sexta-feira, 28 de maio de 2021

JESUS E O JUDAÍSMO

 

Judaísmo. www.ihu.unisinos.br. JESUS E O JUDAÍSMO. "A figura de Jesus tem sido, infelizmente, um empecilho no relacionamento entre cristãos e judeus, uma justificativa para exclusão mútua, uma fonte de atrito e ressentimento. É de fundamental importância que Jesus seja reconhecido como um elo essencial entre os dois credos. Jesus é a ponte através da qual toda a cristandade passa a ser incluída como descendente de Abraão e, portanto, co-herdeira, juntamente com os judeus, do seu grandioso legado espiritual", escreve Henry Sobel (1944-2019), rabino e ex-presidente da Congregação Israelita Paulista (CIP), recentemente falecido. O texto foi publicado originalmente em: Aquino, M. F. (Org) Jesus de Nazaré. Profeta da liberdade e da esperança. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999, pp. 89-104. Eis o artigo. Confesso que hesitei antes de aceitar o convite da Editora Unisinos para escrever este artigo. Afinal, Jesus é a figura máxima da cristandade e tive receio de penetrar em seara alheia. Mas, pensando bem, a seara não é de todo alheia, como veremos em seguida. Mesmo assim, traço estas linhas com profunda humildade, pisando em ovos, ciente de que a relação entre Jesus e o Judaísmo é das mais delicadas. Jesus era judeu, nascido de mãe judia. Foi circuncidado no oitavo dia, de acordo com a lei judaica (Lucas 2,21), e se considerava um judeu fiel às suas origens. Seus ensinamentos derivam das leis e das tradições judaicas com as quais Jesus se criou e que jamais negou. Ele era chamado de "rabino" (João 1,49; 9,2) e frequentava o Templo de Jerusalém, junto com seus discípulos. É uma pena que as divergências posteriores entre Igreja e Sinagoga tenham resultado num processo de obliteração das origens judaicas do cristianismo. Jesus participava em debates acerca da interpretação dos preceitos judaicos, como o faziam outros judeus de sua época, e pregava a obediência às leis da Torá, a Bíblia hebraica. Ensinava nas sinagogas e sua mensagem era uma mensagem judaica, dirigida por um judeu aos seus correligionários judeus. Provas da "judaicidade" de Jesus não faltam no Novo Testamento. Por exemplo, em Marcos 12,28-31, quando lhe perguntam qual é o principal mandamento, Jesus responde com as palavras da Bíblia hebraica (Deuteronômio 6,4-5): "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu pensamento e com toda a tua força." Essa afirmação de fé, conhecida como Shenzá, era na época — e é até hoje — repetida duas vezes por dia por todo judeu observante. Ao Shemá, Jesus acrescenta um segundo mandamento, que ele considera "igualmente importante", também extraído da Torá: "Amarás o próximo como a ti mesmo" (Levítico 19,18). Um segundo exemplo das origens judaicas dos ensinamentos de Jesus encontra-se no "Pai-Nosso" (Mateus 6,9-13). Novamente, as semelhanças com as Escrituras e liturgia judaicas são patentes: "Avinu She'Ba'Sbamayiin", "Pai nosso que estás no céu", era uma invocação tradicional nas preces e bênçãos judaicas; "Itkadasb sbinei raba", "Seja santificado Teu nome", faz parte do Kadish, a principal oração judaica de louvor a Deus; "V'al tevieinu lo lidei nissaion", "Protege-nos contra a tentação" consta das rezas matutinas. A Torá diz que Deus é nosso Pai (Isaías 63,16) e os antigos rabinos já nos ensinavam a dirigirmo-nos a Ele como "Pai" em nossas preces. Há muitos comentários em torno do termo aramaico Aba, "Pai", usado por Jesus durante seus momentos de angústia no jardim Getsêmani. A maneira como Jesus abre o coração ao Pai nessa hora mostra sua confiança em Deus como figura paterna, mas não significa necessariamente — conforme alegam alguns estudiosos cristãos — que essa forma de tratamento fosse um novo conceito introduzido por Jesus. Um terceiro exemplo digno de menção é o Sermão da Montanha. Além de serem encontrados sugestivos paralelos entre as bem-aventuranças e alguns versículos dos Salmos (por exemplo, "Mas os mansos possuirão a terra", Si 37,11), Jesus afirma nesse sermão seu amor à Torá em termos inequívocos: "Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas: não vim abolir, mas cumprir. (...) Aquele que transgredir um só desses mandamentos, por menor que seja, e ensinar os homens a fazer o mesmo será declarado o menor no Reino dos céus. Mas aquele que os observar e os ensinar, será declarado grande no Reino dos céus" (Mateus 5,17-19). E não podemos deixar de perceber que o imperativo moral de imitar a perfeição do Criador ("Sereis perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste", Mateus 5:48) é muito semelhante ao mandamento em Levítico 11,45 e 19,2 ("Sereis santos, pois Eu sou santo"). Um ponto frequentemente citado como prova de que Jesus se opunha aos ensinamentos judaicos é "Ouvistes o que foi dito: (...) Odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mateus 5:43). Os estudiosos da Bíblia ainda não conseguiram determinar ao certo a fonte em que se baseou essa afirmação de Jesus, já que em nenhum lugar do Antigo Testamento se encontra uma injunção de "odiar o inimigo". Pelo contrário, a Torá ordena: "Se teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se está com sede, dá-lhe de beber. Com isso (...) o Senhor te recompensará" (Provérbios 25,21-22). Ao ressaltar o que há de comum entre os ensinamentos de Jesus e os preceitos judaicos, não se pretende negar a singularidade e o caráter inovador da pregação desse grande mestre. Pretende-se apenas mostrar quão falsa é a tão propalada tese de que Jesus e os judeus de sua época eram adversários ideológicos. Não o eram e nem podiam ser, pois seguiam a mesma Bíblia. Como bem o explicou o Papa João Paulo II, em um encontro com os membros da Pontifícia Comissão Bíblica em 11 de abril de 1997: "Não se pode exprimir de maneira plena o mistério de Cristo sem recorrer ao Antigo Testamento. A identidade humana de Jesus define-se a partir do seu vínculo com o povo de Israel." Dito isto, devemos reconhecer as importantes e numerosas diferenças entre as ideias propagadas por Jesus e as doutrinas judaicas. Alguns dos pronunciamentos de Jesus negam o ensinamento judaico de que nenhum homem pode ser um intermediário entre o Criador e os outros homens. Jesus dizia: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim" (João 14,6). A ideia de que o relacionamento especial de Jesus com Deus permitiria a salvação somente daqueles que acreditassem nele, Jesus, é alheia ao judaísmo. Os profetas hebreus castigavam os pecadores, mas não perdoavam os pecados. Sob a perspectiva judaica, o perdão cabe somente a Deus — ou à pessoa contra quem o pecado foi cometido. Jesus, entretanto, acreditava ter o poder de perdoar qualquer pecado. Ele dizia: "Saibam que o Filho do Homem tem autoridade na terra para perdoar os pecados" (Mateus 9,6). Mais ainda, Jesus alegava ter o poder de ressuscitar os mortos: "Assim como o Pai reergue os mortos e os faz viver, o Filho também faz viver quem ele quer" (João 5,21). Os profetas hebreus também operavam milagres, mas frisavam que o faziam como meros instrumentos de Deus. Quando Elias ressuscitou o filho da viúva (I Reis 17,17-24), ele não atribuiu o milagre a si próprio, mas sim "invocou o Senhor, dizendo: 'Senhor, meu Deus, faze com que a respiração deste menino volte a ele!". Da mesma forma, quando Eliseu quis ressuscitar o filho da sunamita, ele "orou ao Senhor" e a criança reviveu em resposta às suas preces (II Reis 4,33). No que tange à lei de talião, "olho por olho, dente por dente", criticada por Jesus no Sermão da Montanha (Mateus 5,38-39), não se tratava de uma cruel represália física, mas sim de um princípio jurídico segundo o qual a pena deveria ser proporcional à ofensa. Foi um progresso na jurisprudência da época, pois antes eram comuns os excessos na prescrição de penas. Não há indícios de que a lei de talião tenha sido aplicada literalmente nos tempos bíblicos e sabe-se que foi mais tarde substituída por um sistema de compensação monetária. Mesmo assim, a atitude preconizada por Jesus, "Se alguém te esbofeteia na face direita, oferece-lhe também a outra face", é totalmente contrária à doutrina judaica. Sob a perspectiva do judaísmo, oferecer a outra face é um incentivo ao agressor para que continue agindo com violência. O judaísmo exalta a família, inserida no contexto maior da comunidade. Jesus advogava o celibato e desprezava os laços familiares, considerando-os uma barreira à devoção religiosa. Quando um de seus discípulos suplicou: "Eu vou te seguir, Senhor, mas primeiro permite que eu me despeça dos que estão em minha casa", Jesus o repreendeu: "Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus" (Lucas 9,61-62). Ele afirmava categoricamente: "Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo" (Lucas 14,26). O judaísmo ressalta a importância da oração coletiva. Exige-se um minyan (o quorum de dez homens) para as preces principais e, especialmente, para a leitura da Torá. Isto não significa que o judaísmo desvalorize a oração individual, mas sim, que o indivíduo é visto como um elo na corrente do seu povo e da humanidade. Jesus, por outro lado, criticava esta postura e louvava a oração solitária: "E quando rezardes, não sejais como os hipócritas que gostam de fazer suas orações de pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos homens (...) Quando quiseres orar, entra no teu quarto, fecha a porta, e ora ao teu Pai em segredo" (Mateus 6,5-6). Uma das principais divergências entre cristãos e judeus é a questão de Jesus ser ou não o Redentor ou Messias. Expectativas messiânicas já existiam antes do nascimento de Jesus e os judeus aguardavam fervorosamente a chegada do Messias à Terra, em cumprimento da profecia bíblica. Os primeiros discípulos de Jesus, acreditando que ele fosse o Messias prometido pelos profetas, acrescentaram a palavra Cristo ao seu nome (Christos, em grego, é a tradução do termo hebraico Mashiach, Messias, "o ungido") e essa crença tornou-se o dogma do cristianismo. Assim sendo, sob a perspectiva cristã, já estamos vivendo na era messiânica há 2 mil anos. Os judeus, por outro lado, não reconhecem Jesus como Messias, simplesmente porque as profecias messiânicas nas quais depositamos nossas esperanças não se concretizaram. A opressão não terminou, a guerra não acabou, o ódio não cessou, a miséria não findou. E, acima de tudo, a tão esperada regeneração espiritual da humanidade certamente não ocorreu. Além dessa séria discordância entre judaísmo e cristianismo acerca do status messiânico de Jesus, tampouco a natureza divina de Jesus é aceita pelos judeus. A doutrina cristã de que Deus tornou-Se homem é incompatível com os princípios judaicos. O judaísmo não aceita nenhuma distinção entre os homens, nem admite que um homem seja superior a outro. Os rabinos explicam que toda a raça humana proveio de Adão. E por que só de Adão? Para que ninguém possa dizer que seu pai é melhor do que qualquer outro. E como Deus nos fez todos iguais, o judaísmo não reconhece um "Filho de Deus" que se destaca e se eleva acima dos outros seres humanos. A convicção judaica é de que somos todos "filhos de Deus", criados à Sua imagem, e nenhum ser humano pode ser considerado mais divino do que os outros. De acordo com o judaísmo, Deus é Deus, o homem é homem, e entre eles existe uma distância intransponível. Tal crença não reflete um desrespeito ou preconceito contra Jesus. Nenhum dos nossos próprios patriarcas ou profetas — nem AbraãoIsaac ou Jacó, nem MoisésAarão ou David — é considerado divino. Na teoria judaica, com sua ênfase rigorosa no monoteísmo, Deus não pode Se materializar em nenhuma forma. A crença num Messias divino que é a encarnação de Deus contraria a convicção judaica da absoluta soberania e unicidade de Deus. O fato de existirem diferenças entre judeus e cristãos não deve e não pode impedir-nos de sermos irmãos e lutarmos juntos pelos grandes e nobres objetivos universais. Irmãos são diferentes, têm opiniões diferentes, ideias diferentes, convicções diferentes. As diferenças em si não constituem um problema. O que constitui um grave problema no relacionamento entre os adeptos do judaísmo e do cristianismo é a acusação de que os judeus mataram Jesus. O antissemitismo já existia bem antes da época de Jesus. Por volta do ano 450 antes da Era Comum, quando o primeiro-ministro da Pérsia, Haman, quis justificar seu plano de matar todos os judeus do império, ele alegou o seguinte: "Há em todas as províncias do reino um povo disperso e separado dos outros; suas leis são diferentes das dos demais povos" (Ester 3,8). Este, e apenas este, foi o "crime" que os judeus cometeram: eles eram diferentes. Era isto também que os cristãos costumavam dizer sobre os judeus. Desde o declínio do Império Romano, a Igreja Católica se tornara a força dominante na civilização ocidental. À medida que o cristianismo se difundia por toda a Europa, os judeus acabaram sobrando como os únicos dissidentes. Com impaciência cada vez maior, a Igreja e seus fiéis procuravam enquadrar aquela minoria obstinada. Consideravam a permanência do judaísmo não só ofensiva como inexplicável. Era inconcebível para eles que qualquer pessoa, em sã consciência, pudesse preferir outra fé senão o catolicismo. Por que os judeus ainda se apegavam ao seu "falso" credo? Por que Deus ainda o permitia? A única explicação, concluíram muitos cristãos, era que os judeus serviam de advertência, que Deus havia condenado aqueles "assassinos de Cristo" a viverem eternamente — rejeitados, proscritos, vagando de terra em terra como exemplo do que acontece aos que renegam Jesus. O sentimento antijudaico era