Mahabharata.
Texto de Krishna Dharma. Capítulo Quatro. II. O REI CEGO. AGORA ELE VEIO
SUAVIZAR A CARGA DO MUNDO e isso certamente acontecerá. Quem pode evitar o
destino? Dristarastra tinha ouvido os sábios descreverem como Krishna havia
aparecido para destruir todos os elementos da Terra. Talvez Duriodhana e seus
irmãos estivessem nessa categoria. Se esse fosse o caso, o que se poderia
fazer? E por que alguém deveria se preocupar? Krishna certamente retificaria a
situação - se ele fosse, realmente, o
Senhor Supremo. Akrura percebeu que seu conselho estava caindo em ouvidos
moucos. A cegueira de Dritarastra se completava pela recusa em ver os fatos ou,
pelo menos, em agir com responsabilidade. Só poderia haver um resultado para
tudo aquilo, que com certeza Dritarastra entenderia: por meio de sua política
de favorecer os kauravas em detrimento dos pandavas, ele provocaria um conflito
tal que acabaria destruindo a casa Kuru. Akrura se despediu de Dritarastra e
regressou a Madura. Depois que Akrura partiu, Dritarastra sentiu uma grande
ansiedade. Talvez houvesse mais alguma coisa que pudesse fazer. Certamente os
filhos de Pandu tinham direito prioritário ao trono. Assim Como tinham direito
à herança, eram virtuosos, poderosos e muito amados pelo povo. Iudistira era
especialmente competente, demonstrando uma compreensão acima da média sobre
religião e leis. O rei tinha que admitir que seus próprios filhos eram
inferiores. Mas era muito difícil pensar neles se afastando para que os
pandavas tomassem o trono. E se isso acontecesse, é claro, significaria que ele
próprio teria de se afastar. Ferido pela indecisão, Dritarastra pediu conselhos
a Bishma. Vidura e aos brâmanes. E todos foram unânimes: Iudistira deveria ser
feito príncipe regente. Bishma falou: Este é o único caminho virtuoso, ó rei!
Quantas vezes o povo nos enviou representantes pedindo que ele se tornasse
herdeiro do trono? Agora, ele já completou seu treinamento e é muito capaz. Não
demore mais em torna-lo príncipe regente. Dritarastra não podia argumentar e
logo preparou a cerimônia. Para alegria do povo e horror de Duriodhana,
Iudistira se tornou o rei aparente, ou herdeiro do trono. O príncipe kaurava
ficou atônito. Como é que seu pai permitirá uma coisa daquelas? Vendo sua raiva
e decepção, Bima lhe acenou, imitando suas caretas miseráveis. Levando consigo
karna e Dushasana, Duriodhana foi correndo para falar com Shakuni. Quando os
quatro ficaram a sós, Duriodhana exclamou: Ó tio, não posso tolerar mais! Bima
é odiosos e detestável. Iudistira se tornou o príncipe regente, e eu me tornei
um zero à esquerda no palácio! O que podemos fazer? Cheio de ódio, Duriodhana
explodia, enquanto Shakuni parecia pensativo. Depois de alguns momentos, seu
rosto pareceu se iluminar. Acho que o grande festival de Varanavata está para
acontecer logo. O rei sempre manda um representante àquela cidade distante para
a celebração anual. Por que não deixarmos que os pandavas sejam os
representantes deste ano? Duriodhana ficou pasmo. Os cantos da boca de Shakuni
se levantaram num leve sorriso. Os incêndios sempre aparecem do nada nesses
lugares quentes (...). Não seria uma tragédia terrível se os pandavas fossem
pegos numa fogueira? Os olhos de Driodhana se arregalram, enquanto ele assentia
com a cabeça. Dushasana deu uma gargalhada e apertou a mão do tia, mas karna
não podia concordar com eles e, levantando-se rápido, disse: Não posso
compactuar com essa traição. Somos guerreiros, são as armas que nos dão poder.
Se temos inimigos, vamos até um campo de batalha resolver essa questão da
melhor maneira. Shakuni foi até karna e apertou as mãos do rapaz, dizendo: Meu
menino, você é um herói, sem dúvida alguma. Nunca foi sábio enfrentar aqueles
que nos são superiores em força. Não se lembra do que aconteceu em Kampila? Não
viu como Bima os venceu com a maior facilidade? Karna franziu a testa numa
carranca. Preferia se esquecer do que ocorrera em Kampilia. Tinham sido pegos
de surpresa. Drupada era mais poderoso do que parecia – e, ao contrário dos
kauravas, os pandavas tiveram a oportunidade de conhecer esse fato antes de
ataca-lo. Pois diga o que quiser, Shakuni. Não tenho medo de Bima nem de nenhum
dos seus irmãos. Sou a favor do combate aberto e não posso me aliar a esquemas
covardes para ataca-los pelas costas. Assim dizendo, Karna se retirou.
Duriodhana ainda o chamou, mas Shakuni lhe disse que não se preocupasse.
Deixe-o. É teimosos e impetuoso, mas nunca sairá do nosso lado. Tenho certeza
de que você ainda terá oportunidade de usar o poder e o heroísmo dele, muito em
breve. Então, Shakuni contou a Duriodhana sua ideia. O príncipe deveria usar
sua influência para fazer com que seu pai enviasse os pandavas para Varanavata.
O astuto Shakuni já tinha analisado a situação cuidadosamente, inclusive a
mentalidade de Dritarastra. Se você o pressionar, seu pai certamente concordará
com sua proposta, ó príncipe. Confiante no julgamento de Shakuni. Duriodhana
logo acedeu. Sentado ao lado do tia, maquinou cautelosamente os detalhes do
plano, e então foi direto ver o rei. DRITARASTRA ESTAVA SOZINHO EM SEU QUARTO,
o queixo apoiado na mão, pensando. Depois da instalação de Iudistira, percebera
como Duriodhana tinha ficado furioso. O filho quase não lhe falara desde o dia
da cerimônia. Preocupado, Dritarastra tinha comentado o fato com Shakuni, seu
cunhado, então, lhe sugerira que falasse com um brâmane chamado Kanika, que era
um especialista em política e coisas do estado. Esse brâmane era amigo de
Shakuni e tinha pensamentos e critérios tão alienados quanto. Quando o rei lhe
pediu conselhos, ele respondeu que os pandavas deveriam ser imediatamente
destruídos. Se o senhor vê esses irmãos como inimigos, então não deve ter
nenhuma compaixão, ó rei! Não hesite. Antes que se fortaleçam, devem ser
liquidados. Se não, sua posição será seriamente ameaçada. Kanika sugeriu que o
rei empregasse alguma forma secreta para liquidá-los. Externamente, Dritarastra
deveria manter uma disposição amigável pra com os sobrinhos, mas assim que uma
oportunidade aparecesse, deveria atacar. O senhor não terá o apoio dos ministros
para um confronto direto. Nem o povo ficará feliz se souber que feriu os
pandavas. Dritarastra ponderou sobre o conselho de Kanika. Mas como ele poderia
ferir os filhos de Pandu? Havia algum sentido em vê-los como inimigos? Que mal
lhe teriam feito? Mas quando pensou em Duriodhana, a mente do rei se alienou.
Seu filho nunca seria feliz na presença dos pandavas. Nem poderia reivindicar o
trono, isso era bem claro. Também era muito improvável que o povo ou os anciãos
kurus escolhessem Duriodhana em vez de iudiistira, ou mesmo em vez de qualquer
um de seus irmãos. Ele já ouvira muitos relatórios acerca dos comentários do
povo. Passe o trono para Iudistira agora. Por que deveríamos ser governados
pelo cego Dritarastra? O rei sabia que tinha de tomar uma decisão. Ou pegava
Duriodhana pelas mãos e fazia com que ele aceitasse o fato de que Iudistira
seria o rei, ou seguia o conselho de Kanika. Mas nenhuma das duas opções lhe
parecia muito atrativa. Enquanto pensava, o rei ouviu as passadas de
Duriodhana, que se aproximava. Quando o príncipe chegou até ele, Dritarastra
pode sentir sua agitação. Perguntou-lhe o que o tornava irrequieto e Duriodhana
respondeu: É que tenho ouvido relatórios muito preocupantes do reino. Parece
que o povo quer que Iudistira seja coroado rei imediatamente. Não estão
satisfeitos com você, querido pai, e parece que tampouco se importam comigo.
Enquanto falava, Duriodhana andava de um lado para outro, balançando os
inúmeros ornamentos de ouro que normalmente usava. A ignomínia logo nos cobrirá.
Como é que você pensa que o rude Bima vai nos tratar? Seremos uma chacota.
Rejeitados e desprezados por todos, teremos de abandonar a casa de nossa
família. Duriodhana, então, contou que tinha pensado num meio de salvar a
situação. E revelou com cuidado o plano que ele e Shakuni tinham forjado,
observando de perto as reações do pai. O príncipe não sabia exatamente que
sentimentos o rei alimentava pelos pandavas. Primeiro, sugeriu que eles fossem
mandados para Varanavara para o próximo festival, sob o pretexto de dar-lhes
uma férias. Duriodhana falava em voz baixa, olhando para os lados, pelo quarto
do rei, para ver se alguém entrava. Uma vez que os irmãos estejam naquela
cidade distante, quem sabe o que pode acontecer? Talvez nunca mais regressem.
Dritarastra compreendeu imediatamente e exclamou, levantando a mão: Não! Esses
pensamentos são altamente pecaminosos. Como poderia permitir que você fizesse
algum mal aos filhos de Pandu? Meu irmão era gentil e generoso para comigo.
Deu-me todo este reino que hoje governo. Não tenho por ele nem por seus filhos
a menor má vontade. Amei Pandu, e seus filhos me são igualmente queridos. Mas,
à medida que falava, Dritarastra sentia aumentar a incerteza que o acometera
desde que fizera de Iudistira príncipe regente. Sua voz se tornou mais baixa.
E, depois, o que o povo diria se mandássemos os pandavas embora? O povo bem
pode se rebelar e nos afastar pela força. E estou certo de que Bishma e os
outros anciãos kurus estão do lado dos filhos de Pandu. Duriodhana sorriu. Já tinha
considerado aquela possibilidade. Não precisa ter medo, ó rei. Deixe-nos
começar a ganhar a preferência do povo, com a distribuição de riquezas e
honras. Assim que nossa posição se estabelecer, poderemos mandar os irmãos
embora. Na ausência deles, continuaremos a reforças nossa posição como o povo
até que esteja na hora da minha coroação. E quando me tornar rei os pandavas
poderão até voltar.Dritarastra se abaixou, aproximando seu rosto do de
Duridhana. Esse mesmo pensamento já me passou pela cabeça, filho querido, mas o
mantive secreto, com medo de pecar. Esses atos não serão apoiados por Bishma,
Vidura, Drona ou Kripa. Esses homens sábios e virtuosos não vêm nenhuma
diferença entre os kurus e os pandavas. Se souberem que estamos tentando tirar
os direitos dos pandavas – inclusive ferindo-os – você não acha que quererão
nos castigar. Duriodhana nem ligou para essa objeção do pai. Passara bastante
tempo analisando cautelosamente cada possibilidade com Shakuni. Aproximando-se
do pai, sussurrou: Ó rei, Bishma sempre se mantêm neutro; na verdade, jurou
proteger o trono de Hastinapura – e é você que hoje o ocupa. Quanto aos outros,
o filho de Drona, Asvatama, apoia-me em tudo, e Drona certamente não se oporá
ao filho querido. Kripa é nosso empregado, é pago para nos apoiar, e sua irmã é
a mulher de Drona. Portanto seremos apoiados por ele também. Vidura pode ser
que se oponha, mas que pode fazer ele? Depende de nós para sobreviver e tem
pouco poder. Duriodhana repetia sem parar ao pai que mandasse embora os pandavas.
Descrevia como, na presença dos primos, ele sofria intensamente. O rei ainda
relutou, mas o apego pelo filho finalmente venceu. Concordando com a proposta
do príncipe, disse: Assegure-se de que isso seja mantido em segredo, oculto até
mesmo de todos os seus conselheiros mais confiáveis. Duriodhana assentiu e saiu
feliz do quarto do rei, deixando o pai ainda consumido pela dúvida.
Imediatamente começou a fazer os arranjos. Livro Mahabharata – Recontado por
Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.
domingo, 30 de abril de 2017
sábado, 29 de abril de 2017
I. O REI CEGO.
Mahabharata.
Texto de Krishna Dharma. Capítulo Quatro. I. O REI CEGO. CHEGOU O DIA EM QUE OS
PRÍNCIPES deveriam deixar a escola de Drona. Era a hora deles darem a ele a
dakshina, o presente oficial que os professores solicitavam a seus alunos.
