sábado, 29 de janeiro de 2022

O CAMINHO DE COMPAIXÃO E SABEDORIA

 

Budismo. www.budismomoderno.org.br. II. BUDISMO MODERNO – O CAMINHO DE COMPAIXÃO E SABEDORIA. QUEM SÃO OS KADAMPAS? “Ka” refere-se aos ensinamentos de Buda, e “dam” refere-se às instruções de Atisha sobre o Lamrim (as Etapas do Caminho à Iluminação, também conhecidas como Lamrim Kadam). Assim, “Kadam” refere-se à união dos ensinamentos de Buda e das instruções de Atisha, e os praticantes sinceros do Lamrim Kadam são denominados “Kadampas”. Existem duas Tradições Kadampa: a antiga e a nova. Os praticantes da Antiga Tradição Kadampa surgiram para enfatizar mais a prática de Sutra do Lamrim Kadam do que a de Tantra. Mais tarde, Je Tsongkhapa e seus discípulos enfatizaram igualmente ambas as práticas, as de Sutra e as de Tantra, do Lamrim Kadam. Essa nova tradição fundada por Je Tsongkhapa é denominada Nova Tradição Kadampa. Os kadampas confiam sinceramente em Buda Shakyamuni, porque Buda é a fonte do Lamrim Kadam; eles confiam sinceramente em Avalokiteshvara, o Buda da Compaixão, e no Protetor de Sabedoria do Dharma, indicando que sua prática principal é compaixão e sabedoria; e confiam sinceramente em Arya Tara, porque ela prometeu a Atisha que, no futuro, cuidaria especialmente dos praticantes kadampa. Por essa razão, esses quatro seres sagrados iluminados são chamados de os “Quatro Gurus- -Deidades Kadampa”. O fundador da Tradição Kadampa é o grande mestre e erudito budista Atisha. Atisha nasceu como um príncipe em Bengala Oriental, na Índia, em 982. O nome de seu pai era Kalyanashri (Virtude Gloriosa) e o de sua mãe era Prabhavarti Shrimati (Radiância Gloriosa). Ele era o segundo de três filhos, e quando nasceu recebeu o nome Chandragarbha (Essência da Lua). O nome Atisha, que significa “Paz”, foi-lhe dado mais tarde pelo rei tibetano Jangchub Ö, porque ele sempre estava calmo e pacífico. Quando ainda era criança, os pais de Chandragarbha levaram- -no para visitar um templo. Ao longo do caminho, milhares de pessoas se reuniram para ver se conseguiriam enxergar o príncipe de relance. Quando as viu, Chandragarbha perguntou “Quem são essas pessoas?”, e os seus pais responderam “Eles são os nossos súditos”. Compaixão surgiu espontaneamente no coração do príncipe e ele rezou: “Que todas essas pessoas desfrutem de uma boa fortuna tão grande quanto a minha”. Sempre que Chandragarbha se encontrava com alguém, um desejo surgia de modo natural em sua mente: “Que esta pessoa encontre felicidade e seja livre do sofrimento”. Mesmo quando ainda era uma criança pequena, Chandragarbha recebia visões de Arya Tara, um ser iluminado feminino. Algumas vezes, enquanto estava no colo de sua mãe, flores azuis de upala caiam do céu e ele começava a conversar, como se o fizesse com as flores. Mais tarde, iogues explicaram para sua mãe que as flores azuis que ela tinha visto eram um sinal de que Tara estava aparecendo para o seu filho e conversando com ele. Quando o príncipe cresceu, seus pais desejaram arranjar um casamento para ele, mas Tara aconselhou-o: “Se te apegares ao teu reino, serás como um elefante que afundou no lodo e não consegue mais se levantar por si só porque é demasiado grande e pesado. Não te apegues a esta vida. Estuda e pratica o Dharma. Foste um Guia Espiritual em muitas de tuas vidas anteriores e, nesta vida, também irás te tornar um Guia Espiritual”. Inspirado por essas palavras, Chandragarbha desenvolveu forte interesse em estudar e praticar o Dharma e determinou-se a obter todas as realizações dos ensinamentos de Buda. Ele sabia que, para alcançar seu objetivo, precisaria encontrar um Guia Espiritual plenamente qualificado. Inicialmente, Chandragarbha procurou um famoso professor budista chamado Jetari, que vivia nas proximidades, e solicitou instruções de Dharma sobre como encontrar a libertação do samsara. Jetari deu-lhe instruções sobre refúgio e bodhichitta e então lhe disse que, se quisesse praticar puramente, deveria ir a Nalanda e aprender com o Guia Espiritual Bodhibhadra Quando se encontrou com Bodhibhadra, o príncipe disse: “Eu realizei que o samsara é sem sentido e que somente a libertação e a plena iluminação valem verdadeiramente a pena. Por favor, dê instruções de Dharma que me conduzam rapidamente ao estado além da dor, o nirvana”. Bodhibhadra deu-lhe breves instruções sobre gerar a bodhichitta e aconselhou: “Se desejas praticar o Dharma puramente, deves procurar o Guia Espiritual Vidyakokila”. Bodhibhadra sabia que Vidyakokila era um grande meditador que tinha obtido uma perfeita realização da vacuidade e que era muito habilidoso em ensinar os estágios do caminho profundo. Vidyakokila deu a Chandragarbha instruções completas sobre ambos os caminhos, o vasto e o profundo, e então o enviou para estudar com o Guia Espiritual Avadhutipa. Avadhutipa não o orientou imediatamente, mas disse ao príncipe que fosse a Rahulagupta para receber as instruções sobre os Tantras de Heruka e de Hevajra e, então, retornar para receber instruções mais detalhadas sobre o Tantra, ou Mantra Secreto. Rahulagupta deu a Chandragarbha o nome secreto de Janavajra (Sabedoria Indestrutível) e a sua primeira iniciação, que o introduziu na prática de Hevajra. Depois, disse- -lhe para voltar ao seu lar e obter o consentimento de seus pais. Embora o príncipe não fosse apegado à vida mundana, para ele ainda era importante obter a permissão de seus pais para praticar da maneira que desejava. Assim, ele retornou aos seus pais e disse: “Se eu praticar o Dharma puramente, então, como Arya Tara predisse, serei capaz de retribuir vossa bondade e a bondade de todos os seres vivos. Se eu puder fazer isso, minha vida humana não terá sido desperdiçada. Caso contrário, ainda que eu passe todo o meu tempo num glorioso palácio, minha vida será sem sentido. Por favor, deem-me o vosso consentimento para deixar o reino e dedicar toda a minha vida à prática do Dharma”. O pai de Chandragarbha ficou infeliz ao ouvir o que disse seu filho e quis impedi-lo de abandonar suas perspectivas de vida como futuro rei, mas sua mãe ficou deleitada ao saber que o filho desejava dedicar a vida ao Dharma. Ela relembrou que no nascimento dele haviam acontecido sinais maravilhosos, como arco-íris, e lembrou-se de milagres como as flores azuis de upala caindo do céu. Ela sabia que seu filho não era um príncipe comum e deu-lhe sua permissão sem hesitar. Com o tempo, o rei também concordou com o desejo do seu filho. Chandragarbha retornou a Avadhutipa e, por sete anos, recebeu instruções sobre o Mantra Secreto. Ele se tornou tão realizado que, em uma ocasião, desenvolveu orgulho, pensando: “Provavelmente, eu sei mais sobre o Mantra Secreto do que qualquer outra pessoa em todo o mundo”. Naquela noite, Dakinis apareceram em seu sonho e lhe mostraram escrituras raras, que ele nunca havia visto antes. Elas perguntaram: “O que estes textos significam?”, mas ele não tinha ideia. Quando acordou, seu orgulho havia desaparecido. Mais tarde, Chandragarbha começou a pensar que poderia emular o estilo da prática de Avadhutipa e, como um leigo, esforçar-se para alcançar a iluminação rapidamente, praticando o Mahamudra na dependência de um mudra-ação. Porém, recebeu uma visão de Heruka que lhe disse que, se recebesse a ordenação, seria capaz de ajudar incontáveis seres e difundir o Dharma ampla e extensivamente. Naquela noite, sonhou que acompanhava uma procissão de monges na presença de Buda Shakyamuni, que perguntava por que Chandragarbha ainda não havia recebido a ordenação. Quando acordou do seu sonho, resolveu tornar-se monge. Ele recebeu ordenação de Shilarakshita, e lhe foi dado o nome de Dhipamkara Shrijana. Do Guia Espiritual Dharmarakshita, Dhipamkara Shrijana recebeu extensas instruções sobre Sete Categorias do Abhidharma e Oceano de Grande Explanação – textos esses escritos do ponto de vista do sistema vaibhashika. Desta maneira, ele tornou-se um mestre nos ensinamentos hinayana. Ainda insatisfeito, Dhipamkara Shrijana foi receber instruções detalhadas em Bodh Gaya. Um dia, ouviu sem querer uma conversa entre duas mulheres que, na verdade, eram emanações de Arya Tara. A mais jovem perguntou para a mais velha: “Qual é o principal método para alcançar a iluminação rapidamente?”. A mais velha respondeu: “É a bodhichitta”. Ouvindo isso, Dhipamkara Shrijana ficou determinado a obter a preciosa bodhichitta. Mais tarde, enquanto andava ao redor da grande estupa em Bodh Gaya, uma estátua de Buda Shakyamuni falou com ele, dizendo: “Se desejas alcançar a iluminação rapidamente, deves ganhar experiência em compaixão, amor e na preciosa bodhichitta”. Seu desejo em realizar a bodhichitta tornou-se então intenso. Ele ouviu que o Guia Espiritual Serlingpa, que vivia muito longe num lugar chamado Serling, em Sumatra, havia alcançado uma experiência muito especial da bodhichitta e que era capaz de dar instruções sobre os Sutras Perfeição de Sabedoria. Dhipamkara Shrijana navegou durante treze meses para chegar até Sumatra. Quando chegou, ofereceu um mandala a Serlingpa e fez-lhe pedidos. Serlingpa disse-lhe que as instruções levariam doze anos para serem transmitidas. Dhipamkara Shrijana ficou em Sumatra por doze anos e, por fim, obteve a preciosa realização da bodhichitta. Então, ele retornou para a Índia. Confiando em seu Guia Espiritual, Atisha obteve uma compreensão especial sobre os três conjuntos de ensinamentos de Buda – o conjunto de disciplina moral, o conjunto dos discursos e o conjunto de sabedoria – e das quatro classes de Tantra. Ele também dominou as artes e as ciências, tais como poesia, retórica e astrologia, era um excelente médico e muito habilidoso em tecnologia e ofícios artesanais. Atisha também alcançou todas as realizações dos três treinos superiores: o treino em disciplina moral superior, o treino