reforçado por tudo que diferenciava os judeus dos demais: suas leis alimentares, suas normas de abate de animais, seu ritual de circuncisão. Surgiram boatos de que os judeus exalavam um odor peculiar, que desaparecia no instante em que aceitavam o batismo cristão. Isso, por sua vez, gerou rumores de que os judeus compactuavam com o demônio em cerimônias secretas e perversas, nas quais praticavam "assassinatos rituais". A acusação era, na verdade, uma combinação de várias calúnias diferentes, porém inter-relacionadas. Dependendo da época ou do agente propagador, uma delas vinha à tona com maior ímpeto. De acordo com a mais frequente, os judeus crucificavam crianças cristãs com o objetivo de reencenar a crucificação de Jesus. Esta versão explica por que o libelo era difundido mais amiúde às vésperas da Páscoa. A acusação de deicídio, que pesou durante séculos sobre o povo judeu e foi uma das principais causas do antissemitismo, é totalmente infundada. Não há evidências históricas que sustentem tal teoria. Acusar os judeus da morte de Jesus foi uma forma mais convincente da verdadeira acusação: a de que nem todos os judeus se tornaram cristãos. No que tange ao martírio e morte de Jesus, é importante lembrar o caráter opressivo do governo romano na JudeiaPôncio Pilatos, o procurador romano na época de Jesus, foi especialmente cruel no exercício de suas funções. A ele cabia, como aos seus antecessores, nomear o Sumo Sacerdote e depô-lo a seu bel-prazer. Assim sendo, Pilatos estava em pleno controle da situação durante o período da prisão e crucificação de Jesus. Tampouco podemos esquecer que, antes de Jesus, centenas de outros judeus já haviam sido crucificados, a maioria por se recusar a colaborar com as forças de ocupação pagãs. Jesus foi crucificado por soldados romanos como criminoso político, "Rei dos Judeus". Cabe acrescentar que a atuação de Pôncio Pilatos foi considerada exageradamente brutal até mesmo pelos seus superiores, tanto assim que ele foi chamado de volta a Roma para se justificar, e nunca mais reassumiu a procuradoria. O suposto "julgamento" de Jesus pelo Sanhedrin, o tribunal rabínico, não é relatado pelo evangelista João, tampouco por Lucas, o que torna dúbia a historicidade desse episódio. No evangelho de Mateus (27,25), depois que Pilatos lava as mãos e diz "A responsabilidade é vossa", o povo responde: "O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos". A frase é a mais terrível dos evangelhos, no que se refere ao anti-judaísmo. O teólogo grego Orígenes, no século III, deu o tom de como o versículo ecoaria séculos afora: "Portanto, o sangue de Jesus derramou-se não só sobre os que existiam naquele tempo, mas também sobre todas as gerações de judeus que se seguiriam, até o fim dos tempos". Curiosamente, somente Mateus registra essa suposta reação em massa, enquanto Marcos e Lucas fazem uma distinção entre um pequeno grupo de judeus convocados por Pilatos e "uma grande multidão de povo", que seguia Jesus e "se lamentava por causa dele" (Lucas 23,27). O Evangelho de João, por sua vez, usa o termo genérico "os judeus" na narrativa da Paixão, que contribuiu fortemente para a crença na culpa coletiva e para as hostilidades antijudaicas através dos séculos. É importante ressaltar que os evangelhos não foram escritos como relatos históricos, no sentido moderno (isto é, como uma transcrição factual de eventos), e sim como narrativas de caráter religioso. Sendo quatro os evangelhos, os eventos foram vistos sob quatro óticas teológicas diferentes. Além disso, os evangelistas não trabalharam com informações de primeira mão. Há um consenso entre os eruditos, hoje, de que os evangelhos datam de no mínimo 40 anos depois da morte de Jesus. O padre americano Raymond Brown, autor de The Death of the Messiah (A Morte do Messias), um estudo de 1.600 páginas, frisa que a intenção dos evangelistas era evangelizar e, portanto, não está excluída a hipótese de que tenham para isso se utilizado de variados recursos, inclusive a ficção. Na época em que foi escrito o Evangelho de Mateus, a Igreja e os rabinos travavam uma disputa religiosa acerca da interpretação "correta" da Bíblia judaica que ambos compartilhavam como Sagrada Escritura. Ainda uma minoria entre a minoria judaica cercada da hostilidade do mundo romano, a comunidade de Mateus sentia-se na necessidade de um discurso apologético para defender sua própria interpretação e desvalorizar a dos rabinos. O Evangelho de Mateus não hesita em se valer de todos os recursos retóricos disponíveis para atingir seus propósitos. Um desses era desacreditar os rivais. Somente assim explicam-se as pesadas invectivas contra "os fariseus" (Mateus 23, por exemplo). Comparando o relato da mesma cena por Marcos (12,28-34) com o de Mateus, percebe-se a intenção deste último. Enquanto Marcos descreve um diálogo respeitoso entre Jesus e um escriba, Mateus registra uma crítica injuriosa dirigida por Jesus aos fariseus como um todo. Obviamente, o Evangelho de Mateus projeta sobre o passado (a época de Jesus) o clima de discórdia entre cristãos e rabinos testemunhado pelo próprio evangelista. Embora tal expediente de marketing possa ter sido justificável na ocasião, gerações posteriores de cristãos, esquecendo o contexto histórico em que foi escrito o Evangelho de Mateus, entenderam o texto como algo que o próprio autor não pretendia: uma absoluta e categórica condenação do judaísmo rabínico. E essa condenação foi usada — ou, melhor, abusada — na Idade Média para racionalizar a perseguição contra os judeus. Outro recurso utilizado pelos evangelistas foi negar a profunda identificação de Jesus com os ensinamentos dos fariseus, visando a transformar a mensagem de Jesus em uma nova religião mundial e, para este fim, distanciá-la do judaísmo oficial dos fariseus. Não era a intenção de Jesus distanciar-se do judaísmo, tanto assim que ele declarou: "Pois eu vos digo: enquanto não passar o céu e a terra, não passará um i ou um pontinho da Lei, sem que tudo se cumpra" (Mateus 5,18). A imagem negativa dos fariseus, encontrada em muitos textos cristãos, produziu entre os católicos uma visão gravemente distorcida do judaísmo. O debate de Jesus com os fariseus é um sinal de que ele os levava a sério. A eles Jesus dirigiu suas críticas sobre o establishment religioso (os saduceus, a aristocracia judaica); foi com os fariseus que Jesus aprendeu a "regra de ouro" ("Tudo aquilo que quereis que os homens façam a vós, fazei-o vós mesmos a eles. Esta é a Lei e os Profetas", Mateus 7,12) e deles vem a crença na ressurreição. Portanto, os conflitos e controvérsias relatados no Novo Testamento devem ser vistos como discussões entre irmãos e não como disputas entre inimigos. Ao serem mal interpretadas, as críticas de Jesus aos fariseus tornaram-se armas nas polêmicas antijudaicas e sua intenção original foi deturpada. O próprio Vaticano reconheceu que os evangelhos, embora baseados em fatos históricos, "são o fruto de um trabalho redacional longo e complicado". A afirmação encontra-se nas "Notas para uma correta apresentação dos judeus e do judaísmo na pregação e na catequese da Igreja Católica", documento publicado em maio de 1985 pela Comissão da Santa Sé para Relações Religiosas com os Judeus. As "Notas" ressaltam também que "Jesus partilha doutrinas farisaicas com a maioria dos judeus palestinos de então, por exemplo (...) as formas de piedade — esmola, oração, jejum; o hábito litúrgico de se dirigir a Deus como Pai; a prioridade do mandamento do amor a Deus e ao próximo" (Notas 17). O Talmud registra o fato de que, na época de Jesus e nas décadas seguintes, o farisaísmo estava dividido entre duas principais escolas de pensamento, as "casas" de Hillel e Shammai. Em muitos casos, Jesus seguia as interpretações mais flexíveis da Casa de Hillel, cujas opiniões acabariam prevalecendo no Talmud, e posicionava-se contra os pontos de vista mais rígidos e legalistas da Casa de Shammai, que estava então em ascensão. É possível, portanto, que muitos dos conflitos entre Jesus e "os fariseus" descritos no Novo Testamento tenham sido, na verdade, disputas entre os próprios fariseus, com Jesus tornando o partido de uma facção contra a outra. Seja como for, o retrato dos fariseus como implacáveis opositores a Jesus não corresponde à realidade. As "Notas" do Vaticano nos lembram que foram fariseus que preveniram Jesus contra o perigo que ele corria (Lucas 13,31). Um documento anterior do Vaticano, Nostra Aetate, emitido em 1965 pelo Concílio Vaticano II, já havia repudiado a acusação de deicídio contra os judeus e condenado formalmente o antissemitismo. O documento afirma que a morte de Jesus "não pode ser indistintamente imputada a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus de hoje". "A Igreja (...) deplora os ódios, as perseguições, as manifestações antissemitas dirigidas contra os judeus em qualquer época e por qualquer pessoa." Foi um passo e tanto na história das relações católico-judaicas. Embora tenham frisado a "judaicidade" de Jesus e as raízes judaicas do cristianismo, os documentos do Vaticano mantiveram muitos dos ensinamentos da Igreja que se mostraram altamente prejudiciais aos judeus pelos séculos afora. As "Notas", por exemplo, ao mesmo tempo em que citam com aprovação a declaração do Papa João Paulo II designando os judeus como "o Povo de Deus da Antiga Aliança que jamais foi revogada", afirmam que o judaísmo não pode ser considerado um caminho para a salvação (salvação esta que somente pode ser alcançada através de Jesus). Afirma também que os judeus "foram escolhidos por Deus para preparar a vinda de Cristo" e que os eventos e personagens da Bíblia hebraica devem ser interpretados à luz do Novo Testamento ("O Êxodo, por exemplo, representa uma experiência de salvação e de libertação que não termina nela mesma, mas que se desenvolve ulteriormente, cumprindo-se em Cristo"). Esta negação da validade do judaísmo per se constitui um obstáculo ao diálogo teológico. Os judeus não podem aceitar a premissa, explícita ou implícita, de que sua redenção depende de Jesus Cristo. Apesar disso, o progresso alcançado nas relações católico-judaicas nas últimas décadas é inquestionável. Desde o Segundo Concílio Vaticano, as barreiras de desconfiança mútua foram gradativamente se dissolvendo. De 1965 até hoje, estabeleceram-se mais contatos positivos do que em todos os 1900 anos anteriores. Estereótipos negativos estão sendo apagados. Referências antijudaicas estão sendo retiradas dos livros didáticos católicos e trechos com implicações antissemitas estão sendo removidos da liturgia. Currículos de seminários estão sendo expurgados dos preconceitos do passado. Toda uma geração de jovens está crescendo sem ter sido exposta ao ódio que anteriormente envenenava as relações judaico-cristãs. Existe hoje, pelo menos entre as alas moderadas das duas comunidades, a busca de compreensão mútua e a disposição de dialogar. Mesmo assim, o preconceito ainda persiste e o antissemitismo continua vivo e forte. Na Europa, uma onda de nacionalismo xenófobo tem provocado em muitos países agressões contra os imigrantes e contra diversas minorias, incluindo os judeus. Na Argentina, os ataques terroristas que destruíram a Embaixada de Israel em 1992 e a sede da comunidade judaica de Buenos Aires em 1994 ainda não foram elucidados. No Brasil, os atos antissemitas são esporádicos, mas o antissemitismo se manifesta com certa frequência por meio de agressões verbais e mensagens difamatórias veiculadas pela Internet. Citando apenas um caso: em junho de 1997, uma professora da Universidade Federal Fluminense, em plena sala de aula, chamou de "judeus safados" o presidente do IBGE e o presidente do Conselho de Administração da recém-privatizada Companhia Vale do Rio Doce. Disse também a referida professora que "o Holocausto foi pouco, não deveriam ser 6 milhões de mortos, mas 20 milhões". No fundo, a acusação de deicídio pesa sobre o povo judeu até hoje, alimentando o sentimento de ódio contra os judeus, principalmente entre as camadas menos esclarecidas da população. Em nosso país, por exemplo, muita gente não sabe que os recentes documentos da Igreja não consideram mais os judeus culpados da morte de Cristo. É por isso que estamos investindo tanto tempo e energia na consolidação de nossas relações com pessoas de outros credos e, particularmente, com os católicos. Quanto mais oportunidades tivermos de dialogar e conscientizar e esclarecer, maiores nossas chances de apagar o preconceito. E quanto mais conseguirmos apagar o preconceito, menor será o número de pessoas que se deixarão envenenar por calúnias antijudaicas. A figura de Jesus tem sido, infelizmente, um empecilho no relacionamento entre cristãos e judeus, uma justificativa para exclusão mútua, uma fonte de atrito e ressentimento. É de fundamental importância que Jesus seja reconhecido como um elo essencial entre os dois credos. Jesus é a ponte através da qual toda a cristandade passa a ser incluída como descendente de Abraão e, portanto, co-herdeira, juntamente com os judeus, do seu grandioso legado espiritual. Muitos pensadores judeus, entre os quais o filósofo medieval Maimônides, consideraram Jesus como um instrumento divino para a conversão universal da humanidade. Segundo Maimônides: "Todos os ensinamentos de Jesus abriram o caminho para a vinda do Rei-Messias e prepararam os homens para se unirem e juntos servirem ao Deus único" (Mishneh Torah, Hilkhot Melakhim 9,4). Creio que é assim que Jesus gostaria de ser lembrado: não como um pomo de discórdia, e sim como um semeador da paz entre cristãos e judeus.

