quarta-feira, 31 de julho de 2019

SEXTA CÁTEDRA - AS GLACIAÇÕES


Gnosticismo. www.gnosisonline.org.br. Texto de Samael Aun Weor (1917-1977). SEXTA CÁTEDRA – AS GLACIAÇÕES. Inquestionavelmente, a humanidade terrestre passou por diversas fases de desenvolvimento e isso é algo que temos de analisar judiciosamente. Fala-se da evolução mecânica da natureza, do homem e do cosmos. Do ponto de vista antropológico temos de compreender que há duas classes de evolução. A primeira iniciar-se-ia obviamente com a cooperação sexual devidamente compreendida em todos e em cada um de seus aspectos. A segunda é diferente. No princípio, a raça humana multiplicava-se da mesma maneira que as células. Bem sabemos que o núcleo divide se em dois dentro da célula viva, que especializa uma determinada quantidade de citoplasma e matérias inerentes para formar células novas. As duas novas células por sua vez dividem-se em outras duas e assim mediante este processo fissíparo de divisão celular desenvolvem-se os organismos e multiplicam-se as células. Se no princípio os andróginos dividiam-se em dois, mais tarde tudo isso mudou. Houve necessidade de se preparar o organismo para a reprodução mediante a cooperação sexual. Foi na Lemúria, continente outrora situado no oceano Pacífico, onde se realizaram os principais eventos relacionados com a reprodução. No início, os órgãos criadores, o lingam-yoni, não estavam completamente desenvolvidos. Era necessário que esses órgãos se cristalizassem e se desenvolvessem totalmente a fim de que mais tarde, no tempo, a reprodução sexual pudesse ser realizada concretamente. Assim que, conforme os órgãos masculino e feminino foram se desenvolvendo, o ser humano já não era mais um andrógino e sim um ser hermafrodita. Então, aconteceram fatos bastante interessantes do ponto de vista biológico e psicossomático. A célula-átomo desprendia-se do organismo pai mãe para desabrochar e desenvolver. Em consequência, através de processos delicados, surgia uma nova criatura. O segundo aspecto dessa questão foi muito peculiar. Se bem que é verdade que no início germes vivos desprendiam-se como radiação atômica para se desenvolverem externamente e se converterem em novas criaturas, nesse segundo aspecto houve certa mudança favorável. Poder-se-ia dizer que o ovo fecundado, o óvulo que o sexo feminino elimina normalmente de seus ovários a cada mês, tinha certa consistência extraordinária. Em si mesmo, em sua construção intrínseca, era um ovo, um ovo fecundado dentro do organismo pai mãe, no interior do hermafrodita, mas um ovo que ao sair para o mundo exterior podia se desenvolver ou ser guardado; até que no fim se abria para que uma criatura emergisse dali uma criatura que se alimentava nos seios do pai mãe. Isso por si só é muito importante. Muito mais tarde, no tempo, foi se notando que certas criaturas vinham à existência com um órgão mais desenvolvido que o outro. Por fim, chegou o momento em que a humanidade se dividiu em sexos opostos. Quando isso ocorreu, a cooperação sexual tornou-se necessária para criar e voltar novamente a criar. As genealogias de Haeckel, com respeito à possível origem do homem e das três raças primordiais, não encaixam com a antropologia materialista que hoje invade o mundo. Infelizmente, na verdade, são motivos de riso para os antropólogos oficiais, os inimigos do divino. Eles zombam igualmente tanto da genealogia de Ernst Haeckel (1834-1919) como das genealogias em geral. Eles criticam as linhagens de Homero, como a de Aquiles, o ilustre guerreiro filho de Marte, ou a de Agamenon, filho de Júpiter, o que de longe manda, etc. Estas são frases ou palavras poéticas daquele homem que em outros tempos cantou a velha Tróia e a cólera do guerreiro Aquiles. Temos de falar claro nestes rigorosos exames antropológicos. Os cientistas da época atual terão de se definir por Paracelso (1493-1541), o pai da química, ou pelo mitológico de Haeckel. Em todo caso, é muito o que temos para inquirir neste terreno exclusivamente antropológico. Se se negasse a divisão da célula viva ou o processo reprodutor primitivo ou primordial, teria de se negar também a reprodução da monera ou átomo do abismo aquoso de Haeckel, o qual se dividiu a si mesmo para se multiplicar. Na realidade, a ciência de modo algum poderia se pronunciar contra esse sistema primitivo de reprodução celular, mediante o ato fissíparo. No entanto, damo-nos conta de que estas duas teorias expostas, sobre a maneira como começou a reprodução, seja por meio da cooperação sexual ou aquela outra em que os órgãos criadores deviam se desenvolver antes da possível cooperação começar, são discutíveis e espinhosas. Todas as teogonias religiosas desde a órfica, que é bastante antiga, até a Bíblia cristã falam-nos de um começo através da cooperação sexual, porém de uma forma puramente simbólica. Poderiam estar fazendo referência à alquimia, mas jamais a um fato científico-antropológico. Não se poderia começar um processo evolutivo com cooperação sexual, quando os órgãos criadores ainda não tinham sido criados. É óbvio que deve ter havido um período de preparação para a reprodução através da cooperação, um período através do qual os órgãos criadores tiveram oportunidade de desabrochar e se desenvolver na fisiologia orgânica do ser humano. As escrituras religiosas, tanto do oriente como do ocidente, tem sido muito adulteradas com exceção das do Vishnu Purana. Por exemplo, diz-se que Data depois de ter dado aos seres humanos a capacidade de se reproduzirem através da cooperação, declarou: Muito antes de que o ser humano pudesse ter essa capacidade, muito antes de que a cooperação sexual entre homens e mulheres existisse, já haviam outros modos de reprodução. Está se referindo às etapas anteriores à formação dos órgãos criadores no ser humano. Ele não chegou ao ponto de afirmar que os sistemas anteriores à cooperação não tivessem relação alguma com a energia criadora. Penso que a energia sexual propriamente dita tem outras formas de manifestação e antes de que os órgãos criadores tivessem se desenvolvido na espécie humana, tal energia teve outros modos de expressão para criar. É uma lástima que as sagradas escrituras de todas as religiões tenham sido adulteradas. É de nosso conhecimento que até o próprio Edda não deixou de alterar um pouco o Pentateuco da Bíblia hebraica. A todas estas, torna-se indispensável que sigamos analisando e meditando: de onde se desenvolveram as diversas raças? Já dissemos várias