em concentração superior e o treino em sabedoria superior. Visto que todas as etapas de Sutra (como as seis perfeições, os cinco caminhos, os dez solos) e todas as etapas de Tantra (como o estágio de geração e o estágio de conclusão) estão incluídas nos três treinos superiores, Atisha obteve todas as realizações das etapas do caminho. Há três tipos de disciplina moral superior: a disciplina moral superior dos votos Pratimoksha, ou votos de libertação individual, a disciplina moral superior do voto bodhisattva, e a disciplina moral superior dos votos tântricos. Os votos para abandonar as 253 quedas, tomados por um monge plenamente ordenado, estão entre os votos Pratimoksha. Atisha nunca quebrou nenhum deles. Isso mostra que ele possuía uma contínua-lembrança muito forte e grande conscienciosidade. Ele também manteve puramente o voto bodhisattva de evitar as dezoito quedas raízes e as 46 quedas secundárias, e manteve puramente todos os seus votos tântricos. As aquisições de concentração superior e sabedoria superior são divididas em comum e incomum. Uma aquisição comum é aquela que é obtida por praticantes tanto de Sutra quanto de Tantra, e uma aquisição incomum é aquela obtida somente por praticantes de Tantra. Por ter treinado em concentração superior, Atisha obteve a concentração comum do tranquilo-permanecer e, com base nela, clarividência, poderes miraculosos e virtudes comuns. Ele também obteve concentrações incomuns, como as concentrações do estágio de geração e do estágio de conclusão do Mantra Secreto. Treinando em sabedoria superior, Atisha alcançou a realização comum da vacuidade e as realizações incomuns da clara-luz-exemplo e da clara-luz-significativa do Mantra Secreto. Atisha dominava tanto os ensinamentos hinayana quanto os ensinamentos mahayana, e era respeitado por professores de ambas as tradições. Ele era como um rei, o ornamento-coroa dos budistas indianos, e reconhecido como um segundo Buda. Antes do tempo de Atisha, o trigésimo sétimo rei do Tibete, Trisong Detsen (cerca de 754–797), havia convidado Padmasambhava, Shantarakshita e outros professores budistas da Índia para irem ao Tibete e, por meio da influência deles, o puro Dharma floresceu; mas, alguns anos depois, um rei tibetano chamado Lang Darma (cerca de 836) destruiu o puro Dharma no Tibete e aboliu a Sangha. Até esse momento, a maioria dos reis havia sido religiosa, mas durante o maléfico reinado de Lang Darma houve uma era negra. Por volta de setenta anos após a morte desse rei, o Dharma começou a florescer novamente na parte mais elevada do Tibete por meio dos esforços de grandes professores, tais como o tradutor Rinchen Sangpo, e também começou a florescer na parte mais baixa do Tibete por meio dos esforços de um grande professor chamado Gongpa Rabsel. Gradualmente, o Dharma difundiu-se para o Tibete Central. Nessa época não havia uma prática pura da união do Sutra e do Tantra. As duas práticas eram consideradas contraditórias, como fogo e água. Quando as pessoas praticavam o Sutra, elas abandonavam o Tantra; e ao praticar o Tantra, elas abandonavam o Sutra, incluindo até as regras do Vinaya. Falsos professores vieram da Índia, desejando obter um pouco do abundante ouro tibetano. Passando-se por Guias Espirituais e iogues, eles introduziram perversões tais como magia negra, criação de aparições, práticas sexuais e assassinato ritual. Essas práticas deturpadas rapidamente se difundiram. Um rei chamado Yeshe Ö e seu sobrinho, Jangchub Ö, que viviam em Ngari, no Tibete Ocidental, estavam profundamente preocupados sobre o que estava acontecendo com o Dharma em seu país. O rei chorou quando pensou na pureza do Dharma em tempos passados e comparou-a com o Dharma impuro que estava sendo praticado agora. Ele estava angustiado por ver quão endurecidas e descontroladas as mentes das pessoas haviam se tornado. Yeshe Ö pensou: “Que maravilhoso seria se o puro Dharma florescesse novamente no Tibete para domar as mentes do nosso povo”. Para satisfazer esse desejo, ele enviou tibetanos à Índia para aprender sânscrito e treinar no Dharma, mas muitos deles foram incapazes de suportar o clima quente. Os poucos que sobreviveram aprenderam o sânscrito e treinaram muito bem o Dharma. Dentre eles estava o tradutor Rinchen Sangpo, que recebeu muitas instruções e então retornou ao Tibete. Uma vez que esse plano não havia obtido muito sucesso, Yeshe  Ö decidiu convidar um autêntico professor budista da Índia. Ele enviou um grupo de tibetanos para a Índia com uma grande quantidade de ouro e deu-lhes a missão de procurar pelo mais qualificado Guia Espiritual existente na Índia. Aconselhou a todos para estudarem o Dharma e obterem perfeita compreensão do sânscrito. Esses tibetanos sofreram toda a dureza do clima e da viagem a fim de alcançarem seu objetivo. Alguns se tornaram tradutores famosos. Eles traduziram muitas escrituras e as enviaram ao rei, para seu grande deleite. Quando esses tibetanos retornaram ao Tibete, informaram a Yeshe Ö: “Na Índia há muitos professores budistas eruditos, mas o mais ilustre e sublime de todos é Dhipamkara Shrijana. Nós gostaríamos de convidá-lo para vir ao Tibete, mas ele tem milhares de discípulos na Índia”. Quando Yeshe Ö ouviu o nome “Dhipamkara Shrijana”, ficou contente e determinado a convidar esse mestre para vir ao Tibete. Como já havia usado a maior parte do seu ouro e mais se fazia necessário para realizar o convite a Dhipamkara Shrijana, o rei saiu numa expedição à procura de mais ouro. Quando chegou a uma das fronteiras, um rei hostil, não budista, capturou-o e jogou-o na prisão. Quando as notícias chegaram a Jangchub Ö, ele ponderou: “Sou poderoso o suficiente para empreender uma guerra contra esse rei, mas se eu fizer isso muitas pessoas sofrerão e eu terei que cometer muitas ações destrutivas e danosas”. Assim, ele decidiu fazer um apelo pela libertação de seu tio, mas o rei respondeu dizendo: “Libertarei teu tio somente se ambos se tornarem meus súditos ou me trouxerem uma quantidade de ouro que pese tanto quanto o corpo dele”. Com grande dificuldade, Jangchub Ö conseguiu reunir ouro equivalente ao peso do corpo do seu tio, com exceção do peso de sua cabeça. Já que o rei exigia a quantia exata, Jangchub Ö preparou-se para sair em busca de mais ouro, mas antes de partir ele visitou seu tio. Ele encontrou Yeshe Ö fisicamente fraco, mas com um bom estado mental. Jangchub Ö disse- -lhe através das barras da prisão: “Em breve, serei capaz de libertá-lo, pois já consegui juntar quase todo o ouro”. Yeshe Ö respondeu: “Por favor, não me trate como se eu fosse importante. Você não deve dar o ouro a esse rei hostil. Envie-o todo à Índia e ofereça-o a Dhipamkara Shrijana. Este é o meu maior desejo. Darei a minha vida alegremente pela restauração do puro Dharma no Tibete. Por favor, transmita esta mensagem a Dhipamkara Shrijana. Deixe-o saber que eu dei a minha vida para convidá-lo para vir ao Tibete. Visto que ele tem compaixão pelo povo tibetano, quando receber esta mensagem aceitará o nosso convite”. Jangchub Ö enviou o tradutor Nagtso junto com alguns companheiros de viagem para a Índia, com o ouro. Quando encontraram Dhipamkara Shrijana, disseram-lhe o que estava acontecendo no Tibete e como o povo desejava convidar um Guia Espiritual da Índia. Eles falaram sobre a quantidade de ouro que o rei havia enviado para ele como oferenda e como muitos tibetanos haviam morrido com o objetivo de restaurar o puro Dharma. Eles lhe contaram como Yeshe Ö havia sacrificado sua vida para trazê-lo ao Tibete. Quando eles fizeram sua solicitação, Dhipamkara Shrijana refletiu sobre o que haviam dito e aceitou o convite. Embora ele tivesse muitos discípulos na Índia e estivesse trabalhando arduamente pela causa do Dharma, ele sabia que no Tibete não existia um Dharma puro. Ele também havia recebido uma profecia de Arya Tara de que, se ele fosse ao Tibete, poderia beneficiar incontáveis seres vivos. Compaixão surgiu em seu coração quando ele pensou em quantos tibetanos faleceram na Índia e ficou especialmente comovido com o sacrifício de Yeshe Ö. Dhipamkara Shrijana teve que fazer a sua viagem ao Tibete em segredo, porque, se seus discípulos indianos soubessem que ele estava deixando a Índia, tentariam impedi-lo. Ele disse que estava fazendo uma peregrinação ao Nepal, mas do Nepal passou para o Tibete. Quando seus discípulos indianos finalmente compreenderam que ele não retornaria, protestaram que os tibetanos eram ladrões e que haviam roubado seu Guia Espiritual! Naquele tempo, como acontece ainda hoje, era costume saudar em grande estilo um convidado honrado. Jangchub Ö enviou, então, um séquito de trezentos cavaleiros juntamente com muitos tibetanos eminentes para a fronteira, para dar as boas-vindas a Atisha e oferecer-lhe um cavalo para facilitar a difícil viagem até Ngari. Atisha cavalgou no meio dos trezentos cavaleiros e, com auxílio de seus poderes miraculosos, sentou-se cinquenta centímetros acima do dorso do cavalo. Quando viram isso, aqueles que não tinham respeito por ele desenvolveram uma fé muito forte, e todos disseram que o segundo Buda havia chegado ao Tibete. Quando Atisha chegou a Ngari, Jangchub Ö solicitou-lhe: “Ó Compassivo Atisha, por favor, dê instruções para ajudar o povo tibetano. Por favor, dê conselhos que todos possam seguir. Por favor, dê-nos instruções especiais a fim de que possamos praticar todos os caminhos, de Sutra e de Tantra, juntos. Para satisfazer esse desejo, Atisha escreveu e ensinou Luz para o Caminho à Iluminação, o primeiro texto escrito sobre as etapas do caminho, o Lamrim. Ele deu essas instruções primeiramente em Ngari e depois no Tibete Central. Muitos discípulos que ouviram esses ensinamentos desenvolveram grande sabedoria. Até aqui página 21. www.budismomoderno.org.br. Abraço. Davi.