Referências:

CARROLL, Mons. Michael et al. "Within Context". Washington, D.C.: Unites States Catholic Conference, 1987.

FEITELSON, Rose e SALOMON, George. The Many Faces of Anti-Semitism. New York; The American Jewish Committee, 1978

FISHER, Eugene J. "Early Christianity", Pace, 1987.

FLUSSER, David. "Christianity", Contemporary Jewish Religious Thought. New York: Charles Scribner's Sons, 1987.

JACOB, Louis. The Book of fewish Beijei New York: Behrman House, Inc., 1984. TOLEDO, Roberto Pompeu de. "A morte de Jesus", Veja, 12 de abril, 1995. WEISS-ROSMARIN, Trude. Judaism and Christianity: The Differences. Jonathan

David Publishers, 1997.

WIGODER, Geoffrey. "Ecumenism", Contemporary Jewish Religious Thought. New York: Charles Scribner's Sons, 1987.

ZEITLIN, Irving M. Jesus and the Judaism of his Time. Oxford University Press, 1988.

 

 

quinta-feira, 27 de maio de 2021

HARMONIA RELIGIOSA

 

Budismo Tibetano. www.berzinarchives.com.br. Sua Santidade o XIV Dalai Lama (Tenzin Gyatso (1935- ) palestrou em Milão – Itália no dia 9 de dezembro de 2007. Transcrito e ligeiramente revisado por Alexandre Benzin. HARMONIA RELIGIOSA. Gostaria de falar um pouco sobre a harmonia religiosa. Às vezes, os conflitos envolvem a fé religiosa. Por exemplo, na Irlanda do Norte, embora no início o conflito fosse uma questão basicamente política, depressa se transformou numa questão religiosa. Isto é muito triste. Atualmente, os seguidores Xiitas e Sunitas também lutam às vezes entre si. Isto também é muito triste. E no Sri Lanka, embora o conflito também seja político, às vezes porém, ficamos com a impressão de que o conflito é entre hindus e budistas. Isto é realmente terrível. Antigamente, os seguidores de diferentes religiões estavam, na sua maior parte, isolados uns dos outros. Mas agora estão em contato muito mais próximo e por isso precisamos fazer um esforço especial para a promoção da harmonia religiosa. No primeiro aniversário do 11 de Setembro, foi organizada na Catedral Nacional de Washington – USA, uma cerimónia de oração. Eu estava nessa reunião e referi, durante o meu discurso, que infelizmente hoje em dia algumas pessoas transmitem a ideia de que todos os muçulmanos são militantes e violentos, porque alguns deles são perversos. Depois, elas falam de um conflito de civilizações entre o Ocidente e o islão. Essa não é a realidade. É absolutamente errado caracterizar como má toda uma religião por causa de algumas pessoas perversas. Isto é igualmente verdade a respeito do islão, do judaísmo, cristianismo, hinduísmo e do budismo. Por exemplo, alguns seguidores do protetor Dorje Shugden mataram três pessoas perto da minha residência. Uma das vítimas era um bom professor, crítico de Shugden, que morreu com dezesseis facadas. As outras duas eram seus estudantes. Aqueles assassinos foram realmente perversos. Mas por causa disso, dizer que todo o budismo tibetano é militante – ninguém acreditaria nisso. No tempo de Budha também havia algumas pessoas perversas, nada de especial. Desde o 11 de Setembro de 2001 no ataque as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque – USA, não obstante eu ser budista e não pertencer ao islão, tenho voluntariamente feito esforços no sentido de defender o Grande Islão. Muitos dos meus irmãos muçulmanos – muito poucas irmãs – explicaram-me que se alguém matar, isso não é do islão, porque um verdadeiro muçulmano, um verdadeiro seguidor do islão deve amar toda a criação tal como ama a Aláh e seu Profeta Muhammad. Todas as criaturas são criadas por Aláh. Se respeitamos e amamos Aláh, devemos amar todas as suas criaturas. Um meu amigo repórter passou uns tempos em Tehran, capital do Irã, na época do Aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989). Posteriormente, disse-me como o Mullah da região que coletou dinheiro de famílias ricas e o distribuiu às pessoas mais pobres, para as ajudar na educação e pobreza. Este é o verdadeiro processo socialista. Nos países muçulmanos, o juro bancário é desencorajado. Assim, se tivermos conhecimento do islão e virmos como os seus seguidores o praticam com sinceridade, então, como em todas as outras religiões, é verdadeiramente maravilhoso. Em geral, se tivermos conhecimento das religiões dos outros, poderemos desenvolver o respeito, a admiração e a compreensão mútuas. Por isso, precisamos de nos esforçar constantemente para promover a compreensão religiosa entre as crenças. Recentemente, em Lisboa – Portugal, assisti a uma reunião inter-religiosa numa mesquita. Esta foi a primeira vez que uma reunião inter-religiosa foi realizada numa mesquita. Após a reunião, fomos todos para o salão principal e meditámos em silêncio. Foi realmente maravilhoso. Por conseguinte, façam sempre um esforço pela harmonia inter-religiosa. Alguns dizem que Deus existe, outros que não – isso não é importante. O que é importante é a lei da causalidade. Isto é assim em todas as religiões – não matar, não roubar, não ao abuso sexual, não mentir. As diferentes religiões podem usar métodos diferentes, mas todas têm o mesmo propósito. Olhem para os resultados, não para as causas. Quando vão a um restaurante, apreciem apenas todos os diferentes alimentos, em vez de discutirem que os ingredientes desta refeição vêm daqui ou dali. O melhor é apenas comer e apreciar. Então, essas diferentes religiões – em vez de discutirem se a sua filosofia é boa ou má – verão que todas elas têm como propósito e objetivo o ensino da compaixão, e que todas elas são boas. O uso de métodos diferentes para pessoas diferentes é realista. Nós devemos adotar uma abordagem e uma visão realistas. A paz interior está relacionada com a compaixão. Todas as principais religiões têm a mesma mensagem – o amor, a compaixão, o perdão. Nós precisamos de uma maneira secular de promover a compaixão. Para as pessoas que seguem uma religião seriamente e com sinceridade, a nossa própria religião tem um grande potencial para aumentar ainda mais a nossa compaixão. Quanto aos não-crentes – aqueles que não têm nenhum interesse religioso em particular ou aqueles que até odeiam as religiões – às vezes também não têm nenhum interesse pela compaixão, pois pensam que a compaixão é uma questão religiosa. Isso está completamente errado. Se quiserem ver a religião como algo negativo, estão no seu direito. Mas não há motivos para termos uma atitude negativa em relação à compaixão. Primeiro, nós viemos das nossas mães. As outras pessoas e animais também vieram de mães e sobreviveram devido aos cuidados que elas tiveram. Há um certo fator biológico que nos une. Esse é um fator biológico. A minha própria mãe, por exemplo, era muito bondosa. Por isso, hoje, a primeira semente da minha compaixão veio da minha mãe, e não do budismo. Depois de ter estudado o budismo, ela apenas cresceu. Se não tivesse esse tipo de mãe bondosa ou se os meus pais me tivessem abusado, então se calhar hoje teria dificuldade em praticar a compaixão. Por conseguinte, a semente da compaixão é um fator biológico. Nós precisamos dela para sobrevivermos. A afeição é um fator essencial para uma correta educação. Os cientistas fizeram experiências com macacos bebês. Como as mães eram sempre brincalhões e só lutavam em algumas ocasiões. Os separados de suas mães estavam frequentemente tensos, infelizes e lutavam muito. Portanto, o crescimento está relacionado com a afeição dos outros. De acordo com cientistas médicos, foi verificado que quanto mais praticarmos a compaixão, tanto menos estresse e ansiedade e mais paz mental teremos. Teremos melhor circulação sanguínea e a nossa pressão arterial baixará. Em alguns casos, o sistema imunitário torna-se mais forte. Mas a constante raiva e ódio enfraquece o nosso sistema imunitário. Assim, a compaixão e o perdão são muito úteis para a saúde e para uma longa vida. Podemos ensinar isto às pessoas desde a infância, como parte dos serviços de saúde. Precisamos portanto de uma adequada promoção dos valores humanos, não só através da religião como através da educação secular. A educação moderna não dá muita atenção à ternura. Isso faz falta. Algumas universidades estão pesquisando formas de introduzir a ternura no sistema moderno de educação. Isso é muito bom. Precisamos de uma forma secular para promover a ética secular. Secular não significa ser-se contra a religião ou ter-se desrespeito por ela. Quando digo "secular", é como na constituição indiana. Mahatma Gandhi (1869-1948) deu ênfase à religião secular: fez orações de todas as religiões. "Secular" significa a não-preferência de uma religião sobre outra, mas o respeito por todas as religiões, incluindo por não-crentes. Assim, precisamos de éticas seculares através de métodos seculares, baseados na educação sobre experiência comum e prova científica. Pergunta: Hoje em dia, temos muito materialismo no mundo. E as pessoas materialistas? Como lidar com isto? Sua Santidade: As coisas materiais apenas facultam o conforto físico, não o conforto mental. O cérebro de uma pessoa materialista e o nosso cérebro são iguais. Assim, ambos experienciamos a dor mental, a solidão, o medo, a dúvida, o ciúme. Estes perturbam a mente de qualquer um. Removê-los com dinheiro – isso é impossível. Algumas pessoas com mentes perturbadas, com demasiado estresse, tomam medicamentos. Estes reduzem temporariamente o estresse, mas produzem muitos efeitos laterais. Não é possível comprar a paz mental. Ninguém a vende, mas todos a querem. Muitas pessoas tomam tranquilizantes, mas a verdadeira medicina para uma mente estressada é a compaixão. Por conseguinte, as pessoas materialistas precisam de compaixão. A paz mental é a melhor medicina para uma boa saúde. Traz mais equilíbrio aos elementos físicos. O mesmo é verdade relativamente ao dormirmos o suficiente. Se dormirmos com paz mental, então não teremos distúrbios e não precisaremos de tomar comprimidos para dormir. Muitas pessoas cuidam-se para terem uma bonita cara. Mas se estiverem irritadas, nem o uso de maquilhagem ajudará. Continuarão feias. Mas se não tiverem raiva, e sorrirem, então as suas caras se tornarão atrativas e parecerão mais inteligentes. Se fizermos um forte esforço na compaixão, então, quando a raiva vier, vem apenas por um momento. É como um sistema imunitário forte. Quando um vírus aparece, não causa muitos problemas. Por isso precisamos de uma visão holística e de compaixão. Então, com familiarização e análise sobre a interconectividade de todos, obteremos mais força. Todos nós temos o mesmo potencial para a bondade. Olhem para vós próprios. Vejam todos os potenciais positivos. Negativos também existem, mas o potencial para coisas boas também existe. A básica natureza humana é mais positiva do que negativa. A nossa vida começa com compaixão. Por isso, a semente da compaixão é mais forte do que a semente da raiva. Assim, olhem para vós de um modo mais positivo. Isto trará um humor mais tranquilo. Depois, será mais fácil quando surgirem problemas. Shantideva, um grande mestre budista (685) indiano, escreveu que, quando estamos prestes a enfrentar um problema, se nós analisarmos e virmos uma maneira de o evitar ou de o superar, não há necessidade de nos preocuparmos. E se não o pudermos superar, então a preocupação não ajuda. Aceitem a realidade. Assim, se estiverem interessados naquilo que eu digo, façam então vocês mesmos experiências. Se não estiverem interessados, esqueçam. Eu amanhã vou-me embora, mas os vossos problemas continuarão convosco". http://www.berzinarchives.com.br. Abraços. Davi.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

O CAJADO DE MOISÉS

 

Judaísmo. www.morasha.com.br. O CAJADO DE MOISÉS. Vários anos haviam se passado desde o dia em que Bátia, a filha do Faraó, salvara do rio Nilo o pequeno Moisés. A criança tornara-se um belo rapaz, culto, um príncipe do Egito amado pelo próprio Faraó. Apesar do luxo e conforto no qual vivia, o jovem (...). Um certo dia, Moisés passeava pelas propriedades do Faraó e, de repente, ouviu um grito. Ao erguer a cabeça, viu um soldado egípcio agredindo com violência alguns escravos judeus. Moisés não pode suportar tal injustiça; jogou-se em cima do soldado para protegê-lo e, na fúria do momento, matou-o. O que fazer naquela situação? Não podia voltar ao palácio. Seria condenado à morte. Com certeza, não havia refúgio para ele em todo o Egito. Moisés resolveu, então, fugir. Ultrapassou vales, escondeu-se nas profundezas das montanhas até encontrar abrigo em Midian, na casa do sacerdote Jethro, que havia sido um dos conselheiros pessoais do Faraó. Jethro era um grande sábio: interpretava os astros, havia aprendido segredos da natureza e conseguia penetrar nas mentes chegando aos mais secretos pensamentos. Dizia-se que até o que não era revelado aos mortais vinha a ele com clareza. O Faraó, sabendo de seus dons, havia pedido que se tornasse, mesmo que por pouco tempo, seu conselheiro pessoal. Foi assim que Moisés o conheceu. Jethro deixou a corte por não concordar com o decreto do Faraó de escravizar os judeus. Porém como o servira durante bastante tempo, este deu-lhe o direito de escolher a sua recompensa antes de voltar ao seu país. "Tenho um longo caminho pela frente", disse Jethro. Dê-me, então, aquele velho cajado, aquele que se encontra perdido e jogado dentro do palácio. Ele me permitirá caminhar com mais facilidade". O pedido deixou o Faraó sem palavras, pois havia pensado que Jethro escolheria algo mais valioso: inimagináveis quantidades de ouro ou pedras preciosas, terras, palácios (...). Mas só pedira um cajado (...). Que então partisse com o seu pedido realizado. O Faraó resolveu atendê-lo imediatamente. Porém, o cajado ao qual se referia Jethro, não era um simples pedaço de madeira. Jethro sabia muito bem disso e sabia mais: o tal cajado provinha de um lugar muito especial: o Jardim de Éden; mais precisamente, da Árvore do Conhecimento. D'us o criara no crepúsculo do primeiro Shabat do mundo. Era feito em safira e tinha gravado nele o Nome Divino e as 10 letras hebraicas, as iniciais das dez pragas que no futuro iriam infestar o Egito. Adão o havia recebido do Criador no Jardim do Éden. Quando morreu deu-o para Enoch. O cajado possuía uma virtude mágica: amenizava o cansaço e fazia o trabalho mais árduo parecer brincadeira de criança. Pertenceu a Noé, que o utilizou para medir a Arca na qual sobreviveu durante o dilúvio. Em seguida foi a vez do patriarca Abraão, que o herdou. Serviu também a seu filho Isaac e logo a seu descendente, Jacob. Este, ao ir para o Egito, levou o cajado consigo deixando-o como herança a seu amado filho José. Quando este último morreu, todas suas propriedades passaram a pertencer ao Faraó. O Faraó ordenou que lhe fosse trazido o cajado. Desconfiava que não fosse um simples pedaço de madeira. Mas, por mais que o Faraó tentasse dar-lhe ordens, nada acontecia. Decepcionado, mandou que o deixassem dentre os tesouros do palácio; lá ficou encostado por vários anos, até que Jethro o pediu como recompensa. De volta à sua casa em Midian, Jethro decidiu plantar o cajado no seu jardim. No momento em que o encostou à terra para cavar, o cajado encolheu-se estranhamente, como se tivesse voltado a seu estado de raiz. Efeito raro e estranho, posto que nada crescera dessa raiz, nenhuma folha, flor ou fruto. Jethro tentou plantá-lo de novo, mas não conseguiu arrancá-lo do solo. Resolveu deixar o cajado onde estava. O sacerdote era pai de sete filhas. Uma dela era chamada Tzipora, o que significa "pequeno pássaro". Tudo em Tzipora era bonito, seu sorriso, sua energia, sua afável essência. Não se passava um dia sequer sem que ela fosse pedida em casamento. Jovens e velhos, ricos e pobres ofereciam-lhe de tudo para consegui-la como esposa. Mas ela repetia: "Eu pertenço a quem conseguir tirar este cajado da terra. Quem o conseguir será o meu futuro marido e ninguém mais". Ela era também uma moça muito sábia. Seu pai já lhe havia ensinado muitas coisas. Dentre estas a de que o cajado só responderia àquela pessoa que D'us escolhera. Centenas de mãos já haviam tentado arrancar o cajado. Mas ninguém havia conseguido sequer movê-lo para o lado. O cajado estava encravado na terra, como se sua raiz estivesse grudada ao outro lado do solo. Estava esperando (...). Ao chegar em Midian, Moisés conheceu Tzipora perto de uma fonte onde ela e suas irmãs estavam tentando dar águas a seu rebanho. Moisés as ajudou afastando os pastores que as estavam perturbando. A jovem se encantou com aquele homem tão bonito e bondoso e sempre que podia, dava um jeito de encontrar-se com ele. Entretanto, o avô de Tzipora, Reuel, soube que Moisés estava fugindo do Faraó e decretou sua prisão. Moisés acabou preso e jogado na prisão. Durante 10 anos, Tzipora secretamente levava-lhe comida. A vontade dela era que Moisés fosse o escolhido de D'us. Assim ficariam juntos para sempre. Moisés foi finalmente libertado, e foi até um dos jardins para agradecer a Hashem por tê-lo poupado. Assim que entrou no jardim, viu o cajado. Logo, observou que o nome de D'us estava gravado em sua ponta. Soube imediatamente que pertencia a seu povo. Segurou-o e, ao usar o Nome Divino, a poderosa força que o mantinha encravado no solo esvaneceu-se e Moisés retirou-o facilmente da terra. Jethro imediatamente soube que Moisés ia ser o libertador dos judeus e o convidou a ficar. Ao virar-se, Moisés viu que Tzipora estava do seu lado. Aproximou-se e tomou-a em seus braços. Alguns dias depois, o casamento foi celebrado. Moisés, feliz, disse: "D'us me mandou Tzipora e o poder do cajado para que eu consiga salvar o meu povo". E foi o que aconteceu. Na mão de Moisés o cajado cumpriu a tarefa que lhe fora destinada, conforme a vontade de D'us: ajudou Moisés e Aarão a salvar o seu povo da escravidão do Egito. Foi com este cajado nas mãos que Moisés, seguindo a ordem de D'us, realizou os milagres no Egito perante o Faraó e os filhos de Israel. Baseado no conto "Le bâton de Moïse", Legendes et Contes, Contes Juift, Gründ. www.morasha.com.br. Abraço. Davi

