Hinduísmo. Quem
se propõe a realizar a tarefa da tradução dos aforismos do sábio Patanjali
enfrenta um obstáculo inesperado: o grande número de traduções já existentes,
assinadas por nomes de pensadores expressivos e respeitados entre os
praticantes e estudiosos do Yoga. Ainda que o tradutor tenha uma saudável
independência em relação a outras opiniões, ele dificilmente escapa da tentação
de examinar o que outros autores e tradutores fizeram para elucidar
determinados termos do original sânscrito. E o peso da autoridade que
determinados nomes representam interfere de forma vigorosa na maneira como o
empreendedor estabelece os seus próprios critérios de tradução. É muito comum o
questionamento sobre as traduções, por parte dos leitores, baseado sobre outras
traduções, e não sobre os termos originais da obra. Comentários do tipo “Eu li
numa tradução de fulano que esse tópico deve ser entendido dessa maneira ou
daquela (...)” são muito frequentes quando se trata de literatura polêmica. E
os Sutras do Yoga constituem um texto bastante polêmico. Sem fazer pouco caso
da autoridade de tantos autores de comentários aos Sutras, bem como dos seus
tradutores, percebemos claramente ao examinar as dezenas de traduções
disponíveis na atualidade que se disseminaram amplamente alguns erros de
método. Embora poucos, esses erros prejudicam o resultado do tradutor. Alias é
justamente a elevada qualificação de alguns dos tradutores, e o respeito que
eles conquistaram entre os estudiosos da filosofia e os praticantes do Yoga,
que ajuda a manter vivas essas falhas na linha do tempo. A distorção mais comum
é resultado de uma opinião corrente entre os adeptos do Yoga, segunda a qual
não é possível compreender o texto dos Sutras sem a ajuda de comentários
elucidativos. A presença de um mestre seria indispensável, mas na falta deste
há os comentários escritos que procuram dirimir as dúvidas com extensas
explanações a respeito dos principais tópicos tratados em cada frase. Embora
não esteja longe da verdade essa opinião, o problema que ela gerou foi o de
deixar os tradutores muito preocupados com a elucidação de cada frase
individualmente, o que tornou muito complicada a leitura sequencial do texto.
Os Sutras eram textos construídos para facilitar a memorização de um assunto
determinado, normalmente um sistema filosófico. A memorização era feita com
facilidade em razão do modo pelo qual as frases eram construídas, de maneira
que cada uma fosse a sequência lógica e natural da frase anterior, e a
preparação para os termos e conceitos da frase seguinte. A leitura, portanto,
deve ser tão encadeada e natural quanto a própria sequência das frases. De nada
adianta, portanto, traduzir uma frase de uma maneira tão independente das
demais que se torne difícil entender o vínculo linear que as une. A maior parte
das outras falhas de tradução resultaram da tentativa de entender conceitos
filosóficos indianos utilizando as interpretações ocidentais como referência.
Apenas como exemplo, a tradução de Viparyaya, que significa apenas
inventividade, por conhecimento errôneo, falso, perverso, incorreto, e tantos
outros adjetivos que foram utilizados em quase todas as traduções é, sem
qualquer dúvida, um erro grosseiro de avaliação do verdadeiro significado do
termo. Não é concebível que uma manifestação do aspecto mais elevado da mente
humana possa ser encarada como um princípio defectivo, defeituoso por
definição. Nem a frase original em sânscrito diz isso, por certo, embora
utilize uma terminologia que pode dar alguma margem à interpretação equivocada.
Para escapar das armadilhas habituais das traduções de textos dessa natureza,
devemos partir do geral para o particular, e não o inverso. Neste trabalho
optamos por buscar a compreensão dos temas gerais abordados no texto em cada um
de seus quatro capítulos, traçando um plano geral da obra e descendo
gradualmente aos detalhes até que cheguemos à elucidação de cada termo
duvidoso, frase a frase. A ideia subjacente ao conjunto sempre prevalece sobre
eventuais ambiguidades dos detalhes. Para permitir ao leitor acompanhar esse mesmo
procedimento, e, portanto, extrair melhor proveito da leitura, reunimos alguns
dos comentários que consideramos importantes para elucidar o texto nos
capítulos que apresentamos a seguir. Desse modo, ao iniciar a leitura do texto,
o estudante já terá alguma noção do que encontrará em cada capítulo.
Comentários muito breves acompanham ainda o corpo traduzido dos Sutras,
juntamente com notas e observações em pontos críticos da leitura. Ao final, o
texto é reproduzido literalmente, grafado em sânscrito (no alfabeto original,
Devanagari, e no alfabeto de transliteração adotado internacionalmente para o
sânscrito) e também traduzido para o português. Essa reprodução do original
serve aos estudantes da língua, bem como aos críticos, estudantes de Yoga e
curiosos, que queriam ter uma visão panorâmica da correspondência dos termos. O
que você, leitor, poderá seguramente extrair da leitura, seja qual for a
motivação que o trouxe até este texto, é que o entendimento dos Sutras é
bastante fácil, e exige apenas um mínimo de dedicação. As dificuldades só
aparecem quando decidimos converter essas doutrinas em uma realização prática.
Este foi o grande desafio apresentado pelo sábio Patanjali. Abraço. Davi.
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