vezes que isso do Noé pitecóide resulta bastante absurdo, tanto quanto o cinocéfalo com rabo, o macaco sem rabo e o homem arbóreo. São questões utópicas que não têm qualquer embasamento. Já rimos bastante do sosura de Haeckel, aquela espécie de macaco com capacidade de falar, algo assim como o elo perdido entre o macaco e o homem. Mas, faz-se necessário saber de onde saíram as raças. Em que cenários ocorreram essas evoluções e involuções da humanidade? É isso o que precisamos realmente conhecer. Seria possível desligar as raças humanas do seu meio-ambiente, de seus diversos continentes, de suas ilhas, de suas montanhas e de seus cenários naturais? Chama-nos muito a atenção o fato de que a humanidade ainda viva, enquanto que os animais do mesozóico tenham se extinguido apesar da sua grande variedade. Como é possível que todos os monstros antediluvianos tenham desaparecido e que a humanidade siga vivendo? Temos posto muita ênfase neste aspecto e torna-se indispensável pensar nele. Que o ser humano esteja relacionado com o seu ambiente não se pode negar! Quem tenham havido outras formas de reprodução diferentes da cooperação sexual também é inegável! Mas, convém conhecer o ambiente onde se desenvolveram as diversas raças. Urge que pouco a pouco estudemos os vários cenários da natureza. De modo algum negamos que há fenômenos que os astrólogos verdadeiramente desconhecem. Que sabem sobre as mudanças ou modificações do eixo da Terra em relação com a obliquidade elíptica? Laplace, aquele que inventou uma famosa teoria que até hoje existe, afirma que todos os mundos saem de suas correspondentes nebulosas, feito que nunca foi comprovado. Chega até a dizer fanaticamente que o declínio do eixo da Terra em relação com a obliquidade da elíptica é quase nulo e que sempre foi assim de forma secular. Inquestionavelmente, a geologia está contra esses conceitos astronômicos até certo ponto. Claro que o desvio do eixo terrestre dentro da obliquidade da elíptica, inclinação para ser mais exato, indica períodos glaciais que se verificam através das idades. Se negássemos os períodos glaciais, estaríamos afirmando coisas incoerentes porque as glaciações estão completamente demonstradas e têm sua base justamente no desvio do eixo da Terra, em sua inclinação dentro da obliquidade elíptica. Os estudos geológicos demonstram categoricamente o desvio anterior negado pelos astrônomos. Há provas de tremendas glaciações. Já Magalhães anotara determinadas épocas de calor ou trópico no Ártico acompanhadas de glaciações e frio intenso. Concluiremos dizendo que a geologia e a astronomia ocupam posições opostas nesta investigação. Chegamos a um ponto especial: o das glaciações. Parece incrível que no sul da Europa e no norte da África tenha ocorrido em outros tempos as mais terríveis glaciações. Na Espanha, por exemplo, pode se conhecer a época silúrica, na qual ocorreram glaciações gigantescas e isso está demonstrado pelos estudos de paleontologia. Ninguém poderia negar que foram descobertos cadáveres mumificados de animais antediluvianos na desembocadura de certos rios da Sibéria como o Obi ou Ob e outros. Isso significa que a Sibéria, que é tão fria, em outros tempos foi região tropical de muito calor, da mesma forma que a Groelândia, a península Escandinávia, Islândia, Noruega e Suécia, e toda essa ferradura que rodeia totalmente o Polo Norte. Que houve calor nessas regiões; impossível, diria alguém, mas a paleontologia o confirmou. Foram descobertas criaturas muito interessantes justamente na embocadura do rio Obi. Isso nos convida a refletir. Durante a época da Atlântida, os polos sul e norte não se achavam onde estão agora. Naqueles dias, o pólo norte e o Ártico estavam situados sobre a linha equatorial, no ponto mais extremo oriental, da África e da Antártida. O polo sul estava situado exatamente sobre a mesma linha equatorial no lado oposto, em um lugar específico do Pacífico. Houve pois grandes mudanças na fisionomia do globo terrestre. Autênticos mapas daqueles tempos são do conhecimento dos sábios desta época. Nas criptas antigas secretas dos lamas, nos montes Himalaias, existe mapas das antigas terras; há cartas geográficas que demonstrem ter tido o nosso mundo fisionomia diversa no passado. Pensemos na Lemúria, nesse gigantesco continente situado no Pacífico e no Índico. Estava unido à Austrália posto que a Austrália era parte da Lemúria, do mesmo modo que a Oceania. O ártico estava localizado no ponto mais oriental, sobre a linha equatorial, da África; tudo era diferente, distinto. Por aquela época, aconteceu uma era glacial gigantesca. Essa glaciação projetou-se precisamente desde o polo Ártico, situado na África, até a Arábia e sudoeste da Ásia, cobrindo também a Lemúria quase completamente. Toda essa zona se encheu de gelo, mas este não conseguiu passar o mar Mediterrâneo. Resulta inquietante saber que há épocas em que nosso mundo passa por glaciações, em que o gelo invade determinadas zonas onde morrem milhões de criaturas. Tudo isso se deve realmente à inclinação do eixo da Terra em relação com a obliquidade da elíptica. O ser humano teve de se desenvolver em diversos cenários e nós devemos conhecer a fundo quais são esses cenários. Como surgiu a América? Como apareceu a Europa? Como afundou a Lemúria? Como foi que desapareceu a Atlântida? A Lemúria foi aceita por Darwin e ainda existe no fundo do oceano Índico. Obviamente, os organismos passaram por um sem número de mudanças morfológicas em tais ou quais ambientes. Se disséssemos que o animal intelectual equivocadamente chamado homem tem por antepassado o famoso ratão, do qual tanto falam os antropólogos, ou melhor diríamos, o runcho citado pelos sul-americanos, estaríamos falseando a verdade. Esse enorme ratão ou runcho da América do Sul vem, como já sabemos, da Atlântida de Platão. Sabemos também que o homem já existia muito antes da Atlântida, logo o homem é anterior ao famoso runcho atlante. Se afirmássemos que o homem vem de certos primatas e, mais tarde, de certos hominídeos da antiga terra lemuriana, tão aceita por Darwin, também estaríamos torcendo a realidade, porque antes de os símios existirem, muito antes de os tão cacarejados primatas e hominídeos aparecerem, o homem já existia. Ainda mais, antes de que a reprodução das espécies se desenvolvesse por cooperação, o homem já existia. O homem é ainda muito anterior à própria Lemúria aceita por Charles Darwin (1809-1882). Temos de reconhecer que esta raça humana tem sido estudada de forma superficial pelos antropólogos materialistas. Esta raça que passou desde os tempos monolíticos pelas etapas do eoceno, mioceno e plioceno é mais antiga que os continentes atlante e lemuriano. Porém, precisamos seguir estudando os diversos cenários do nosso mundo para compreender melhor os vários processos de evolução e involução que os gnósticos são firmes nos conceitos. Se se lhes põem a escolher a um Paracelso, como pai da química moderna, e um Haeckel, como famoso criador do mítico sosura, francamente se resolveriam pelo primeiro, pelo grande sábio Paracelso. www.gnosisonline.org.br. Abraço. Davi