 

terça-feira, 25 de maio de 2021

NÃO DÁ PARA ACREDITAR SOU FELIZ

 

Espiritualidade. Texto de Osho (1931-1990). "Meu médico insistiu para que eu viesse vê-lo”, disse o paciente ao psiquiatra. “Não sei o porquê – pois eu sou feliz no casamento, tenho segurança no meu trabalho, muitos amigos, nenhum problema (...) disse o psiquiatra, procurando por seu caderno de anotações, “e há quanto tempo você vem se sentindo assim? " NÃO DÁ PARA ACREDITAR SOU FELIZ. Felicidade não é algo fácil de se acreditar. Parece que o homem não pode ser feliz. Se você falar sobre sua tristeza, depressão e miséria, todo mundo irá acreditar. Isso parece ser natural. Mas se você falar sobre a sua felicidade, ninguém acreditará em você – isso parece ser não natural. Sigmund Freud (1856-1939), depois de quarenta anos de pesquisas a respeito da mente humana, trabalhando com milhares de pessoas, observando milhares de distúrbios mentais, chegou à conclusão de que a felicidade é uma ficção: o homem não pode ser feliz. No máximo, nós podemos fazer coisas um pouco mais confortáveis, e isso é tudo. No máximo, nós podemos tornar a infelicidade um pouco menor, e isso é tudo. Mas, feliz, o homem não pode ser. Isso parece ser muito pessimista, mas se olharmos para o homem moderno, veremos que é exatamente assim; parece que isso é um fato. Budha diz que o homem pode ser feliz, tremendamente feliz. Krishna canta canções sobre a felicidade suprema – satchitanand. Jesus fala a respeito do Reino de Deus. Mas como você pode acreditar em tão poucas pessoas, as quais podemos contar nos dedos, contra toda a massa, milhões e milhões de pessoas ao longo dos séculos, que permanecem infelizes, caminhando mais e mais em direção à infelicidade. Toda a vida dessas pessoas é uma história de miséria e nada mais. E depois vem a morte! Como acreditar naquelas poucas pessoas? Ou elas estão mentindo, ou elas estão enganadas. Ou elas estão mentindo por algum motivo, ou elas são meio malucas, enganadas pelas próprias ilusões. Elas devem estar vivendo para satisfazer um desejo. Elas queriam ser felizes e começaram a acreditar que elas eram felizes. Mais do que um fato, isso parece uma crença, uma crença desesperada, Mas como aconteceu dessas poucas pessoas se tornarem felizes? Se você deixar o homem de lado, se você não prestar muita atenção ao homem, então Budha, Krishna, Cristo irão parecer que são mais verdadeiros. Se você olhar para as árvores, se você olhar para os pássaros, se você olhar para as estrelas, então verá que tudo está vibrando em tremenda felicidade. Parece que a felicidade é a matéria-prima com a qual a existência é feita. E somente o homem é infeliz. No fundo, alguma coisa está errada. Budha não está enganado, nem está mentindo. E eu digo isso a você, não com base na autoridade da tradição; eu digo isso a você com base na minha própria autoridade. O homem pode ser feliz, mais feliz que os pássaros, mais feliz que as árvores, mais feliz que as estrelas, porque o homem tem algo que nenhuma árvore, nenhum pássaro, nenhuma estrela tem. O homem tem consciência.  Mas quando você tem consciência, então duas alternativas são possíveis: ou você pode tornar-se infeliz, ou você pode tornar-se feliz. A escolha é sua. As árvores simplesmente estão felizes porque elas não podem ser infelizes. A felicidade delas não é liberdade; elas têm que ser felizes.  Elas não sabem como ser infelizes, não existe outra alternativa. Esses pássaros gorjeando nas árvores, eles são felizes. Não porque eles tenham escolhido ser felizes; eles simplesmente são felizes porque eles não conhecem outra maneira de ser. A felicidade deles é inconsciente. Ela é simplesmente natural. O homem pode ser tremendamente feliz, e tremendamente infeliz. Ele é livre para escolher. Essa liberdade é um risco. Essa liberdade é muito perigosa, porque você se torna responsável. E algo aconteceu com essa liberdade. Alguma coisa está errada. O homem está, de uma certa maneira, de cabeça para baixo. Você veio até a mim, procurando por meditação. A meditação é necessária somente porque você não escolheu ser feliz. Se você tivesse escolhido ser feliz, não haveria nenhuma necessidade de meditação. A meditação é medicinal: se você está doente, então o medicamento é necessário. Os Budhas não precisam de meditação. Uma vez que você começou a escolher a felicidade, uma vez que você decidiu que você tem que ser feliz, então nenhuma meditação é necessária. A meditação começará a acontecer naturalmente, por ela mesma. A meditação é uma função do estar feliz. A meditação segue o homem feliz como uma sombra: em qualquer lugar que ele for, qualquer coisa que ele estiver fazendo, ele estará meditativo. Ele estará intensamente centrado. A palavra “meditação” e a palavra “medicação” têm a mesma raiz; e isso é muito significativo. A meditação também é medicinal. Você não carrega vidros de remédios nem receitas médicas se você estiver com saúde. Naturalmente, quando você não está com saúde, você tem que ir ao médico. Ir ao médico não é uma grande coisa para ficar fazendo alarde. A pessoa deve se sentir feliz se o médico não for necessário. Existem muitas religiões, porque existem muitas pessoas infelizes. Uma pessoa feliz não precisa de religião. Uma pessoa feliz não precisa de templo, nem de igreja, porque para uma pessoa feliz, todo o universo é um tempo, toda a existência é uma igreja. Uma pessoa feliz não tem nada parecido com uma atividade religiosa, porque toda a sua vida já é religiosa. Qualquer coisa que você fizer com felicidade será uma prece; seu trabalho se tornará um culto, a sua própria respiração terá um esplendor, uma graça. Não que você repita constantemente o nome de Deus – somente as pessoas tolas fazem isso – porque Deus não tem nome algum, e por repetir algum suposto nome você simplesmente tornará estúpida a sua mente. Por repetir o Seu nome você não irá a lugar algum. Um homem feliz simplesmente vê Deus em todo lugar. E você precisa de olhos felizes para ver Deus. Se você quer ser feliz, então comece a fazer escolhas naturais. Há muitas ocasiões em que você terá que ser desobediente – seja!  Haverá muitas ocasiões em que você terá que ser rebelde – seja!  Não há nenhum desrespeito implícito nisso. Seja respeitoso com seus pais. Mas lembre-se de que a sua mais profunda responsabilidade é com o seu próprio ser. Todo mundo está sendo empurrado e manipulado. Ninguém sabe qual é o seu destino. O que você realmente sempre quis fazer, foi deixado de lado. E como você pode ser feliz? Alguém que poderia ter sido um poeta, tornou-se simplesmente um emprestador de dinheiro. Alguém que poderia ter sido um pintor, tornou-se um médico. Alguém que poderia ter sido um médico, um belo médico, é agora um homem de negócios. Todo mundo está fora do lugar. Todo mundo está fazendo alguma coisa que nunca quis fazer; daí a infelicidade. A felicidade acontece quando a sua vida se encaixa com o que você é, quando se encaixa tão harmoniosamente que qualquer coisa que você fizer será pura alegria. Então, de repente, você descobrirá que a meditação segue você. Se você ama o trabalho que está fazendo, se você ama a maneira como está vivendo, então você está meditativo. Então nada irá desviar você. Quando você se desvia de certas coisas, isso simplesmente demonstra que você não está realmente interessado naquelas coisas. Nós temos nos desviado por motivos não naturais: dinheiro, prestígio, poder. Ouvir o pássaro cantar não vai lhe dar dinheiro. Ouvir o pássaro cantar não vai lhe dar poder e prestígio. Observar uma borboleta não irá ajudá-lo economicamente, politicamente, socialmente. Essa coisas não lhe trarão remuneração, mas essas coisas irão fazê-lo feliz. Uma pessoa verdadeira tem coragem de se voltar para as coisas que a fazem feliz. Se com isso ela permanecer pobre, ela permanecerá pobre; ela não reclamará disso, ela não guardará nenhum rancor. Ela dirá: “Eu escolhi o meu caminho, eu escolhi o cantar dos pássaros e as borboletas e as flores. Eu posso não ser rico, tudo bem, mas eu sou rico porque eu sou feliz”. Esse tipo de homem não necessita de qualquer método para se centrar, por que não é preciso, ele está centrado. Seu centramento está por toda a sua vida. Vinte e quatro horas por dia ele está centrado. Em qualquer lugar que você vê dinheiro, você já não é mais você mesmo. Em qualquer lugar que você vê poder e prestígio, você já não é mais você mesmo. Em qualquer lugar que você vê respeitabilidade, você já não é mais você mesmo. Imediatamente você esquece tudo – você esquece os valores intrínsecos de sua vida, a sua felicidade, a sua alegria, o seu deleite. Você sempre escolhe algo do lado de fora, e você barganha com algo do lado de dentro. Você perde o interior e ganha o lado de fora. Mas o que você vai fazer com isso? Mesmo se você tiver todo o mundo aos seus pés, mas se você tiver perdido a si mesmo; mesmo se você tiver conquistado todas as riquezas do mundo, mas se você tiver perdido seu próprio tesouro interior, o que você fará com tudo aquilo? Essa é a miséria. Se você puder aprender uma coisa comigo, então que essa coisa seja: esteja alerta, consciente a respeito de seus próprios motivos mais internos, a respeito de seu próprio destino mais interno. Nunca perca você mesmo de vista, de outra maneira você será infeliz. E quando você estiver infeliz, as pessoas irão dizer: “medite e você se tornará feliz!” Elas dirão: “Esteja centrado e você se tornará feliz; ore e você se tornará