Drona só quis uma coisa: Tragam-me o rei Drupada, de Panchala, como cativo. Os
príncipes sabiam por que Drona pedira a prisão de Drupada. Ele lhes contara
como ele e Drupada eram amigos e moravam juntos no ashram (eremitério hindu
onde os sábios viviam em paz e tranquilidade no meio da natureza) do rishi
Agnivesha. Drupada prometera a Drona que, quando herdasse o reino de seu pai,
lhe daria metade. Mas quando, muitos anos depois, aquele momento chegou e
Drona, sem um tostão, lembrou o antigo amigo da promessa feita, ente se sentira
insultado. De que servem amizades do passado? Drupada teria lhe perguntado,
gargalhando. Só iguais podem ser amigos. Hoje você é um pobre mendigo e eu sou
um grande rei. Não tente reviver uma amizade morta há muito. Oferecendo-lhe
apenas um pequeno presente como caridade. Drupada o despedira. Ofendido e
magoado pelo rei que faltara com a palavra empenhada. Drona se foi. Desde
então, estudar e adquirira uma fantástica habilidade com as armas, mas não
tinha a menor vontade de se vingar de Drupada matando-o. Seria melhor
simplesmente cortar seu orgulho e fazê-lo cumprir a promessa. E a melhor maneira
de fazer isso seria forçando-o a aceitar a derrota pelas mãos dos príncipes,
alunos de Drona. Duriodhana agarrou firme o arco. Ó mestre, considere isso
feito. O senhor logo verá que traremos aquele rei arrogante aos seus pés,
fortemente amarrado. Seguido dos irmãos, ele chegou rapidamente a kampilia.
Entraram na capital panchala de armas em punho, bradando seus gritos de guerra.
Os pandavas os esperavam fora da cidade, com Drona. Eles não esperavam que o
ataque impetuoso dos kauravas surtisse algum efeito sobre o poderoso Drupada.
Deixe-nos atacar depois que eles forem repelidos, sugeriu Arjuna. Ao saber que
sua cidade estava sendo atacada, Drupada imediatamente montou no seu carro de
guerra e foi encontrar os agressores. Um exército logo se formou e foi ao
encontro dos kauravas nas ruas da cidade. Drupada os atacou com inúmeras
flechas, torcendo –se no carro como um dançarino no palco. Seus soldados
cercaram os cem príncipes por todos os lados, e os cidadãos de Kampilia também
se juntaram à refrega, saindo de suas casa para lutar, armados de paus e
pedras, contra os kauravas. Vendo-se atacados por milhares de soldados e
cidadãos, os kauravas não tiveram outra opção senão recuar. Quando as flechas
de Drupada atingiam seus alvos, os príncipes urravam de dor e saíam correndo.
E, correndo, fugiram da cidade, com os panchalas atrás deles. Os pandavas riram
e Arjuna disse a Iudistira: Esses príncipes impetuosos são conversa fiada. Está
na hora de pegarmos Drupada. Dê-nos sua permissão pra lutarmos, enquanto você fica
aqui com Drona. Iudistira deu seu consentimento. Seus irmãos reverenciaram
Drona e se dirigiram para enfrentar os panchalas. Esperando outro ataque,
Drupada tinha arranjado uma fileira de imensos elefantes à frente do muro da
cidade. Bima avançou contra eles, girando sua maça sobre a cabeça, seguido por
Arjuna de carro, com os gêmeos dos dois lados. Arjuna atirava tantas flechas, e
com tal velocidade, que elas mais pareciam enxames de abelhas pretas que
desciam sobre os panchalas. Bima cheou aos elefantes e começou a soca-los com
golpes tremendos de maça (arma de mão medieval forte e pesada). Os paquidermes
(pele espessa como rinoceronte) urravam e desabavam. Bima parecia um tornado,
girando entre as fileiras de soldados, até que fez com que eles recuassem, como
um pastor faz com o gado. Chegando ao centro da cidade, os quatro irmãos
encontraram Drupada cercado de tropas. Arjuna deu seu grito de guerra e
imediatamente atirou uma infinidade de flechas contra as forças do rei. Os
dardos saíam de seu arco em linha reta e se espalhavam em todas as direções,
enquanto ele furava destemidamente as fileiras do inimigo. Os panchalas
reagiram com furiosa energia. Flechas, dardos, lanças e paus voavam na direção
dos pandavas, mas os irmãos contra atacavam com agilidade, abatendo os
projéteis com suas próprias armas. Arjuna, então, se enraiveceu e lutou com
energia redobrada. Ninguém podia distinguir o intervalo entre ele pegar as
flechas e atirá-las. Elas voavam de seu arco sem parar. Ao mesmo tempo, Bima
avançava rodando a maça seu redor. Ninguém podia se aproximar dos dois irmãos,
e os soldados panchalas bateram em retirada, aterrorizados. Somente Drupada
ficou para enfrenta-los, no seu grande carro de ouro. Elogiando o poder dos
pandavas, ele levantou o arco e atirou inúmeras flechas. As primeiras desataram
a armadura de Arjuna e as seguintes cercaram Bima, mas este se defendeu com a
maça. Em segundos, Arjuna respondeu ao ataque com cinquenta flechas, que
quebraram o arco de Drupada, derrubaram a bandeira de seu carro e mataram seus
cavalos. Uma outra chuva de flechas fez o rei panchala sair correndo. Arjuna
largou o arco e empunhou uma longa espada. Descendo do carro, correu atrás de
Drupada. Saltando por cima do rei apavorado, colocou a espada em seu pescoço.
Então, os quatro irmãos saíram da cidade e levaram o rei cativo a Drona. Drona
sorriu. E então, grande monarca? Parece que agora seu reino e sua riqueza
pertencem a mim. Drupada manteve a cabeça baixa e não respondeu, nem poderia.
Drona colocou um braço por cima do ombro do rei e lhe disse: Não tema. Sou um
brâmane (casta de sacerdotes hindus) e tenho por princípio sempre perdoar. Na
verdade, ainda sinto afeto por você e gostaria que nossa amizade continuasse.
Mas como é que pessoas que não são iguais podem ser amigas? Portanto, vou lhe
devolver metade do reino panchala. Drupada respirava pesadamente, apertando os
dentes numa frustração silenciosa. Agarrando-se a toda a paciência que possuía,
conseguiu sorrir e respondeu: Ó Drona, você é realmente uma lama nobre. Vamos
continuar amigos, como você quer, cada um governando metade dos panchalas.
Depois que os brâmanes fizeram os rituais de sua instalação como governante dos
panchalas do norte. Drona libertou Drupada. Agora dono apenas da parte sul de
seu reino, o rei se pôs a caminho, chorando de raiva e humilhação. Sua honra
tinha de ser vingada. Mas quem poderia enfrentar Drona numa batalha? Parece que
até seus alunos eram invencíveis (...). E o rei voltou vagarosamente para seu
palácio. EM HASTINAPURA, A SITUAÇÃO CONTINUAVA tensa para os pandavas. Eles
tinham que se manter constantemente em guarda, na expectativa de que Duriodhana
tentasse alguma nova traição a qualquer hora. O príncipe Kaurva era muito
arrogante e dado a certo comportamento licencioso. Ele e os irmãos adoravam
beber muito vinho e ficar com mulheres, rindo-se dos pandavas, que se mantinham
fieis aos princípios da virtude. Dritarastra era gentil com os sobrinhos, mas
super condescendente com os próprios filhos, permitindo que cometessem toda
sorte de excessos e sem se preocupar com o antagonismo que sentiam pelos
pandavas. Um dia, um emissário de Madrua chegou para fazer uma visita a
Dritarastra. Madrua era a capital dos iadus e vrishnis, amigos dos kurus. Havia
entre eles um elo familiar por intermédio de kunti, que nascera na linhagem
vrishni. Vasudeva, irmão dela, tinha um filho chamado Krishna, que era
reconhecido pelos rishis como o Ser Supremo que descera à Terra em forma
humana. Tendo ouvido sobre a tensão em que sua tia kunti e seu primos estavam
vivendo em Hastinapura, Krishna enviara seu conselheiro Akrura à cidade, para
avaliar a situação Depois que os kurus receberam Akrura com demonstrações de
amizade, o conselheiro foi ver kunti. Ela ficou feliz em vê-lo e perguntou por
todos os membros de sua família. Kunti estava particularmente interessada em
saber de Krishna, que também ela aceitava como Deus. Na ansiedade pela
segurança dos filhos, ela orava por proteção a Krishna constantemente. O meu
sobrinho Krishna pensa em mim e nos meus filhos?, perguntou a Akrura. Será que
ele sabe que estou sofrendo muito aqui, no meio dos inimigos, como um corça no
meio de lobos? Kunt estava certa de que Krishna tinha plena consciência de
tudo. Nada podia escapar a seu conhecimento. A chegada de Akrura a Hastinapura
era a prova de que Krishna pensava nela. Ela apenas revelava seus sentimentos a
Akrura. Akrura gentilmente a confortou. Krishna muitas vezes falava dela.
Tomara conhecimento do antagonismo de Duriodhana e certamente viria vê-la em
breve, depois de cuidar de alguns negócios importantes em Madura. Kunti
recentemente soubera que Krishna matara um rei maldoso chamado Kamsa, que de
alguma forma chegara ao trono de Madura. Kamsa tentara muitas vezes matar
Krishna e seu irmão, Balaram. Os dois meninos tinham crescido numa pequena
aldeia chamada Vrindavan. Tendo ouvido uma profecia de que Krishna provocaria
sua morte. Kamsa enviou vários e grandes demônios para liquidá-lo, mas todos
foram mortos por Krishna e Balarama. Finalmente, os meninos divinos foram a Madura
e mataram Kamsa. Akrura confortava kunti, que chorava. Seus filhos são todos
expansões dos deuses. Além disso, são devotos do Senhor e, assim, sempre estão
sob sua proteção. Não se preocupe, os kauravas não conseguirão feri-los. Akrura
ficou em Hastinapura por alguns meses, desejoso de entender melhor toda aquela
situação. Quando, finalmente, estava pronto para regressar a Madura, falou com
Dritarastra. O ministro inteligente de Madura percebera que tudo dependia, em
última análise, do rei cego. Embora não totalmente mau ou corrupto como Kamsa o
fora. Dritarastra encorajava a perversidade dos filhos. Só ele tinha o poder de
evitar ou minimizar os conflitos, restringindo a liberdade de Duriodhana, quem
sabe enviando-o para algum país distante. Dritarastra ouviu em silêncio as
palavras de Akrua. Ó rei, o trono só se tornou seu por falta de opção. Por
direito, pertencia a Pandu, assim são os filhos dele que merecem a primeira
escolha, ou pelo menos metade da escolha dos seus filhos. Você deveria,
portanto, agir com igualdade para com todos os príncipes. Aliás, um homem sábio
trata igualmente todos os seres vivos, vendo-os a todos como partes iguais do
espírito supremo. O afeto, ou apego, pelos membros da família surge da ilusão.
Como grande rei que é, seu dever é governar imparcialmente, sempre tendo na
mente essas verdades espirituais eternas. Dritarastra nada falou enquanto
Akrura o aconselhava. O ministro vrishni deixou bem claro que o rei cego estava
atraindo um desastre, se continuasse a se opor à moralidade. Se não tratasse os
virtuosos pandavas com generosidade, acabaria colhendo só tristezas no final.
Dritarastra suspirou: Aceito tudo o que me disse, ó sábio Akrura. Se pelo menos
pudesse seguir seu conselho! O apego pelos meus próprios filhos é muito forte.
Talvez eu queira que eles sejam o que não pude ser. Dritarastra sempre
amaldiçoara sua cegueira. Nascido na linhagem kuru, era um guerreiro poderoso,
mas nunca havia podido provar isso. Fora Pandu quem saíra e espalhara as
glórias dos kurus pelo mundo. E tinha sido Pandu quem ganhara o amor e a
admiração do povo, que não tinha ficado muito satisfeito quando Pandu fora para
a floresta, deixando no seu lugar o cego Dritarastra. O rei continuou: O que
posso fazer? Sou apenas um homem, influenciado pelo desejo e pelo ódio. Foi o
Senhor que me fez assim como sou. E tudo se move de acordo com sua suprema
vontade. Agora Ele veio suavizar a carga do mundo e isso certamente acontecerá.
Quem pode evitar o destino? Livro Mahabharata – Recontado por Krishna Dharma –
Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo. Abraço. Davi.
sexta-feira, 28 de abril de 2017
PROVA DE ARMAS.
Mahabharata.
Texto de Krishna Dharma. Capítulo Três. PROVA DE ARMAS. UM DIA, DRONA CONCLUIU
que os príncipes kurus tinham terminado sua educação. Todos eram proficientes
nas artes marciais, capazes de lutar em carros, a cavalo ou a pé. Podiam usar
com sucesso qualquer arma e conheciam os segredos dos “mísseis” místicos
comandados pelos deuses. Drona estava confiante de que desempenharia seus
papéis de protetores do povo e de que lutariam contra qualquer antagonista.
Satisfeito com a conclusão de seu trabalho, Drona foi a Dritarastra e disse: Ó
rei, o treinamento dos seus filhos se findou. Com sua permissão, eles já estão
prontos para demonstrar o que aprenderam e para isso vou preparar uma exibição.