terça-feira, 30 de julho de 2019

SEFIROT - AS DEZ EMANAÇÕES DIVINAS


Judaísmo. www.morasha.com.br. SEFIROT – AS DEZ EMANAÇÕES DIVINAS. Rabi Moisés de Leon, cabalista espanhol do século XIII, escreveu: 'As dez sefirot são o segredo da existência, o aparato da sabedoria, o meio pelo qual os mundos de cima e de baixo foram criados. Segundo o Zohar, D´us deu forma e conteúdo à Sua Criação através das dez sefirot. Toda a realidade, tanto espiritual quanto material, é criada por meio destas que são vistas como "forças fundamentais", "recipientes" da atividade de D´us. As sefirot são "canais" através dos quais a energia Divina flui, permeia e se torna parte de cada coisa que existe, criando assim uma "corrente espiritual" que liga e vivifica todas as coisas, impregnando-as da Essência Divina. As leis que regem o fluxo destas energias foram estabelecidas durante o processo da Criação, que pode ser vista como uma progressiva transformação de níveis de energia espiritual. Nesta progressiva transformação, foram criados universos espirituais paralelos, sendo o nosso mundo o último desta corrente. Em nosso mundo, a Luz está mais afastada da sua Fonte Divina, portanto D´us está mais "escondido" de nós e, por isso, este mundo é espiritualmente inferior aos outros. Mas, ao mesmo tempo, é superior por ser a meta e o fim da Criação Divina. Nele, o homem-única criatura com livre arbítrio - pode afetar, por meio de suas ações, o fluxo das Energias Divinas, criando mudanças de grandes proporções em outros mundos. Com isto poderá aperfeiçoar o Cosmo e fazer com que a Criação vá aproximando-se de sua meta Divina. Nos textos cabalísticos podemos encontrar enumeradas onze sefirot. No entanto, como duas destas - Keter e Da'at - representam dimensões diferentes de uma mesma força, ambas se excluem mutuamente. Por isso, a tradição geralmente fala de dez sefirot. O Zohar, Livro do Esplendor, a obra central da Cabalá, de autoria do Rabi Shimon Bar Yochai (séc II EC) e, mais tarde, a doutrina de Rabi Isaac Luria centram-se nas sefirot. Seu conceito aparece em outras obras como o Sefer Yetsirá, atribuída ao patriarca Abraão, e o Sefer Ha-Bahir de autoria de Rabi Nechunia ben ha-Kanah. As sefirot parecem estar envolvidas em um mistério, de difícil compreensão, já que além de serem puramente espirituais, possuem inúmeros e complexos níveis de significado, inúmeras interpretações e implicações. Podemos até vislumbrar como agem, mas só alguns sábios espiritualmente elevados, verdadeiros mestres da Torá, chegam a compreender sua essência e seus segredos. Por que, então, estudar ou se preocupar com assunto tão indecifrável? Porque, como escreveu Rabi Moisés de Leon, as sefirot são o segredo da existência e de nós mesmos, o segredo de como nos aperfeiçoamos, aperfeiçoando, ao mesmo tempo, o mundo à nossa volta. O que é uma sefirá. Cada sefirá é um modo ou um poder específico através do qual D'us governa e sustenta o Universo. Por isso, as sefirot podem ser consideradas como "atributos" ou "qualidades", ou ainda, "vestimentas" Divinas. Quando pedimos a D´us que use conosco de Sua Bondade Absoluta e nos abençoe com a Sua Abundância, estamos pedindo para que Ele se releve através do atributo da sefirá Chessed. Podemos dizer que as sefirot são a "matéria-prima" do Cosmo, o "código genético" que pode ser identificado em todos os níveis e dentro de todos os aspectos da Criação. Tudo o que foi criado - do mais espiritual ao mais material, do maior ao menor - toma forma através das sefirot. Segundo nossos sábios místicos, por este motivo elas constituem o paradigma conceitual para se entender a Criação. O Rabi Isaac Luria (1534-1572), o Arizal, afirmava que as sefirot são "tanto os instrumentos que D´us usa para dirigir o mundo, quanto as janelas através das quais podemos perceber o Divino". A palavra sefirá é relacionada com várias palavras hebraicas: Saper, que significa revelar ou se comunicar; Sapir, safira, brilho ou luminárias; Safar, contagem, número, e também com Sefar, que significa limite, fronteira. Em sua essência, todas estas palavras têm conceitos inter-relacionados e apontam para duas funções básicas das sefirot. Em primeiro lugar são "luzes" (orot). A luz de uma sefirá é o fluxo de energia Divina que está em seu interior e serve para revelar ou expressar a grandiosidade Divina. Em segundo lugar são "vasos" ou "recipientes" (kelim) que "filtram" ou "revestem" a Luz Infinita que as preenche. Trazem esta Luz desde a Fonte de Todas as Fontes, Raiz de todas as Raízes, D´us Infinito, o Ein Sof, até nosso mundo finito. Sem estes "filtros" ou "vestimentas" a Criação seria totalmente dominada pela Luz Divina. Em sua trajetória espiritual, a Luz vai diminuindo, possibilitando que a Criação se aproxime do Criador. Para tentar entender estes conceitos, pensemos por um instante no sol, uma das menores estrelas criadas por D´us neste universo. Apesar de posicionado a milhões de quilômetros da Terra, sua energia nos dá luz e calor indispensáveis. Mas, se tentarmos fitá-lo, sem proteção, sua luz nos cegará. Imaginemos uma nave espacial tentando aproximar-se do sol. O calor e a energia a aniquilariam! Do ponto de vista humano, as sefirot podem parecer possuir existência múltipla e independente. Uma sefirá representa a força e o poder do julgamento rigoroso; outra, a bondade e o amor; outra, a misericórdia e assim por diante. Porém, as sefirot e o Ein Sof formam uma unidade, uma existência única. Moisés Cordovero (1522-1570), cabalista do século XV escreveu a este respeito: "Para ajudar-te a conceber o processo da emanação das sefirot, imagina a água que escorre por vasos de diferentes cores: branco, vermelho, verde e assim por diante. À medida em que a água se espalha nesses vasos, parece adquirir a cor do vaso, embora seja desprovida de cor. A mudança na cor não afeta