feliz; vá ao templo, seja religioso, seja um cristão ou um hindu, e você será feliz”. Tudo isso é tolice. Seja feliz! e a meditação virá em seguida. Seja feliz, e a religião virá em seguida. Felicidade é a condição básica. As pessoas se tornam religiosas somente quando elas estão infelizes; então a religião delas é falsa. Tente entender porque você está infeliz. Muitas pessoas vêm a mim e dizem que elas são infelizes, e elas querem que eu lhes dê alguma meditação. Eu digo: primeiro, a coisa básica é compreender porque vocês estão infelizes. E se vocês não removerem todas as causas básicas de sua infelicidade, eu posso lhes dar uma meditação, mas isso não vai ser de grande ajuda, porque as causas básicas permanecem aí. Um certo homem poderia ter sido um grande e belo dançarino, mas ele está sentado num escritório arquivando fichas. Sem qualquer possibilidade para a dança. O homem poderia ter curtido dançar sob as estrelas, mas ele segue simplesmente acumulando contas bancárias. E ele diz que está infeliz: “me dê alguma meditação”. Eu posso dar a ele, mas o que essa meditação irá fazer? O que se espera que ela possa fazer? Ele vai permanecer o mesmo homem: acumulando dinheiro e sendo competitivo no mercado. A meditação poderá ajudar da seguinte maneira: poderá fazer com que ele fique um pouco mais relaxado para seguir fazendo essas tolices, e de uma maneira ainda melhor. Então, o meu chamado é somente para aqueles que são realmente ousados, aqueles que desafiam o demônio, aqueles que estão prontos para mudar os seus próprios padrões de vida, aqueles que estão prontos para apostar tudo – porque na verdade você nada tem para apostar: somente a sua infelicidade, a sua miséria. Mas as pessoas se agarram até mesmo a isso. O que mais você tem para apostar? Só a miséria. E o único prazer que você tem é falar a respeito dela. Observe as pessoas falando a respeito de suas misérias: quão felizes elas se tornam! Elas pagam por isso: elas vão aos psicanalistas para falar a respeito de suas misérias – e elas pagam por isso! Alguém as escuta atentamente, e elas se sentem felizes. As pessoas seguem falando a respeito de suas misérias, repetidamente. Elas até mesmo exageram, elas enfeitam, elas fazem com que as suas misérias pareçam ainda maiores. Elas fazem com que elas pareçam maiores do que a duração de suas vidas. Por que? Você nada tem para apostar. Mas as pessoas se apegam ao conhecido, ao que é familiar. A miséria é tudo o que elas têm conhecido; isso tem sido a vida delas. Nada têm a perder, mas com tanto medo de perder (...). Comigo, a felicidade vem primeiro, a alegria vem primeiro. A atitude de celebração vem primeiro. Uma filosofia afirmativa de vida vem primeiro. Curta! E se você não puder curtir o seu trabalho, mude. Não espere! Porque todo o tempo que você está esperando, você está esperando por Godot (personagem do irlandês Samuel Beckett (1906-1989) nunca deu as caras pra dizer quem era – eu a que veio ou aonde iria – sua verdadeira identidade permanece um mistério. E Godot nunca vem. A pessoa simplesmente espera, e desperdiça sua própria vida. Por quem e por que você está esperando? Se você puder ver o ponto, que você está miserável dentro de um certo padrão de vida, e que todas as velhas tradições dizem: Você está errado. Eu gostaria de dizer que o padrão é que está errado. Tente entender a diferença na ênfase: Você não está errado! É só o seu padrão, a maneira de viver que você aprendeu é que está errado. As motivações que você aprendeu e aceitou como suas, não são suas. Elas não irão realizar o seu destino. Elas vão contra a sua essência, elas vão contra o que lhe é elementar. Lembre-se disso: ninguém mais pode decidir por você. Todos os mandamentos deles, todas as ordens deles, todas as moralidades deles, são simplesmente para matar você. Você tem que decidir ser você mesmo. Você tem que tomar sua vida em suas próprias mãos. De outra maneira a vida vai seguir batendo em sua porta e você nunca estará lá; você estará sempre em algum outro lugar. Se você tinha que ser um dançarino, a vida virá por aquela porta, porque ela pensa que você é um dançarino. Ela bate na porta, mas você não está lá; você é um bancário. E como a vida vai saber que você se tornou um bancário? Deus vem a você da maneira que ele quer você seja; ele conhece apenas aquele endereço. Mas você nunca é encontrado lá, você está sempre em algum outro lugar, escondendo-se atrás da máscara de alguém que não é você, com os trajes de alguém que não é você e usando o nome de alguém que não é você. Como você espera que Deus possa encontrá-lo? Ele segue procurando por você. Ele sabe o seu nome, mas você abandonou aquele nome. Ele conhece o seu endereço, mas você nunca morou lá. Você permitiu que o mundo desviasse você. Por que na cabeça de todo mundo surge essa ideia de que a meditação traz felicidade? De fato, sempre que eles encontram uma pessoa feliz, eles encontram uma mente meditativa, essas duas coisas estão associadas. Sempre que eles encontram uma bela atmosfera meditativa circundando um homem, eles sempre descobrem que ele estava tremendamente feliz; vibrante com a alegria, radiante. Essas coisas se tornaram associadas. E eles pensam que a felicidade vem quando você está meditativo. E é exatamente o oposto: a meditação é que vem quando você está feliz. Mas ser feliz é difícil e aprender a meditar é fácil. Ser feliz significa uma drástica mudança em sua maneira de viver, uma mudança abrupta, porque não há nenhum tempo a perder. Uma mudança súbita, um repentino estrondo de trovão (a sudden clash of thunder), uma descontinuidade. Isso é o que eu entendo por sânias: uma descontinuidade com o passado. Um repentino estrondo de trovão, e você morre para o velho e então, revigorado, você recomeça do bê-a-bá. Você nasce de novo. Você começa de novo a sua vida, como você começaria se os padrões não tivessem sido impostos a você pelos seus pais, pela sociedade, pelo Estado; como se ninguém tivesse desviado você. Mas você foi desviado. Você tem que deixar de lado todos os padrões que foram impostos a você, e você tem que encontrar a sua própria chama interior. Não se preocupe muito com o dinheiro, porque ele é o maior desvio da felicidade. E a ironia das ironias é que as pessoas pensam que elas serão felizes quando elas tiverem dinheiro. Dinheiro nada tem a ver com felicidade. Se você é feliz e você tem dinheiro, você pode usá-lo para a felicidade. Se você é infeliz e tem dinheiro, você usará aquele dinheiro para mais infelicidades. Porque o dinheiro é simplesmente uma força neutra. Eu não sou contra o dinheiro, lembre-se. Não me interprete mal. Eu não sou contra o dinheiro, eu não sou contra nada. Dinheiro é um meio. Se você for feliz e você tiver dinheiro, você se tornará mais feliz. Se você for infeliz e tiver dinheiro, você se tornará mais infeliz, por que o que você fará com o seu dinheiro? O dinheiro vai realçar o seu padrão, seja qual ele for. Se você for miserável e tiver poder, o que você fará com o seu poder? Você irá envenenar a si próprio ainda mais com o seu poder, você se tornará mais miserável.  Mas as pessoas seguem atrás do dinheiro como se o dinheiro fosse trazer felicidade. As pessoas seguem procurando por respeitabilidade como se respeitabilidade fosse lhe dar felicidade. As pessoas estão prontas a qualquer momento, para mudar os seus padrões, para mudar os seus caminhos, desde que haja mais dinheiro disponível em algum outro lugar. Uma vez que o dinheiro esteja ali, então de repente você não é mais você mesmo, você está pronto para mudar. Esse é o caminho do homem mundano. Eu não digo que pessoas mundanas são aquelas que têm dinheiro. Eu chamo de pessoas mundanas aquelas que mudam os seus motivos por causa do dinheiro. Eu não digo que as pessoas que não tem dinheiro não sejam mundanas. Elas podem ser simplesmente pobres. Eu digo que as pessoas não são mundanas quando elas não mudam seus motivos por causa de dinheiro. Só por ser pobre não equivale a ser espiritual. E só por ser rico não é equivalente a ser um materialista. O padrão materialista de vida é aquele em que o dinheiro predomina acima de tudo. A vida não materialista é aquela em que o dinheiro é simplesmente um meio; a felicidade predomina, a alegria predomina, a sua própria individualidade predomina. Você sabe quem você é, e para onde está indo, e você não está se desviando. Então, de repente, você vê que a sua vida adquiriu uma qualidade meditativa. Mas em algum ponto do caminho, todo mundo se perdeu. Você foi educado por pessoas que não se realizaram. Você foi educado por pessoas que não tinham saúde. Você pode sentir pena delas. Eu não estou lhe dizendo para ser contra elas. Eu não as estou condenando, lembre-se. Simplesmente sinta compaixão por elas. Os pais, os professores do colégio e da universidade, os chamados líderes da sociedade, eles foram pessoas infelizes. Eles criaram um padrão infeliz em você. E você ainda não assumiu a sua própria vida. Eles viveram segundo uma interpretação errada, e essa foi a miséria deles. E você também está vivendo segundo uma interpretação errada. A meditação ocorre naturalmente a uma pessoa feliz. A meditação ocorre naturalmente a uma pessoa alegre. A meditação é muito simples para uma pessoa que pode celebrar, que pode curtir a vida. Mas você tem tentado isso de uma outra maneira, e assim não é possível. www.oshobrasil.com.br. Abraço. Davi.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

CONSELHOS BUDISTAS SOBRE A MORTE E O MORRER

 

Budismo. www.studybuddhism.com. Texto de Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama (1935-  ). CONSELHOS BUDISTAS SOBRE A MORTE E O MORRER. Todos teremos que encarar a morte, portanto não deveríamos ignorá-la. Encarar a mortalidade de forma realista nos habilita a viver uma vida mais plena e significativa. Ao invés de morrermos com medo, poderemos morrer felizes por termos aproveitado ao máximo nossa vida. Como Levar uma Vida Significativa. Ao longo dos anos, os nossos corpos mudaram. Geralmente, nem a espiritualidade nem a meditação podem parar este processo. Somos impermanentes, mudamos constantemente, mudando de um momento para o outro, e isto é parte da natureza. O tempo está sempre em movimento; nenhuma força pode parar isso. Então a real questão é se estamos utilizando devidamente o nosso tempo. Será que estamos utilizando o nosso tempo para criar mais problemas para os outros, o que no final das contas acaba por nos tornar profundamente infelizes? Eu acho que esta é uma forma incorreta de usar o tempo. Uma melhor maneira é tentar moldar as nossas mentes todos os dias com uma motivação apropriada e continuar no restante do dia com este tipo de motivação. Se possível, isso significa servir os outros; e se não for o caso, pelo menos não prejudicar os outros. Neste sentido, não há diferença entre as profissões. Qualquer que seja o seu trabalho, você pode ter uma motivação positiva. Se o nosso tempo for usado desta forma durante dias, semanas, meses, anos – décadas, não apenas por cinco anos – então as nossas vidas passam a ser significativas. No mínimo, estamos fazendo alguma espécie de contribuição dirigida para o nosso estado mental individual de felicidade. Mais cedo ou mais tarde, o nosso fim chegará e neste dia não teremos arrependimentos; saberemos que usamos o nosso tempo de forma construtiva. Eu penso que muitos de vocês usam o tempo de uma forma apropriada, que faz sentido. Isso é importante. Ter uma Atitude Realista em Relação à Morte. Contudo, as nossas vidas atuais não são eternas. Mas pensar que “a morte é um inimigo” é completamente errôneo. A morte é parte de nossas vidas. Claro, do ponto de vista budista, este corpo de certa maneira é um inimigo. Para desenvolver um desejo genuíno de moksha – libertação – precisamos este tipo de postura: que este nascimento, este corpo, que a natureza destes é sofrimento e, portanto, queremos terminá-lo. Mas esta postura pode criar muitos problemas. Se você considerar a morte como um inimigo, então este corpo também será um inimigo, e a vida como um todo será um inimigo. Isso é ir longe demais. É claro que a morte significa não mais existir, pelo menos não neste corpo. Teremos que nos separar de todas as coisas com as quais desenvolvemos alguma conexão íntima nesta vida. Os animais não gostam da morte. Naturalmente, o mesmo ocorre com os seres humanos. Mas nós somos parte da natureza e, assim sendo, a morte é parte de nossas vidas. É lógico que a vida tem um início e um fim – há o nascimento e há a morte. Ou seja, não é algo incomum. Mas eu penso que nossas ideias irrealistas em relação à morte nos causam ainda mais preocupação e ansiedade. Como praticantes budistas, é muito útil nos lembrarmos diariamente da morte e da impermanência. Existem dois níveis de impermanência: um nível mais denso no qual todos os fenômenos produzidos têm um fim e um nível mais sutil no qual todos os fenômenos afetados por causas e condições mudam a cada momento. Na verdade, o nível sutil da impermanência é o real ensinamento do budismo; mas geralmente o nível mais denso da impermanência também é uma parte importante da prática porque ele reduz algumas de nossas emoções destrutivas baseadas no sentimento de que somos eternos. Olhem para os grandes reis e soberanos – também no ocidente – com seus grandes castelos e fortalezas. Os imperadores se consideravam imortais. Mas hoje quando olhamos para essas estruturas, elas nos parecem um tanto estúpidas. Olhem para a Grande Muralha na China. Ela criou um imenso sofrimento para os súditos que a construíram. Mas esses trabalhos foram realizados com sentimentos como: “O meu poder e o meu império permanecerão para sempre” ou “O meu imperador permanecerá para sempre”. Como o muro de Berlim – algum líder comunista da Alemanha oriental disse que este duraria por mil anos. Todos esses sentimentos vêm do apego a eles mesmos ou aos seus partidos ou suas crenças e do pensamento que estes permanecerão para sempre. É verdade que precisamos de desejo positivo como parte de nossa motivação – sem o desejo não há movimento. Mas o desejo combinado com a ignorância é perigoso. Por exemplo, há o sentimento de permanência que muitas vezes cria aquele tipo de visão “Eu vou durar para sempre”. Isso é irrealista. Isso é ignorância. E quando você combina isso com desejo – querendo mais e mais, e mais – isso cria ainda mais dificuldades e problemas. Mas o desejo com sabedoria é muito positivo. Portanto, precisamos disso. Na prática tântrica também somos confrontados com caveiras e este tipo de coisas lembretes da impermanência, e em algumas mandalas nós visualizamos cemitérios. Todos estes são símbolos que nos lembram a impermanência. Um dia, o meu carro atravessou um cemitério. Ele ainda estava fresco em minha mente quando eu o mencionei durante uma palestra pública: “Eu acabei de passar por um cemitério. Este é o nosso destino final. Temos que ir para lá”. Jesus Cristo mostrou aos seus seguidores que finalmente a morte acaba por vir. E o Bhuda fez a mesma coisa. Allah, eu não sei – Allah não tem forma – Mas é claro que Mohammed (O Profeta Maomé) o demonstrou. Por conseguinte, precisamos ser realistas: a morte virá mais cedo ou mais tarde. Se você desenvolver um tipo de postura ciente de que a morte virá desde o início, então, quando a morte de fato chegar, você se sentirá muito menos ansioso. Assim sendo, como praticantes budistas, é muito importante nos lembrarmos disso diariamente. O Que Fazer no Momento da Morte. Quando chegar o nosso último dia, teremos que aceitá-lo e não vê-lo como algo estranho. Não há outro caminho. Neste momento, alguém que tem fé em uma religião teísta deveria pensar: “esta vida foi criada por Deus, assim sendo, o fim dela também faz parte do plano de Deus. Embora eu não goste da morte, Deus a criou, e por isso ela deve ter algum sentido.” Essas pessoas que realmente acreditam em um deus criador deveriam seguir esta linha de raciocínio. Aqueles que seguem as tradições indianas e acreditam no renascimento deveriam pensar em suas vidas futuras e fazer esforços no sentido de criar as causas apropriadas para uma boa vida futura, ao invés de se preocupar, e se preocupar, e se preocupar. Por exemplo, no momento da morte, você poderia dedicar todas as suas virtudes para que a sua próxima vida seja uma boa vida. E então, quando a morte chegar, o estado mental deve ser calmo. Raiva, medo demais – esses estados não são bons. Se possível, os praticantes budistas deveriam usar este tempo agora para pensar em suas próximas vidas. As práticas de bodhichitta e algumas práticas tântricas são boas para isso. De acordo com as práticas tântricas, no momento da morte há a dissolução dos elementos em oito etapas – os níveis mais densos dos elementos do corpo se dissolvem, e depois os níveis mais sutis também se dissolvem. Os praticantes tântricos precisam incluir isso em sua meditação diária. Todos os dias eu medito sobre a morte – em diferentes práticas de mandala – pelo menos cinco vezes, e ainda estou vivo! Hoje de manhã eu já passei por três mortes. Ou seja, esses são os métodos para criar uma garantia para uma boa próxima vida. E para os que não acreditam, como falei antes, é bom ser realistas em relação ao fato da impermanência. Como Ajudar aos Que Estão Morrendo. Quanto àqueles que de fato estão morrendo, é bom que em seu entorno haja pessoas com algum conhecimento de como ajudar. Como mencionei antes, com os moribundos que acreditam em um deus criador, você pode fazer com que se lembrem de Deus. Uma fé focada em Deus tem pelo menos alguns benefícios, também do ponto de vista budista. Com as pessoas que não têm crença nem religião alguma, como eu mencionei antes, é importante que sejam realistas e mantenham a calma. Ter parentes chorando ao redor da pessoa que está morrendo pode ser prejudicial para que estas pessoas possam manter as suas mentes calmas – é apego demais. E também por demasiado apego aos parentes há a possibilidade de desenvolver raiva e ver a morte como uma inimiga. Assim sendo, é importante tentar manter o estado mental deles calmo. Isso é importante. Em muitas ocasiões me pediram para ir a hospitais budistas. Na Austrália, há um monastério de monjas totalmente dedicado a tomar conta de pessoas que estão morrendo ou com doenças graves. Esta é uma maneira muito boa de colocar a nossa prática diária de compaixão em ação. Isso é muito importante. Conclusão. A morte não é algo estranho. É algo que ocorre todos os dias, em todo o mundo. A compreensão de que vamos indiscutivelmente morrer nos encoraja a viver uma vida mais significativa. Quando vemos que morte pode chegar a qualquer hora, é muito mais difícil nos envolvermos em brigas e discussões sobre coisas pequenas. Ao invés disso, nos motivamos a aproveitar ao máximo a vida, beneficiando os outros o quanto for possível. www.studybuddhism.com. Abraço. Davi. 

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

QUEM SÃO OS SEMIDEUSES ?