 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A SANTA IGREJA ORTODOXA

 

Cristianismo. www.eclesia.com.br A SANTA IGREJA ORTODOXA. 1. Qual o significado de Ortodoxia? E de Igreja Ortodoxa? Chamamos Ortodoxia à verdadeira doutrina - neste caso, a verdadeira doutrina de Cristo. Ortodoxia é uma palavra grega que significa, à letra, glória (doxa) reta, direita, justa, verdadeira (orto). Assim, chama-se Ortodoxia à Igreja que se manteve fiel à Verdade, transmitida pela Tradição, desde os Apóstolos até nossos dias. Igreja Ortodoxa é, portanto, a Igreja de Cristo, a que permaneceu sempre una e indivisa, fiel à verdade da doutrina Cristã. Erradamente, há quem pense que a Igreja Ortodoxa é apenas a Igreja Grega ou Russa, ou ainda, as Igrejas dos países eslavos. Quem pensa assim esquece-se que a Ortodoxia não é uma questão de geografia - é uma questão de verdade, de fidelidade ao dogma e à Tradição da Igreja de Cristo. Além disso, A Igreja Ortodoxa encontra-se hoje espalhada por todo o Mundo: Europa (de Portugal a Rússia), Ásia (Médio e Extremo Oriente), Américas (do Brasil ao Canadá), África (Uganda, Quênia) e Oceania (Austrália), num total de mais de 350 milhões de fiéis. Mas, como dizia um importante teólogo russo, Khomiakov, "a Igreja não existe pela quantidade, maior ou menor, dos seus membros, mas pelo laço espiritual que os une". Logo, é também errado dizer-se que a Igreja Ortodoxa é uma Igreja "Oriental" - oriental é o espírito do Cristianismo na sua origem, porque é do Oriente que vem a luz, e para o Oriente viramos, quando rezamos, sozinhos ou em comunidade. No entanto, é verdade que na Idade Média se verificou a separação entre Ocidente e Oriente, resultante da Própria divisão do Império Romano entre Império do Ocidente e Império do Oriente, tendo como centro Bizâncio (Constantinopla). E também é verdade que pouco a pouco se criou uma distinção nítida entre "catolicismo romano", tipicamente ocidental, e um Cristianismo "oriental", ortodoxo. Mas hoje a Igreja Ortodoxa encontra-se espalhada por todo Mundo - um Mundo em que distinções como a de Oriente-Ocidente, outrora bem nítida, cada vez fazem menos sentido. 2. Quais foram as causas que levaram à separação da Igreja Romana e da Igreja Ortodoxa? Porque é que se verificou o cisma da Igreja Romana? Porque é que Roma se separou do tronco comum e fecundo da árvore da Tradição, criando um Cristianismo "Romano" a que deu o nome contraditório de "Catolicismo"? O seu cisma (separação) não pode ser identificado com nenhum acontecimento particular da História, nem se lhe pode atribuir uma data precisa. Para essa separação progressiva terão contribuído diversos fatores, entre os quais a oposição política entre Constantinopla e o "império" de Carlos Magno, o afastamento da Tradição por desvios sucessivos do pensamento e da prática da Igreja Romana, divergências no campo teológico e no da Vida da Igreja. No entanto, talvez tenha sido este último aspecto - o de Roma criar um conceito diferente do que é a vida e a missão da Igreja - que acabou por ser o fator determinante ou, pelo menos, a gota de água que fez transbordar o vaso cheio de erros e falhas. De fato, a Igreja de Roma, graças a fatores essencialmente políticos, de ambição do poder temporal, desenvolveu a partir da Idade Média, a doutrina da primazia do Papa (título, aliás, dado aos Patriarcas de Roma e de Alexandria) como último e, depois, como único recurso em matéria de Fé. Ora, isto era, é e será, completamente estranho à Tradição da Igreja dos Apóstolos, dos Mártires, dos Santos e dos Sete Concílios Ecumênicos. Para esta, a autoridade em questões de Fé repousa nos Concílios - no acordo entre todos os Bispos, sucessores dos Apóstolos - e no Povo Real, Hierarquia e fiéis. Havendo, portanto, divergências entre Oriente e Ocidente acerca da noção de autoridade na Igreja, não podia existir acordo quanto à maneira de resolver os problemas entretanto surgidos no seio da Igreja una: a questão do "Filioque", a diferença dos ritos, a existência de presbíteros casados, a utilização do latim ou das línguas indígenas, o uso da barba ou da cara rapada entre clero etc. Para a Igreja de Roma, o seu Bispo é o "chefe da Igreja universal" porque se considera o sucessor de São Pedro. E interpreta como fundação da Igreja e proclamação dessa chefia universal a célebre passagem do Evangelho de Mateus: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra Ela"(16,18). Para a Igreja una e indivisa a interpretação desta passagem do Evangelho é toda outra. Como disse Orígenes (fonte comum da Tradição patrística da exegese), Jesus responde com estas palavras à confissão de Pedro: este torna-se a pedra sobre a qual será fundada a Igreja porque exprimiu a Fé verdadeira na divindade de Cristo. E Orígenes comenta: "Se nós dissermos também: 'Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo', então tornamo-nos também Pedro (...) porque quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra. Cristo daria as chaves do Reino apenas a Pedro, enquanto as outras pessoas abençoadas não as poderiam receber?". Pedro é, então, o primeiro "crente" e se os outros o quiserem seguir podem "imitar" Pedro e receber também as mesmas chaves. Jesus, com as Suas palavras relatadas no Evangelho, sublinha o sentido da Fé como fundamento da Igreja, mais do que funda a Igreja sobre Pedro, como a Igreja Romana pretende. Tudo se resume, portanto, em saber se a Fé depende de Pedro, ou se Pedro depende da Fé (...). Por isso mesmo, São Cipriano de Cartago pôde afirmar que a Sé de Pedro pertence ao Bispo de cada Igreja Local, enquanto São Gregório de Nissa escrevia que Jesus "deu aos Bispos, através de Pedro, as chaves das honras do Céu". A sucessão de Pedro existe onde a Fé justa (ortodoxa) é preservada e não pode, então, ser localizada geograficamente, nem monopolizada por uma só Igreja nem por um só indivíduo. Levando a teoria da primazia de Roma às últimas conseqüências, seríamos obrigados a concluir que somente Roma possui essa Fé de Pedro - e, nesse caso, teríamos o fim da Igreja una, santa, católica e apostólica que proclamamos no Credo: atributos dados por Deus a todas as comunidades sacramentais centradas sobre a Eucaristia, possuindo um verdadeiro Episcopado, uma verdadeira Eucaristia e, portanto, uma presença autêntica de Cristo. Afirma, depois, a Igreja de Roma que é ela a Igreja fundada por Pedro e que essa fundação apostólica especial lhe dá direito a um lugar soberano sobre todo o universo. Ora a verdade é que, para além do fato de não sabermos realmente se São Pedro foi o fundador dessa Igreja Local e o seu primeiro Papa (aliás, terão os Apóstolos sido Bispos de qualquer Igreja Local...?), temos conhecimento que outras cidades ou outras localidades mais pequenas podiam, igualmente, atribuir a si mesmas essa distinção, por terem sido fundadas por Pedro, Paulo, João, André ou outros Apóstolos. Assim, o Cânone do 6º Concílio de Nicéia reconhece um prestígio excepcional às Igrejas de Alexandria, Antioquia e Roma, não pelo fato de terem sido fundadas por Apóstolos, mas porque eram na altura as cidades mais importantes do Império Romano e, sendo assim, deram origem a importantes Igrejas Locais (...). Toda esta divergência de pontos de vista entre Roma, considerando-se única detentora da verdade e da autoridade, e as restantes Igrejas Irmãs, que desejavam manter-se fiéis ao espírito da Tradição herdada dos Apóstolos, acabou por resultar nos trágicos acontecimentos de 1054 e 1204 - no dia 16 de julho de 1054, os legados do Papa de Roma entraram na Catedral de Santa (em Constantinopla, capital do Império), um pouco antes de começar a Sagrada Liturgia, e depositaram em cima do altar uma bula que excomungava o Patriarca de Constantinopla e todos os seus fiéis. Esta separação oficial, decidida pela Igreja Romana, teria sua confirmação em 1204, quando os cruzados, que se intitulavam cristãos, assaltaram Constantinopla, saquearam e pilharam, fizeram entrar as prostitutas que traziam consigo para dentro do santuário de Santa , sentaram uma delas no trono do Patriarca, destruíram a iconostase e o altar, que eram de prata. E o mesmo aconteceu em todas as igrejas de Constantinopla. 3. Quais são as diferenças existentes entre a Igreja Romana e a Igreja Ortodoxa? Eis a pergunta clássica, a que nos é feita obrigatoriamente... A primeira vista, para quem está de fora, dir-se-ia que entre a Igreja de Roma e as Igrejas Ortodoxas existem apenas diferenças de "pormenor". Na prática, as diferenças são profundas e assinalaram destinos bem separados desde, pelo menos, o século XI. Tentando resumir essas diferenças, poderíamos dizer que são duas maneiras distintas de estar no Mundo. E, de fato, só vivendo cada uma dessas espiritualidades se pode reconhecer como são diferentes entre si (...). Mas vejamos mais em detalhe quais são essas divergências que opõem a Igreja Romana à Tradição. A espiritualidade ocidental-romana tende a colocar o indivíduo acima da comunidade, enquanto a espiritualidade ortodoxa age, instintivamente, de maneira oposta, sabendo que "ninguém se salva sozinho". O Ocidente encara a matéria e o espírito como irremediavelmente separados e opostos entre si, enquanto o Oriente desconhece essa falsa oposição, trazendo a matéria aos mais sagrados atos de comunhão com Deus. Essas duas diferentes visões do mundo, do homem, da Igreja e até de Deus refletem-se, por exemplo, na arquitetura dos templos: enquanto no Ocidente, a partir de uma certa época (final da Idade Média) se começou a cultivar um estilo exuberante e pesado, profundamente "terrestre" (na nossa época, esse peso das coisas deste mundo atingiu talvez o seu auge, com a construção de templos em cimento armado iguais a qualquer edificação profana - um banco ou cinema...), no Oriente, ontem como hoje, a arquitetura cristã é muito mais "leve", tendendo para o alto e obedecendo a um simbolismo imensamente rico. Por exemplo, as cúpulas em forma de chama que vemos nas igrejas russas, com as suas cores brilhantes, em que predomina o dourado, proclamam o poder regenerador da Criação que foi dado à Igreja de Cristo. Ou seja: a própria arquitetura cristã ortodoxa anuncia a futura transfiguração do Universo e afirma que mesmo agora a Terra se transforma em Paraíso, sempre que a Liturgia se celebra e a Graça divina desce sobre a comunidade cristã celebrante. A decoração interior dos templos é também eloquente em relação a essas vivências diferentes da mesma mensagem do Cristianismo: os templos ortodoxos representam a união gloriosa do Céu e da Terra, embora a santidade e o mistério persistam representados pela Iconostase que separa o Santuário do resto do templo; por seu turno, os templos da Igreja Romana, pela sua própria mistura de estilos e arquitetura, refletem a constante necessidade de mudança de quem perdeu o sentido da Tradição e da eternidade. Também são significativas as diferenças verificadas nas Liturgias - a Igreja Ortodoxa celebra normalmente uma Liturgia com mais de 1500 anos de existência; a Igreja Romana celebra cerimônias sucessivamente sujeitas a alterações, quer no texto, quer na forma. Outra das diferenças reside na importância desmedida que a Igreja Romana dá as funções e à figura do Papa de Roma, considerando-o "chefe universal" da Igreja. É uma visão centralizadora da Igreja, completamente estranha à Tradição cristã, que resultou em parte das circunstâncias históricas e políticas vividas no Ocidente. Efetivamente, no Ocidente, o Bispo de Roma atua como senhor todo poderoso de uma Igreja que não lhe pertence e as suas ordens, em princípio, são rigorosamente executadas como se se tratasse das decisões de um chefe temporal. Do ponto de vista da Igreja Romana, o centro do mundo está de fato em Roma e o Papa é o seu líder supremo. Para a Igreja Ortodoxa, que procura cumprir escrupulosamente a Tradição, Roma até ao séc. XI era apenas o primeiro dos Patriarcados tradicionais e o seu Bispo era o Patriarca do Ocidente, "primeiro entre os seus iguais" - o que não lhe dava o direito a qualquer função de "chefia" da "Igreja Universal" (outra idéia estanha à Tradição): o único chefe de Igreja é Cristo, e não o Papa de Roma ou o Patriarca de Constantinopla (...). Outras diferenças consistem na questão do casamento dos Presbíteros e Diáconos, na maneira como os cristãos são ensinados a benzer-se ou a rezar, ou na administração dos próprios Sacramentos - por exemplo, o Batismo romano é feito por aspersão da água, enquanto o Batismo ortodoxo é feito por tripla imersão completa do corpo na água; a Eucaristia na Igreja Ortodoxa é ministrada, desde sempre, segundo as duas espécies, pão e vinho, etc. Também os textos das orações diferem no Ocidente e no Oriente - isso acontece, por exemplo, com o Pai Nosso, a Ave Maria e, principalmente, com o Credo de Niceia-Constantinopla. Aliás, no caso do Credo, a Igreja Romana introduziu no texto original um elemento, o "Filioqüe", que deu origem ao seu próprio cisma - ao contrário do que alguns historiadores afirmam, o cisma é realmente "do Ocidente", visto que foi a Igreja Romana quem se separou da comunhão de Fé das Igrejas Irmãs. Até mesmo em relação à música sacra diferem as duas espiritualidades: enquanto na Igreja Ortodoxa continua a ser utilizada apenas a voz humana no louvor a Deus (tal como manda a Tradição), na Igreja Romana, depois de se ter abandonado o canto gregoriano, foi adotada toda a espécie de instrumentos musicais, cedendo às modas de cada época. Além do Credo, outras diferenças dogmáticas existem que separam a Igreja Romana da grande fonte da Tradição - é o caso, por exemplo, da "Imaculada Conceição" de Maria, ou do "Purgatório", ambos conceitos e dogmas estranhos à Tradição da Igreja, inventados pura e simplesmente pelos teólogos de Roma; ou da falsa oposição entre graça e liberdade; ou a própria concepção do pecado original - Roma acredita e ensina que o pecado de Adão e Eva é "hereditário", é um pecado de "natureza", enquanto para a Igreja una o pecado é sempre um ato pessoal, de pessoa livre e responsável: nós não herdamos "naturalmente" o pecado dos nossos primeiros pais; seremos culpados como eles se pecarmos como eles pecaram. A Tradição patrística define a herança da Queda como a da mortalidade e não a do pecado (por isso também o sentido do Batismo dos recém nascidos não é o da remissão dos pecados, que não existem ainda, mas o de lhes dar uma vida nova e imortal que os seus pais, mortais, não lhes puderam transmitir). 