Agradecendo a Drona, o rei respondeu: Então que assim seja. Invejo os que verão
as habilidades dos meus filhos. Prepare tudo, Drona. Ó, melhor dos brâmanes, eu
comparecerei à exposição com Vidrua, que será meus olhos”. Drona selecionou um
local apropriado perto da cidade e mandou construir um grande estádio. Seus
assentos enfileirados pareciam se alçar
aos céus, e podiam acomodar centenas de milhares de pessoas. Na plataforma
real, foram construídos tronos de ouro com pedras preciosas. E sobre os muros
altos muitas bandeiras tremulavam com a brisa. O estádio foi santificado pelos
brâmanes com os rituais que pacificam os deuses. E então, num dia marcado pelos
auspícios das estrelas favoráveis, os cidadãos de Hastinapura adentraram o
imenso estádio. Quando este se encheu, o rei entrou, seguido de todos os
ministros. As senhoras reais os seguiam, vestidas com saris finos e com as
cabeças cobertas por véus de seda. Quando se juntaram na plataforma real, os
senhores kurus e suas esposas pareciam deuses e deusas que tinham subido ao
celestial monte Meru (montanha de 4.565 metros de altitude na Tanzânia –
África). O estádio zumbia de animação, como o rugir do oceano. As trombetas
foram tocadas, os tambores batidos e o som de centenas de conchas ressoaram de
todos os lados. Os brâmanes entraram na arena para fazer os rituais de abertura
e, seguido do filho Asvathama, Drona finalmente entrou. Vestido em sedas
brancas e com uma guirlanda em volta do pescoço, ele brilhava como a lua cheia.
O povo o saudou calorosamente, até que ele levantou as mãos para que se
aquietassem. Quando o estádio se aquietou, os príncipes entraram em fila, com
Iudistira a frente. Os leões poderosos vestiam armaduras brilhantes e estavam
equipados com todos os tipos de arma. Ao comando de Drona, eles começaram a
demonstrar suas habilidades, uma por uma. Montados nos ombros de altos
carregadores, eles circundavam a arena brandindo suas armas. Flechas foram
atiradas em todas as direções, tanto em alvos estáticos quanto em móveis.
Alguns cidadãos se encolhiam com medo, enquanto outros nem piscavam,
maravilhados. Gritos de “muito bom!” e “excelente” ressoavam pelo estádio todo.
Drona apresentou a luta amigável de maça que Bima e Duriodhana iam travar. Eles
se prepararam e seus olhos brilhavam de fúria. Ao grito de Drona, eles se
encontraram como dois touros enraivecidos, e dos choques das maças pesadas de
ferro saía uma chuva de faíscas. Quando paravam e se mediam pareciam dançarinos
delicados num placo. Nos momentos em que a plateia gritava. Vidrua descrevia a
cena para Kritarastra. Kunti fazia o mesmo para Gandari, que, depois de saber
que seu marido era cego, decidira usar para sempre uma venda sobre os olhos, a
fim de não superá-lo de nenhuma forma. Todos se concentravam na luta, que
estava se tornando bem amis que apenas uma exibição de torneio. A lealdade da
multidão se dividiu, naturalmente, e alguns gritavam por Bima e outros por
Duriodhana. Drona percebeu que a luta estava se tornando muito séria, e pediu
ao filho que se colocasse entre os dois e parasse a competição. Rapidamente,
Asvathama se dirigiu para o centro da arena e conseguiu separar os dois
príncipes, que, rugindo, deram um passo para trás, ainda se fitando com ódio.
Então, Drona anunciou que Arjuna demostraria seus talentos. Este filho de Indra
é o mais espetacular de todos os guerreiros e o maior protetor dos kurus.
Conheçam agora com seus próprios olhos as suas habilidades incríveis! O povo
todo o saudou com gritos. Dritarastra perguntou a Vidura o que era aquele
barulho todo. Quando Vidrua lhe contou, ele retrucou: Como sou abençoadao
porter a guarda dos filhos de kunti! Eles resplandecem como os fogos
sacrificiais. Entretanto, no íntimo, o rei cego sentia um ressentimento
secreto. Por que a plateia não gritara assim para Duriodhana? Será que ele era
inferior a Arjuna? Dritarastra se encolheu no assento. Se ele pudesse ver por
ele mesmo o que estava acontecendo (...). Quando a multidão se aquietou, Arjuna
começou a exibir seu domínio sobre as armas celestiais. Com o “míssil” Agneia,
presidido pelo deus do fogo Agni, ele produziu uma fogueira, que extinguiu
rapidamente com a Varunastra, arma controlada pelo deus das águas, Varuna.
Então, invocou a arma do deus dos ventos e um vendaval passou pelo estádio, que
Arjuna parou com a Parvaria, que fez aparecer um morro no meio da arena. Ele
continuou exibindo diversas outras armas místicas ante o olhar admirado da
plateia e, depois, iniciou a exposição de suas habilidades como arqueiro. Drona
fez um javali mecânico atravessar a arena e Arjuna atirou cinco flechas em sua
boca, tão rapidamente e tão juntas que mais pareciam uma só. Em seguida, atirou
vinte flechas no oco de um chifre de boi que balançava no ar, pendurado por uma
corda. Depois dessa façanha, Arjuna ainda demonstrou sua perícia com a espada e
a maça. A multidão cantava e balançava as roupas esvoaçantes, feliz. Arjuna se
inclinou agradecendo e voltou para o lado de Drona. A exibição estava chegando
ao final, e os músicos começaram a tocar melodias suaves, para acalmar a
plateia. De repente, todos ouviram um homem vociferando nos portões de entrada
do estádio como um elefante enfurecido. Todas as cabeças se viraram naquela
direção e viram uma figura alta e dourada como de rochas se partindo. Vestia
uma cota de malha de ouro, que parecia ser parte do seu corpo, e brincos de
argola da cor do fogo, que balançavam com os passos pesados que ele dava na
direção de Drona. O povo emudeceu com a chegada daquele homem, que se
assemelhava a uma montanha que andava, e brilhava como o Sol. Seus passos faziam
a Terra tremer. Aproximando-se de Drona, cumprimentou-o abaixando-se pouco, o
que não demonstrava muito respeito. Fez o mesmo para Kripa e então falou, em
voz estrondosa: Sou karna. Se me permite, ó brâmane, posso exibir habilidades
maiores ainda que as de Arjuna. Prepare-se. Ao ouvir essa proclamação atrevida,
a multidão se levantou como se fosse uma só pessoa. Gritavam palavras de
encorajamento para o guerreiro desconhecido. Embaraçado, Arjuna sentiu raiva.
Tocou a corda de seu arco e fitou karna fixamente. Drona consentiu com o pedido
de karna e o jovem poderoso foi pra o centro da arena. Lá, logo começou sua
demonstração. Igualando todos os feitos de Arjuna, ele lhe enviava olhares de
desprezo a todos os instantes. A plateia urrava e aprovava. Quando terminou,
Duriodhana foi até ele e o abraçou calorosamente. Ali estava um guerreiro que
se igualava a Arjuna. O pandava orgulhoso tinha atraído a atenção do povo por
muito tempo. Quem sabe isso agora mudaria. Em voz alta, Duriodhana lhe disse:
Seja bem-vindo à nossa apresentação, ó herói. Você exibiu habilidades
maravilhosas. O que os kurus podem fazer para agradá-lo, em troca? Driodhana
sorriu para Arjuna, que estava vermelho de cólera. Percebendo a óbvia inimizade
entre os dois, karna respondeu: Ó rei, tudo que quero é a sua amizade. Mas
conceda-me uma graça: desejo um combate simples com Arjuna. Arjuna se retesou.
Havia sentido uma forte antipatia no momento em que pusera os olhos em Karna. O
pandava procurou nos olhos de Drona a permissão para lutar. Talvez ele tivesse
uma oportunidade imediata de acabar com a arrogância de karna. Drona assentiu,
e Arjuna se virou para enfrentar karna. Duriodhana abraçou karna de novo e o
encorajou à luta. Enquanto os dois homens se aproximavam lentamente, o céu escurecia.
Relâmpagos surgiram aqui e ali, e o grande arco-íris de Indra apareceu sobre a
cabeça de todos. Ao mesmo tempo, raios brilhantes de Sol passaram pelas nuvens
e brilharam sobre karna, resplandecendo na sua armadura dourada. Kunti estava
horrorizada ao ver a cena. Repentinamente, ela desmaiou e caiu sobre a
plataforma real. Surpreso, Vidura respingou água fresca no seu rosto. Quando
ela voltou a si, ele perguntou-lhe o que acontecera. Kunti suspirou. Como é que
ela poderia contar-lhe a verdade, o segredo que ela guardar cuidadosamente por
tantos anos? Foi só calor, ela respondeu, sentando-se novamente. E, olhando
para a arena lá embaixo, lutava para ocultar sua ansiedade. Quando o duelo
estava quase começando, Kripa aproximou-se e pediua karna que anunciasse seu
nome completo e a linhagem a que pertencia. Kripa conhecia todas as regras de
combate e, de acordo com a tradição, só se permitiam duelos entre iguais. Karna
pareceu embaraçado e não disse nada. Estava claro que não pertencia a nenhuma
linhagem real. Entendendo esse fato e percebendo o constrangimento de karna,
Duriodhana disse: O nascimento não é único fator que determina a nobreza de uma
pessoa. Também se devem considerar o poder e o heroísmo. Mas se esse for o
obstáculo para que ele possa lutar com Arjuna, então, aqui e agora, eu confiro
a karna um reino. Duriodhana imediatamente improvisou uma cerimônia para coroar
karna. Enquanto todos se entreolhavam espantados, pegou água e a espargiu sobre
a cabeça de karna, dizendo: Você é agora o rei de Anga. Os brâmanes fizeram o
resto do ritual e, ao terminarem, o povo saudou karna quando ele se levantou,
com a cabeça ainda molhada e o corpo coberto pelos grãos de arroz que lhe
haviam jogado durante o ritual. Ele estava profundamente emocionado pelo gesto
amigo de Duriodhana e, com a voz embargada pela emoção, disse: Ó rei, eu nunca
poderei lhe pagar. Duriodhana passou o braço sobre seu ombro e falou: Só desejo sua amizade. Karna voltou
a ficar de frente para Arjuna, sob o murmúrio entusiasmado da plateia.
Certamente agora o duelo se realizaria. Mas, de repente, outro homem avançou
rápido dentro da arena. Era um velho apoiado numa bengala. Ele foi direto a
karna, que imediatamente se ajoelhou aos seus pés. Este é meu pai, Adirata. Ele
me adotou quando eu era um bebê, Karna explicou a Duriodhana. Adirata estava na
plateia e, quando viu karna ser coroado rei, não pode conter sua alegria e
descera à arena para felicitar o filho. Pelo seu nome e pelas vestes,
percebia-se que era um auriga (condutor de carro com cavalos, cocheiro). Vendo
a cena, Bima gargalhou e gritou: Como é que um filho de auriga merece morrer
pelas mãos de Arjuna? Na verdade, ele nunca deveria ter sido coroado rei, da
mesma forma que não se oferecem sacrifícios dos deuses aos cachorros. Karna
corou (envergonhado) e abaixou a cabeça. Duriodhana se levantou irritado e
exclamou: Bima, você não tem o direito de falar dessa forma! O nascimento de
Karna pode ser misterioso, mas o seu e os dos seus irmãos também são! Como pode
dizer que este homem é de casta inferior? Todos já vimos o poder que ele tem.
Veja, veja a armadura de ouro natural que ele veste, veja como ela brilha como
o Sol do meio-dia! Eu o tenho como o maior dos guerreiros e heróis! Duriodhana
olhou ao redor agressivamente. Se alguém discorda das minhas palavras, que dê
um passo à frente e toque seu arco para o combate. Animada pelo discurso
heroico de Duriodhana, a plateia deu vivas e aguardou, esperando que qualquer
tipo de luta começasse logo. Mas o Sol já tinha baixado ao horizonte e Drona
encerrou as atividades daquele dia. A disputa teria que ser marcada para outro
dia. Duriodhana levou Karna pela mão para fora da arena. Drona também saiu
seguido pelos pandavas. Gradualmente, todos os cidadãos se dispersaram
conversando alegremente. Kunti observava enquanto karna saia com Duriodhana.
Não havia dúvida, ele era o bebê que ela abandonara havia tantos anos.
Lembrava-se muito bem daquele dia doloroso. Depois de receber a graça de
Durvasa, ela deitara-se na cama, imaginando se o mantra funcionaria mesmo.
