Texto escrito pelo norte americano O. Henry, pseudônimo de
William Sidney Porter (1862-1910). “Um dólar e oitenta e sete centavos. Era
tudo. E, desse valor, sessenta centavos eram em moedinhas de um. Moedinhas
poupadas uma ou duas de cada vez, pechinchando na mercearia, no verdureiro, no
açougueiro, até o rosto arder com a imputação calada de parcimônia (ato de
economizar) que essas duras negociações envolviam. Della contou três vezes. Um
dólar e oitenta e sete centavos. E o dia
seguinte seria Natal. Era claro que não havia nada a fazer senão
cair no sofazinho puído (desgastado) e chorar. E foi o que Della fez. E isso
instiga a reflexão moral de que a vida é formada por soluços, fungadas (aspirar
fortemente pelo nariz) e sorrisos, com predomínio de fungadas. Enquanto a dona
da casa passa gradualmente do primeiro para o segundo estágio, deem uma olhada
na casa. Um apartamento mobiliado que custa oito dólares por semana. Não é
muito extraordinário descrevê-lo. No vestíbulo do andar térreo havia uma caixa
de correio na qual nenhuma carta entrava e um botão elétrico do qual nenhum
dedo mortal arrancaria um som de campainha. Também havia um cartão com o nome
“Sr. James Dillingham Young”. O “Dillingham” fora mostrado ao mundo durante um
período anterior de prosperidade em que pagavam ao seu possuidor 30 dólares por
semana. Contudo, agora que sua renda encolhera para 20 dólares, eles pensavam seriamente
em adotar um modesto e despretensioso D. Mas, sempre que chegava e se dirigia
ao apartamento no andar de cima, o Sr. James Dillingham Young era chamado de
“Jim” e muito abraçado pela Sra. James Dillingham Young, já apresentada aqui
como Della. O que é tudo muito bom. Della
parou de chorar e
cuidou das bochechas com pó de arroz. Ficou em pé junto à janela e olhou à toa
o gato cinzento que andava numa cerca cinzenta num quintal cinzento. Amanhã
seria o dia de Natal e ela só tinha US$ 1,87 para comprar um presente para Jim.
Economizara cada centavo que conseguira durante meses, e era esse o resultado.
Vinte dólares por semana não dão para muita coisa. As despesas tinham sido
maiores do que ela calculara. Sempre são. Apenas US$ 1,87 para comprar um presente
para Jim. O seu Jim. Muitas horas felizes passou ela planejando algo agradável
para ele. Algo fino, raro, esterlino – algo apenas um tiquinho próximo de ser
merecedor da honra de pertencer a Jim. Havia
um espelho de parede entre as janelas da sala. Talvez
os senhores já tenham visto um espelho de parede num apartamento de oito
dólares. Uma pessoa magérrima e agilíssima, ao observar seu reflexo numa rápida
sequência de tiras longitudinais, pode obter uma concepção bastante exata da
própria aparência. Della, por ser magra, dominara a arte. De repente, ela
rodopiou e parou diante do espelho. Os
olhos faiscavam brilhantes, mas o rosto perdera a cor em
vinte segundos. Rapidamente, ela soltou o cabelo e o deixou cair. Havia duas
posses das quais os Dillingham Young se orgulhavam muito. Uma era o relógio de ouro de
Jim, que fora do pai e do avô dele. A outra era o cabelo de Della. Se a
rainha de Sabá morasse no apartamento ao lado, Della deixaria o cabelo pender
da janela só para depreciar as joias e os dons de Sua Majestade. Se o rei
Salomão fosse o zelador, com seus tesouros empilhados no porão, Jim tiraria o
relógio toda vez que passasse só para vê-lo puxar a barba de inveja. Assim,
agora o lindo cabelo de Della caía em torno da moça, ondulando e luzindo como
uma cascata de águas castanhas. Chegava abaixo do joelho e quase seria como
vestido para ela. E então ela o prendeu de novo, nervosa e rapidamente. Vacilou
um minuto e ficou imóvel enquanto uma ou duas lágrimas respingavam no gasto
tapete vermelho. Ela vestiu o velho casaco marrom e colocou o velho chapéu
marrom. Com um rodopio de saias e a faísca brilhante ainda nos olhos, Della tremulou pela porta e
desceu a escada até a rua. Onde parou, a placa dizia:
“Madame. Sofronie. Todos os tipos de produtos de cabelo”. Um lance de escada
Della subiu correndo e se recuperou, ofegante. Madame, grande, branca demais,
gelada, mal parecia “Sofronie”. Compra o meu cabelo? Perguntou Della. Compro
cabelo – disse Madame. – Tire o chapéu e vamos dar uma olhada no jeito dele. E
lá desceu ondulante a cascata castanha.