4. Uma das questões dogmáticas que separam a Igreja Romana da Igreja Ortodoxa é a questão do «Filioqüe». Qual o seu significado? A palavra "Filioqüe" significa "e do Filho" e representa uma afirmação teológica introduzida abusivamente pelo Ocidente no texto original do Credo de Niceia-Constantinopla. Essa interpretação abusiva começou por ser feita em Espanha, nos Concílios de Toledo dos séculos VI e VII e, mais tarde, generalizou-se a todo o Ocidente. Vejamos o que diz o texto original do Credo: "Creio no Espírito Santo (...) que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória". Portanto, temos uma afirmação muito clara de que: «O Pai, criador de todas as coisas, gerou o Filho e espirou o Espírito Santo; Tanto o Pai, como o Filho, como o Espírito Santo, são adorados e glorificados do mesmo modo; isto é, nós, cristãos, adoramos e glorificamos uma Trindade perfeita, três Pessoas num só Deus.» Ao alterar esse texto, aprovado por todos os Padres conciliares e inspirados pelo Espírito Santo, a Igreja Romana impôs aos seus fiéis a seguinte modificação: «Creio no Espírito Santo (...) que procede do Pai e do Filho ('Filioqüe')" Isto significa que o Espírito Santo é visto como uma terceira Pessoa "diminuída" em relação ao Pai e ao Filho. Como se o Espírito Santo já não devesse ser adorado e glorificado do mesmo modo e com a mesma fé com que o são o Pai e o Filho (...)». Para quem está fora e não vive intensamente a presença ativa da Santíssima Trindade em todos os atos da vida cristã, pode parecer que esta questão do "Filioqüe" é um simples jogo de palavras. Pensar assim é cair num erro grave: o de acreditar que em matéria tão fundamental como a Teologia há questões de "pormenor" que os teólogos se entretêm a discutir (...) Mas pior do que isso é ignorar que os Concílios Ecumênicos proibiram formalmente que fossem introduzidas quaisquer modificações no Credo, precisamente porque o Credo é patrimônio espiritual comum de toda a Igreja e uma parte da Igreja não tem o direito de o alterar. Assim, o Ocidente, alterando arbitrariamente o Credo sem consultar as Igrejas Irmãs do Oriente, tornou-se culpado de "fratricídio moral" (como, lembrava um teólogo russo do século XIX, Dimitri Khomiakov), isto é, de pecado contra a unidade da Igreja, contra a fé católica que é conciliar. Como diria outro teólogo, Vladimir Lossky, a controvérsia sobre o "Filioqüe" incidia, afinal, sobre o fato de que "pelo dogma do 'Filioqüe', o Deus dos filósofos e dos sábios tomou o lugar do Deus vivo... A essência incognoscível do Pai, do Filho e do Espírito Santo recebe qualificações positivas, torna-se objeto de uma teologia natural, relativa a 'Deus em geral', que pode ser o Deus de Descartes ou o de Leibnitz, ou mesmo, até certo ponto, o de Voltaire e dos deístas descristianizados do séc. XVIII" - mas não é certamente o Deus Tri-único que os santos mártires proclamaram com o seu sangue. Ora é esta a acepção da Santíssima Trindade que a Santa Igreja Ortodoxa igualmente proclama desde os Apóstolos até hoje e para sempre. 5. A Igreja Romana intitula-se a si mesma "Igreja Católica". Por seu turno, a Igreja Ortodoxa afirma no Credo que crê na "Igreja Católica". Será que os ortodoxos e católicos romanos crêem na mesma coisa (...)? Efetivamente, ao cantarmos o Credo na Sagrada Liturgia ou durante um Batismo, nós afirmamos que cremos na Igreja "una, santa, católica e apostólica" - atributos da Igreja Una e Indivisa, a Igreja dos Sete Concílios Ecumênicos, que a Tradição nos deixou como preciosa herança. Hoje, depois de a Igreja de Roma se ter separado da Árvore da Tradição (que é a Árvore da Vida), tanto essa Igreja como a Igreja Ortodoxa se afirmam como "católicas". Mas enquanto para a Igreja Romana "católico" significa universal, na Igreja Ortodoxa "católico" quer dizer algo de mais concreto e mais íntimo, inerente ao próprio ser da Igreja - toda verdade pode ser considerada universal mas nem toda a verdade é a Verdade católica, que é a Verdade cristã. Querendo identificar a catolicidade da Igreja como o caráter universal da missão cristã, seremos obrigados a chamar católicas, também, a outras religiões como o Budismo, o Islamismo... Sendo assim, devemos desistir de tentar identificar "católico" como "universal". A Catolicidade é uma qualidade da Verdade revelada e dada à Igreja; um modo de conhecimento da Verdade que é próprio da Igreja de Cristo. A Catolicidade da Igreja constitui um acordo perfeito entre a unidade e a diversidade, a natureza humana, que é una e as diversas pessoas, que são múltiplas. Desse modo, "católico" é aquele que sabe ultrapassar a sua própria individualidade, identificando-se misteriosamente como o Todo e tornando-se testemunha da Verdade em nome da Igreja - e é ai que reside, por exemplo, a força dos Padres da Igreja, dos Confessores e dos Mártires, assim como a força dos próprios Concílios. "A Igreja reconhece como seus, aqueles que estão marcados pelo selo da catolicidade", dirá o grande teólogo Vladimir Lossky. Portanto, a catolicidade não é um termo espacial ou geográfico para designar a extensão física da Igreja, espalhada por toda a Terra: é uma qualidade própria da Igreja de Cristo, desde o seu início e para sempre. E a Igreja está neste mundo, mas o Mundo não pode contê-la, não pode limitá-la, porque ela não é deste mundo (...) 6. O que é Igreja Local? Para a Tradição da Igreja é impensável admitir uma "Igreja universal" com centro em Roma ou Constantinopla. Pelo contrário, a Tradição diz-nos que toda a importância assenta na Igreja Local, ligada a um povoe a uma região. Sendo assim, a Igreja Ortodoxa não é "democrática", como as Igrejas da Reforma protestante (em que todas as igrejas são independentes, sem qualquer ligação entre elas), nem "monárquica" como a Igreja Romana (em que tudo depende da decisão de um governo central, como sede em Roma). A base da Ortodoxia é a Igreja Local, espelho da Santíssima Trindade - as Igreja Locais são autocéfalas, iguais em santidade e dignidade entre si e unidas numa sinfonia que é a Fé comum, tal como as três Pessoas da Trindade Santíssima. Aliás, esta ideia da igreja como espelho vivo da Trindade é muito mais vasta: a igreja possui três Ordens menores (Leitor, Chantre e Subdiácono), três Ordens maiores (Diácono, Presbítero e Bispo), três dignidades diaconais (Diácono, Proto-diácono, Arcediago), três dignidades presbiterais (Presbítero, Arcipreste, Proto-presbítero) e três dignidades episcopais (Bispo, Arcebispo ou Metropolita e Patriarca). Resumindo, diríamos que a Igreja Ortodoxa é essencialmente uma vasta família de Igrejas irmãs, unidas pela comunhão da mesma Fé e dos mesmos mistérios, e diversas pelos seus ritos e pela sua localização no tempo e jo espaço. Para Ela não existe um centro nem um chefe único da Igreja que não seja o próprio Cristo. 7. Mas existe uma diferença entre Tradição e tradições? Existe, de fato, uma diferença entre a Tradição e as tradições. A Tradição é um tesouro comum a todas as Igrejas Ortodoxas, seja a Grega seja a da Finlândia. As tradições podem ser particulares a uma certa Igreja local, sendo igualmente transmitida como o tempo, de pais a filhos, de mestres a discípulos. Na Igreja Ortodoxa existem duas grandes tradições distintas, a grega e a russa, que se diferenciam entre si em certos pontos de interpretação de usos e costumes da Igreja - por exemplo, a tradição russa recebe os novos fiéis vindos de outros ramos, católico romano ou protestante, pela imposição dos Santos Óleos do Crisma; a tradição grega recebe os novos fiéis obrigatoriamente pelo Batismo. Mas sobrepondo-se a todas as tradições particulares e locais existe a grande Tradição, criativa, contento em si mesma a capacidade de se adaptar (sem se alterar) às mudanças que os tempos exigem; uma Tradição que é uma vida, que deve ser vivida por dentro, no nosso dia-a-dia, num encontro pessoal e constante com Nosso Senhor Jesus Cristo. A nossa fidelidade a essa Tradição é a garantia de que estamos na verdade. A Igreja a que pertencemos, a Igreja de Cristo, una e indivisa, encara a Tradição como uma experiência viva do Espírito Santo no presente, e não como uma simples aceitação do passado. Para nós, a Tradição não muda, é imutável, porque Deus também não muda e a Revelação foi-nos dada uma vez por todas. A sua compreensão perfeita só é possível dentro da Igreja, numa união permanente entre o Povo Real (guardião da Fé) e o seu Clero. 8. Por que os ortodoxos se benzem ao contrário? Os cristãos ortodoxos não se benzem ao "contrário" - os fiéis de outras confissões de origem cristã é que se benzem de maneira errada. De fato, a Igreja Ortodoxa ensina os seus fiéis a benzerem-se de acordo com a Tradição que nos foi legada pelos nossos Paias na Fé. E o fato de nos benzermos desta ou de outra maneira também não é questão sem importância: é um conjunto de gestos cheios de significado e de simbolismo. Senão vejamos: quando nos benzemos, começamos por unir os três primeiros dedos da mão direita (a mão nobre), simbolizando a Trindade. Depois, dizendo "Em Nome do Pai", tocamos com esses três dedos unidos primeiro a testa e, seguidamente, na zona da cintura, simbolizando que o Pai é o Criador do Céu e da Terra; em seguida, dizemos "e do Filho" e tocamos com os três dedos unidos no ombro direito - porque o Filho, Jesus Cristo, ressuscitou e sentou-se à direita do Pai; finalmente, dizemos "e do Espírito Santo" tocando com os três dedos unidos no ombro esquerdo - o Filho e o Espírito Santo são os dois "braços" do Pai agindo na Criação. Deste modo, traçamos uma cruz sobre o nosso próprio corpo, afirmando, simultaneamente, a nossa fé na Santíssima Trindade e na essência de Cristo. Convém ainda salientar que até ao séc. XI todos os cristãos, no Oriente e no Ocidente, se benziam como nós, ortodoxos, o fazemos. 9. Afirma-se muitas vezes que a espiritualidade ortodoxa é uma espiritualidade "monástica". O que é que isto significa? A espiritualidade ortodoxa é, de fato, caracteristicamente monástica, o que significa que todo o cristão ortodoxo tende para a vida monástica. Ou seja: mesmo que se trate de um leigo, casado e com filhos, trabalhando para se alimentar e à sua família, ele vive no seu interior, na sua parte maior e mais importante, um apelo constante à oração, à transformação da vida espiritual, de acordo com o ideal monástico. Recordamos as palavras de são João Crisóstomo: "Aqueles que vivem no mundo, embora casados, devem em todo o resto assemelhar-se aos Monges". Desde a sua aparição no deserto egípcio, no fim do século III e começo do século IV, até hoje, o Monge lembra-nos a todo o momento que o Reino de Deus não é deste Mundo e que, portanto, o cristão é um homem de passagem, em trânsito para uma vida melhor. Do mesmo modo, o cristão ortodoxo (simbolicamente tonsurado quando recebido na Igreja), ao assumir uma espiritualidade deste tipo, vive permanentemente a tensão entre o que é deste Mundo ("de César") e a esperança da vida eterna junto do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Aliás, já São Teodoro Studita (759-826) - abade do grande Mosteiro de Studios, e que desempenhou um papel tão importante na história do Monaquismo - dizia que os Monges formam uma comunidade que realiza da maneira mais plena e mais perfeita o que a Igreja deveria ser no seu conjunto. E, assim, podemos dizer que a Igreja é uma comunidade de crentes que, estando neste Mundo, não é por ele limitada - essa comunidade está neste Mundo mas não é deste Mundo: vive já ansiando pela segunda vinda de Cristo, qure pode acontecer a qualquer momento( ...) 10. O que é um Monge? Monge é "aquele que está separado de todos e unido a todos", segundo a noção que nos é dada pelo mestre do ascetismo que se chamou Evágrio o Pôntico. "É assim chamado porque conversa com Deus noite e dia e não imagina senão as coisas de Deus, sem nada possuir na terra". "É chamado Monge porque em primeiro lugar é sozinho, é solitário, abstendo-se do casamento e renunciando ao mundo, interior e exteriormente; em segundo lugar, porque se dirige a Deus na oração incessante, para que Deus purifique o seu intelecto, enquanto tal, se torne monge e solitário em presença de Deus verdadeiro, sem admitir pensamentos do mal" (São Macário o egípcio). Ou como dizia Santo Hesíquios, "o verdadeiro Monge é aquele que atinge a sobriedade. E o Monge verdadeiramente sóbrio é aquele que é Monge no seu coração". De acordo com os grandes e santos Padres da Igreja, o Monge é, afinal, aquele que quer ser salvo, levando uma vida de acordo como o Evangelho, procurando o único necessário, fazendo a si próprio violência em tudo. Podemos dizer que, de certo modo, foram os monges que ensinaram a comunidade cristão a rezar. Efetivamente, foram eles que desenvolveram uma prática litúrgica progressivamente adotada pela Igreja no seu conjunto e que se manteve até hoje. Foram também os monges que criaram uma tradição de oração pessoal e de contemplação incessante. Isto é, foram os monges que nos ensinaram a conceber a oração como um meio de alcançar o fim da vida cristã: a participação em Deus, a deificação, comungando pelo Espírito Santo com a humanidade deificada de Cristo. 11. O que significa "Metanóia"? Metanóia" é uma palavra grega que significa "arrependimento", "conversão". Arrependimento e conversão que nos abrem as portas da Graça de Deus, a Graça que nos dá acesso ao caminho da santidade. A Metanóia ajuda-nos a receber o dom das lágrimas, de que falava São Simeão o Novo Teólogo: "É impossível limpar uma veste suja na ausência de água e, sem lágrimas, mais impossível, ainda, é limpar e purificar a alma das suas manchas e impurezas". "O arrependimento faz jorrar lágrimas das profundezas da alma: as lágrimas purificam o coração e fazem desaparecer os grandes pecados". Metanóia é, também, o nome dado a dois gestos rituais transmitidos pela Santa Tradição: a "pequena Metanóia", que é o gesto que fazemos diante de um Ícone, antes de o beijarmos, ou de um Bispo, antes de lhe pedirmos a bênção; a "grande Metanóia", que é a prostação que fazemos no "grande perdão", nas nossas orações privadas ou durante o ofício de vésperas e da Sagrada Liturgia (quando celebrada em dias feriais). www.eclesia.com.br. Abraço. Davi