a água em si, mas apenas a nossa percepção da mesma. O mesmo acontece com as sefirot. A essência não muda; só parece mudar quando escorre dentro dos vasos ". De onde vêm? O processo de emanação. Numa interpretação mística, o primeiro capítulo do Gêneses, ao relatar a Criação, descreve um início, o mais primordial: revela o processo da saída de D'us das profundezas Dele mesmo e a emanação das dez sefirot, ou seja, sua emergência de dentro do Ein Sof, D´us Infinito. Para se referir a D'us os cabalistas mais antigos cunharam o termo Ein Sof, que significa literalmente "Infinito" ou "Aquele que não tem fim nem limite". Um dos axiomas básicos da Cabala é que o homem não tem meios de entender D´us, Infinito e Imutável, nem tão pouco os Seus motivos. Porém, apesar de D'us ser ilimitado e oculto, Ele se revela a nós parcialmente - e na medida em que cada um de nós pode reconhecer o Seu poder e a Sua existência - através da Criação e das dez sefirot. Em contraste com este D'us "pessoal" das sefirot, Ein Sof representa a transcendência absoluta de D'us. Segundo o Rabi Isaac Luria, "no início do início" a Luz de D'us Infinito, Or Ein Sof, preenchia toda a realidade, pois D'us é a própria Realidade, sem início e sem fim. Nada havia além da Luz Divina, pois nada pode manter sua própria existência dentro do Ein Sof. Para que o universo passasse a existir como entidade independente, D'us Se "ocultou" e Se "retraiu", cedendo espaço para a Sua Criação. Esta ação não diminui, de modo algum, a Perfeição Divina. Este conceito de ocultamento da Luz Divina é chamado nos textos cabalísticos de tzimtzum (contração). Esta "contração" resultou no aparecimento de um "espaço" vazio, um "vácuo", um "ponto" no qual o universo passou então a existir. Rabi Haim Vital (1543-1620), cabalista e discípulo do Ari, ao explicar o processo dessa retração Divina, tzimtzum, dá o seguinte exemplo: "A Luz retirou-se como a água de uma lagoa quando agitada por uma pedra. Quando a pedra cai na lagoa, a água que está naquele exato lugar não desaparece, mas se afasta, incorporando-se ao restante. Desta forma, a Luz retraída convergiu-se para o além e no meio ficou o vácuo". No vácuo primordial criado por este tzimtzum passou a existir a ausência da Luz, a escuridão primordial. Neste "vácuo", D'us emanou um "raio" que serviu de "condutor" da Luz Divina finita. A revelação inicial dentro do "vazio" primordial é a revelação da Luz. Em Gênese, a primeira declaração explícita da Criação foi: "D'us disse: Faça-se a luz e a luz se fez". A partir deste "raio" de Luz, as dez sefirot emanam de forma sucessiva e em ordem específica. É através destas que D'us - por sua vontade - limita Sua Luz e manifesta qualidades específicas que Suas criaturas podem apreender e absorver. De uma forma simplificada, no decorrer do processo de emanação das sefirot são criados cinco universos paralelos - olamot, quase todos espirituais em sua essência. O primeiro Adam Kadmon é completamente ligado e unido ao Ein Sof, na realidade não poderia ser chamado de universo. Segue-se o Atzilut, o mundo da emanação; Beriyá, da criação, Yetzirá, da formação, e, por último, Assiyá, o mundo da ação no qual vivemos. As Dez Emanações Divinas. Apesar de D'us ter-Se "ocultado", continua intimamente conectado à Sua Criação, pois sem Ele nada existe. Como vimos, agindo como um canal de ligação entre D'us e Sua Criação, as sefirot permitem a D'us , Infinito e Ilimitado, interagir com Sua Criação, finita e limitada. É através destas que o Ser Absoluto se revela e se conecta com Sua Criação. A simples relação de seus nomes não vai transmitir adequadamente sua essência. Além disso, temos que ter em mente que as imagens e símbolos são usados apenas para nossa compreensão, pois não expressam o mistério da Criação e tem que ter cuidado ao abstrair os conceitos. A configuração gráfica das sefirot, em textos cabalísticos, é uma composição vertical ao longo de três eixos paralelos. Textos cabalísticos usam vários nomes quando referem-se à mesma: uma árvore (etz), uma escada (sulam) ou a "imagem celestial de D´us" - (tzelem Elokim). Neste caso a configuração lembra um corpo humano. Segue-se a ordem de emanação das sefirot: Keter, coroa - representa a onipotência e onipresença de D'us; a Vontade Divina Absoluta; a Soberania e Autoridade de D'us sobre todas as forças da Criação. É a primeira e mais elevada das sefirot e está além de qualquer compreensão. De tão inexprimível, às vezes nem é incluída entre as dez sefirot. É a mais próxima da Fonte Divina, é a base de toda a Criação. Keter transcende as leis que governam o universo, pois estas só passam a existir após a emanação das sefirot de Chochmá e Biná. A Cabalá refere-se a esta sefirá como o "mundo da Misericórdia". Chochmá, sabedoria - é o pensamento puro que D'us utiliza para o funcionamento do universo. É o poder da Luz Original, a força primordial usada para criar os céus e a terra. Chochmá é a inspiração inicial da qual o Cosmo evoluiu. É vista como "a planta" usada para a criação do universo físico e espiritual, pois contém - potencialmente - todas as leis que vão reger a Criação e os axiomas que determinam como estas leis funcionam. É a raiz dos elementos espirituais: fogo, água, terra e ar. Sua essência é também incompreensível para nós. Biná, entendimento, a compreensão, a lógica. Com sua emanação, é criado o sistema lógico pelo qual os axiomas de Chochmá são delineados e definidos. É através da Biná que podemos começar a entender os axiomas tanto da Criação quanto do nosso próprio ser. Da'at, conhecimento; a "lógica aplicada" de modo diferente das duas anteriores. Não é apenas o acúmulo, mas também a soma de tudo o que é conhecido. É a capacidade de juntar as informações básicas e fazê-las funcionar logicamente. Quando Keter se manifesta, D'aat se oculta, já que são manifestações interna e externa, respectivamente, da mesma força. Chessed, graça, amor e bondade que nos beneficiam; a grandeza (Guedulá) do amor. Esta sefirá representa o dar incondicional, o altruísmo, o impulso incontrolável de expansão. É D'us dando-se às Suas criaturas de forma irrestrita, abrindo todas as portas da Sua Abundância. D'us usou este atributo como o instrumento supremo no processo da Criação. Guevurá - poder, justiça, o julgamento severo (Din); as forças para disciplinar a criação. Guevurá representa a contração, a restrição, a criação de barreiras. A "autolimitação" Divina foi indispensável para a criação do