Vinte dólares – disse Madame, erguendo a massa com mão treinada. Dê
aqui, depressa – disse Della. Ah, e as duas horas seguintes atropeladas por
asas cor-de-rosa. Esqueça a metáfora rebuscada. Ela esquadrinhava as lojas
atrás do presente de Jim. Finalmente o
encontrou. Sem
dúvida fora feito para Jim e para mais ninguém. Não havia nada parecido em
nenhuma das lojas, e ela virara todas do avesso. Era uma corrente de relógio de
platina, de desenho simples e casto, que proclamava com propriedade o seu valor
apenas pela substância e não pela ornamentação barata – como tudo o que é bom
deveria ser. Era até merecedora d’O Relógio. Assim que a viu, soube que tinha
de ser de Jim. Era como ele. Tranquilidade e valor – a descrição se aplicava a
ambos. Vinte
e um dólares tiraram dela pela corrente, e ela correu para casa
com os 87 centavos. Com aquela corrente no relógio, Jim, com toda a
propriedade, poderia ficar ansioso em ver a hora estando em companhia de
qualquer pessoa. Por mais grandioso que fosse o relógio, ele às vezes o olhava
com timidez por conta da antiga correia de couro que usava em vez de uma
corrente. Quando Della chegou em casa, o estado inebriante deu lugar a um pouco
de prudência e razão. Ela pegou os ferros de cachear, acendeu o gás e se pôs a
trabalhar para reparar a devastação feita pela generosidade somada ao amor. O
que é sempre uma dura tarefa, caros amigos – uma tarefa mastodôntica
(agigantado). Em quarenta minutos, sua cabeça estava coberta de minúsculos
cachinhos que a deixavam parecida com um menino travesso. Ela olhou o reflexo
no espelho longa, cuidadosa e criticamente. “Se Jim não me matar”, disse
a si mesma, “antes de dar uma segunda olhada em mim, dirá que pareço uma garota
do coro de Coney Island (é uma península localizada no distrito do brooklin,
New York – USA). Mas o que eu poderia fazer (...). Ah! O que poderia fazer com um dólar e
oitenta e sete centavos”? Às sete horas da noite, o café estava pronto e a
frigideira, na parte de trás do fogão, quente e preparada para receber as
costeletas. Jim nunca se atrasava. Della dobrou na mão a corrente do relógio e
sentou-se no canto da mesa perto da porta por onde ele sempre entrava. Então
ouviu os passos dele na escada, lá embaixo no primeiro lance, e ficou branca
apenas um instante. Era um hábito seu dizer uma pequena oração silenciosa pelas
coisas mais simples e cotidianas, e nesse momento sussurrou: “Deus, por favor,
faça com que ele ainda me ache bonita”. A Porta se abriu, Jim entrou e a fechou. Parecia magro e seriíssimo. Pobre rapaz, tinha apenas 22 anos
– e sobrecarregado com uma família! Precisava de um sobretudo novo e estava sem
luvas. Jim parou à porta, já dentro da sala, tão imóvel quanto um
cão de caça ao sentir o cheiro da presa. Os olhos estavam fixos
em Della, e havia neles uma expressão que ela não conseguia ler, e isso a
aterrorizou. Não era raiva, nem surpresa, nem desaprovação, nem horror, nem
qualquer dos sentimentos para os quais ela se preparara. Ele apenas a fitava
fixamente com aquela expressão peculiar no rosto. Della se contorceu para sair
da mesa e foi até ele. Jim, querido – ela disse, angustiada –, não me olhe
desse jeito. Mandei cortar o cabelo e o vendi porque não conseguiria passar o
Natal sem lhe dar um presente. Ele crescerá de novo. Você não se importa, não
é? Eu tive de fazer isso. O meu cabelo cresce muitíssimo depressa. Diga “Feliz
Natal!”, Jim, e sejamos felizes. Você não sabe que presente bom, que presente
bom e lindo tenho para você. Você cortou o cabelo? – perguntou Jim com esforço,
como se ainda não tivesse chegado àquele fato nem depois da mais dura labuta
mental. Cortei e vendi – respondeu Della. – Você não gosta de mim de qualquer
forma? Continuo a mesma sem o cabelo, não? Jim deu uma olhada na sala. Está dizendo
que seu cabelo se foi? Perguntou com um ar quase idiota. Não precisa procurar
por ele – disse Della. Foi vendido, estou lhe dizendo. É véspera de Natal,
rapaz. Seja bom comigo, porque ele se foi por você. Talvez os fios de cabelo da
minha cabeça pudessem ser contados – continuou ela, com doçura séria e súbita
–, mas ninguém jamais conseguiria medir o meu amor por você. Posso pôr as
costeletas no fogo, Jim? Jim pareceu despertar do transe e abraçou sua Della.