 Hinduísmo. www.ptkrishna.org. Por Raja-vidya Dasa. QUEM SÃO OS SEMIDEUSES ? As escrituras Védicas representam uma concepção consistentemente pessoal do mundo. Em outras palavras, elas assumem que todos os eventos dentro do cosmos, todos os fenômenos naturais, todas as obras dos elementos e dos planetas bem como todas as atividades dos seres humanos estão sendo causadas ou supervisionadas por seres super-humanos inteligentes específicos. Em sânscrito, esses seres são chamados "devas", e a tradução mais apropriada para o português desse termo seria "semideuses". O dever dos semideuses é encarregar-se de uma porção da administração do universo e assegurar que tudo dentro da manifestação cósmica funcione perfeitamente. Elas são os responsáveis por manter a lei e a ordem dentro do universo. Outro de seus deveres é organizar as reações kármicas individuais e coletivas dos humanos, i.e. sua felicidade e sofrimento de acordo com suas próprias ações anteriores. (A ciência astrológica estuda essas reações como elas são representadas pelas constelações planetárias no momento do nascimento.) A esse respeito, a visão de mundo Védica corresponde à das culturas avançadas dos antigos Egípcios, Gregos, ou Romanos, bem como às das religiões naturais dos Índios de pele vermelha, os Africanos ou os Aborígines Australianos. A maioria das tradições pré-Cristãs aceita o conceito de assistentes administrativos do Senhor gerenciando os assuntos do Universo. Alguns exemplos de diferentes semideuses famosos são os seguintes. O Senhor Brahma é o criador do universo e o primeiro ser criado; o Senhor Shiva é o destruidor do universo; Rei Indra é o rei dos planetas celestiais e o controlador do clima; Vayu é o semideus encarregado do ar e dos ventos; Candra é o controlador da lua e da vegetação; Agni é o deus do fogo; Varuna é o senhor dos oceanos e mares; Yamaraja é o deus da morte; e por aí vai. Há milhares de semideuses que estão controlando todas as diferentes atividades dos corpos das entidades vivas e o funcionamento dos elementos. HÁ APENAS UM DEUS. Mas ainda, e aqui está a diferença crucial, ninguém pode sustentar que as escrituras Védicas contêm uma concepção politeísta ou panteísta no sentido usual desses termos. No fim das contas, as escrituras Védicas representam uma concepção de Deus puramente monoteísta. Elas claramente estabelecem que acima de todas as diferentes variedades de semideuses, há apenas um Deus supremo que é o criador e mantenedor não apenas dos humanos, mas também dos semideuses e do cosmos inteiro. Este único, supremo Deus é is certamente descrito e adorado não apenas pela religião Védica ou Hindu, mas por todos os sistemas religiosos autenticamente monoteístas do mundo. Em Sânscrito, Ele tem ilimitados nomes que descrevem Suas incontáveis qualidades e passatempos. Os nomes Sânscritos mais populares de Deus são Krishna, Rama, Hari, Narayana ou Vishnu. Todos eles referem-se à mesma Suprema Personalidade. É importante entender que Deus não é Hindu ou Cristão, ou Moslem ou Judeu. Deus não é limitado e não está preso a nenhuma tradição religiosa. Deus é Deus, e o variados sistemas de crença são diferentes formas de entrar em contato com esse um Deus. Elas podem diferir em sua abordagem e em sua compreensão da realidade; elas podem também diferir em seus métodos práticos, rituais, regras e regulações, mas na verdade elas pretendem conectar o homem com Deus, e esse Deus é um para todas os sistemas religiosos genuínos. Em Sânscrito, esse único Deus é chamado Krishna ou Vishnu. É um fato que em diferentes tradições religiosas, Deus é chamado por diferentes nomes (como Yahweh, Allah, Jehovah, Adonai, etc.), e Ele é compreendido e adorado em muitos aspectos diferentes. Mas isso não significa que Ele é inconsistente ou que os vários sistemas de crença contradizem ou excluem uns aos outros. Na verdade, esses fatos não são nada exceto evidência da diversidade e grandiosidade ilimitada de Deus. A TRIMURTI: Brahma, Vishnu e Shiva. Quando falamos sobre a religião Védica e seu conceito de Deus, nós às vezes ouvimos a expressão "trimurti". Literalmente, o termo "trimurti" significa "possuindo três formas", e refere-se às três principais personalidades dentro da manifestação cósmica: Brahma, Vishnu e Shiva. Desses três, Brahma é responsável pela criação do mundo, Vishnu por sua manutenção, e Shiva por sua destruição no final de cada ciclo cósmico. É importante, no entanto, notar que dentre esses três, Brahma e Shiva são considerados os principais semideuses, ao passo que Vishnu é considerado como o próprio Deus. As partes esotéricas das escrituras Védicas claramente explicam que a Suprema Personalidade de Deus, que reside em Sua própria morada no mundo espiritual, muito além desta criação material, é chamado Krishna. A forma de Krishna tem dois braços, e para o propósito de criar o mundo material, Ele Se expande na forma de Vishnu, com quatro braços. Esta forma de Deus como Vishnu é responsável pela manutenção da ordem cósmica, e é sob Sua supervisão que as outras duas principais deidades, Brahma e Shiva, realizam suas respectivas obrigações. O Senhor é descrito como tendo quatro cabeças, e ele é a primeira entidade viva criada dentro de cada ciclo universal. Ele é diretamente nascido do Senhor Vishnu. Sua responsabilidade é criar os vários planetas do universo inteiro, bem como todas as formas de vida específicas nesses planetas. Para esse propósito, ele antes de tudo cria os principais semideuses que, por sua vez, criam mais uma prole para popular o universo. Brahma é assim considerado o pai e criador de todas as criaturas vivas e o chefe de todos os semideuses. O Senhor Shiva é, além do Senhor Vishnu, provavelmente a deidade mais popular no Hinduísmo. Ele aparece como um filho direto do Senhor Brahma, e ele tem uma variedade de funções e obrigações, e então também uma variedade de nomes. Por exemplo, ele é chamado: Nataraja, "o senhor da dança" (porque, no momento da devastação universal, ele he executa sua dança cósmica para destruir os planetas); Rudra, "o furioso", ou Bhutanatha, "o senhor dos fantasmas e espíritos". Na Índia, ele é freqüentemente adorado em sua forma como Shiva-linga, o símbolo combinado do agente gerador de Shiva, o pai da natureza material, e sua esposa, Parvati, a mãe. Como com todas as deidades, Brahma, Vishnu e Shiva têm cada um sua própria consorte feminina, em Sânscrito chamada "shakti", ou "energia". Eles também têm seu próprio veículo pessoal ou animal de tração (chamado "vahana") assim como algumas características ou símbolos específicos.

Deidade

Consorte (shakti)
Veículo (
vahana)

Vishnu (mantenedor do universo)
Lakshmi (deusa da fortuna)
Garuda (águia)

Brahma (criador do universo)
Saraswati (deusa da sabedoria, do aprendizado e da música)
Hamsa (cisne)

Shiva (destruidor do universo)
Parvati, também chamada Durga ou Kali (personificação do mundo material)

Nandi (touro)

Na Índia atual, além de Vishnu e Shiva, são adoradas como as principais deidades principalmente Lakshmi e Durga, bem como o filho de Shiva e Parvati chamado Ganesha (um auspicioso semideus com a cabeça de um elefante). DEMAIS SEMIDEUSES. Como mencionado previamente, as escrituras Védicas descrevem não apenas as três deidades da "trimurti" e suas respectivas consortes e veículos pessoais, mas também um grande número de várias outras personalidades que são responsáveis pela administração universal. Eles são chamados semideuses, e eles vivem em sistemas planetários acima da Terra (os chamados "planetas celestiais"). Todos eles se consideram servos de Vishnu que, em Seu nome, executam tarefas gerenciais pelo bem-estar dos seres vivos do universo. Nas escrituras Védicas, nós encontramos a informação de que há 33 semideuses principais e milhões de semideuses e sub semideuses subordinados, ambos masculinos e femininos. Nós podemos analisar esse panteão Védico nas seguintes categorias: — Senhores dos elementos (p.ex. Varuna, o senhor dos mares de das águas; Agni, o deus do fogo; Vayu, o senhor dos ventos e do ar) — Senhores dos planetas (p.ex. Bhumi, a deusa da Terra; Surya, o deus sol; Candra, o deus da lua; Brihaspati, o senhor de Jupiter, que também é o mestre espiritual dos semideuses; Shukra, o senhor de Venus) — Sábios entre os semideuses (p.ex. Narada, os Kumaras, os Maruts, os Sapta-rishis; Vyasadeva, o compilador dos Vedas) — Semideuses com funções específicas nos planetas celestiais (p.ex. Indra, o rei dos semideuses, que também é responsável pelas nuvens e pelo clima na Terra; Kuvera, o tesoureiro dos semideuses; os Ashvini-kumaras, os deuses dos tratamentos médicos; Vishvakarma, o arquiteto dos semideuses) — Semideuses com funções específicas no relacionamento com os seres humanos (p.ex. Yamaraja, o deus da morte e da justiça; Skanda ou Karttikeya, o deus da guerra; Kama, o deus da luxúria) — Semideuses subordinados (como anjos, centauros etc.) — Deuses e deusas de montanhas e rios e outros fenômenos naturais. A maioria desses semideuses tem sua respectiva consorte a seu lado e seu próprio veículo pessoal. Nós não podemos nomear a todos, já que isso iria muito além do escopo deste ensaio. Uma palavra final no relacionamento entre semideuses e os seres humanos: Os semideuses são nutridos pelas oferendas derramadas no fogo de sacrifício pelos humanos e, então, quando eles estão satisfeitos, eles irão retribuir concedendo todas as coisas desejadas ou necessitadas para a sociedade humana. Dessa maneira, os humanos são completamente dependentes dos semideuses com relação a sua saúde, bem-estar, prosperidade e paz. Claro, todas essas bênçãos também podem ser obtidas diretamente por aproximar-se do "Deus dos deuses", a Suprema Personalidade de Deus. Se alguém se empenha na adoração de Deus, os semideuses, que são eles mesmos totalmente dependentes de Deus, ficam automaticamente satisfeitos e bem-dispostos com relação à humanidade. No Bhagavad-gita, Krishna explica que aqueles que adoram os semideuses recebem frutos que são temporários e limitados. As pessoas na verdade deveriam buscar adorar a Suprema fonte de todos os semideuses, Krishna, mas por serem influenciados por desejos luxuriosos por ganhos materiais, eles adoram os semideuses sem verdadeiro conhecimento. Portanto, os humanos são geralmente aconselhados por todas as tradições religiosas a respeitar essas personalidades poderosas, os semideuses, e a satisfaze-los engajando-se no serviço à Suprema Personalidade de Deus, Vishnu ou Krishna. Se alguém satisfaz Krishna, a raiz de toda a criação, então todos os semideuses são também automaticamente satisfeitos e fornecem generosamente todas as coisas necessárias à humanidade. Quando a raiz de uma árvore está satisfeita por água, então as folhas e galhos também estão satisfeitos ao receber água da raiz. Similarmente, quando Krishna está satisfeito então Suas partes, os semideuses, também estão satisfeitas. Assim, não há necessidade de adorar os semideuses. Se alguém adorar apenas Krishna, sua vida será perfeita. www.ptkrishna.org. Abraço. Davi