Cosmo. A Cabalá se refere a esta como midat hadin, a medida ou atributo do julgamento, do rigor. Esta sefirá direciona a energia espiritual para atingir uma meta específica. É a força que permite o controle para podermos vencer tanto nossos inimigos internos quanto os externos. Tiferet, beleza, no sentido da harmonia. É a combinação da harmonia e da verdade, dando espaço para a compaixão. Esta sefirá está associada com o poder de conciliar as inclinações conflitantes de Chessed e Guevurá, para que haja compaixão. Na Cabalá é designada como midat harachamim, "o atributo da misericórdia". A alma do homem emana desta sefirá pela união desta qualidade com Malchut, o corpo. Netzach, vitória, eternidade, resistência. Esta sefirá representa a imposição Divina. É o domínio, a conquista ou a capacidade de vencer. Representa o motivo primeiro da Criação: a capacidade de vencer o mal. Hod, esplendor, empatia. Esta sefirá permite que o poder e energia repassados sejam apropriados e aceitáveis a quem os recebe. É responsável pela criação dentro de uma relação do espaço deixado para o outro. A qualidade espiritual de Hod salienta o atributo da humildade e reconhecimento. Hod representa também a submissão que permite a existência do mal. Yesod, fundação; alicerce representa a reciprocidade ideal numa relação. É o meio de comunicação, o veículo de transporte de uma condição para outra. Representa o lugar do prazer espiritual e físico; o vínculo mais poderoso que pode existir entre dois indivíduos, assim como entre o homem e D'us: a aliança entre D'us e Israel: o Brit Milá. Malchut, reinado. É a Schechiná, o aspecto imanente de D'us neste mundo. É o mundo revelado onde o potencial latente é concretizado. É o poder que D'us nos deu de receber Dele. Como símbolo do receber, esta sefirá é caracterizada como aquela que não tem nada próprio. É um keli, um mero recipiente. Malchut é o último elemento de uma corrente que se inicia na Vontade Divina e encontra sua realização neste mundo. Aquele que recebe pode dar de volta, tornando-se além de receptor, um doador. As sefirot são refletidas no homem e desta forma o homem compartilha o Divino. A pessoa que somos é determinada pelas sefirot no mundo da ação, pois são as bases de nossa personalidade individual. O "cabo condutor" ou o canal através do qual estas se manifestam, é a nossa alma. www.morasha.com.br. Abraço. Davi.


segunda-feira, 29 de julho de 2019

BEM-AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPÍRITO


Cristianismo. 44º Sermão do Mestre Eckhart (1260-1328). Tema: BEM-AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPÍRITO. Mateus 5:3 "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus". A felicidade abriu sua boca de Sabedoria e afirmou: Bem-aventurados os pobres de espírito, pois deles é o reino dos céus. Todos os anjos, todos os santos e tudo que foi nascido deve ficar silente quando a Sabedoria do Pai abre sua boca; pois toda Sabedoria dos anjos e das criaturas é pura loucura diante da Sabedoria insondável de Deus. E foi esta Sabedoria que declarou que são abençoados os pobres. Existem dois tipos de pobreza. A primeira é uma pobreza externa, e isto é útil e deve ser muito elogiada naquele que a pratica voluntariamente, por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, pois Ele mesmo tinha isto nesta terra. Sobre esta pobreza eu nada mais direi neste momento. Mas existe uma outra pobreza, que é de natureza interna, e é a esta que se aplicam as palavras de Nosso Senhor quando disse: bem-aventurados os pobres de espírito. Agora, eu rogo ao mel de suas almas que sejam desta forma para que possam compreender este sermão; pois que pela verdade eterna eu digo que a menos que sejam como esta verdade a qual abordaremos neste momento, não será possível que me compreendam. Algumas pessoas indagaram de mim o que vem a ser a pobreza, e o que é um homem pobre. Responderei a tal da seguinte forma: O Bispo Alberto diz que um homem pobre é aquele que se satisfaz com todas as coisas que Deus criou e isto está bendito. Mas vamos falar melhor, tomando a pobreza em um sentido mais elevado. É um pobre aquele que nada quer, que nada sabe e que nada tem. Falemos neste momento sobre estes três pontos, e eu rogo a vocês que compreendam esta Sabedoria se puderem; mas se não puderem compreender, não precisam ficar preocupados, porque vou dizer uma tal verdade que muito poucas pessoas podem compreender. Em primeiro lugar, é um pobre aquele que nada quer. Existem pessoas que absolutamente não compreendem o que isto quer dizer: são aqueles que ficam muito apegados a ascetismos (prática da abstenção dos prazeres e até do conforto material, adotada com o fim de alcançar a perfeição moral e espiritual) e práticas externas, achando que muito fazem ao se submeter a tais práticas. Possa Deus lhes ter em compaixão, pois tão pouco compreendem da verdade divina! Costumam chamar estas pessoas de santas ou de sagradas porque aparentam sê-lo externamente, mas eu digo que por dentro nada mais são que bons idiotas, pois ignoram completamente o que vem a ser a verdade divina. Estas pessoas dizem que o pobre é aquele que nada deseja e explicam isto da seguinte forma: A pessoa deve levar sua vida de tal forma que jamais faça o que quer em nada que seja, mas deve se esforçar por realizar a maravilhosa vontade de Deus. Está tudo bem com estas pessoas porque suas intenções são boas, e podemos até chegar a lhes elogiar estas suas vontades. Possa Deus em sua misericórdia lhes abrir o reino dos céus! Mas pela Sabedoria de Deus eu afirmo que tais pessoas não são de forma alguns pobres, nem se parecem mesmo que seja levemente aos pobres. São muito admirados por aqueles que nada sabem, mas eu digo que não tem o menor valor, são completos idiotas sem qualquer compreensão que seja da verdade divina. Talvez até que ganhem os céus por suas boas intenções, mas da pobreza da qual falaremos agora não tem a menor ideia que seja. Se então, me perguntassem o que vem a ser o pobre que nada quer, eu diria o seguinte: Enquanto que o homem quiser fazer a vontade de Deus através de sua vontade própria, esta pessoa ainda não tem a pobreza a qual mencionamos; pois esta pessoa tem uma vontade para servir a vontade de Deus, e eis que esta não é a verdadeira pobreza! Pois para que a pessoa tenha esta verdadeira pobreza deve estar tão liberta de sua vontade criada com quando ainda não era, isto é, como quando ainda não existia. Pois eu declaro pela verdade eterna, que enquanto tivermos vontade de realizar a vontade de Deus, e enquanto quisermos possuir a eternidade e Deus, ainda não somos pobres; pois o pobre é aquele que nada quer e que nada deseja. Enquanto eu estava ainda em minha primeira causa, eu ainda não tinha nenhum Deus e era minha própria causa; então eu nada queria e nada desejava, pois eu era o ser puro e um conhecedor de mim mesmo no gozo da verdade. Então eu queria a mim e nada queria de mais; o que eu queria eu era, e o que eu queria, e assim estava eu livre de Deus e de todas as coisas. Mas quando deixei meu livre arbítrio para trás e recebi meu ser criado, então eu possuía um Deus. Pois antes que houvessem criaturas, Deus não era Deus. Ele era Aquilo que Ele era. Mas quando as criaturas entraram para a existência e receberam seus seres criados, então Deus não era Deus em Si Mesmo, era Ele Deus nas criaturas. Quando dizemos que Deus enquanto Deus não é o objetivo supremo das criaturas, isto quer dizer que o mesmo status elevado é possuído mesmo pela menor das criaturas de sondar intelectualmente as profundezas eternas de Deus, do ser de Deus, do qual ela mesmo proveio, teríamos que dizer que Deus com tudo aquilo que o torna Deus seria incapaz de satisfazer e de realizar aquela mosca! Portanto rezemos a Deus para que possamos estar livres de Deus, para que possamos com isto ganhar a verdade e gozá-la eternamente, ali onde o anjo mais elevado, a mosca e a alma são perfeitamente iguais, ali onde eu fiquei e queria aquilo que eu era, e era aquilo que queria. Então podemos concluir: se a pessoa é realmente pobre de vontade, deve querer e desejar tão pouco quanto queria e desejava enquanto não era ainda. E é desta forma que a pessoa chega a ser pobre pelo não querer. Em segundo lugar, ele é pobre que nada sabe. Já dissemos algumas vezes que a pessoa deve viver como se não vivesse nem para si mesmo, nem pela verdade e nem por Deus sequer. Mas agora faremos diferentemente e iremos mais além, dizendo: Para que a pessoa possua esta pobreza deve viver de tal forma que não esteja consciente que não viver de tal forma que não esteja consciente que não vive para si mesmo, ou para a verdade, ou para Deus. Deve estar possuído de uma tal falta de todo conhecimento que nem saiba nem reconheça, nem sinta que Deus habite nele; mais ainda, deve estar livre de toda compreensão que nele possa existir. Pois que quando esta pessoa estava no ser eterno de Deus, nada mais habitava nele; o que ali habitava era ele mesmo. Eis pois porque declaramos que a pessoa deve estar tão livre do seu próprio conhecimento quanto naquela época que ele ainda não era. Esta pessoa deve deixar que Deus funcione como desejar, e ele mesmo nada fazer, estando inativo. Pois que tudo que vem de Deus é pura atividade; o trabalho verdadeiro da pessoa é amar e conhecer. Agora a pergunta fica colocada: Onde há bem-aventurança pela sua maior parte? Alguns mestres dizem que está no conhecer, enquanto que outros dizem que está no amor, outros dizem que está em conhecer e em amar e estes são o que melhor dizem. Mas nós dizemos que não é nem em conhecer nem em amar. Pois que existe algo na alma de onde vêm tanto o conhecimento quanto o amor. Mas isto mesmo nem conhece nem ama da forma que o fazem os poderes da alma. Quem conhece isto, conhece a origem da felicidade. Isto não tem um antes ou um depois, nem espera que algo venha a si, pois isto não pode nem ganhar nem perder. E assim isto está privado do conhecimento que Deus esteja nele funcionando; ao invés isto é apenas si mesmo, gozando a si mesmo na forma de Deus. É assim que eu digo que a pessoa deve estar quitada e liberta que nem conheça e nem perceba que Deus esteja nele funcionando, desta forma a pessoa é pobre. Os mestres dizem que Deus é um ser, um ser intelectual que conhece tudo. Mas nós dizemos que Deus não é um ser e que não é intelectual, e que sequer conhece isto ou aquilo. Assim é que Deus está livre de todas as coisas, e assim Ele é todas as coisas. Pra ser pobre de espírito, a pessoa deve estar pobre de todo seu conhecimento; não conhecendo coisa alguma, nenhum Deus, nenhuma criatura, nem a si mesmo. Isto é necessário, que a pessoa não deseje conhecer ou compreender qualquer coisa que seja dos trabalhos de Deus. Assim a pessoa pode chegar a ser pobre de seu próprio conhecimento. Em terceiro lugar ele é um pobre que nada tem. Muitos existem que dizem que a perfeição é realizada quando não mais se tem coisa alguma materialmente na terra e isto é verdade em um sentido, quando é voluntário. Mas não foi este o sentido em que o quis mencionar. Eu já disse antes, aquele que é pobre não é aquele que quer fazer a vontade de Deus, mas aquele que de tal forma vive que está livre de sua própria vontade e da vontade de Deus, assim como estava quando ainda não era. Desta pobreza declaramos que é a mais elevada. Em segundo lugar, dissemos que é o pobre aquele que nada sabe do funcionamento de Deus dentro de si. Aquele que está tão livre do conhecimento e da compreensão de Deus como Deus mesmo está de todas as coisas, esta pessoa então tem a pobreza mais pura. Mas esta terceira pobreza é a mais correta, que é quando a pessoa nada tem, e da qual vamos discorrer nesse momento. Prestem atenção no seguinte! Eu disse com frequência no passado e eminentes autoridades também o fizeram, que a pessoa deve estar de tal forma liberta de todas as coisas e de todos os trabalhos, tanto de dentro como de fora, que possa ser uma casa digna de Deus, onde Deus possa trabalhar. Agora digamos algo de mais além. Se o homem estiver livre de todas as criaturas, de Deus e de Si mesmo e se mesmo Deus achar um lugar nele onde possa funcionar, então declaramos que enquanto isto estiver naquele homem, ele ainda não é pobre na pobreza mais pura. Pois que não é a intenção de Deus em Seus trabalhos que a pessoa deva achar um lugar dentro de Si onde Deus possa funcionar pois a pobreza do espírito quer dizer estar tão livre de Deus e de todos Seus trabalhos que Deus, se desejar trabalhar na alma, é Ele mesmo o lugar onde possa funcionar, o que aliás Ele faz com a maior satisfação. Pois que se Deus achar uma pessoa tão pobre, então Deus realiza Seus trabalhos e a pessoa fica passiva a Deus, então Deus é o próprio lugar onde funciona, sendo Deus como é, um trabalhador. É justamente aqui, nesta pobreza, que a pessoa dá entrada naquela essência eterna que ele foi uma vez, que é agora e que será por todo sempre. Esta é a palavra de São Paulo que diz: "Tido que sou, o sou pela graça de Deus" (I Coríntios 15:10). Este sermão parece se elevar acima da graça e do ser e da compreensão e da vontade e de todo desejo, então como podem ser verdadeiras as palavras de São Paulo? O fato é que são verdadeiras as palavras de São Paulo: era forçoso que a graça de Deus nele se encontrasse, pois a graça de Deus causou com que aquilo que em si era acidental se aperfeiçoasse como essência. Quando a graça terminou seu trabalho, Paulo permaneceu aquilo que ele era. Assim dizemos que a pessoa deve ser tão pobre que nem possua nem tenha qualquer lugar onde Deus possa operar. Preservar um lugar é preservar a distinção. Eis pois que rezo a Deus que me livre de Deus, pois meu ser essencial está acima de Deus, tomando Deus como a origem das criaturas. Pois naquela essência de Deus na qual Deus se encontra acima de ser e de distinção. ali eu era eu mesmo e me conhecia a mim mesmo de tal forma que me constituísse neste homem que aqui está. Portanto, eu sou minha própria causa de acordo com minha essência que é eterna e não de acordo com meu vir a ser, que é temporal. Portanto, sou não nascido, e de acordo com meu modo não nascido, não poderei jamais morrer. De acordo com meu modo não nascido foi eternamente, sou agora e serei para todo sempre. Aquilo que sou por virtude do nascimento, deve por força vir a perecer, já que é mortal. No meu nascimento todas as coisas também nasceram, e eu era a causa de mim mesmo e de todas as coisas; se eu o quisesse, não teria sido. Sou eu a causa de Deus ser Deus; se não tivesse sido, Deus então não teria também sido Deus. Mas vocês não precisam saber disto. Um grande mestre disse que seu abandonar corpo e mente é mais nobre que sua emanação (de onde se inicia alguma coisa, origem ou procedência) e isto é um fato. Quando flui desde Deus, todas as criaturas disseram: "Eis que Deus existe!", mas isto não pode me fazer abençoado, pois que através disto eu me percebo como criatura. Mas no meu abandonar corpo e mente, onde me fico livre de minha vontade, da vontade de Deus e de todos seus trabalhos  e do próprio Deus mesmo, então me encontro acima de todas as criaturas e não sou mais nem Deus nem criatura, mas sim aquilo que era, que deverei para sempre permanecer sendo. Ali é que receberei um selo que me elevará acima de todos os anjos. Com este selo ganharei uma tal riqueza que não ficarei contente com Deus enquanto Deus, ou com todos Seus trabalhos divinos; pois que este abandonar corpo e mente me garante e me confirma que eu e Deus nada mais somos que uma só coisa. Então é que sou o que era, então não sou nem crescimento nem decadência, pois que então sou a causa que não se move e que com isso move todas as demais coisas. Aqui Deus não encontra nenhum lugar no homem, pois que o homem através de sua pobreza ganha para si mesmo o que ele foi eternamente e que deverá para sempre permanecer sendo. Aqui Deus é uma só coisa com o espírito, e esta é a pobreza mais estrita que a pessoa pode realizar. Se alguém houver que não possa compreender isto que foi dito, não precisa se preocupar com nada. Pois enquanto a pessoa não for igual a esta verdade, não pode compreender minhas palavras, pois esta é a verdade nua e crua que proveio diretamente do coração de Deus. Vivamos nós para experimentar isto eternamente, a tal nos ajude Deus. Amém. Abraço. Davi.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

II DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS.


Espiritismo. www.institutoandreluiz.org. Texto de Allan Kardec (1804-1869). II. DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO CORPORAL. 50. Na vida espírita, reconheceremos o Espírito nosso protetor? “Decerto, pois não é raro que o tenhais conhecido antes de encarnardes.” 51. Pertencem todos os Espíritos protetores à classe dos Espíritos elevados? Podem contar-se entre os de classe média? Um pai, por exemplo, pode tornar-se o Espírito protetor de seu filho? “Pode, mas a proteção pressupõe certo grau de elevação e um poder ou uma virtude a mais, concedidos por Deus. O pai, que protege seu filho, também pode ser assistido por um Espírito mais elevado.” 52. Os Espíritos que se achavam em boas condições ao deixarem a Terra, sempre podem proteger os que lhes são caros e que lhes sobrevivem? “Mais ou menos restrito é o poder de que desfrutam. A situação em que se encontram nem sempre lhes permite inteira liberdade de ação.” 53. Quando em estado de selvageria ou de inferioridade moral, têm os homens, igualmente, seus Espíritos protetores? E, assim sendo, esses Espíritos são de ordem tão elevada quanto a dos Espíritos protetores de homens muito adiantados? “Todo homem tem um Espírito que por ele vela, mas as missões são relativas ao fim que visam. Não dais a uma criança, que está aprendendo a ler, um professor de filosofia. O progresso dos Espírito familiar guarda relação com o do Espírito protegido. Tendo um Espírito que vela por vós, podeis tornar-vos, a vosso turno, o protetor de outro que vos seja inferior e os progressos que este realize, com o auxílio que lhe dispensardes, contribuirão para o vosso adiantamento. Deus não exige do Espírito mais do que comportem a sua natureza e o grau de elevação a que já chegou.” 54. Quando o pai, que vela pelo filho, reencarna, continua a vela por ele? “Isso é mais difícil. Contudo, de certo modo o faz, pedindo, num instante de desprendimento, a um Espírito simpático que o assista nessa missão. Demais, os Espíritos só aceitam missões que possam desempenhar até ao fim. “Encarnado, mormente em mundo onde a existência é material, o Espírito se acha muito sujeito ao corpo para poder dedicar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para poder assisti-lo pessoalmente. Tanto assim que os que ainda se não elevaram bastante são também assistidos por outros, que lhes estão acima, de tal sorte que, se por qualquer circunstância um vem a faltar, outro lhe supre a falta.” 55. A cada indivíduo achar-se-á ligado, além do Espírito protetor, um mau Espírito, com o fim de impeli-lo ao erro e de lhe proporcionar ocasiões de lutar entre o bem e o mal? “Ligado, não é o termo. É certo que os maus Espíritos procuram desviar do bom caminho o homem, quando se lhes depara ocasião. Sempre, porém, que um deles se liga a um indivíduo, fá-lo por si mesmo, porque conta ser atendido. Há então luta entre o bom e o mau, vencendo aquele por quem o homem se deixe influenciar.” 