Durante dez segundos, olhemos com atenção discreta algum objeto inconsequente
na outra direção. Oito dólares por semana ou um milhão por ano: qual é a
diferença? Um matemático ou um espirituoso lhes dariam a resposta errada. Os
reis magos deram presentes valiosos, mas esse não estava entre eles. Essa
afirmação sombria será esclarecida mais adiante. Jim tirou um pacote do bolso
do sobretudo e o largou em cima da mesa. Não se engane comigo, Dell – disse
ele. – Não acho que haja nada parecido com um corte, raspagem ou lavagem de
cabelo que possa me fazer gostar menos da minha garota. Mas se desembrulhar
esse pacote, verá por que me deixou perplexo a princípio. Dedos brancos e
ágeis rasgaram o barbante e o papel. E então um grito extático de alegria,
seguido por uma rápida mudança feminina para lágrimas e gemidos histéricos,
exigindo o emprego imediato dos poderes consoladores do senhor do apartamento. Pois
lá estavam As Presilhas – o conjunto de presilhas, lateral e traseira,
que Della adorara por muito tempo numa vitrine da Broadway. Lindas presilhas, de
pura tartaruga, com a borda cravejada – do tom exato para usar no lindo cabelo
desaparecido. Eram presilhas caras, ela sabia, e o seu coração simplesmente
desejara e ansiara por elas sem a mínima esperança de posse. E agora eram dela,
mas as tranças que receberiam os cobiçados adornos tinham-se ido. Assim mesmo,
ela as abraçou junto ao peito, e finalmente foi capaz de erguer os olhos turvos
com um sorriso e dizer: Meu cabelo cresce tão depressa! Então Della pulou de pé
como um gatinho chamuscado. Jim ainda não vira o seu lindo presente. Ela o
entregou ansiosa, na palma da mão aberta. O metal fosco e precioso pareceu
relampejar com um reflexo do seu espírito claro e ardente. Não é linda, Jim?
Procurei‑a pela cidade inteira até encontrar. Agora você terá de olhar as horas
cem vezes por dia. Dê-me o seu relógio. Quero ver como fica. Em vez de
obedecer, Jim se recostou no sofá, pôs as mãos na nuca e sorriu. Dell –
disse ele –, vamos deixar de lado nossos presentes de Natal e guardá-los por
algum tempo. São bons demais para usar neste momento. Vendi o relógio
para ter dinheiro para comprar suas presilhas de cabelo. E agora acho que
você pode pôr as costeletas no fogo. Os reis magos, segundo a tradição, eram
homens sábios – maravilhosamente sábios – que levaram presentes ao
bebê na manjedoura. Eles inventaram a arte de dar presentes de Natal. Por
serem sábios, seus presentes, sem dúvida, eram sábios, possivelmente com o
privilégio da troca em caso de duplicação. E aqui, inepto, contei-lhes a
crônica rotineira de dois jovens tolos num apartamento que, de forma nada
sábia, sacrificaram um pelo outro os maiores tesouros da casa. Mas, numa última
palavra aos sábios de hoje em dia, é bom que se diga que, de todos os
que dão presentes, esses dois foram os mais sábios. De todos os que dão e
recebem presentes, os que são como eles são os mais sábios. Em toda parte são
os mais sábios. São eles os reis magos”. http://www.seleçoes.com.br.
Abraço. Davi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário