Budismo Nitiren Daishonin. Por Daisaku Ikeda
(1928- ). A criatividade é uma parte
natural da vida. Não é algo restrito a um limitado grupo de pessoas ou algo que
somente acontece em locais especiais. Obviamente, ninguém acha o cantarolar de
uma pássaro formal ou amedrontador. E quem nunca deixou ser cativado pela
beleza de um claro céu azul ou pelo desabrochar de uma cerejeira? Para mim,
estes são exemplos do nosso amor natural pela beleza e o verdadeiro espírito da
arte e cultura. Geralmente,
a vida é dolorosa e cheia de espinhos, como o ramo de uma rosa. A cultura e a
arte são as rosas que florescem deste ramo chamado vida. Muitas vezes, parece
que o mundo nos trata como parte de uma máquina, e que precisamos de algo para
restaurar nossa humanidade. Cada um de nós possui sentimentos que são
suprimidos e que estão armazenados em nosso interior: um grito silencioso nas
profundezas de nossa alma. A arte fornece uma voz e forma para estes
sentimentos, que liberam a nossa própria humanidade. É a emoção, o prazer de
expressar nossa vida interior exatamente como ela é. Um amigo que combina a
criatividade com uma personalidade realista é o falecido Osvaldo Pugliese
(1905-1995), mestre do tango argentino. Ele geralmente dizia: Meus dedos são tão
duros como as unhas. Eu sou como um carpinteiro, martelando as teclas do piano. Pugliese
nasceu no centro de Buenos Aires, numa vizinhança onde as famílias de
imigrantes pobres viviam juntas em cortiços. Eles eram bastante calorosos e
davam vazão irrestrita as suas emoções. Seu pai era flautista de uma banda de tango.
Um ritmo - selvagem, sofisticado, elegante, humorístico, belo e ardente - que
pulsa como um grito melancólico que não pode ser descrito em palavras. E este
ritmo estava presente nas veias de Pugliese. Após uma longa aprendizagem,
tocando em cinemas e cafés, ele finalmente formou a sua própria orquestra
quando completou trinta e três anos. O grupo trabalhou persistentemente para
criar um som próprio e foram recompensados com uma explosiva popularidade.
Enquanto isto, algumas orquestras que eram populares e que somente se
contentavam em seguir a moda acabaram se dissolvendo uma após outra. Certa ocasião, Pugliese
disse para os componentes de sua orquestra: Nós estamos navegando no vasto
oceano do tango. O mais importante é saber as correntes marítimas que irão
aportar no coração das pessoas. Eu acredito que uma música grandiosa, assim como toda arte
grandiosa, tem origem no coração do ser humano. Caso o nosso estado de vida
interior é fraco, o que irá ser desenvolvido também será fraco. A finalidade da
vida é sobreviver, não importando o que aconteça. Uma performance será um
fracasso se o músico desistir e parar de tocar no meio de um show. Será
impossível tocar o coração da plateia. Assim, a determinação de continuar até o
fim, é o ponto fundamental tanto na arte como na vida. O compositor italiano
Giuseppe Verdi (1813-1901) escreveu para um jovem - que esperava construir uma
carreira artística – para não sucumbir aos aplausos ou críticas. Ele descreve:
O artista deve olhar para o futuro, ver um novo mundo em meio ao caos, e caso,
bem no final desta longa jornada, ele consiga enxergar uma luz tênue, não
deverá temer a escuridão que o cerca. Siga reto e caso tropece ou caia, deve se
erguer e continuar caminhando. É como a vida. Nós devemos cerrar os dentes e
andar bravamente em direção a luz. Este espírito de dedicação total é a chave da criatividade.
Certamente, os momentos que sinto ter sido criativo são aqueles em que me
dediquei de corpo e alma na conclusão de uma determinada tarefa. Neste
instante, eu senti que que havia vencido a batalha e cresci. A expressão artística é
uma exploração dentro de nossa vida interior. Como escreveu Henry David Thoreau
(1817-1862): Mire os seus olhos para si e irá encontrar milhares de regiões que
nunca foram descobertas. A criatividade significa abrir a pesada entrada para a vida. Esta
não é uma tarefa fácil, ao contrário, poderá ser a mais difícil tarefa no
mundo, cheia de suor e lágrimas. O ato de abrir a porta da sua própria vida
pode ser algo tão difícil como abrir a porta dos mistérios do universo. Eu acredito que a arte e
a cultura enriquecem o indivíduo, ao mesmo tempo que alcança, toca, comunica e
induz as pessoas a ficarem juntas. A cultura não conhece fronteiras e
transcende as diferenças étnicas, nacionais e ideológicas. Nos envolve como
seres humanos, produzindo um sentimento de realização, ao mesmo tempo que
amplia e abre nosso eu interior. As vibrações do espírito de um artista ressoam
dentro de nossos corações. Esta é a experiência essencial da arte. Existem diversas formas
de intercâmbio entre países e povos. As interações políticas e econômicas são
inclinadas ao foco do lucro e poder. Por esta razão, eu acredito que os
intercâmbios culturais são um elemento vital para se construir uma ponte de
compreensão entre pessoas de diferentes países tendo como base o próprio povo. O modo mais efetivo para
compreender as pessoas é através da sua cultura, através do contato direto com
os sons e imagens que os tocam de modo profundo. Eu tenho a plena convicção que
a compreensão mútua criada através destes intercâmbios gera a base de uma
verdadeira e duradoura paz. A diretora do Centro Cultural das Filipinas Maria Teresa Escoda
Roxas (1927-1999), disse em certa ocasião que devido as suas terríveis
experiências durante a Segunda Guerra Mundial, ela não foi capaz de aceitar o
povo japonês durante muitos anos. Eu compreendi perfeitamente os seus sentimentos – os japoneses
cometeram horrendas atrocidades contra pessoas inocentes e em consequência,
seus pais foram assassinados pelos militares japoneses que ocupavam o país. Ela
me disse: Mas, meus sentimentos mudaram quando eu acompanhei meu marido em uma
viagem de negócios para o Japão e tive contato com a arte tradicional. Eu
comecei a amar a arte japonesa e através dela, eu pude abrir meu coração ao
povo japonês. A arte pode nos levar a transcender o amor e o ódio. A cultura é
o laço mais forte que pode unir os seres humanos. Eu fiquei profundamente
comovido por estas palavras. Eu acredito que todas as pessoas possuem o poder criativo
ilimitado e que se nós utilizarmos este poder em conjunto - e em paralelo,
fortalecemos nossos laços como seres humanos – iremos definitivamente construir
um mundo pacífico. Desenvolver e desencadear a capacidade humana em prol da
criatividade é um dos grandes desafios que iremos enfrentar no limiar do século
XXI. Impressionantes saber que já passamos 15 anos do século XXI. http://www.maisbelashistoriasbudistas.com.br. Abraço. Davi.
Fonte: Daily Mirror, 07 de dezembro de 1998
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