 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

II. PRECEITO DOS GURUS

 

Espiritualidade. Texto de N. Sri Ham (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. Capítulo XV. II. PRECEITO DOS GURUS. Existem algumas outras sugestões com relação à escolha de um guru: “evite um guru cujo coração está direcionado para a fama e as posses mundanas. Charlatães podem ser erroneamente tomados por sábios”. Há na Índia e atualmente também no Ocidente, vários assim chamados gurus, cujo objetivo é de ter uma grande clientela de admiradores e bajuladores que talvez os sustentem financeiramente, e que de qualquer forma lhes deem a importância que desejam. Juntamente com a orientação quanto à escolha do guru, ao eventual aluno é ordenado que “estude os ensinamentos de todos os grandes sábios, de todas as seitas, de maneira imparcial”. A palavra “seita” significa aqui escola de pensamento. É bastante raro nos ensinamentos religiosos encontrar orientação que deixa a pessoa tão livre a ponto de alcançar a sua própria compreensão. Aqueles que são verdadeiramente os “grandes sábios” não pertencem a nenhuma seita ou organização particular, muito embora após morrerem invariavelmente passem a ser identificados com uma seita ou religião que lhes leva o nome, e a verdade que declararam passa a confundir-se com noções de outras espécies. Deve-se considerar os ensinamentos de todas as escolas com uma mente totalmente aberta, sem entregar-se a qualquer uma delas, se o objetivo básico é a obtenção da verdade. Os livros budistas enfatizam a necessidade de vigilância sobre os próprios pensamentos, emoções e atos, incluindo a fala, porque, do contrário, pode-se ser carregado pela torrente de um impulso momentâneo. Tal observância é extremamente árdua, mas não se pode ficar em um estado de alerta todo o tempo; o cérebro e o corpo ficam cansados, e então aqueles impulsos da natureza da pessoa, que operam mecanicamente, são capazes de encontrar saída, de modo que antes que se possa ver o que está acontecendo, já se cedeu a alguma coisa, talvez a determinados pensamentos que não são desejáveis. Assim é preciso aprender a estar alerta e ao mesmo tempo descontraído. A pessoa conseguirá isso se não estiver demasiado ansiosa para obter resultados. Diz-se ao aluno: “observância incessante e estado mental de alerta agraciados com humildade são necessários para manter o corpo, a fala e a mente limpos do mal”. Quando a mente for rápida e prontamente obtiver conclusões, está-se passível de ser, por vezes demasiado positivo e até mesmo dogmático. Uma pessoa obtusa também pode ser bastante assertiva quando provocada. Quando se é rápido no pensar, atendo-se avidamente àquilo que se considera ser a verdade, geralmente não se para examinar o assunto ou considerar a possibilidade de outros pontos de vista além do próprio. E a tendência será de avançar as próprias ideias como se não estivessem abertas a questionamentos. Assim, a expressão “agraciados com a humildade” é especialmente apropriada pois indica a qualidade que deveria existir no estado de alerta. Em todas as religiões, a humildade é vista como uma virtude fundamental. Não é uma exigência secundária, e sim básica. Se uma pessoa possui a qualidade da humildade, acompanhada pelo estado de alerta, a composição criaria nela o temperamento correto. A humildade não consiste em promulgar ou lamentar-se da própria significância. Isto pode ser feito, lançando-se um véu sobre a presunção. A obra A Voz do Silêncio diz: ‘seja humilde se quiseres alcançar a sabedoria”. A humildade é uma qualificação necessária porque sem ela não é possível para um homem ser realmente sábio. Ele pode ser instruído e ao mesmo tempo não ser sábio, um obtuso ou até mesmo um tolo. Tampouco consiste a humildade em exibir uma forma de comportamento; é uma condição de existência da mente e do coração. Seguem-se então as palavras “seja mais humilde ainda quando tiveres obtido a sabedoria”. A palavra “sabedoria” é aqui usada no sentido de conhecimento de determinadas verdades essenciais ou leis para viver a vida de forma correta. Domina-se algo que é diferente e à parte de si, isto é, algo objetivo ao conhecedor. O objetivo principal ao observar os pensamentos e as reações é de descobrir aquilo que está certo e aquilo que está errado com relação a eles. Este estado da mente e do coração que é alerta, porém humilde, precisa ser permeado por um espírito de compaixão ou amor, que é uma luz que pertence à natureza mais recôndita da consciência. Sempre que no pensamento nos afastamos daquela atitude ou espirito, precisamos imediatamente tornar-nos alertas para este fato. Assim, os preceitos dizem: “a mente imbuída de amor e compaixão em ato e pensamento deve estar sempre dirigida ao serviço de todos os seres sencientes”. Na obra Ocultismo Prático, Helena P. Blavatski (1831-1891) diz que: “ocultismo é altruísmo em primeiro e último lugar”. Esta tônica de altruísmo impregna todo o pensamento Mahayânco. A observação dos próprios pensamentos e reações é uma forma de meditação em que se estuda a verdadeira natureza da mente e seu estado, em que se olha nela profundamente para descobrir motivos e forças ocultas, alcançando assim a auto compreensão integral. É disso que Blavatsky fala em diferentes termos quando ela se refere ao estudo da natureza inferior à luz da superior. A mente e as emoções precisam ser estudadas com objetividade absoluta, e tratadas como se separadas da pessoa. Isso é muito mais difícil do que retirar um pensamento de um livro ou selecionar alguma virtude e revolvê-la na mente, embora isso também seja bom, especialmente como um começo ou uma base para um esforço maior. É bom concentrar-se e contemplar a verdade mesmo como a conhecemos, enquanto exploramos ou descobrimos as engrenagens da nossa própria mente. O que é errado é compreendido simultaneamente ou em relação àquilo que é certo, da mesma maneira como aquilo que é belo é percebido em relação àquilo que não o é. Durante o tempo em que se tenta meditar, surgem várias ideias e elas também surgem em outras ocasiões. Mas o aluno terá que, por fim, alcançar um estado mental que é desimpedido de todas as ideias e no qual a mente descansa em sua própria natureza verdadeira. Como ele poderá ficar desprovida de todas as ideias? Quando surge uma ideia, é possível coloca-la completamente de lado? Cada pensamento que é violentamente lançado retorna após um período de tempo. Existem inumeráveis ideias que surgem: coloca-las de lado é como lutar contra um exército que consiste em um número de pessoas sem fim. A maneira de lidar com esta situação é compreender determinadas verdades fundamentalmente, de maneira que haja um clima diferente, uma atmosfera diferente no próprio ser, na qual se percebe claramente aquilo que é certo e verdadeiramente desejável. É dito que todas as ideias surgem de uma concatenação de causas; são todas produto de ideias precedentes, uma continuação delas. Podem assumir diferentes roupagens em diferentes contextos, mas fundamentalmente possuem a mesma natureza que os seus ancestrais. A maioria delas é realmente uma repetição da própria memória. A mente precisa libertar-se deste automatismo de memórias para que possa agir de modo inteligente com entendimento real. Pode-se imaginar com facilidade que a mente torna-se vazia quando está meramente imobilizada. Pode haver um quarto com objetos por todos os lados, mas pode parecer vazio se seu ocupante estiver tão inerte quanto a sua cama. Mas se acontece de algum incidente perturbá-lo, ele reage da maneira usual. Embora lentas, as suas reações exprimiriam apenas ideias tão firmemente incrustadas na sua mente que delas não tem consciência. Não é esse tipo de vazio que se deve desejar. O vazio da consciência é como o vazio de um tambor sensível, capaz de produzir ritmos de diferentes qualidades e com vários graus de ressonância. A mente que é inconsciente daquilo que absorveu em si pode parecer vazia, mas seria meramente inerte, à semelhança de uma jiboia que engoliu mais do que pode digerir. No jargão do psicólogo moderno trata-se em grande parte da mente inconsciente, cujas energias movem-se de forma obscura e rompem no exterior apenas quando algum tipo de pressão tiver sido criada ou quando alguma emoção precisar urgentemente ser externada. O vazio da mente implica liberdade de toda espécie de carga ou preocupação. Significa também liberdade de apegos e repulsões, e, portanto, representa uma condição de tranquilidade. É apenas em uma condição assim que se pode lidar eficazmente até mesmo como os problemas comuns de nossas vidas ou perceber o significado real das coisas que nos acontecem. Uma mente que é realmente vazia, não apenas é desnudada de todo conteúdo, mas ela nada retém mesmo em uma forma de solução; nada colore a sua natureza pura e intrínseca. Naquela natureza que não foi modificada pela experiência prévia não há padrão nem sulcos formados. O hábito tem o seu lugar e valor. Se tivéssemos que pensar acerca de tudo que precisamos fazer, incluindo os vários atos físicos de nossa vida diária, a vida tornar-se-ia impossível. É bom que as coisas que precisamos fazer com rotina sejam entregues ao automatismo da mente e do corpo ou aos seus instintos. Mas a mente deveria estar consciente desse automatismo e não se tornar uma escrava de qualquer processo automático que determine o seu pensamento e sentimentos. Quando se fala de um hábito de pensamento, inclusive as emoções, o que se gosta ou não, o que age é uma determinada formação que veio a instalar-se na mente, porém, para estar em um estado de liberdade, ela precisa estar vazia de todas as formações, e também purgada de todas as impurezas que desfiguram sua textura. Quando a mente estiver totalmente pura, liberta de qualquer superposição de algo que ela considera erroneamente como sua verdadeira natureza, ela passa a ser Manas de fato. A palavra inglesa mind, é apenas uma tradução grosseira de Manas que é como um raio de luz pura que incide sobre as coisas e torna sua presença e natureza conhecidas. Também foi considerado como uma espécie de fogo, pois é uma corrente de energia. Se Manas é um raio de luz e ao mesmo tempo uma corrente pura de energia, então, ele realmente não tem forma: não é uma formação que veio à existência no curso do tempo, como as nossas mentes que estão abarrotadas de ideias que foram absorvidas e desenvolveram maneiras e hábitos baseados em variadas reações passadas. Uma mente assim é de fato um amálgama que veio a existência, formado por várias forças como inveja, luxúria, ódio, avidez e assim por diante, que fragmentam a integridade de sua natureza original. É dito em um desses preceitos que “a mente de todos os seres sencientes é inseparável da mente uma”. “Todos os seres sencientes” significam não apenas os homens, mas também os animais, aves e todas as outras criaturas por mais inferiores e insignificantes. Se, ao invés da palavra mente for usada a palavra Manas, poderemos compreender que é a mesma luz que está presente como um raio em cada pessoa individual, em um pardal, e na menor das formigas. O raio pode ser brilhante ou fraco; poderá iluminar um campo extenso ou apenas um minúsculo ponto. A luz é a luz inerente da consciência, denominada Budhi, enquanto distinta do raio que incide nas coisas específicas, e se move por entre elas. Budhi, segundo se diz, é imaculável porque permanece desapegado. Exprime a natureza essencial da consciência, sua sensibilidade e unidade, não aquela natureza que manifesta quando é modificada de formas diferentes. Por ser sem apego nada contém e não tem forma. A sua natureza é diferente daquela de uma mente cheia de conteúdos de tipos diferentes. Aquilo que a mente puder alcançar um estado desprovido de conteúdo, ela passa a ser uma atividade da consciência em sua natureza atemporal e original, e integrada a Budhi sempre sem marcas e puro. Existem vários preceitos que começam da seguinte forma: “É uma grande alegria compreender que o caminho para a liberdade seguido por todos os Budas é para sempre existente, jamais é modificado e está sempre aberto àqueles que estão prontos para nele ingressar”. Não se faz referência ao tipo comum de alegria, alegria efêmera que brota de uma excitação temporária, que dá origem a anseios e é acompanhada por reações. Mas trata-se aqui de uma alegria que nasce de dentro. Existem determinadas compreensões, que são tão profundas em sua natureza que preenchem o ser, tocando-o em seu fundo mais recôndito, e a alegria surge daquela base pura como água fresca de uma fonte. Não é alegria produzida por quaisquer condições externas. Algumas dessas compreensões soam doutrinárias, mas referem-se a estados de existência que podem ser denominados espirituais ou divinos. Por exemplo, é feita referência ao estado de “Dharmakaya, no qual mente e matéria são inseparáveis”, Sambhoga-Kaya, o auto emanado, para quem não existe nascimento, morte, transição ou qualquer mudança”, e também ao “Nirrnana-Kaya, auto emanado e divino, em quem não existe sentimento de dualidade”. Estas são três formas da mônada divina, ou da individualidade espiritual, e elas são referidas geralmente como as três vestiduras do Buda, porque representam três estados de seu ser, a sua consciência em três níveis diferentes. É dito que “na mente primordial”, ou seja, a expansão original da consciência, que é subjacente à mente de todo ser individual, “não existe processo perturbador do pensamento”. A natureza desta mente, que é Budhi e Manas em um, reflete-se naqueles que que alcançaram um estado interior que pode ser considerado perfeito do ponto de vista humano, os Adeptos da literatura teosófica, os Mahatmas (grandes almas) de fato. A doutora Annie Wood Besant (1847-1933) assemelhou a consciência de um Adepto quando está em repouso, a um oceano tranquilo que recebe a luz do luar, isto é, há uma luz suave que emana do interior e faz com que toda a consciência resplandeça, mesmo quando em repouso ela está cheia de vida, quiescente e brilhante. Esta é a condição interior daquele que atingiu o domínio completo sobre si mesmo. Seria necessário meditar sobre essas verdades a sós, compreendendo-as por si mesmo. A solidão não significa necessariamente solidão física, embora ela possa ajudar. Significa estar só no coração. Conta-se a respeito de Maria, a mãe de Jesus, que ela “ponderou estas coisas em seu coração”. Deveria se meditar sobre estas verdades que parecem relevantes, lembrando-se que a meditação não pode ser separada da vida. Tudo isso é extremamente interessante e prático, não apenas metafísico ou filosófico no sentido de dialética remota de nossas vidas, obrigações e interesses. Indica a melhor forma de viver. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