Vendo os raios de Sol que entravam pela janela, começou a cantar o mantra. Para
sua surpresa, viu a forma cintilante do deus do Sol, Surya, aparecendo dentro
do disco solar. Surya era brilhante e lindo, e ela sentiu qfue que sua mente
era atraída para ele. De repente, Surya estava de pé ao seu lado e sua voz
profunda encheu o quarto: O que posso fazer por você, ó gentil mocinha? Kunti
estava de boca aberta, atômita. Eu não desejo nada, Senhor, ela respondeu com a
voz embargada. Eu só estava testando o mantra. Por favor, me perdoe. Ó grande
deus, pode voltar para o céu. Mas o grande deus lhe disse que não poderia ir
embora sem antes lhe dar alguma coisa. Você me desejou; portanto, permita que
eu lhe dê uma criança celestial. Kunti ficou chocada. Como poderia ela,
solteira, aceitar o abraço de um homem? Surya sorriu e lhe disse que, mesmo
tendo um filho dele, ela se conservaria virgem. E foi assim que tudo aconteceu.
Sem o conhecimento no palácio, exceto de suas criadas mais próximas e de confiança,
Kunti deu à luz um menino. Ainda se lembrava de como se maravilhara ao ver a
armadura natural com que ele nascera, e seus brincos brilhantes, os mesmos que
tinha visto em Karna quando ele entrara na arena. Também se recordava
claramente de cada detalhe do dia em que abandonara o menino, temerosa de que
seus pais viessem a saber do acontecido. Rezando para que o deus do Sol
protegesse a criança, ela a colocara num cesto e a empurrara na corrente rápida
do rio Ganges – Índia. A memória daquele momento ainda estava muito viva em sua
mente, ela olhando com os olhos rasos d’água a cesta seguir balançando e
finalmente desaparecer na distância. Adirata devia tê-lo encontrado e adotado.
Kunti olhou novamente para o jovem alto que saía da arena com Duriodhana. Sentiu
o coração trêmulo. Sem dúvida. Duriodhana alimentaria em Karna a inveja óbvia
que ele sentia de seus outros filhos. Presa de emoções conflitantes e orando
com força, ela se levantou e saiu da arena com Gandari. Livro Mahabharata –
Recontado por Krishna Dharma – Versão Condensada da Maior Epopeia do Mundo.
Abraço. Davi
quinta-feira, 27 de abril de 2017
JUDEUS DURANTE A PRIMEIRA CRUZADA DA IGREJA CATÓLICA.
Judaísmo. Judeus durante a primeira Cruzada (1096-1099). Por Reuvem
Faingold. “Morrer, mas não transgredir” é a expressão que melhor descreve a
postura dos judeus na época das Cruzadas. Martírio e Kidush Hashem
(Santificação em Nome de D’us) eram valores essenciais para proteger os
preceitos do Judaísmo. Na chegada dos cruzados toda uma geração foi testada,
demonstrando atos de heroísmo pouco comuns. HISTORIOGRAFIA DAS CRUZADAS. As
Cruzadas são um dos temas mais instigantes da história. Pesquisadores dos
séculos XIX e XX entendem as Cruzadas como uma campanha medieval para libertar o
Santo Sepulcro, local em Jerusalém onde se acreditava que Jesus fora sepultado,
mas também as estudaram tomando em consideração os interesses comerciais das
cidades italianas, a força política do Papado diante das monarquias europeias e
a busca pela reunificação da Igreja Católica com a Igreja do Oriente nascida em
Bizâncio. Historiadores positivistas explicaram as Cruzadas sob uma ótica
socioeconômica e política, mantendo como eixo fundamental o choque entre duas
religiões opostas, a luta entre a cruz e o crescente. Assim, as Cruzadas devem
ser vistas como uma disputa pelo domínio geográfico entre crenças que ofereciam
a palavra dos Evangelhos ou a do Alcorão. Com o advento do marxismo, as
Cruzadas ganharam um olhar sustentado em respostas meramente econômicas. Alguns
historiadores do século 20 enquadraram-nas dentro de um campo histórico amplo e
universal. Porém, nenhuma das linhas historiográficas outorgou importância aos
judeus da Europa. A temática “judaica” lhes era totalmente esquecida: os
positivistas não julgavam ser esse um assunto suficientemente relevante para
ser pesquisado, enquanto para os marxistas era um tema insignificante, sem
maior interesse no contexto da luta de classes. Foi na visão globalizada dos
professores Steven Runciman, e Joshua Prawer que encontramos uma análise
detalhada sobre o papel dos judeus no decorrer das Cruzadas. Estes dois
acadêmicos observam uma mudança ideológica radical na Europa do século 11. Para
eles, a Primeira Cruzada transformaria o Cristianismo numa “religião
combativa”, apropriando-se da ideia de “guerra santa” -um conceito
que nascia na contramão dos princípios morais da Igreja. O Cristianismo criou
um movimento religioso legitimando a ideia de peregrinação a Jerusalém desde o
Velho Continente. JUDEUS NA EUROPA. Nas peregrinações à Terra Santa
participaram vários grupos sociais: condes, nobres, clérigos, camponeses e
servos, todos buscando uma absolvição de seus pecados. Nos anos 1064-1065, sob
a liderança do Arcebispo Sigfred de Mogúncia e do abade Ingulf de Croyland, 7
mil peregrinos se dirigiram a Jerusalém, falecendo a maioria no caminho. Este
processo de peregrinação se inicia no “Concílio de Clermont”, em 1095, estabelecendo-se
na Europa ordens militares como os Templários, que ocasionaram transformações
na vida cotidiana e no destino dos judeus, e criaram um abismo entre a
civilização ocidental e o Judaísmo. Cresce, assim, uma sistematização das
hostilidades contra os judeus. Como a Igreja os declara “inimigos da fé”, as
camadas populares iniciam uma onda de violência contra os Filhos de Israel.
Afinal, a maioria deles vivia nas cidades e tinha uma formação superior àquela
encontrada na população local. Vários pyutim (hinos hebraicos
em verso) descrevem as dificuldades sofridas pelos judeus por rejeitar o
Cristianismo como a “fé verdadeira”. Desde a destruição do Segundo Templo e o
exílio de Roma em 70 várias comunidades judaicas se espalharam pela Europa.
Seus membros jamais esqueceram Jerusalém, como bem o denota a contínua entoação
da prece “O ano próximo, em Jerusalém”, e a reafirmação de seu
compromisso com a Terra de Israel. VÉSPERAS DA PRIMEIRA CRUZADA. Na
época medieval, desfrutavam de tranquilidade e prosperidade na Europa cristã os
judeus que habitavam em territórios do Império Carolíngio, assim como os que,
na Península Ibérica, viviam sob domínio muçulmano. Porém, a luta entre o poder
papal e o crescente poder político dos monarcas, criou-lhes uma nova situação.
Em meados do século XI, era instável a situação dos judeus da Europa central.
Na França e na Alemanha, dependiam da proteção dos reis, com os quais mantinham
relações “aceitáveis” já que os reis careciam de seus talentos e suas riquezas.
Os judeus concediam empréstimos aos governantes, que, entre outros, os
incumbiam de coletar impostos para o Tesouro Real, atividade que os tornaria
cada vez mais impopulares entre os camponeses e a pequena nobreza que os
culpava pelas penúrias pessoais e a impossibilidade de progredir na vida. Ao se
iniciarem as Cruzadas, muitos cristãos mantinham dívidas com judeus. A
peregrinação à Terra Santa era não só uma forma de receber perdão da Igreja e
do Céu pelos pecados, mas também um meio de libertar-se das obrigações econômicas.
Alguns anos antes das Cruzadas, aconteciam perseguições esporádicas. Um
cronista judeu anônimo relata o massacre de Otranto, uma vila ao sul da Itália,
em 930: “Judeus foram perseguidos (...) ao Rabino Yeshaya lhe atravessaram o
pescoço com uma faca e o mataram como a um cordeiro no pátio da sinagoga; e o
Rabino Menachem caiu dentro de um poço, e a nosso mestre o estrangularam”. Em
1007 aconteceriam massacres na França e a expulsão e conversões dos judeus de
Mogúncia (Mainz), na Alemanha. Entre os séculos VIII a XI, os judeus da Espanha
viviam em paz e integrados ao Estado islâmico, sendo considerados pelos
cristãos como “colaboradores” dos muçulmanos”. Em 1064, na conquista de
Barbastro, motivado pelos maus tratos a judeus, o Papa Alexandre II (1015-1073)
escreveu aos bispos hispânicos, lembrando-os da diferença entre muçulmanos e
judeus: “Os primeiros são inimigos irreconciliáveis dos cristãos, enquanto os
últimos são meros colaboradores”. Antes da Primeira Cruzada, os reis e as
autoridades eclesiásticas reconheciam o valor dos judeus oferecendo-lhes
proteção e direitos. Em 1084, o Bispo de Espira lhes outorgou uma carta de
privilégios, reconhecendo-os como agentes colonizadores da cidade. Em 1090, o
rei Henrique IV renovou-lhes os privilégios, outorgando um direito similar aos
judeus de Worms. Esses documentos lhes permitiam exercer livremente o comércio,
garantindo também suas liberdades religiosas. No final do século XI, chegaram
notícias do Oriente relatando as penúrias experimentadas pelos peregrinos que
viajavam à Terra Santa. Além disso, os muçulmanos haviam profanado o Santo
Sepulcro em Jerusalém e demais Lugares Santos cristãos na Terra Santa, fato que
enfureceu as autoridades eclesiásticas. A resposta foi o discurso do Papa
Urbano II (1042-1099), em Clermont Ferrant – França, em 26 de novembro de 1095.
A chamada do Papa para as Cruzadas agitou o povo. PRIMEIRA CRUZADA. A Primeira Cruzada foi proclamada em 1095,
pelo Papa Urbano II, com o objetivo duplo de auxiliar os cristãos bizantinos e
libertar Jerusalém e a Terra Santa do jugo muçulmano. Na verdade, a Primeira
Cruzada não foi um único movimento, mas um conjunto de ações bélicas de
inspiração religiosa, que incluiu a Cruzada Popular, a Cruzada dos Nobres e a
Cruzada de 1101. A conclamação era para libertar Jerusalém dos infiéis, mas a
Primeira Cruzada deu vazão a uma longa tradição de violência organizada contra
os judeus. Primeiro na França e, depois, na Renânia, alguns líderes de grupos
populares interpretaram que a guerra contra os infiéis podia ser aplicável não
só aos muçulmanos, no Levante, mas também contra os judeus, que viviam na
maioria das comunidades europeias. Muitos cristãos não viam motivo para viajar
milhares de quilômetros para lutar contra os inimigos do Cristianismo, quando
estes estavam, também, à porta de suas casas. O cronista Samuel ben Yehudá
(1140-1217) descreveu o sentimento judaico por volta de 1096 (...).Caiu sobre
nós uma densa escuridão”. Outro cronista do século 12 assim se expressou: “As
lagostas não têm rei, mas andam todas em bandos”, fazendo clara alusão à
postura devastadora dos cruzados. Uma cruzada não era apenas a retomada dos
Lugares Santos cristãos tomados pelos árabes; era também a vingança pelo
suposto crime de “deicídio” cometidos pelos judeus. Em 1096, os cruzados,
liderados por Godofredo de Bouillon (1060-1100) e Robert de Normandia, iniciam
sua própria guerra contra os infiéis, saqueando e assassinando, sem trégua,
todos os judeus à sua frente. Na crônica de Samuel ben Yehudá ficou registrada
a vinda dos cruzados: “Quando passam por povoados onde há judeus, dizem que
viajam a terras distantes à procura de vingança dos ismaelitas; porém aqui
vivem também judeus cujos antepassados mataram e crucificaram sem motivo.
