perigoso porque nos delude a pensar que estamos muito mais avançados espiritualmente e que todas as nossas emoções negativas foram erradicadas. Podemos imaginar que não temos mais nenhuma emoção negativa porque estamos neste estado de bem-aventurança e clareza, onde todas as coisas são uma e tudo é muito maravilhoso. Olhamos e não conseguimos ver nada de negativo porque está encoberto, mas as contaminações estão todas ali, crescendo debaixo da superfície e, se surgir a oportunidade, interromperão, muitas vezes de forma incontrolável. […]. Há, também, o problema de permanecermos no estado de calma e os apegarmos a ele. Podemos nos apegar a qualquer coisa, e isso é, em última análise, um obstáculo. No entanto, como o primeiro passo, é muito importante desenvolver a qualidade de acalmar e concentrar a mente. Existem muitas maneiras de fazer isso.  Quando começamos a meditar, é importante que não consideremos a prática como uma espécie de teste de resistência. Podemos pensar na mente como um cavalo selvagem, e existem basicamente duas maneiras de lidar com a questão de domá-lo. Podemos prendê-lo e espancá-lo até que se submeta, forçando-o a realizar a nossa vontade; por fim, o cavalo irá sucumbir e ficar dócil. O que teremos então será um animal surrado, triste e ressentido. As vezes podemos ver cavalos assim na Índia. Eles puxam carroças, e podemos imaginar a maneira como são tratados. São infelizes, desanimados, tentam tudo o que podem para fugir de seus trabalhos, mas são submetidos de novo por espancamento. No entanto, há outra maneira. Podemos domar o cavalo de forma mais suave, lentamente. Induzindo-o, e tentando aos poucos conquistar sua boa vontade. Acalmando o seu medo, fazemos com que saiba que nada de ruim vai acontecer. Pacientemente o conquistamos, e por fim ele começa a confiar em nós e se dispõe a fazer o que queremos. Da mesma forma, existem duas abordagens para domar a mente. Uma delas é realmente a força, por meio de longas sessões sentados, sem nos movermos por um instante, coagindo-a a se concentrar. Pode funcionar. Pode ser que a mente nunca mais queira meditar novamente, o u que se sinta muito triunfante por ter sido capaz de se acomodar e se concentrar durante horas e horas a fio, e fique disposta a seguir em frente. De maneira geral, a forma como meu mestre ensinou é mais hábil, por meio da conquista da cooperação da mente. Se estamos assistindo a um filme ou programa de TV interessante, se estamos lendo um livro muito fascinante, ninguém precisa nos coagir a nos concentrarmos. Estamos absortos, fundidos com o que estamos fazendo, as horas passam e nem notamos. A mente está muito concentrada. Todos temos a capacidade de nos mantermos concentrados e absortos em um único fluxo de eventos. Nosso desafio é trazer esse tipo de interesse e absorção para algo que inicialmente não é absolutamente fascinante, como observar a inspiração e a expiração minuto após minuto, hora após hora, dia após dia, ano após ano. Portanto, caso não se tenha praticado muito antes, é uma boa ideia começar com sessões curtas. Isso porque, quando damos início a meditação, se começarmos a ficar mais concentrados e calmos, está ótimo. Se paramos quando ainda estamos apreciando a prática e ainda poderíamos seguir um pouco mais, nossa mente se lembra de que a prática foi divertida, e ficamos dispostos a tentar novamente. Se forçamos, amente se cansa e perdemos a concentração. Se continuarmos forçando, na próxima vez em que nos sentarmos a mente se lembrará de que se sentiu cansada e entediada e haverá um sentimento de aversão.  Não estamos travando uma batalha. Não é uma questão de sub julgar, de espancar a mente até que finalmente obedeça. É uma questão de estimulá-la a cooperar e compreender que existe felicidade genuína em estar calma, concentrada e clara. As dificuldades iniciais são as distrações internas que experienciamos, que não são realmente um problema se pudermos utilizá-las como parte do processo. As pessoas imaginam que, quando se sentam para meditar, deveriam imediatamente ser capazes de acessar níveis profundos de silêncio, calma, e concentração, mas, quando se sentam e descobrem que parecem ter mais pensamentos do que seria normal, ficam desencorajadas. Todo mundo experimenta mais ou menos os mesmos problemas. Estou certa de que até mesmo o próprio Senhor Buda jamais se sentou e imediatamente deixou de ter pensamentos. Se tivesse sido assim, nunca poderia ter ensinado a meditação porque não teria conhecido os problemas. Mas, como deu muitos ensinamentos sobre as dificuldades de meditação, imagino que deve tê-las experimentado. Todo mundo tem problemas, dificuldades, e os que finalmente atingem realizações são os que perseveram. Mas, ás vezes, quando sentimos que não vamos conseguir, manter as sessões por um tempo não muito longo pode ajudar. Nós praticamos, então descansamos e recomeçamos, praticamos, descansamos e recomeçamos. Aos poucos, a mente começa a se acostumar. É como fazer exercícios físicos. Se queremos fazer ioga ou ginástica aeróbica e começamos com uma sessão de duas horas, sem nunca ter feito exercício antes, ou temos um colapso durante a sessão, ou não conseguiremos nos mexer no dia seguinte. Claro que não conseguiremos nos mexer porque tudo estará doendo! Nós pensamos: ”Ah yoga nem fale disso”. Não queremos tentar de novo. Porém, se fizermos uma sessão curta, alongando o quanto conseguimos, mas não demais, pensamos: ”Isso não é tão ruim, vamos tentar de novo”. Seguimos adiante, e as sessões se tornam mais e mais longas, e, sem que percebamos, de repente estaremos fazendo aqueles exercícios que os alunos de ioga mais avançados fazem e que pareciam impossíveis. Por que seria diferente com a mente que nunca foi treinada? Claro que no início haverá problemas de resistência. Por isso precisamos ser habilidosos. Precisamos tranquilizar a mente. ”Esse é seu refúgio genuíno. É uma coisa maravilhosa! Se minha mente puder ficar só um pouco mais calma, um pouco mais quieta, centrada, focada e concentrada – Ah, é aí que mora a felicidade, este é o caminho”! Temos que continuar e continuar. Em algumas sessões a mente começa a cooperar, tudo é mais fácil, agradável e calmo. ”Agora consegui”, pensamos, mas na sessão seguinte os pensamentos estão por toda parte. Tudo bem. Não tem problema. Se a mente quer ser selvagem e distraída, deixa-a ser selvagem e distraída, mas lentamente traga-a de volta – esse é o caminho a seguir. Claro que a mente tem pensamentos, a natureza da mente é essa. Pensemos na mente como o oceano, cuja superfície tem ondas. Sem problemas. Se pensarmos na mente como o céu, o céu tem nuvens. Não se preocupe com os pensamentos! Solte-os, sem dar a eles nenhuma energia. Além do fato de a mente ter pensamentos, encontramos basicamente dois problemas na nossa prática. O primeiro é chamado de sonolência ou afundamento. Significa que, quando sentamos, começamos a nos sentir sonolentos – um afundamento grosseiro e muito comum. Quando Milarepa (1052-1135), o grande iogue tibetano do século XI, começou a meditar, colocou uma lamparina de manteiga acesa sobre a cabeça. Obviamente também teve seus problemas. Uma amiga minha utilizava uma tigela pequena com água até a borda sobre a cabeça. São estratégias que nos impedem de cochilar! Precisamos ser criativos e não ceder a sonolência. O afundamento sutil é mais perigoso porque é menos obvio. Podemos entrar em um estado calmo e pacífico, mas com pouca consciência, e ficar assim durante horas. A mente meditativa genuína é relaxada e espaçosa, mas completamente alerta, brilhante e clara. Portanto, se estamos em um estado em que nos sentimos calmos e espaçosos, mas em que não há clareza vívida ou consciência alerta, estamos afundando. É perigoso, pois podemos permanecer nesse estado por muito tempo e acharmos que estamos em profunda meditação. Mas não. É apenas um estado sutil de afundamento, e depois, quando saímos da meditação, meio que vagamos ou flutuamos por aí – tudo é lindo e pacífico, a síndrome da nuvem de bem-aventurança. Estamos nos desviando gravemente porque deveríamos sair da prática nos sentindo bastante centrados e presentes, conscientes e despertos. Meditação é o processo de despertar, e não de colocarmos a dormir. O outro problema principal, claro, é a nossa velha companheira, a distração. Se a mente está hiperativa e distraída, o antidoto é praticar em uma sala um pouco mais quente, usar roupas pesadas, comer mais, e de maneira geral ficar mais aterrado. As vezes visualizamos um ponto escuro logo abaixo do umbigo para trazer a mente para baixo. Diz se também que devemos pensar no sofrimento do samsara, na impermanência e na morte inevitáveis, e que não temos tempo a perder, para que possamos nos sentar com um senso de urgência. Visto que já desperdiçamos muito tempo, não devemos continuar desperdiçando. É hora de meditarmos. Está na hora de sermos sérios e de colocarmos todo o nosso esforço nessa prática. Não devemos simplesmente dissipar nossas energias novamente seguindo muitos pensamentos, ficando agitados, querendo levantar e ir para outro lugar. Temos que ser enérgicos, firmes e claros sobre o que vamos fazer. A tarefa importante que temos é apenas trazer a qualidade de saber e atenção a respiração. Inspirar, expirar – só isso, não para modificar a respiração ou comentar a respeito, não para pensar a respeito ou analisar, apenas para ter conhecimento da respiração e experiencia-la a cada momento, tanto quanto possível. Tão logo começamos a comentar mentalmente, não estamos mais conectados com a respiração, estamos só pensando nela novamente. Todos os pensamentos que vêm a mente sao comparados a visitantes indesejados. Ficam à espera de serem convidados a se sentar, mas ninguém os convida. Certamente não oferecemos chá, nem perguntamos como vão as coisas. Ignoramos. Por fim, eles se sentem envergonhados e vão embora. Nossa atenção se concentra apenas na inspiração e na expiração – é tudo o que devemos fazer. Se nossa mente se desviar e for novamente apanhada por pensamentos, apenas os soltamos e voltamos para a respiração. Se passamos todo o tempo com a respiração, nos perdendo e trazendo a mente de volta, nos perdendo novamente e trazendo a mente de volta, está ótimo, não tem problema. Pouco a pouco, a respiração começa a se destacar mais, tornando-se mais clara e vívida, enquanto todas as outas coisas passam para o segundo plano. Pensamentos e sons tornam-se ruídos distantes. Ao final, é claro que eles começarão a se acalmar por si, mas isso não acontecerá de imediato. As qualidades mais necessárias para a vida espiritual são paciência e perseverança. www.budavirtual.com.br. Abraço. Davi

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

26 RAZÕES PARA PARAR DE VER PORNOGRAFIA


Cristianismo. www.internautascristaos.com. Consequências destrutivas que a pornografia tem sobre um homem. As seguintes consequências são o que acontece quando um cristão vê pornografia. A lista cobre uma grande área dos resultados negativos que a pornografia tem sobre um homem que é seguidor de Jesus: 01. Alienação de Deus. Você não mais se sente próximo de Deus. Você não experimenta o poder de Deus. Você não mais tem a alegria de sua salvação. 02. Cega você para as consequências. Temporariamente te desliga da sua caminhada com Deus, de seus relacionamentos com sua esposa, seus filhos e outros. Te cega sobre o que te acontecerá espiritual, física, emocional, mental, social, vocacional e relacionalmente. 03. Cria expectativas irrealistas. Os homens começam a pensar que toda mulher deveria se parecer com aquelas e que esse tipo de relação é como seu relacionamento com sua esposa deve ser. 04. Distorce sua visão do sexo. A pornografia te faz acreditar que o sexo é somente para o prazer do homem e que as mulheres são simplesmente objetos a serem usados, ao invés de criações de Deus que devem ser honradas e respeitadas. 05. Nunca é o bastante. A pornografia tem um efeito crescente. Como uma droga, você precisa de mais e mais para satisfazer a lascívia. Ela te leva rapidamente a um caminho de destruição e para bem longe da paz, alegria, e relacionamentos saudáveis. 06. Liberdade sobre o que você pensa e faz é perdida. Você se torna escravo de seus pensamentos pecaminosos que levam a atos pecaminosos. 07. A culpa depois que você vê pornografia. Mas a culpa não é o suficiente para te prevenir de fazer na próxima vez. 08. A sexualidade saudável é obscurecida pela pornografia. Sexo saudável é somente o sexo marital, que inclui sexo regular, sexo altruísta e sexo amoroso. 09. Te isola e faz você se sentir totalmente sozinho e como o único que luta contra a pornografia e a lascívia. 10. Ameaça seu relacionamento com sua esposa ou futura esposa (se você é solteiro), seu testemunho de Jesus Cristo, e tudo em sua vida que é importante para você. Você põe tudo isso em risco pela pornografia. 11. Te mantém em um ciclo de autodestruição. A pornografia parece medicar a dor em sua vida, mas somente adiciona mais dor à dor. A pornografia te leva a fazer coisas que você nunca pensou que faria. O pecado te levará para mais longe que você gostaria. Ele te manterá mais longe que você gostaria. E te custará mais do que você gostaria de pagar. 12. Lascívia – lascívia sexual pecaminosa – te leva a atos sexuais pecaminosos. Pornografia posta em sua mente é como colocar gasolina no fogo do desejo sexual errôneo, resultando em pensamentos e ações destrutivas. 13. Mascara a verdadeira ferida. Você está procurando a cura e torna as coisas piores. 14. Nunca é uma experiência neutra. Você não pode ver pornografia e não ser afetado por isso. Essa experiência é sempre inconsistente com a Palavra de Deus. 15. Objetifica as mulheres. A pornografia as transforma em objetos sexuais. Ela sequestra a capacidade do homem de ver uma mulher mais velha como uma figura materna, uma mulher da mesma idade como uma irmã e uma mulher mais nova como a figura de uma filha. 16. Traz um prazer muito curto, seguido por dor e mais dor. 17. Abandonar torna-se a luta de uma vida. Uma vez que você permite que a pornografia entre, há uma batalha violenta com Satanás e com sua velha natureza para se vigiar. Uma vez que você permite que a pornografia entre em sua vida, sempre haverá uma batalha. É uma batalha vencível, mas uma batalha diária. 18. Permanece em sua mente para sempre. Satanás mantém aquela imagem repetindo em sua mente para criar um ciclo de luxúria pecaminosa e te levar de volta à pornografia. Você se torna ligado a uma imagem, não a uma pessoa. 19. A vergonha entra em sua vida. Culpa é sentir-se mal por algo que você fez. A vergonha, no entanto, é baseada em sentir-se mal por quem você é. A pornografia traz vergonha. Deus nunca traz vergonha. Satanás sempre traz vergonha. 20. A confiança é perdida com as pessoas que você mais ama e respeita. 21. Abre a porta para todo pecado sexual. A pornografia é um portal, uma entrada que traz nada de bom e tudo de doloroso, como masturbação compulsiva, desejos, práticas sexuais perigosas, visita a lugares adultos, uso de prostituição, práticas sexuais pervertidas e abuso sexual. 22. Viola mulheres. Como? Você está colocando seu selo de aprovação em uma indústria que degrada e desumaniza mulheres. 23. Um convite para olhar para outras mulheres. 24. Extingue a verdade. A pornografia promove a mentira. Você mente para os outros, mente para Deus e mente para si mesmo. Você mente mais para cobrir velhas mentiras. Você se torna uma mentira viva. 25. Te liga a uma imagem. Você fica preso e ligado à imagem ao invés de sua esposa ou futura esposa se você é solteiro. 26. Fecha seus lábios para o louvor a Deus, falar sobre sua fé, contar aos outros como eles podem experimentar Deus. www.internautascristaos.com. Abraço. Davi