I. PRECEITO DOS GURUS

 

Espiritualidade. Texto de N. Sri Ham (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. I. PRECEITOS DOS GURUS. Parece que há um número apreciável de tratados na língua tibetana relativos à vida religiosa e à senda para o Nirvana, como diriam, ou a verdadeira iluminação, que não encontraram o seu caminho no mundo das línguas modernas. Aproximadamente sete destas obras foram reunidas e editadas pelo senhor W.Y. Evan-Wentz (1878-1965) há alguns anos, tendo sido publicadas sob o título Tibetan Yoga and Secret Doctrines (Yoga Tibetana e Doutrinas Secretas). Ao ler um livro desta natureza nunca se pode estar seguro de que a tradução, muito embora realizada por um estudioso de renomada competência, seja bem precisa. O próprio senhor Evans-Wentz compreende a dificuldade de se expressar corretamente o pensamento, especialmente sobre temas filosóficos e metafísicos, formulados em uma língua específica, para o idioma e vocabulário de outra. A dificuldade ainda aumenta quando a tradução é de uma língua tão pouco estudada no mundo moderno e tão diferente de outras como é o caso do tibetano. Uma língua é um meio orgânico e altamente complexo que exprime pensamentos, reações, sentimentos interiores e pontos de vista do povo específico que a usa. Pode haver uma palavra que seja tratada como sinônimo de outra palavra em um idioma diferente, mas podem não ter o mesmo sabor e gosto, associações semelhantes e até não possuir a mesma significação. A melhor forma de agir, quando alguém se depara com uma tradução de um idioma que tem raízes arcaicas, é tentar compreender por si mesmo o que parece querer dizer, e quando determinada afirmação não se configurar muito clara ou inteligível, deve-se deixa-la de lado ou interpretá-la de uma forma plausível e satisfatória para a própria compreensão da pessoa. Poderíamos estar nos distanciando muito se interpretássemos aquilo que é dito em uma língua antiga, que não nos é conhecida, em termos que lhe atribuem um significado inalterável. Um caso que destaca a forma como estudiosos eminentes podem interpretar erroneamente uma palavra é a tradução de Nirvana como “aniquilação”, que é contrária a todas as descrições da palavra nos livros budistas. Os tratados que compõem o volume acima mencionado supostamente pertencem à escola budista conhecida como Mahayana, que cresce particularmente no Tibete, mas também com variações e em menor proporção na China e no Japão. Mas deve-se lembrar de que no Tibete, bem como naqueles outros países, os conceitos que representam a filosofia budista são muito mesclados com ideias de outras fontes. Uma das características dos ensinamentos budistas é que todos os sujeitos, sejam metafísicos ou psicológicos, dos quais tratam, são analisados de forma minuciosa, sendo agrupados e numerados. O que é discutido é dividido em diferentes categorias e classificado de acordo. Por exemplo, existem as quatro Nobres Verdades, as doze Nidanas (as assim chamadas causas interdependentes, processos psicológicos e divisões que constituem a roda da necessidade ou vida e morte em rotação), os Dhyani Budas e assim por diante. Um dos textos editados pelo senhor Evans-Wentz é intitulado – OS PRECEITOS DOS GURUS, ou INSTRUTORES ESPIRITUAIS que apareceram e falaram sobre estes assuntos. Contém vinte e oito categorias, como são chamadas, uma das quais classificada como sendo “as dez causas do pesar”. Pode se perguntar por que exatamente dez e não onze ou nove? É muito difícil que alguém possa determinar quais são as coisas a causar mais lamento ou regozijo. É fácil compilar uma lista, mas isso não será análise. Quando há uma divisão em categorias, títulos ou subtítulos, não se deveria permitir que um cubra o outro. Deveriam ser complementares entre si, como as cores de um espectro, e cada qual deve ter a sua significação individual e precisa. Existe uma outra lista de “Dez Exigências” para trilhar a senda. Existe um terceiro conjunto de dez preceitos que estabelecem “as coisas a serem feitas”, um quarto conjunto, “as dez coisas que devem ser conhecidas”. Um quinto, “os treze fracassos lamentáveis” e assim por diante. Os assuntos são todos de natureza tão geral que se pode tentar descobrir o que a própria pessoa colocaria sob os vários títulos, tendo em mente o objetivo subjacente de todos estes preceitos de forma igual, que é a obtenção do verdadeiro conhecimento ou da verdade relevante. Os preceitos acentuam a importância de uma vida verdadeiramente religiosa. A qualificação “verdadeiramente” é necessária porque o que é indicado não é uma vida em mera conformidade a determinadas regras e disciplinas, à prática de determinadas cerimônias e assim por diante, mas uma vida que pode ser chamada religiosa em um sentido básico. No seu sentido literal, a palavra “religião” possui aproximadamente o mesmo significado que a palavra YOGA; é “aquilo que liga”, “vincula”. E Yoga também significa alcançar um estado interior de união entre o humano e o divino, ou o inferior e o superior, transcendendo aos conflitos e às contradições da vida mundana comum que é denominada Samsara, que significa literalmente “dar voltas e voltas”. Visando eliminar estes conflitos, deve-se abandonar os prazeres e as alegrias mundanas. Talvez esta não seja a melhor maneira de expressar o que se pretende porque não há injunção a ser abandonada. Precisa-se compreender que todos os prazeres e alegrias, em qualquer nível, são de uma natureza insidiosa, calculados para prender a mente, a qual, quando neles fica envolvida, torna-se incapaz de desvencilhar-se livremente do encantamento das associações que se nutrem, as memórias dos prazeres usufruídos e as dores experimentadas. E quando se compreende isso, não há necessidade que outra pessoa venha e nos diga que devemos abrir mão disto do daquilo; a pessoa abrirá mão por sua própria iniciativa do que quer que seja recomendável abrir mão. Todo ensinamento budista reforça a necessidade de reservar-se em pensamento, em palavra e em ato, de modo que não se possa desviar da direção em que se deve prosseguir. Mas acima de tudo, o que é considerado como o mais importante é um espírito oniabarcante de altruísmo, e o reservar-se deveria girar em torno da preservação deste espírito. Em sua maior parte, os preceitos relatam algo semelhante às observações de homens que chegaram a uma compreensão pessoal das verdades que são expressas, embora existam algumas que parecem ser meramente ditos populares comuns. Considerados como um todo, estes preceitos exprimem a natureza do ensinamento central do Mahayana em uma forma que tem uma beleza e um valor próprios, embora outros textos incluídos no volume do senhor Evans-Wentz abordem práticas que procuram o controle dos processos fisiológicos, e parecem, ao menos à primeira vista, basear-se em noções fantasiosas. Aqueles que leram a Voz do Silêncio saberão que esta obra consiste em três tratados que transmitem a essência do pensamento Mahayânico de uma forma muito clara. Estão agrupados em forma de discursos, nos quais o aluno pede orientação e luz ao instrutor, e este fala ao aluno sobre os objetivos da senda, as várias virtudes a serem desenvolvidas, as fraquezas a serem evitadas, e as verdade relacionadas a tudo isso. O instrutor também esclarece que ele pode apenas apontar o caminho, ele não pode conduzir o aluno até o destino pretendido. O aluno terá de usar a sua própria inteligência a cada passo, reunir todas as energias de sua natureza, e aplicar-se seriamente à tarefa. Se fosse meramente uma questão de encontrar um instrutor que conduzisse a pessoa até o objetivo adequado, a dificuldade residiria apenas em encontrar a pessoa certa, e assim o aluno não teria responsabilidade alguma. Mas não é este o caso. O discípulo terá de realizar a viagem por ele próprio, enfrentando todas as dificuldades, guiado pela sua própria compreensão. De acordo com estes preceitos, das dez coisas a serem feitas, uma importante entre elas, é o encontro de um instrutor cuja influência de sua personalidade e conhecimento possa ser inestimável, se o aluno dela puder beneficiar-se. Diz-se: “vincule-te a um preceptor religioso dotado de poder espiritual e de sabedoria total”. De que maneira podemos encontrar uma pessoa assim? Para começar, deve-se compreender o que significa “poder espiritual”. Não é a habilidade de produzir truques fenomênicos ou milagres. A espiritualidade nada tem a ver com tais manipulações psíquicas. A questão então é de como distinguir entre um instrutor falso – e desses deve haver grande variedade – e um verdadeiro. Diz o livro: “para evitar o erro na escolha de um guru, o discípulo precisa ter conhecimento de suas próprias falhas e virtudes”. Não significa que você terá de encontrar primeiramente o guru e então ele lhe dirá as suas faltas e os seus méritos. Deve haver uma medida de auto percepção e de discriminação dela resultante, a fim de reconhecer o verdadeiro instrutor quando o encontrarmos, e não ser atraído por alguém que consegue ter seguidores por apelar para suas fraquezas e divertir-se com sua imaturidade. É fácil imaginar que se possui determinadas virtudes e também minimizar as próprias faltas até mesmo quando as vemos. A tendência seria de desculpar-se dizendo que é humano ter estas falhas, naturais em nosso estágio, não mais as considerando. É precisamente porque as pessoas não querem pôr de lado as suas fraquezas favoritas que elas procuram um Pai Celestial que lhes permitiria a indulgência que desejam, salvando-as, finalmente, apesar delas próprias. Quando vemos um erro em outra pessoa, é provável que vejamos através de uma lente de aumento, mas quando encontramos a mesma fraqueza em nós mesmos, mas quando encontramos a mesma fraqueza em nós mesmos, somos capazes de olhar para ela por uma ótica diferente. Também aquilo que consideramos como as nossas virtudes não podem ser virtudes, de forma alguma, mas meramente possuir sua aparência. Um ser humano pode ser prestativo e agradável de vários modos, e as pessoas podem pensar muito bem dele por isso. Mas se forem procurados os seus motivos, pode se verificar que aquilo que o impulsiona a ser agradável e adaptável brota de se auto interesse. O homem precisa dar-se com as pessoas, possivelmente para finalidades comerciais, ou ele pode estar procurando uma vida fácil; será vantajoso conduzir-se na vida da forma a mais suave e agradável possível. Mas este não é o tipo de amabilidade autêntica. Para sermos genuinamente amáveis e gentis é preciso não ter motivos de vantagem própria. Se o objetivo, até mesmo inconscientemente, for de conquistar a boa opinião de alguém, mesmo se não for para obter vantagens materiais, será o caso de conquistar uma posse para uso próprio. A mente humana é excessivamente complexa. Conforme Helena P. Blavatsky (1831-1891) observa no quinto volume da obra A Doutrina Secreta, “a mente tem muitos mistérios”. Mesmo com a nossa compreensão limitada, podemos perceber como são complexas as suas engrenagens, e como é fácil auto iludir-se. Podem ter-nos dito quando éramos crianças que não devíamos enganar os outros, mas constantemente enganamos a nós próprios. Enquanto assim fizermos, seguiremos caminhos que enganam os outros. Toda a tendência para a frustração, para aceitar ilusões prazerosas,  precisa ser extirpada da pessoa se há o interesse em ser cada vez mais verdadeiro. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi

sábado, 22 de janeiro de 2022

O MUNDO DOS ORIXÁS - EXÚ

 

Religião Afrodescendente. Candomble. www.ocandomble.com. O MUNDO DOS ORIXÁS – EXÚ. A missão divina da Mãe Terra (Edan – Onile). Quando a divina e poderosa mãe Edán (Onile Ogboduora) fez sua aparição nesta Terra, ela fez isso com um propósito específico e sagrado. Sua manifestação nesta Terra sinalizou uma nova oportunidade para a humanidade se renovar, progredir e ter uma vida equilibrada. Sua aparição marcou um novo começo para toda a humanidade e não apenas o povo privilegiado dos yorùbá. Seu objetivo e propósito era, e é, de alcance universal. Èdán veio para trazer cura, ordem, harmonia, abrigando preceitos divinos e equilíbrio para as comunidades da Terra em geral e cada ser humano em particular. Você deve se lembrar e ter em mente que Èdán não é um ser humano. Èdán não é yorùbá, chinês, americano, oriental ou ocidental. Èdán é uma personagem divina de habilidades extraordinárias e poderes supra-humanos. Èdán não é deste mundo. Ela vem de um reino glorioso e inconcebível de santidade, beleza e poder. A inteligência, compreensão, força, atratividade e carisma da mãe divina Èdán é extraordinária, penetrante e excepcional. Èdán pode ver a profundidade e a realidade das coisas. Ela não pode ser enganada, manipulada ou subornada, ela não comete erros na administração de sua dispensação (ato de dividir). Ela está além do alcance da influência humana. Ela nunca cairá ou balançará à mesquinhez e a inconstância, que é comum entre a humanidade. Sua visão divina nunca é obstruída e sua atividade não pode ser prejudicada. Sua virtude, caráter, personalidade e carisma são sem igual. Mesmo Ọrúnmìlà reconheceu sua grandeza, eficiência, capacidade e singularidade. Foi, afinal, Ọrúnmìlà quem invocou Èdán, sua amiga e sócia divina para apoio, soluções e alívio! Quando Èdán desceu do reino dos Irunmọlẹ a esta Terra, ela apareceu com a plenitude da autoridade divina, poder e comando. Todos Ajogùn interno, externo e Elénìní fugiram diante dela. Com o poder de sua majestosa personalidade, divinamente atraente, beleza, carisma e àşé ela foi capaz de libertar e entregar os corações e as mentes dos pensamentos negativos, atitudes e energias prejudiciais que oprimiam e dominavam os seres humanos. Èdán foi capaz de desarmar as pessoas de suas preocupações, medos e inseguranças. Para aqueles que faziam, que se deliciavam em fazer o errado, o engano, a opressão e a corrupção ela colocava medo nos seus corações para que talvez eles pudessem mudar suas maneiras sob sua administração do perdão, da ordem, da capacitação e da renovação. Tais era, e é, o poder e a influência da mãe divina Èdán. Juntamente com o inseparável, a importação do ase aos membros sensíveis da humanidade, ela deu preceitos e injunções divinas para seus alunos-discípulos para praticar e implementarem em todos os níveis da sociedade e da vida pessoal. Estes seguidores obedientes e confiáveis ​​de Èdán são os Ogboni porque só existe sabedoria, saúde e longa vida com Èdán se as pessoas obedecerem e praticarem seus preceitos. Do lado de fora uma pessoa constituiria um Ogberi (ignorante) porque aparentemente tinha conhecimento e não praticava a verdade, o que é isso, se não o maior ignorância, infelicidade e loucura. Os princípios divinos de Èdán tornaram-se os veículos de sua divina presença, carisma, poder, apoio e influência-retificando a cura. Ter vivido na época do aparecimento de Èdán sobre esta Terra sagrada foi a experiência mais extraordinária, gratificante e maravilhosa. Isto é, a forma divinamente sancionada, a vida que ela estava revelando à humanidade e continua revelando à humanidade. O teimoso, obstinado e beligerante que não fizer, não vai durar muito tempo sob a administração de Èdán. Èdán é naturalmente amável, justa e compreensiva, como a Sagrada Mãe preciosa e amável que ela é, ela proporcionou a todos o perdão, um novo começo sem referência a erros do passado, uma oportunidade para mudar e a bênção para fazer uso de seu apoio pessoal, garantia, inspiração e poder. Èdán está ciente de nossas fragilidades e fraquezas como seres humanos. Ninguém precisa ter medo por causa de suas fraquezas ou falhas. Èdán não pareceu para fazer-nos ricos e famosos. Èdán apareceu para nos fazer participantes da verdadeira vida, saúde, paz, segurança e prosperidade através da prática de seus ensinamentos claros. Èdán apareceu para nos permitir descobrir a nossa nobre e bela natureza divina. Ela veio para restaurar a dignidade, clareza, transparência, saúde moral e limpeza moral de nossas vidas. Èdán inculca a verdade divina para seus seguidores inteligentes e humildes, quando estamos individual e coletivamente para a direita e para dentro, em seguida, nesta ordem interna, a saúde e a retidão serão reveladas e expressas no mundo. As instruções de Èdán não foram e não são sugestões, mas comandos divinamente concedidos e leis. Eles são vinculativos e obrigatórios para toda a humanidade e especialmente para aqueles que se dedicam a Èdán. Para ser Ogboni significa ser o melhor dos melhores. Significa ser um modelo de impecabilidade, idoneidade e confiabilidade. Para ser Ogboni significa estar pessoalmente convencido a perseguir e fazer o que é certo, correto e adequado independentemente de tempos, lugares e / ou circunstâncias. Para ser Ogboni significa ter auto iniciativa, ser responsável e fazer o que é certo para o bem do amor da verdade e não ser visto, elogiado e aplaudido por outros. Iniciação formal sozinha não faz de você um seguidor de Èdán. O que é importante não é que outras pessoas te chamem de Ogboni, mas que Èdán te reconhece e o aceita como um dos seus verdadeiros, leais e obedientes filhos. O que é importante é que você seja Ogboni 24 horas por dia em seus pensamentos, atitudes, ações e relacionamentos. Ogboni é uma forma global e abrangente de viver. Uma delas é ser Ogboni o tempo todo para que Èdán, ela mesma, possa garantir que você é um Ogboni genuíno, verdadeiro, com honra, humildade, alegria e realização digna. Os ritos de iniciação Ogboni foram desenvolvidos mais tarde por Èdán e seus seguidores, mas, inicialmente, a verdadeira iniciação era uma mudança espiritual de coração, mente e vida como um resultado do encontro com Èdán, sua personalidade, seu caráter, seu carisma, encantamento, inspiração, autoridade e poder, tudo foi expresso e manifestado através de tudo que Èdán fez. Tudo que Èdán fez foi cheio de graciosidade, dignidade e poder. Não foi através de ritos e rituais que Èdán mudou o mundo, mas pela graça divina, pelas maneiras, inteligência e conduta. Èdán por suas maneiras, caráter, personalidade e conduta comandou o respeito, reverência, confiança e obediência de todos aqueles com coração sincero e bom. O verdadeiro símbolo de honra e título de um Ogboni autêntica o caráter, a virtude, a bondade e a imparcialidade que ele pratica. Conformidade exterior e aderência superficial com o protocolo Ogboni para o bem das pessoas não faz de você um Ogboni, não importa o seu título ou o quanto você está velho. Èdán deu seu amor, vida e foco total e dedicação à humanidade. Para ser Ogboni você tem que dar o seu tudo para a missão divina de Èdán e você deve procurar com sua força, habilidade, atividade e meios transferir o conhecimento de Èdán a todos os povos do mundo. Isto é o que é significa ser Ogboni. Ogboni não é uma instituição humana. Ogboni não é um negócio. Ogboni não é um clube. Ogboni é uma vocação divina e sagrada. Èdán era uma revolucionária espiritual, divina, missionária, diplomática e embaixadora da boa vontade e da esperança. Nós também devemos ser isso. Devemos buscar a propagação do Ogbonismo. Não os chamados clubes Ogboni e instituições formais, devemos propagar a verdade e a realidade que Èdán promoveu e instituiu para toda a humanidade. A humildade e o serviço vêm antes da honra, do orgulho, da presunção. Èdán diz que a indiferença precede a queda. Ancestral Pride Temple. Templo Orgulho Ancestral. ORIXÁ EXÚ. Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá, aproxima-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são passionais. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. Como resultado do sincretismo que se deu durante o período da escravatura, cada orixá foi também associado a um santo católico, devido à imposição do catolicismo aos negros. Para manterem os seus deuses vivos, viram-se obrigados a disfarçá-los na roupagem dos santos católicos, aos quais cultuavam apenas aparentemente. Estes deuses da Natureza são divididos em 4 elementos – Água, Terra, Fogo e Ar. Alguns estudiosos ainda vão mais longe e afirmam que são 400 o número de Orixás básicos divididos em 100 do Fogo, 100 da Terra, 100 do Ar e 100 da Água, enquanto que, na Astrologia, são 3 do Fogo, 3 da Terra, 3 do Ar e 3 da Água. Porém os tipos mais conhecidos entre nós formam um grupo de 16 deuses. Eles também estão associados à corrente energética de alguma força da natureza. Assim, Iansã é a dona dos ventos, Oxum é a mãe da água doce, Xangô domina raios e trovões, e outras analogias. No Candomblé cultuam-se muitos outros orixás, desconhecidos por leigos, por serem menos populares do que Xangô, Iansã, Oxossi e outros, mas com um significado muito forte para os adeptos dos cultos afro-brasileiros. Alguns são necessariamente cultuados, devido à ligação com trabalhos específicos que regem, para a saúde, morte, prosperidade e diversos assuntos que afligem o dia-a-dia das pessoas. Estes deuses africanos são considerados intermediários entre os homens e Deus, e por possuírem emoções tão próximas dos seres humanos, conseguem reconhecer os nossos caprichos, os nossos amores, os nossos desejos. É muito frequente dizer-se que as personalidades dos seus filhos são consequência dos orixás que regem as suas cabeças, desenvolvendo características iguais às destes deuses africanos. Apresento a seguir as descrições dos 16 Orixás mais cultuados. Recordo, no entanto, que existem diversas correntes no Candomblé e por essa razão as informações poderão ser diferentes de acordo com a tradição ou região. ORIXÁ EXÚ. DIA: Segunda-feira. CORES: Preto (ou seja, a fusão das cores primárias) e vermelho. SÍMBOLOS: Ogó de forma fálica, falo ereto. ELEMENTOS: Terra e fogo. DOMÍNIOS Sexo, magia, união, poder e transformação. SAUDAÇÃO Laroié! Exu (Èsù) é a figura mais controversa do panteão africano, o mais humano dos orixás, senhor do princípio e da transformação. Deus da terra e do universo; na verdade, Exu é a ordem, aquele que se multiplica e se transforma na unidade elementar da existência humana. Exu é o ego de cada ser, o grande companheiro do homem no seu dia-a-dia. Muitas são as confusões e equívocos relacionados com Exu, o pior deles associa-o à figura do diabo cristão; pintam-no como um deus voltado para a maldade, para a perversidade, que se ocuparia em semear a discórdia entre os seres humanos. Na realidade, Exu contém em si todas as contradições e conflitos inerentes ao ser humano. Exu não é totalmente bom nem totalmente mau, assim como o homem: um ser capaz de amar e odiar, unir e separar, promover a paz e a guerra. O maniqueísmo, próprio das grandes religiões monoteístas, não se aplica ao Candomblé, muito menos a Exu. A cultura africana desconhece oposições, em especial a oposição entre bem e mal; sabe-se aqui que o bem de um pode perfeitamente ser o mal de outro, portanto, cada um deve dar o melhor de si para obter tudo de bom na sua vida, sempre cultuando, agradando e agradecendo a Exu, para que ele seja, no seu quotidiano, a manifestação do amor, da sorte, da riqueza e da prosperidade. Exu é o orixá que entende como ninguém o princípio da reciprocidade, e, se agradado como se deve, saberá retribuir; quando agradecido pela sua retribuição, torna-se amigo e fiel escudeiro. No entanto, quando esquecido é o pior dos inimigos e volta-se contra o negligente, tirando-lhe a sorte, fechando-lhe os caminhos e trazendo catástrofes e dissabores. Exu é a figura mais importante da cultura iorubá. Sem ele o mundo não faria sentido, pois só através de Exu é que se chega aos demais orixás e ao Deus Supremo Olodumaré. Exu fala toda as línguas e permite a comunicação entre o orum e o aiê, entre os orixás e os homens. Exu é o dono do mercado, o seu guardião, por isso todo o comerciante e aqueles que lidam com venda devem agradar a Exu. As vendedoras de acarajé, por exemplo, oferecem sempre o primeiro bolinho a Exu, atirando-o à rua, não só para vender bem, mas também par afastar as perturbações, evitar assaltos etc., ou seja, para que Exu seja de facto um guardião e proteja o seu negócio. É importante ressaltar que Exu não tem amigos nem inimigos. Exu protege sempre aqueles que o agradam e sabem retribuir os seus favores. Exu foi a primeira forma dotada de existência individual. Não se sabe ao certo a sua região de origem em África, pois em todos os reinos se presta culto a Exu. Sabe-se, no entanto, que chegou a ser rei de Kêtu. Exu renasceu várias vezes e a sua história revela que é filho de Orunmilá ou de Oxum, dependendo do momento em que renasce. Características dos filhos de Exu. Os filhos de Exu são alegres, sorridentes, estão sempre de bem com a vida, são ambiciosos, extrovertidos, espertos, inteligentes, atentos. Sabem como ninguém ser sociáveis e diplomáticos, pois conhecem o valor de uma boa amizade, fazem questão de manter o maior número possível de amigos. Rapidamente, os filhos de Exu se tornam pessoas populares, amadas por uns, odiadas por outros. Extremamente dinâmicos, os filhos deste orixá não se desanimam nunca, mantêm sempre a certeza de que as coisas, mais cedo ou mais tarde, acabam por mudar a seu favor. Pessoas com impressionante facilidade de comunicação, boa lábia, com charme conseguem tudo o que querem. Irónicas e perigosas, costumam manter uma vida sexual bastante agitada, sem pudores. São pessoas extremamente rápidas, que não pensam: fazem. Os filhos de Exu possuem uma facilidade impressionante para entrar e sair de confusões, são do tipo que arma a bagunça, sai ileso e ainda se diverte com as consequências. Esquecem facilmente as ofensas, não guardam rancor, mas não perdem a oportunidade de se vingar. Gostam da rua, das festas e das conversas intermináveis, comportamento próprio de um orixá que é só alegria. www.ocandomble.com. Abraço. Davi