Portanto, devemos destruí-los como povo para que o nome de Israel não seja
lembrado (...). O conceito de “deicídio” surgido no século 4 voltara
revigorado. Mesmo que as atrocidades começassem em Rouen e Normandia, as
maiores matanças se propagaram em direção do rio Reno, região superpovoada por
comunidades judaicas. No início do verão de 1096, cerca de 10 mil cristãos
partiram em cruzada, percorrendo o vale do Reno em direção ao Norte (direção
oposta a Jerusalém), iniciando uma série de pogroms. A proteção dada aos judeus
por bispos e imperadores não evitou uma catástrofe de dimensões gigantescas. MASSACRES
EM ESPIRA, WORMS E MOGÚNCIA. No Sacro Império Romano-Germânico, em Espira,
vivia uma comunidade judaica importante que havia recebido privilégios do
imperador. No entanto, em 3 de maio de 1096, os cruzados, junto com os
moradores locais, atacaram os judeus. Segundo crônicas judaicas, 11 membros da
comunidade que resistiram ao batismo foram mortos, enquanto outros se
refugiaram na sinagoga. O bispo da cidade, Johannes, tentou reestabelecer a
ordem, punindo os agitadores e oferecendo asilo aos judeus em seu próprio
palácio. As notícias acerca dos sangrentos massacres de Espira chegaram
rapidamente a Worms. Boa parte dos judeus da cidade procurou refúgio no palácio
do Bispo Adalberto, enquanto outros tentavam confiar nos vizinhos, para que não
os entregassem. Quando os cruzados apareceram corria o boato que os judeus
haviam matado um cristão. Em 18 de maio de 1096 a cidade foi palco de grande
matança. Famílias judaicas inteiras foram chacinadas nas casas, rolos da Torá
foram retirados das sinagogas e destruídos. Os cruzados conseguiram batizar
poucos judeus à força. Muitos optaram por tirar suas próprias vidas; mães
mataram seus filhos para depois se matarem. Segundo um cronista, “pelas ruas da
cidade somente se escutava o Shemá Israel”. Dois dias mais tarde,
chegou a hora dos judeus no Palácio Episcopal. Diante da ameaça dos Cruzados, o
Bispo Adalberto tentou convencer os judeus entrincheirados que se deixassem
converter. Eles pediram um tempo para pensar. Esgotado o prazo, o bispo abriu
as portas e encontrou uma cena dantesca. Não tinha sobrado um único judeu com
vida, todos se haviam suicidado. Eis o relato do cronista judeu: “No dia 25
de Iyar, o terror se instalou sobre aqueles judeus que se abrigaram
no Palácio Episcopal. Eles se fortaleciam pelo exemplo de seus irmãos,
santificando-se em Nome de D’s, observando as palavras do Profeta ‘as mães caem
sobre suas filhas e os pais caem sobre seus filhos’. Um matava seu irmão, outro
seus pais, esposa e filhos. Todos aceitavam de bom grado o Desígnio Divino,
entregando suas almas ao Todo Poderoso, gritando, ‘Ouve Israel, o Eterno é
Nosso D’us, o Eterno é Um”. Segundo a crônica, os cruzados não respeitaram
sequer os mortos. Retirando os corpos do palácio, cortaram-nos em pedaços e
dispersaram seus restos. Apenas o judeu Simcha Cohen se salvou e foi batizado à
força. Imediatamente, tirou uma faca e feriu três carrascos, porém o populacho
o chacinou. Naqueles dias de 1096 foram mortos 800 judeus, todos atirados numa
vala comum. Depois de Worms era a vez de Mogúncia. Liderados pelo Conde Emich
de Leisingen (1763-1814), vários grupos de marginais e cruzados fanáticos
entraram na cidade. Os membros da comunidade judaica pediram ajuda ao Arcebispo
Rutardo, obtendo permissão para se refugiar até o perigo passar. Segundo o
cronista, mil judeus se aglomeraram no pátio episcopal após entregarem ao bispo
todos os seus objetos de valor. No entanto, ao adentrar Emich com seus soldados
no palácio, o bispo sumiu subitamente e a guarda episcopal os deixou sem
proteção. O cronista cristão Alberto de Aix testemunhou esses momentos: “Emich
e sua turba, armados com picaretas e lanças, atacaram os judeus (...). Depois
de quebrar fechaduras e destruir portões, alcançaram-nos, matando 700 deles. Em
vão tentaram defender-se; as mulheres foram assassinadas e os jovens, sem
distinção de sexo, foram mortos a facadas. Os judeus se armaram contra si
mesmos: correligionários, esposas, filhos, mães e irmãs, tiraram suas vidas
mutuamente. Horror é ter que contar isto... Somente um pequeno número escapou
com vida desse cruel massacre. Alguns receberam o batismo mais por temor à
morte que por amor à fé cristã”. A chacina de Mogúncia foi presenciada pelo
cronista Shelomo bar Shimon, um dos poucos sobreviventes. Seu relato é
comovedor: “Quando os filhos da Aliança Sagrada, liderados pelo Rabino
Kalonymos ben Meschulam, presenciaram a chegada dos cruzados, começaram a se
preparar para o combate. Mas, pelas desgraças ocorridas haviam jejuado debilitando-se
muito, sem poder resistir ao inimigo. Durante a Lua Nova do mês de Sivan,
chegou o conde Emich com seu exército, assassinando anciãos e moças, sem ter
compaixão pelo sofrimento nem pela dor, nem pela fraqueza nem pela doença (...). Quando viram que seu destino estava selado, incentivaram-se uns a outros
dizendo: ‘Soframos com paciência e heroísmo tudo aquilo que nossa sagrada
religião nos ordena... De imediato os inimigos nos matarão, porém nada
interessa mais que nossas almas adentrando puras na Luz Eterna... Formando um
coral exclamaram: ‘Bem-aventurados aqueles que sofrem em nome de um D’us único’
”. Um parágrafo mais adiante, o cronista Shelomó bar Shimshon relata os últimos
momentos dos judeus no pátio episcopal: “Homens piedosos [tzadikim] sentados
no meio do pátio, junto ao Rabino Itzhak ben Moshé (1533-1600), rezavam
embrulhados em seus xales de oração talitot (...). O Rabino foi o
primeiro a entregar seu pescoço para logo ser decapitado, caindo sua cabeça no
chão. Enquanto isso, os demais judeus continuavam sentados no mesmo pátio
dispostos a atender a vontade do Criador. Os inimigos lhes atacaram com pedras
e flechas, mas eles não se mexeram de seus lugares, morrendo todos. Aqueles que
estavam nos aposentos do palácio, decidiram matar-se com suas próprias mãos
(...). Os judeus feridos imploravam por água, mas ao saber que essa seria a
água para batizá-los se negavam a recebê-la. O cronista Sholomó bar Shimshon
descreve a coragem de um judeu que matou três soldados com sua faca.
Imediatamente, foi morto. Destaque para um grupo de judias refugiadas no
palácio episcopal de Mogúncia. Elas “espalharam dinheiro entre os
cruzados, para ganhar tempo e cometer o suicídio coletivo, al Kidush
Hashem”. As mulheres atiravam pedras aos soldados, mas também eram
feridas no rosto com pedras lançadas com estilingues. Emich matou e queimou o
bairro judeu. Nesses fatídicos dias retiraram do palácio episcopal 1.300
cadáveres. Aproximadamente 60 judeus, que fugiram e se esconderam na catedral,
foram rapidamente localizados e mortos. Dois judeus que haviam aceitado o
batismo para salvar suas mães foram presos: Itzhak ben David e Uri ben Yosef.
Ambos buscaram refúgio na sinagoga, mas acabaram morrendo nas chamas. O Rabino
Kalonymos com 50 judeus fugiram rumo a Rudesheim, pedindo socorro ao Arcebispo
da vila. Em vão o clérigo tentou convencê-los a se converter. Rabino Kalonymos
quis agredir um nobre, mas rapidamente foi impedido e executado. O massacre de
Mogúncia fortaleceu espiritualmente os judeus. Para o cronista Shelomó bar
Shimshon, mesmo sendo desigual, a chacina consolidou o Kidush Hashem.
Sentindo na própria carne o massacre. Shimshon atribuiu a derrota “ao cansaço
físico resultado de rezas e jejuns”. Para ele, o judeu, “pisoteado como lixo de
rua, se equipara em sua valentia ao intrépido cavaleiro cruzado”. Os judeus se
defendiam como podiam, porém era impossível vencer um exército treinado. Quando
Emich invadiu Colônia em 1º de junho de 1096, os judeus já estavam dispersos em
localidades vizinhas. Houve judeus hospedados em casas de vizinhos cristãos. Ao
encontrarem as casas judaicas vazias, os cruzados arrasaram tudo, queimando a
sinagoga e a Torá. Apenas em Treveris e Ratisbona (hoje Regensburg), na Baviera
– Alemanha, os cruzados conseguiram batizar pela força a comunidade. Como de
costume, a maioria buscou proteção no palácio do Arcebispo Eguilberto, mas os
cruzados os achavam e assassinavam. Outros se jogavam no rio Mosel, situado ao
nordeste da França. O cronista escreveu: “Algumas mulheres encheram suas mangas
e sutiãs com pedras e se jogaram ao rio desde uma ponte”. O Arcebispo de
Treveris e Ratisbona na Alemanha, exigiu também o batismo. Um rabino de nome
Micha solicitou que ele lhe ensinasse os princípios da religião católica, mas
logo desistiu e abandonou o Cristianismo. Metz, onde morreram 22 judeus, teve
batismos coletivos forçados. Famílias inteiras de judeus de Ratisbona foram
lançadas brutalmente nas águas do Danúbio para serem batizadas. Durante três
meses o terror se instalou nas comunidades do Reno. Um belo poema judaico
medieval lamenta as valiosas perdas: “No terceiro dia do terceiro mês as
lamentações não paravam... Cobrirei com torrentes de lágrimas os cadáveres de
Espira e me lamentarei amargamente pelos da comunidade de Worms, e meus gritos de
dor ecoarão pelas vítimas de Mogúncia”. Entre maio e julho de 1096, nas
províncias do Reno foram mortos 12 mil judeus. RUMO A TERRA SANTA. Nenhum
dos grupos de cruzados que participaram da Cruzada Popular, parte do movimento
chamado de Primeira Cruzada, chegou à Terra Santa. Pelas estradas, eram
contidos por outros grupos cristãos que tinham suas terras devastadas. O
cronista Albert de Aquisgran comenta: “Depois das crueldades cometidas,
carregando as riquezas roubadas aos judeus, aquela gentalha insuportável
composta por homens e mulheres, continuou sua viagem rumo a Jerusalém, passando
pela Hungria”. Lá o rei húngaro Koloman os aniquilou. Para o cronista “tudo era
obra de D’us contra peregrinos depravados que haviam pecado ao matar judeus”. O
conde Emich e seu exército jamais chegaram a Jerusalém. Ele morreu ao regressar
à sua pátria. O dia de sua morte em 1117, estrelas com formato de gotas de
sangue teriam caído do céu. O Imperador e o Papa se posicionaram contrariamente
diante dos excessos dos cruzados. Henrique IV emitiu uma autorização para que
as pessoas batizadas à força pudessem voltar ao Judaísmo. Já o Papa Clemente
III (1130-1191) replicou: “Ouvimos que judeus batizados estão desertando da
Igreja, e tal coisa é pecaminosa; portanto nós exigimos de ti (Henrique IV) e
de todos nossos irmãos que a santidade da Igreja não seja profanada pelos
judeus”. Em 1103 houve uma trégua entre o poder político e religioso. Os judeus
poderiam voltar ao Judaísmo mediante pagamento em favor da Igreja, e os bens das
vítimas sem herdeiros seriam confiscados em benefício do Tesouro real. Todos
saíram satisfeitos, inclusive os judeus que conseguiram reconstruir sua
sinagoga em Mogúncia, apenas oito anos depois da Primeira Cruzada. PALAVRAS
FINAIS. Os violentos ataques ocasionados pelos cruzados entre 1096-1099
poderiam ter sido apenas um episódio isolado na História Medieval, no entanto
essas ações em busca de um “perdão religioso” mudaram radicalmente a
mentalidade europeia. A procura de novos horizontes levou ao enriquecimento
ilícito e a uma religiosidade extrema. As Cruzadas prejudicaram o
desenvolvimento do Judaísmo das comunidades da Alemanha. Elas criaram um
distanciamento cada vez maior entre cristãos e judeus, um espaço que foi
aumentando com o tempo, atingindo seu ponto mais alto em 1215. Nesse ano, o
Concílio Latrão IV, liderado pelo Papa Inocêncio III, ordena aos monarcas da
Europa aceitar uma legislação que obriga todos os judeus a habitar em bairros
separados e portar em suas vestes o distintivo amarelo, sinal de humilhação e
discriminação. Dessa forma, ficava aberto o caminho para outras Cruzadas. Tudo
era apenas uma questão de tempo. http://www.morasha.com.br.
Abraço. Davi.
quarta-feira, 26 de abril de 2017
PERSUADIR-SE DO RENASCIMENTO
Budismo.
Texto de Alexander Berzin. PERSUADIR-SE DO RENASCIMENTO. O renascimento é
levado muito a sério no budismo, mas também é encontrado em sistemas de
pensamento no mundo inteiro, com diferentes entendimentos do que se trata e
como funciona. Será que o renascimento poderia ser verdade? E se assim fosse, o
que isso significaria em termos de minha vida e como eu a vivo? Aqui olhamos
para as razões lógicas do renascimento, como também para anedotas pessoais que
nos ajudam a ter convicção em relação a este ensinamento que muitas vezes gera
equívocos. Introdução.