 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

A ORIGEM DO BEM E DO MAL

 

Espiritismo. www.institutoandreluiz.org. Texto de Allan Kardec (1804-1869). A ORIGEM DO BEM E DO MAL. 1 - Sendo Deus o princípio de todas as coisas e sendo todo sabedoria, todo bondade, todo justiça, tudo o que dele procede há de participar dos seus atributos, porquanto o que é infinitamente sábio, justo e bom nada pode produzir que seja ininteligente, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter nele a sua origem. 2 - Se o mal estivesse nas atribuições de um ser especial, quer se lhe chame Arimane, quer Satanás, ou ele seria igual a Deus, e, por conseguinte, tão poderoso quanto este, e de toda a eternidade como ele, ou lhe seria inferior. No primeiro caso, haveria duas potências rivais, incessantemente em luta, procurando cada uma desfazer o que fizesse a outra, contrariando-se mutuamente, hipótese está inconciliável com a unidade de vistas que se revela na estrutura do Universo. No segundo caso, sendo inferior a Deus, aquele ser lhe estaria subordinado. Não podendo existir de toda a eternidade como Deus, sem ser igual a este, teria tido um começo. Se fora criado, só o poderia ter sido por Deus, que, então, houvera criado o Espírito do mal, o que implicaria negação da bondade infinita. (Veja-se: O Livro O Céu e o Inferno, cap. X: Os demônios. 3 - Entretanto, o mal existe e tem uma causa. Os males de toda espécie, físicos ou morais, que afligem a Humanidade, formam duas categorias que importa distinguir: a dos males que o homem pode evitar e a dos que lhe independem da vontade. Entre os primeiros, cumpre se incluam os flagelos naturais. O homem, cujas faculdades são restritas, não pode penetrar, nem abarcar o conjunto dos desígnios do Criador; aprecia as coisas do ponto de vista da sua personalidade, dos interesses factícios e convencionais que criou para si mesmo e que não se compreendem na ordem da Natureza. Por isso é que, muitas vezes, se lhe afigura mal e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se lhe conhecesse a causa, o objetivo, o resultado definitivo. Pesquisando a razão de ser e a utilidade de cada coisa, verificará que tudo traz o sinete da sabedoria infinita e se dobrará a essa sabedoria, mesmo com relação ao que lhe não seja compreensível. 4 - O homem recebeu em partilha uma inteligência com cujo auxílio lhe é possível conjurar, ou, pelo menos, atenuar os efeitos de todos os flagelos naturais. Quanto mais saber ele adquire e mais se adianta em civilização, tanto menos desastrosos se tornam os flagelos. Com uma organização sábia e previdente, chegará mesmo a lhes neutralizar as consequências, quando não possam ser inteiramente evitados. Assim, com referência, até, aos flagelos que têm certa utilidade para a ordem geral da Natureza e para o futuro, mas que, no presente, causam danos, facultou Deus ao homem os meios de lhes paralisar os efeitos. Assim é que ele saneia as regiões insalubres, imuniza contra os miasmas pestíferos, fertiliza terras áridas e se indústria em preservá-las das inundações; constrói habitações mais salubres, mais sólidas para resistirem aos ventos tão necessários à purificação da atmosfera e se coloca ao abrigo das intempéries. É assim, finalmente, que, pouco a pouco, a necessidade lhe fez criar as ciências, por meio das quais melhora as condições de habitabilidade do globo e aumenta o seu próprio bem-estar. 5 - Tendo o homem que progredir, os males a que se acha exposto são um estimulante para o exercício da sua inteligência, de todas as suas faculdades físicas e morais, incitando-o a procurar os meios de evitá-los. Se ele nada houvesse de temer, nenhuma necessidade o induziria a procurar o melhor; o espírito se lhe entorpeceria na inatividade; nada inventaria, nem descobriria. A dor é o aguilhão que o impede para a frente, na senda do progresso. 6 - Porém, os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades que estas acarretam, das dissenções, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte, da maior parte, afinal, das enfermidades. Deus promulgou leis plenas de sabedoria, tendo por único objetivo o bem. Em si mesmo encontra o homem tudo o que lhe é necessário para cumpri-las. A consciência lhe traça a rota, a lei divina lhe está gravada no coração e, ao demais, Deus lha lembra constantemente por intermédio de seus messias e profetas, de todos os Espíritos encarnados que trazem a missão de o esclarecer, moralizar e melhorar e, nestes últimos tempos, pela multidão dos Espíritos desencarnados que se manifestam em toda parte. Se o homem se conformasse rigorosamente com as leis divinas, não há duvidar de que se pouparia aos mais agudos males e viveria ditoso na Terra. Se assim procede, é por virtude do seu livre-arbítrio: sofre então as consequências do seu proceder. (Livro O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, nos 4, 5, 6 e seguintes). 7 - Entretanto, Deus, todo bondade, Pôs o remédio ao lado do mal, isto é, faz que do próprio mal saia o remédio. Um momento chega em que o excesso do mal moral se torna intolerável e impõe ao homem a necessidade de mudar de vida. Instruído pela experiência, ele se sente compelido a procurar no bem o remédio, sempre por efeito do seu livre-arbítrio. Quando toma melhor caminho, é por sua vontade e porque reconheceu os inconvenientes do outro. A necessidade, pois, o constrange a melhorar-se moralmente, para ser mais feliz, do mesmo modo que o constrangeu a melhorar as condições materiais da sua existência (nº 5). 8 - Pode dizer-se que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. Assim como o frio não é um fluido especial, também o mal não é atributo distinto; um é o negativo do outro. Onde não existe o bem, forçosamente existe o mal. Não praticar o mal, já é um princípio do bem. Deus somente quer o bem; só do homem procede o mal. Se na criação houvesse um ser preposto ao mal, ninguém o poderia evitar; mas, tendo o homem a causa do mal em SI MESMO, tendo simultaneamente o livre-arbítrio e por guia as leis divinas, evitá-lo-á sempre que o queira. Tomemos para termo de comparação um fato vulgar. Sabe um proprietário que nos confins de suas terras há um lugar perigoso, onde poderia perecer ou ferir-se quem por lá se aventurasse. Que faz, a fim de prevenir os acidentes? Manda colocar perto um aviso, tornando defeso ao transeunte ir mais longe, por motivo do perigo. Aí está a lei, que é sábia e previdente. Se, apesar de tudo, um imprudente desatende o aviso, vai além do ponto onde este se encontra e sai-se mal, de quem se pode ele queixar, senão de si próprio? Outro tanto se dá com o mal: evitá-lo-ia o homem, se cumprisse as leis divinas. Por exemplo: Deus pôs limite à satisfação das necessidades: desse limite a saciedade adverte o homem; se este o ultrapassa, o faz voluntariamente. As doenças, as enfermidades, a morte, que daí podem resultar, provêm da sua imprevidência, não de Deus. 9 - Decorrendo, o mal, das imperfeições do homem e tendo sido este criado por Deus, dir-se-á, Deus não deixa de ter criado, se não o mal, pelo menos, a causa do mal; se houvesse criado perfeito o homem, o mal não existiria. Se fora criado perfeito, o homem fatalmente penderia para o bem. Ora, em virtude do seu livre-arbítrio, ele não pende fatalmente nem para o bem, nem para o mal. Quis Deus que ele ficasse sujeito à lei do progresso e que o progresso resulte do seu trabalho, a fim de que lhe pertença o fruto deste, da mesma maneira que lhe cabe a responsabilidade do mal que por sua vontade pratique. A questão, pois, consiste em saber-se qual é, no homem, a origem da sua propensão para o mal (1). 10 - Estudando-se todas as paixões e, mesmo, todos os vícios, vê-se que as raízes de umas e outros se acham no instinto de conservação, instinto que se encontra em toda a pujança nos animais e nos seres primitivos mais próximos da animalidade, nos quais ele exclusivamente domina, sem o contrapeso do senso moral, por não ter ainda o ser nascido para a vida intelectual. O instinto se enfraquece, à medida que a inteligência se desenvolve, porque esta domina a matéria. O Espírito tem por destino a vida espiritual, porém, nas primeiras fases da sua existência corpórea, somente a exigências materiais lhe cumpre satisfazer e, para tal, o exercício das paixões constitui uma necessidade para o efeito da conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas, uma vez saído desse período, outras necessidades se lhe apresentam, a princípio semi morais e semi materiais, depois exclusivamente morais. É então que o Espírito exerce domínio sobre a matéria, sacode o jugo, avança pela senda providencial que se lhe acha traçada e se aproxima do seu destino final. Se, ao contrário, ele se deixa dominar pela matéria, atrasa-se e se identifica com o bruto. Nessa situação, o que era outrora um bem, porque era uma necessidade da sua natureza, transforma-se num mal, não só porque já não constitui uma necessidade, como porque se torna prejudicial à espiritualização do ser. Muita coisa, que é qualidade na criança, torna-se defeito no adulto. O mal e, pois, relativo e a responsabilidade é proporcionada ao grau de adiantamento. Todas as paixões têm, portanto, uma utilidade providencial, visto que, a não ser assim, Deus teria feito coisas inúteis e, até, nocivas. No abuso é que reside o mal e o homem abusa em virtude do seu livre-arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo seu próprio interesse, livremente escolhe entre o bem e o mal. (LIVRO A GÊNESE, CAPÍTULO III - O Bem e o Mal. Origem do bem e do mal, ALLAN KARDEC). 

 

REFERÊNCIA: (1). O erro está em pretender-se que a alma haja saído perfeita das mãos do Criador, quando este, ao contrário, quis que a perfeição resulte da depuração gradual do Espírito e seja obra sua. Houve Deus por bem que a alma, dotada de livre-arbítrio, pudesse optar entre o bem e o mal e chegasse a suas finalidades últimas de forma militante e resistindo ao mal. Se houvera criado a alma tão perfeita quanto ele e, ao sair-lhe ela das mãos, a houvesse associado à sua beatitude eterna, Deus tê-la-ia feito, não à sua imagem, mas semelhante a si próprio. (Bonnamy, Livro A Razão do Espiritismo, cap. VI.). www.institutoandreluiz.org. Abraço. Davi