O renascimento não é algo que você compreenderá
após ler um pequeno artigo, mas temos que começar de alguma maneira. Quando
falamos de renascimento, como com qualquer outra coisa, há muitas maneira de
compreender isso. É claro que há o entendimento incorreto. Também há a
presunção de que se trata de uma verdade, mesmo se não a entendemos. Também
podemos ser convencidos pela lógica de que o renascimento tem que existir. Eu nasci nos
Estados Unidos em uma família que não tinha absolutamente nenhum interesse em
nada que fosse asiático, mas eu me interessei muito pela filosofia asiática em
minha juventude. Comecei a fazer yoga aos 13 anos e estudei idiomas e
filosofias asiáticos na universidade. Aos 24 anos eu me mudei para a Índia para
estudar com tibetanos e sempre tive a sensação de que lá eu estava totalmente
em casa. De fato, senti como se toda a minha vida até aquele momento tivesse
sido como uma esteira rolante, levando-me até os tibetanos na Índia. Enquanto
muitos ocidentais que eu conhecia e vinham para a Índia tinham vários tipos de
problemas com vistos e burocracia, durante os meus 29 anos lá nunca tive
nenhuma dificuldade. Desde o início, sabia o que queria fazer: traduzir, não
somente dos idiomas, mas realmente trazer o budismo de uma civilização para a
outra. Este tipo de vida não realmente faz sentido, quando você considera de
qual background e de qual cultura eu venho. Eu achava a ideia
do renascimento muito atraente, não porque realmente a entendia, mas porque ela
me ajudava a dar algum sentido à minha vida; sem dúvidas, em uma vida prévia
fui um tibetano ou alguém muito envolvido com o budismo. Isso foi uma ajuda
para me dar autoconfiança para continuar nesta direção, ao invés de apenas pensar
que eu estava completamente louco! À medida que continuei a estudar o budismo,
vi como o renascimento tem um papel central na teoria, na prática e na
abordagem budistas da vida, então realmente tentei entender a lógica por detrás
do que ele é, de por que e como ele acontece. Quando alcancei um entendimento
intelectual a respeito disso, vi que era limitado. Percebi que a real pergunta
era como seria o momento de minha morte. É bom pensar sobre isso durante a
minha vida normal, mas será que morrerei com medo ou estarei relaxado ao
morrer? Duas
Vidas com Meu Professor. Tive incrível sorte porque tive a
oportunidade incrível de conhecer alguém muito bem durante duas vidas. Trata-se
de meu principal professor, Tsenzhab Serkong Rinpoche (1914-1983), que em sua
última vida foi um dos tutores de Sua Santidade O Dalai Lama. Eu passei mais ou
menos nove anos com ele como seu aprendiz, sob os seus cuidados, enquanto
treinei para ser tradutor e professor. Fui seu intérprete e secretário; escrevi
cartas para ele e organizei suas viagens ao redor do mundo. Eu me considero
extremamente privilegiado por ter tido esta relação tão próxima a ele. Quando
me mudei para Dharamsala, fui vê-lo, e a iniciativa de me tornar um aprendiz
veio basicamente dele. De alguma forma, ele reconheceu a conexão kármica que eu
tinha com ele e me disse: “Fique. Não vá embora. Sente-se aqui e observe como
eu lido com as pessoas.” Ele começou a me ensinar sobre o que ele realmente
estava falando e me explicou as palavras que eu não entendia. Vejam bem, ele foi
um dos grandes mestres mais altamente realizados da última geração, então era
extraordinário que ele me desse tanto de seu tempo e atenção.” Ele morreu em
1983 em circunstâncias muito especiais nas quais ele tomou uma espécie de
obstáculo kármico em relação à vida de Sua Santidade o Dalai Lama e então,
depois de exatamente nove meses, ele renasceu. Ele certamente não estava
interessado em passar qualquer tempo no bardo! Antes de morrer, ele
já tinha permitido que algumas pessoas soubessem exatamente o que ele faria
para que tudo ficasse claro. E então – bum! – ele renasceu no mesmo local no
qual morreu. Quando eles buscam por reencarnações, às vezes um grande lama tem
uma visão num sonho ou algo assim, e então eles saem em busca de crianças e as
testam. O real teste é se a coisa vier por parte da criança. Achando o
Novo Serkong Rinpoche. A área na qual Serkong Rinpoche
morreu e renasceu é o vale himalaiano do Spiti, do lado indiano da fronteira
com o Tibete. O budismo estava em um estado muito difícil e degenerado por lá,
e o velho Serkong Rinpoche tinha ido para lá e basicamente reformado o budismo,
começando pelos monastérios, construindo uma escola, e assim por diante. As
pessoas o viam quase como um Santo do Vale Spiti, e todos tinham uma foto dele
em suas casas, incluindo seus pais de renascimento. Quando o pequeno Serkong
Rinpoche tinha idade suficiente para falar, ele foi até a foto e disse: “Este
sou eu”. Ele fez isso quando tinha dois anos – e estava absolutamente claro em
relação a quem ele era. Quando tinha quatro anos de idade, as pessoas que antes
viviam com ele foram falar com A Sua Santidade o Dalai Lama e perguntaram onde
deveriam procurar pelo renascimento dele. A Sua Santidade disse que seria no
mesmo vale no qual o velho Serkong havia morrido. Quando chegaram à casa da
renascimento em Spiti, o pequeno Serkong Rinpoche, aos quatro anos de idade,
correu para os braços de seu velho serviçal e o chamou pelo nome. O jovem
Serkong Rinpoche, que agora tem 18 anos, me disse que naquele momento ele apenas
tinha vontade de ir embora com eles. Ele não tinha mais interesse de ficar com
seus pais e dizia que tinha que ir e encontrar alguém que era muito importante
para ele – A Sua Santidade O Dalai Lama. Quando uma criança é reconhecida como
uma renascimento de um lama importante pelos tibetanos em áreas de cultura
tibetana, isso é considerado uma grande honra e os pais ficaram felizes pelo
filho que se foi. Serkong Rinpoche disse que nunca sentiu falta de seus pais.
Quando ele os deixou, ele nunca chorou e nunca quis voltar para casa. Isso
realmente é incomum para uma criança de quatro anos. E não foi assim porque os
pais dele o maltrataram ou algo assim. Eram pessoas maravilhosas. O
Reencontro. Eu estava viajando e dando ensinamentos quando o
jovem renascido chegou em Dharamsala, mas alguns meses depois eu fui
encontrá-lo. Ele devia ter quase cinco anos nesta época. O assistente lhe
disse: “Você sabe quem ele é?”, quando entrei na sala e o jovem Serkong
Rinpoche respondeu: “Não seja estúpido, é claro que eu sei quem ele é.” Eu
fiquei um pouco desconfiado porque havia uma foto minha e do velho Serkong
Rinpoche juntos em uma das paredes da sala de estar. Então, pensei que ele me
reconheceu pela foto. Mas o que começou a me convencer foi que esta criança de
quatro anos me aceitou totalmente como membro da família desde o início. Ele
não era assim com outras pessoas e isso não é algo que dá para fingir com
facilidade aos quatro anos de idade. Com o passar dos anos, à medida que ele
foi crescendo, dei muitos conselhos e orientação em relação a como ele deveria
ser educado, mas mantive um pouco de distância de propósito. Eu não queria que
ele fosse muito influenciado pelas minhas maneiras ou cultura ocidental e eu
queria que ele crescesse em uma atmosfera totalmente tibetana na qual ele se
sentisse totalmente em casa em um contexto tibetano monástico. E assim ele fez.
Então, quando ele teve que ser educado em matérias modernas, eu fiz com que um
tibetano lhe ensinasse inglês, ciências e assim por diante, como todos os
outros tibetanos o fazem na Índia. Acho que essa abordagem foi muito
bem-sucedida, pois ele cresceu de forma confortável em sua sociedade e posição.
Vida
Passada, Vida Presente. À medida que Serkong Rinpoche
estava crescendo, eu o via a cada poucos anos. Agora que ele está mais velho,
eu o vejo mais vezes e falo frequentemente com ele ao telefone, e também o
acompanhei em sua primeira viagem ao ocidente. O relacionamento conseguiu ficar
muito, muito próximo. Um ano e meio atrás, eu visitei Serkong Rinpoche na Índia
e ele estava basicamente passando de um estágio em sua educação e pronto para
ir para o próximo. Eu fui com um amigo inglês, Alan Turner, que também era um
discípulo próximo do velho Serkong Ripoche, e o jovem Serkong Rinpoche também o
via como muito especial. Eu costumava traduzir uma quantidade tremenda de
ensinamentos privados entre esses dois, e eu pude fazê-lo novamente. Quando
estávamos ali sentados com o novo Serkong Rinpoche, eu disse: “Você sabe, é
realmente um sentimento maravilhoso traduzir novamente para você.” Ele
respondeu: “É claro que você está fazendo isso. É o seu karma. Na vida passada,
nesta vida, isso é absolutamente natural.” O nosso relacionamento continuou a
crescer e são coisas assim de minha experiência pessoal que me convencem, muito
mais do que a lógica, da validade do renascimento. Além de certos hábitos e
coisas que ele estuda, os seus interesses são muito semelhantes ao que eram em
sua vida prévia. Mas foi a conexão pessoal – isso para mim foi o mais
convincente. Ele apoia muito o meu website e eu o mantenho informado em relação
a tudo que faço. É claro, eu preservo os ensinamentos de sua vida prévia, não
apenas para que sejam uma fonte para ele, mas para que em minha próxima vida eu
continue a ter contato com eles. Eu também conheci Yongdzin Ling Rinpoche
(1856-1902) em duas vidas. Eu traduzi ocasionalmente para o velho Rinpoche, que
era o tutor mais velho da Sua Santidade o Dalai Lama, e certamente estudou com
ele. O renascimento dele é um ano mais novo que o Serkong Rinpoche. Quando eu
estava na Índia com o Alan, nós também fomos ver o novo Ling Rinpoche. Eu não o
tinha visto por anos, pois ele era muito mais jovem. Ele me reconheceu, se
interessou muito pelo que eu estava fazendo, e assim por diante. Agora, quando
você vai ver os tibetanos, eles sempre lhe servem chá e biscoitos. Os meus
preferidos são os biscoitos digestivos McVitie’s. De alguma forma, mesmo
estando em um monastério no meio da floresta no sul da Índia, o assistente dele
me serviu esses biscoitos com o meu chá. O jovem Ling Rinpoche apenas olhou
para mim como se dissesse: “haha! Você não acredita em karma e renascimento,
hem?” What Is
Rebirth? O Que É O Renascimento? É claro,
quando olhamos para o renascimento, temos que entender o que de fato está
ocorrendo, porque poderíamos também ficar convencidos de um entendimento
incorreto. Então, para convencer-nos que ela de fato existe, é muito mais útil
fazê-lo com uma base correta. A abordagem geral ao entendimento budista é
primeiro colocar a visão incorreta de lado para que possamos alcançar a visão
correta. O Que O
Renascimento Não É. Primeiro, a explicação budista não inclui nenhuma
ideia de uma alma com uma identidade definida, ou algo de sólido que vai de um
corpo a outro. Poderíamos pensar isso, porque há um Serkong Rinpoche em uma
vida e aqui está o Serking Rinpoche uma vida depois. Isso pode nos fazer chegar
à conclusão de que há uma entidade chamada “Serkong Rinpoche” que vai de um
corpo ao outro. Não é assim. Claro que no caso desses lamas elevados, eles podem
ser identificados em várias vidas, mas este não é o caso com as pessoas comuns.
No budismo falamos basicamente da continuação do contínuo mental ou do fluxo
mental. Dependendo de nossas ações, conectadas a este contínuo mental, nós
manifestaremos um certo tipo de corpo em cada vida subsequente. Este contínuo
não será sempre o “Alex” – ou qualquer que seja o seu nome. Não é que nesta
vida sou Alex, o ser humano e, na próxima vida, Alex, o ser humano, reencarnará
como Fifi, o poodle. Por causa das várias ações cometidas previamente, o
contínuo mental se manifesta como um humano ou cachorro ou o que quer que seja,
e terá o nome Alex ou Fifi. Na formulação budista, não há a ideia de que as
reencarnações sejam cada vez melhores, nem que, uma vez que você tenha adquirido
a forma humana, você sempre a manterá. A visão budista diz que dependendo das
ações e dos hábitos associados com o contínuo mental, as reencarnações se
elevam ou rebaixam – humano, animal, fantasma, deus, e assim por diante. A
manifestação depende precisamente do comportamento da pessoa, já que não há
nada de externo elaborando punições ou lições a aprender. Continuidade
Ininterrupta. Então, estamos lidando com uma continuidade através
do tempo de uma sucessão ininterrupta de momentos, mais ou menos como um filme,
no qual há um quadro de cada vez e isso continua e continua. O que é diferente
dos filmes é que não podemos impor um começo ou fim a esta continuidade de
momentos, o que é muito difícil de compreender. Não podemos ver que não há nem
início nem fim, então precisamos usar a lógica para entender este ponto. Quando
falamos de algo que continua a renascer, trata-se da mente. Então, temos que
entender exatamente o que queremos dizer quando falamos de mente no budismo.
Não se trata de algo sólido, como o cérebro, nem de algo imaterial, da forma
como a mente é entendida no ocidente, mas trata-se meramente da atividade de
experienciar coisas individual e subjetivamente, o que está sempre acontecendo.
E não estamos falando sobre a coisa que faz a atividade; estamos falando da
própria atividade mental. Esta maneira de experienciar coisas a nível
individual e subjetivo vem em muitos sabores diferentes. O que está realmente
acontecendo a cada momento é que há um surgimento de uma espécie de manifestação
mental, como um holograma mental, e um engajamento mental com esta
manifestação. Então, temos a manifestação de visões, sons, pensamentos,
sentimentos, emoções e assim por diante. O surgimento dessas manifestações e o
experienciar delas é a mesma coisa. Não há um “eu” separado de todo este
processo que esteja fazendo com que ele aconteça, ou controlando, ou fora de
controle, ou observando tudo. Apenas está acontecendo e continuando. Cada
momento tem um sabor único, em um momento há uma visão, no próximos um som, no
próximo um sentimento de raiva ou felicidade. Isso continua incessantemente,
até mesmo quando dormimos estamos experienciando o sono, e até mesmo quando
morremos, estamos fazendo a experiência da morte. A
Continuação da Matéria/Energia e das Experiências. Quando o budismo fala de continuidade, pode ser ou da matéria e da
energia ou da experiência individual e subjetiva das coisas. Ambas
transformam-se de um momento ao outro. Então, uma árvore se transforma em
madeira, que vira uma mesa, que vira lenha para a fogueira, e então se
transforma em fogo e cinzas, e calor e energia, e assim por diante. Nada se
perde – isso é a continuidade na mesma categoria da matéria e energia. Da mesma
forma, temos a experiência de interesse se tornar atenção, irritação,
chateação, cansaço. A experiência apenas se transforma em outro tipo da mesma
categoria de fenômeno. No entanto, a raiva não pode se transformar em uma mesa,
e a madeira não pode se transformar em raiva. Então, podemos seguir as linhas
de raciocínio para a continuação do corpo. Primeiro, o esperma e óvulo dos pais
se transformam no corpo de um bebê, que se torna o corpo de um adolescente, de
um adulto, que por sua vez cria mais esperma e óvulos para as gerações futuras.
Há a continuidade a nível do corpo. Será que o mesmo ocorre com a nossa
experiência das coisas? Será que a experiência que os pais fazem das coisas se
transforma na experiência dos filhos das coisas? Precisamos pensar nisso. É
claro, a experiência que os pais fazem das coisas pode influenciar a nossa
experiência, mas será que a experiência deles ao assistir um filme se
transforma na nossa experiência ao também assistir aquele filme? Quando
pensamos nisso, não faz sentido. Suporte Físico para a Mente. Então, deve haver algum tipo diferente de mecanismo ocorrendo aqui. A
experiência das coisas não parece ser uma transformação transmitida dos pais
aos filhos, como o esperma e o óvulo criando um corpo. Poderíamos perguntar se
a experiência das coisas tem uma fonte física, e se o corpo dos pais cria a
experiência das coisas. Temos que examinar isso. Sim, a experiência das coisas
sempre depende de uma base física, mas será que este suporte cria a
experiência? É como um copo de vidro. O copo contem água mas não cria a água. O
copo é necessário para conter água, mas certamente não a cria. Da mesma forma,
um corpo é necessário para conter a experiência, mas não podemos dizer que o
corpo cria a experiência. Depois, podemos nos aprofundar, olhando para a
continuidade de nosso corpo e não apenas dos pais para os filhos. Cada átomo em
nosso corpo tem a sua própria continuidade. É extraordinário pensar que todos
os átomos e moléculas do corpo estão constantemente mudando durante a nossa
vida, então, até mesmo se houver uma continuidade de um corpo individual, o
corpo de um bebê de uma semana quase não tem nenhuma célula em comum com o
velho de oitenta anos que ele um dia será. É incrível pensar na comida que
entra no corpo e se transforma nos átomos de nosso corpos por um tempo, e então
se torna resíduo de energia cinética. Há todo um processo ocorrendo no qual
cada parte de nosso corpo físico é a continuidade de algo que antes não era
parte de nosso corpo. Isso então se torna parte de nosso corpo por um tempo e
depois continua como outra coisa diferente. Enquanto cada átomo tem a sua
própria continuidade, o próprio corpo também tem uma continuidade que retém a
sua individualidade. Isso é notável, quando se pensa nisso. Então, o que
realmente faz com que ele seja “eu”? Quando entendemos esta continuação física,
podemos perguntar: “é a mesma coisa com a experiência das coisas?” Da mesma
forma que o nosso corpo é feito de muitas partes e sistemas e átomos
diferentes, assim também é a nossa experiência de coisas feitas de diferentes
componentes que estão todos interligados. Temos o sentido da audição, da visão
e assim por diante, temos sentimentos de felicidade e infelicidade, emoções,
interesses, atenção e concentração. Há todas essas coisas que têm uma
continuidade, então será que elas são semelhantes ao corpo? Quando comemos
carne, os átomos eram parte de um outro corpo, e quando morrermos, os vermes
nos comerão e os átomos se tornarão parte do corpo deles. Será que a nossa
felicidade é assim, foi parte da mente de outra pessoa, se tornou parte de nós,
e depois irá para outra pessoa? Isso não faz nenhum sentido. Podemos apenas
dizer que a nossa experiência de felicidade agora é a experiência da minha
experiência de felicidade no passado. A Mente vem da Mente, a Experiência vem da
Experiência. Examinando isso desta forma, chegamos à conclusão
que a experiência das coisas pode apenas ser uma continuidade de si mesma –
momentos prévios e posteriores de si mesma. Então nos perguntamos: se o corpo
apenas apoia mas não cria esta experiência, será que um contínuo individual de
experiência tem um início ou um fim absoluto? Será que faz sentido que antes
não houvesse nada e que esse nada tenha se transformado em algo, em
experiência? Se foi assim, como isso funciona, de onde vem, e o que ocorre no
final? Há todos os tipos de componentes criando cada momento da experiência, de
momento a momento, formando um contínuo e, então, de repente, simplesmente
acaba? Isso também não faz muito sentido. A matéria e energia do corpo
continuam, desde antes de nascermos e até depois que morremos, o que ocorre
então com a experiência? Temos que realmente pensar sobre isso, olhar para a
causa e o efeito, que operam de um momento ao outro e fazem com que a
continuidade ocorra. Temos realmente apego à existência, o que faz com que
queiramos continuar indefinidamente. Teremos isso ao morrer também, pois se há
apego à existência contínua do momento número um ao momento número dois, por
que ele não deveria continuar a criar mais momentos quando vocês morrem? Não
faz sentido que a causa não tenha nenhum efeito. Por isso tiramos nossa cabeça
da água automaticamente quando tentamos nos afogar. É quase impossível nos
matarmos colocando a nossa cabeça em uma pia cheia de água, pois há um apego
muito forte para continuarmos a existir. À medida que nos aprofundamos,
chegamos a uma compreensão mais sofisticada de como a renascimento funciona e
do que realmente passa de uma vida à outra. Não há nada de sólido que continua,
como uma mala que se move na esteira rolante do aeroporto, mas existe
continuidade. Também há alguns padrões, inclinações e interesses que continuam,
o que faz com que certas coisas sejam mais fáceis para certas pessoas do que
para outras. Aplicação
no Cotidiano. Tudo isso se
traduz bastante em termos de nossa própria experiência desta vida, porque
significa que o tipo de personalidade que temos e desenvolvemos – podemos
desenvolver as nossas personalidades para nos tornarmos o que quisermos – terá
continuidade. Isso nos confere uma grande responsabilidade, pois podemos
decidir que tipo de continuidade de experiência queremos ter no futuro e agir
de acordo com isso. Não se trata de recompensa e punição, mas se quisermos
fazer a experiência do sofrimento, podemos criar causas para isso, e se
quisermos fazer a experiência da felicidade, também podemos criar causas para
isso. É tudo muito lógico quando olhamos para causa e efeito. Desenvolvemos
certos hábitos quando crianças, e eles continuam como adultos, e podem
continuar nas vidas futuras também. Resumo. Não é
realmente tão difícil ganhar uma boa compreensão intelectual da renascimento no
budismo. A real questão é, como será quando eu morrer? O que sentirei neste
momento? Quão forte será a minha convicção? Por isso, realmente precisamos
examinar os ensinamentos e não apenas aceitar o que os outros nos dizem. Quando
alcançarmos um entendimento da causa e do efeito, e portanto da continuação da
matéria física e dos momentos mentais, nos tornaremos mais conscientes de
nossas ações, o que afetará não apenas esta vida, mas também as vidas futuras. www.studybuddhism.com. Abraço. Davi.
terça-feira, 25 de abril de 2017
LEIS SOCIAIS ISLÂMICAS I
Islamismo.
Dissertação de Conclusão de Curso de Zuhra Mohd El Hanini. NOÇÃO DE DIREITO
ISLÂMICO. Capítulo três. LEIS SOCIAIS I. INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. A instituição da
família trata-se da primeira e mais importante instituição da sociedade. Esta
se forma pela união do homem e da mulher, e deste contato forma-se uma nova geração
que logo acaba por desenvolver os laços de parentesco e a comunidade, que
gradualmente evolui constituindo a sociedade. A família acaba sendo responsável
do preparo das gerações que servirão a humanidade e cumprirão suas obrigações
sociais. Deste ponto de vista, a família pode ser considerada, sem dúvida, a
fonte de progresso, desenvolvimento, prosperidade e força da civilização
humana. Consequentemente, afirmamos que a falta desta instituição acarreta a
decadência da sociedade. Segundo a Shariah, a forma correta e adequada de
relação entre o homem e a mulher é através do casamento, que é a relação onde
ambos assumem, compromisso e responsabilidades sociais, e que tem por resultado
a instituição da família. Os comportamentos irresponsáveis e as relações
ilícitas entre homens e mulheres fora do casamento, são vistas pela Shariah não
como meros divertimentos inocentes, mas como atos que colocam em risco as
raízes da sociedade humana. Por isso qualquer tipo de relação sexual extra
matrimonial é visto como um grave crime, passível de punição, para que este
comportamento anti social não se generalize. Ao mesmo tempo, o Islam tenta
purificar e libertar a sociedade de todas as atividades que encorajem tais
ações irresponsáveis. Por este motivo, a Shariah facilita ao máximo possível o
casamento, ao mesmo tempo em que dificulta as relações extramatrimonial. A
Shariah não favorece um sistema familiar desagregado, privado de qualquer
autoridade, controle e disciplina, em que ninguém é expressamente responsável
pelo bom comportamento dos membros da família. A disciplina só pode se manter
através duma autoridade central, e segundo o Islam, a posição do pai de família
é tal, que o torna a pessoa mais conveniente para assumir esta
responsabilidade. Isso não significa que o homem tenha sido designado como
tirano e opressor da família e que a mulher lhe tenha sido entregue como um bem
mobiliário desamparado, mas sim que a cada um dos cônjuges é designada uma
função específica de acordo com sua natureza e de acordo com a justiça.
Portanto, segundo a Shariah é conferido ao homem a responsabilidade de ganhar e
de suprir as necessidades da sua mulher e dos filhos, e de protege-los de todas
as vicissitudes da vida. A mulher é conferido o dever de governar a casa e
educar os filhos do melhor modo e de fornecer ao seu marido e filhos o maior
conforto e satisfação possível. Para fazer do governo da casa uma instituição
bem dirigida e bem disciplinada, a Shariah adotou as duas medidas seguintes: 1
– Ao homem foi dada a posição de chefe de família. Nenhuma instituição pode
trabalhar regularmente a não ser que nela exista um administrador. Se não
existe ninguém para controlar uma instituição, só pode resultar o caos. Se
todos na família seguirem o seu próprio caminho só prevalecerá a confusão. Se o
marido segue um caminho e a mulher outro, o futuro dos filhos arruinar-se-á.
Tem de haver alguém como chefe de família tal que a disciplina seja mantida e a
família se torne uma instituição ideal da sociedade. O Islam dá esta posição ao
marido e deste modo torna a família uma bem disciplinada unidade primária da
civilização: um modelo para a sociedade em geral. 2 – Este chefe de família foi
investido de algumas responsabilidades. É seu dever ganhar a vida e suportar
todos os problemas que não pertençam ao governo da casa. A mulher foi libertada
de todas as atividades para além do governo da casa, atividades estas que são
transferidas para os ombros do marido, para que ela possa devotar-se
completamente aos seus deveres internos e pôr todas as suas energias na
manutenção da lida da casa e na educação dos filhos, os futuros guardiões da
nação. O Islam não pretende sobrecarregar as mulheres: educar as crianças,
manter o governo da casa, ganhar a vida trabalhando também fora de casa. Isso
seria evidentemente uma grande injustiça, o Islam é afeto a uma distribuição
funcional entre sexos. Mas isto não significa que à mulher não seja permitido
sair de casa ou trabalhar fora dela, mas que isso não lhe é exigido. O Profeta
Muhamad apud Nawawi disse: “Cada um de vós é um pastor, e cada um de vós leva a
responsabilidade quanto àqueles que se encontram a seu cargo. Assim como o
governador é um pastor, o homem em sua casa, também é um pastor, e a mulher é
uma pastora quanto à sua casa, seu marido e filhos. Portanto, cada um de vós é
um pastor, e responsável por aqueles que se encontram a seu cargo”. Desta forma
a instituição familiar encontra-se organizada e apta para ser a base e exemplo
para a sociedade. Sem dúvida, que quando a família é corrompida e mal organizada,
a sociedade toda sofrerá essas consequências, que muitas vezes implicam em
resultados drásticos, tais como a violência, o abandono de crianças e a
corrupção. Podemos resumir da seguinte forma: Quanto mais organizadas e
disciplinadas estiverem as famílias, mais organizada e disciplinada será a
sociedade. Esta é a importância que a Shariah concede à instituição da família.
Muitas das normas e regramentos do Islam vêm diretamente para proteger essa
instituição, dentre essas podemos citar a obrigatoriedade da vestimenta
adequada e moral tanto do home quanto da mulher, e aqui vem a prescrição do véu
à mulher muçulmana, o recato do olhar, a proibição de se espalhar obscenidades
na sociedade, entre outras regras prescritas pelo Islam. Todas elas visam a proteção
da família que em suma é a proteção da sociedade humana. A POSIÇÃO DA MULHER NA
SOCIEDADE ISLÂMICA. No mundo ocidental, seja por influência da mídia, seja por
informações errôneas, geralmente, tem-se uma imagem distorcida da mulher no
Islam, que é vista como carregada de submissão e privada de direitos. A verdade
é que a Shariah garantiu à mulher diversos direitos, há quinze séculos, muitos
destes, há pouco tempo reconhecidos pelo ocidente. Aqui se faz necessário uma
breve análise da posição da mulher antes do Islam, para que tenhamos uma noção
do período histórico em que tais direitos estavam sendo garantidos às mulheres.
No decorrer da história, a mulher sempre foi considerada a culpada pelas
desgraças que assolavam o mundo. Chegou-se ao ponto de especular se a mulher
tinha ou não uma alma. Taxaram-na de demônio elhe foi negado o direito de
pensar, de herdar, de votar, de ser responsável pelos próprios bens e de sentir
prazer sexual. Antigamente, a posição social da mulher era praticamente nula/
em alguns códigos, a mulher contava-se propriedade do homem; em outras
civilizações não tinha o direito à herança ou a propriedade; na Índia, ela não
tinha direito independentes do pai, marido ou filho, e se o marido morresse era
condenada a morrer no dia da morte do marido dela. Alguns consideravam a mulher
uma maldição. Até pouco tempo atrás pesquisavam se a mulher é obra de Deus ou
do diabo. Na península arábica pré-islâmica era comum o infanticídio de meninas
pelo fato de que eram consideradas motivo de desonra e vergonha. Foi neste
contexto e no meio das trevas absolutas que envolviam o mundo, que a revelação
divina ecoou no vasto deserto da Arábia com uma nova, nobre e universal
mensagem para a humanidade quando o Alcorão Sagrado diz em 4,1 “Ó humanos, temei
a vosso Senhor que vos criou de um só ser, do qual criou sua companheira e, de
ambos, fez descender inumeráveis homens e mulheres”. Também em 7,189 “Ele
(Deus) foi quem vos criou de um só ser e, do mesmo, plasmou sua companheira,
para que convivesse com ela”. No Alcorão 16,72 é dito “Deus vos designou
esposas de vossa espécie e delas vos concedeu filhos e netos e vos agraciou com
todo o bem”. Ponderando sobre esses versículos do Alcorão Sagrado, podemos
dizer que não há um texto, antigo ou novo, que trate da afabilidade da mulher,
em todos os aspectos, com tão espantosa brevidade, eloquência, profundeza e
originalidade como esse decreto divino. O Islam libertou a mulher e
dignificou-a, devolveu a mulher todos os direitos que lhe haviam sido usurpados
pelos homens. A Shariah eleva a condição da mulher e a valoriza, devolvendo a
mulher o lugar que lhe é de direito no seio da sociedade. Para melhor análise,
faremos uma breve revisão da posição e papel da mulher na sociedade, a partir
da perspectiva islâmica: O ASPECTO ESPIRITUAL –
De acordo com o Alcorão, homens, homens e mulheres têm a mesma natureza
humana espiritual, e encontramos nele claras evidências de que a mulher está
completamente igualada ao homem, no seu aspecto espiritual, quanto aos seus
direitos e responsabilidades, o Alcorão diz em 16,97 “A quem praticar o bem,
seja homem ou mulher, e for fiel, conceder-lhe-emos uma vida agradável e o
premiaremos com uma recompensa superior ao que houver feito”. Em 33,35 o
Alcorão fala “Quanto aos muçulmanos e as muçulmanas, aos fiéis e as às fiéis,
aos consagrados e as consagradas, aos verazes e as verazes, aos perseverantes e
as perseverantes, aos humildes e às humildes, aos caritativos e as caritativas,
aos jejuadores e as jejuadoras, aos recatados e às recatadas, aos que se
recordam muito de Deus e às que se recordam Dele, saibam que Deus lhes tem
destinado a indulgência e uma magnífica recompensa”. Em termos de obrigações
religiosas tais como as orações diárias, o jejum, o zakah e a peregrinação, a
mulher não se difere do homem. Em alguns casos, a mulher tem certas vantagens
sobre o homem. Por exemplo, a mulher fica isenta das orações diárias e do jejum
durante o seu período menstrual e na sua dieta pós-parto. Fica também isenta de
jejuar durante a sua gravidez e quando estiver amamentando, se houver qualquer
ameaça à sua saúde ou a saúde do bebê. As mulheres costumavam ir as mesquitas
durante os dias do Profeta; e daí em diante, a oração em congregação na
sexta-feira passou a ser opcional para elas enquanto é obrigatória para os
homens. Certamente, este é um toque sensível dos ensinamentos islâmicos, pois
leva em consideração as mudanças fisiológicas e psicológicas associadas às
funções de sua natureza feminina. ASPECTO INTELECTUAL – A mulher muçulmana não
só tem o direito, mas também o dever de estudar e procurar o conhecimento,
porque essa é a melhor forma de se aproximar de Deus. Ela passa a ter os seus
horizontes abertos, e a sua fé passa a ser uma fé consciente, enraizada na
mente e no coração. A mulher é a base da sociedade, pois ela é a mãe e a
“melhor das escolas”, e com ela que aprendemos tudo o que se refere aos
princípios morais e boas maneiras. Logo, se a mãe é sábia e virtuosa, seus
filhos assim crescerão, e a sociedade será consolidada na verdade e na virtude.
O Alcorão Sagrado, convida a homens e mulheres para que observem o Universo, as
plantas, os animais, a chuva e etc, com a finalidade de desenvolver a
inteligência e a percepção da existência de Deus. Uma das mais nobres figuras
da história do Islam é uma mulher. Aisha, esposa do Profeta Muhamad. Ela era
conhecida por sua inteligência privilegiada e uma ótima memória. Esta debatia
frequentemente com o profeta Muhamad os assuntos pertinentes à comunidade
Islâmica desde o mais simples até aos mais complexos e delicados. Após o
falecimento do Profeta Muhamad, ela foi ativa preservadora, organizadora e
divulgadora da Sunnah do Profeta Muhamad para as gerações futuras. Muitas
vezes, os líderes dos muçulmanos recorreram a ela em busca de conhecimento e esclarecimento
referente a questões da Shariah. O ASPECTO SOCIAL – Como criança e adolescente.
A despeito da aceitação social do infanticídio feminino entre algumas tribos
árabes, o Alcorão proibiu esse costume e o considerou um crime com outro
qualquer. Isso é mostrado no Alcorão em 16, 57-59 “Quando a algum deles é
anunciado o nascimento de uma filha, o seu semblante se entristece e fica
angustiado. Oculta-se do seu povo, pela má notícia que lhe foi anunciada: deixe
à viver, envergonhando, ou a enterrará viva? Quem péssimo é o que julgam!” O
Islam exige que a menina seja tratada com amabilidade e justiça. Dentre os
ditos do Profeta Muhammad a esse respeito, citamos o seguinte: “Aquele que
tiver uma filha e não a enterrar viva, não a insultar, e não preferir o filho
homem a ela, Deus o introduzirá no Paraíso”. Como esposa. O Alcorão Sagrado
indica claramente que o casamento é compartilhado pelas duas metades da
sociedade; e seus objetivos, além de perpetuarem a espécie, são o bem-estar
emocional e a harmonia espiritual. Suas bases são o amor e a compaixão. Entre
os mais impressivos versículos do Alcorão a respeito do casamento, citamos em
30,21 “Entre seus sinais estão de haver-vos criado companheiras de vossa mesma
espécie para que com elas convivais; e vos vinculou pelo amor e pela piedade”.
De acordo com a Lei Islâmica a mulher não pode ser forçada a casar sem o seu
consentimento. Além de todas as outras provisões para a proteção da mulher no
tempo de casada, foi especificamente decretado que ela tem todo o direito do
desfrutar de seu dote, o que é dado a ela pelo marido, e está incluído no
contato nupcial. Tal propriedade não é transferível a seu pai ou marido. O
conceito do dote no Islam não representa nem preço real nem simbólico da
mulher, como era o caso com algumas culturas, mas é um presente, simbolizando
amor e afeição. As regras para a vida matrimonial no Islam são claras e estão
em harmonia com a honrada natureza humana. Em consideração à constituição
fisiológica e psicológica do home e da mulher, ambos têm direitos iguais e
deveres mútuos, exceto em uma responsabilidade, a de liderança. É uma questão
natural em qualquer vida coletiva, e é consistente com a natureza do homem. O
alcorão diz em 2,228 “Elas têm direito sobre eles, como eles os têm sobre elas,
embora os homens mantenham o predomínio”. Tal predomínio é representado pela
manutenção e proteção. Isso se refere à diferença natural entre os dois sexos o
que outorga proteção ao sexo feminino. Não implica, porém, em superioridade ou
vantagem perante a lei. Assim, o desempenho da liderança do homem em relação a
sua família não significa a predominância do marido sobre a esposa. O Islam dá
ênfase à importância de pedir conselho e anuência mútuos nas decisões
familiares. Além dos direitos básicos da mulher como esposa, vem o direito
acentuado pelo Alcorão, e intensamente recomendado pelo Profeta que é o
tratamento amável. O Alcorão diz em 4,19 “Harmonizai-vos com elas; pois se as
menosprezardes, podereis estar depreciando um ser que Deus dotou de muitas
virtudes”. O Profeta Muhammad disse “O melhor dentre vós é aquele que melhor
trata sua esposa e o que é melhor para com sua esposa”. Uma vez que o direito
da mulher de decidir sobre o seu casamento é reconhecido, o seu direito de
pedir o término (divórcio) de um casamento fracassado é também reconhecido.
Para proporcionar estabilidade da família, contudo, e visando a sua proteção
quanto a decisões precipitadas, sob tensão emocional temporária, certos passos
e períodos de espera devem ser observados pelo homem e pela mulher que estão se
divorciando. A mulher tem o direito de manter o seu nome de solteira após o
casamento, pois o nome é parte da identidade e da personalidade da pessoa, e
uma das formas de aprisionar a mulher e coloca-la sob o domínio do homem, foi
fazê-lo adotar o nome do marido após o casamento, como um objeto que é passado
de uma pessoa para a outra. A primeira mulher a ir contra essa agressão no
ocidente foi Lucy Stones (1818-1893), em 1885. Como mãe. O Islam considera a
amabilidade para com os pais próxima da adoração de Deus, isto é mostrado no
Alcorão 17,23 “O decreto de teu Senhor é que não adoreis senão a Ele; que
sejais indulgentes com vossos pais”. Além do mais, o Alcorão apresenta uma
recomendação especial para o bom tratamento às mãe em 31,14 “E recomendamos ao
homem benevolência para com seus pais. Sua mãe o suporta entre dores e dores”.
Um famoso dito do Profeta Muhammad diz: “O Paraíso jaz aos pés das mães”. Os
Hadith também destinam às mães um lugar especial de honra. Um homem veio ter
com o Profeta e lhe perguntou: Ó Mensageiro de Deus, quem, dentre as pessoas, é
merecedor de minha boa companhia? O profeta disse, sua mãe. O homem perguntou,
quem seria a pessoa seguinte e o Profeta respondeu: Sua mãe. O home continuou
indagando e o Profeta respondeu: sua mãe. O homem voltou a perguntar: E depois?
Somente então, o Profeta disse: seu pai (Compilado por Bukhari em seu livro:
Sahih Al Bukhari). Além destes direitos, a mulher muçulmana tem os seguintes
direitos: A mulher no Islam tem direito à herança e de dispor dos seus bens
como quiser. Disse Deus no Alcorão Sagrado em 4,32 “Não ambicioneis aquilo com
que Deus agraciou uns, mais do que aquilo com que agraciou outros, porque aos
homens lhes corresponderá aquilo que ganharem assim, também as mulheres terão
aquilo que ganharem. Rogai a Deus que vos conceda a sua graça, porque Deus é
onisciente”. Universidade da Região da Campanha. Campus Universitário do Curso
de Direito – Bagé – RS – Brasil. Abraço. Davi.
Assinar:
Postagens (Atom)