57. Podemos ter muitos Espíritos protetores? “Todo homem conta sempre Espíritos, mais ou menos elevados, que com ele simpatizam, que lhe dedicam afeto e por ele se interessam, como também tem junto de si outros que o assistem no mal.” 58. Os Espíritos que conosco simpatizam atuam em cumprimento de missão? “Não raro, desempenham missão temporária; porém, as mais das vezes, são apenas atraídos pela identidade de pensamentos e sentimentos, assim para o bem como para o mal.” a) Parece lícito inferir-se daí que os Espíritos a quem somos simpáticos podem ser bons ou maus, não? “Sim, qualquer que seja o seu caráter, o homem sempre encontra Espíritos que com ele simpatizem.” 58. Os Espíritos familiares são os mesmos a quem chamamos Espíritos simpáticos ou Espíritos protetores? “Há gradações na proteção e na simpatia. Dai-lhes os nomes que quiserdes. O Espírito familiar é antes o amigo da casa.” Das explicações acima e das observações feitas sobre a natureza dos Espíritos que se afeiçoam ao homem, pode-se deduzir o seguinte: O Espírito protetor, anjo de guarda, ou bom gênio é o que tem por missão acompanhar o homem na vida e ajudá-lo a progredir. É sempre de natureza superior, com relação ao protegido. Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por laços mais ou menos duráveis, com o fim de lhes serem úteis, dentro dos limites do poder, quase sempre muito restrito, de que dispõe. São bons, porém muitas vezes pouco adiantados e mesmo um tanto levianos. Ocupam-se de boamente com as particularidades da vida íntima e só atuam por ordem ou com permissão dos Espíritos protetores. Os Espíritos simpáticos são os que se sentem atraídos para o nosso lado por afeições particulares e ainda por uma certa semelhança de gostos e de sentimentos, tanto para o bem como para o mal. De ordinário, a duração de suas relações se acha subordinada às circunstâncias. O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso, que se liga ao homem para desviá-lo do bem. Obra, porém, por impulso próprio e não no desempenho de missão. A tenacidade da sua ação está em relação direta com a maior ou facilidade de acesso que encontre por parte do homem, que goza sempre da liberdade de escutar-lhe a voz ou de lhe cerrar os ouvidos. (Allan Kardec). 59. Que se há de pensar dessas pessoas que se ligam a certos indivíduos para levá-los à perdição, ou para guiá-los pelo bom caminho? “Efetivamente, certas pessoas exercem sobre outras uma espécie de fascinação que parece irresistível. Quando isso se dá no sentido do mal, são maus Espíritos, de que outros Espíritos também maus se servem para subjugá-las. Deus permite que tal coisa ocorra para vos experimentar.” 60. Poderiam, os nossos bom e mau gênios encarnar, a fim de mais perto nos acompanharem na vida?  “Isso às vezes se dá. Porém, o que mais frequentemente se verifica é encarregarem dessa missão outros Espíritos encarnados que lhes são simpáticos.” 61. Haverá Espíritos que se liguem a uma família inteira para protegê-la? “Alguns Espíritos se ligam aos membros de uma determinada família, que vivem juntos e unidos pela afeição; mas, não acrediteis em Espíritos protetores do orgulho das raças.” 62. Assim como são atraídos, pela simpatia, para certos indivíduos, são-no igualmente os Espíritos, por motivos particulares, para as reuniões de indivíduos? “Os Espíritos preferem estar no meio dos que se lhes assemelham. Acham-se aí mais à vontade e mais certos de serem ouvidos. É pelas suas tendências que o homem atrai os Espíritos e isso quer esteja só, quer faça parte de um todo coletivo, como uma sociedade, uma cidade, ou um povo. Portanto, as sociedades, as cidades e os povos são, de acordo com as paixões e o caráter neles predominantes, assistidos por Espíritos mais ou menos elevados. Os Espíritos imperfeitos se afastam dos que os repelem. Segue-se que o aperfeiçoamento moral das coletividades, como o dos indivíduos, tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons, que estimulam e alimentam nelas o sentimento do bem, como outros lhes podem insuflar as paixões grosseiras.” 63. As aglomerações de indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações, têm Espíritos protetores especiais? “Têm, pela razão de que esses agregados são individualidades coletivas que, caminhando para um objetivo comum, precisam de uma direção superior.” 64. Os Espíritos protetores das coletividades são de natureza mais elevada do que os que se ligam aos indivíduos? “Tudo é relativo ao grau de adiantamento, quer se trate de coletividades, quer de indivíduos.” 65. Podem certos Espíritos auxiliar o progresso das artes, protegendo os que às artes se dedicam? “Há Espíritos protetores especiais e que assistem os que os invocam, quando dignos dessa assistência. Que queres, porém, que façam com os que julgam ser o que não são? Não lhes cabe fazer que os cegos vejam, nem que os surdos ouçam.” Os antigos fizeram, desses Espíritos, divindades especiais. As Musas não eram senão a personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes, como os deuses Lares e Penates simbolizavam os Espíritos protetores da família. Também modernamente, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países têm seus patronos, que mais não são do que Espíritos superiores, sob várias designações. Tendo todo homem Espíritos que com ele simpatizam, claro é que, nos corpos coletivos, a generalidade dos Espíritos que lhes votam simpatia está em proporção com a generalidade dos indivíduos; que os Espíritos estranhos são atraídos para essas coletividades pela identidade dos gostos e das ideias; em suma, que esses agregados de pessoas, tanto quanto os indivíduos, são mais ou menos bem assistidos e influenciados, de acordo com a natureza dos sentimentos dominantes entre os elementos que os compõem. Nos povos, determinam a atração dos Espíritos os costumes, os hábitos, o caráter dominante e as leis, as leis sobretudo, porque o caráter de uma nação se reflete nas suas leis. Fazendo reinar em seu seio a justiça, os homens combatem a influência dos maus Espíritos. Onde quer que as leis consagrem coisas injustas, contrárias à Humanidade, os bons Espíritos ficam em minoria e a multidão, que aflui, dos maus mantém a nação aferrada às suas ideias e paralisa as boas influências parciais, que ficam perdidas no conjunto, como insuladas espigas entre espinheiros. Estudando-se os costumes dos povos ou de qualquer reunião de homens, facilmente se forma ideia da população oculta que se lhes imiscui no modo de pensar e nos atos. Pressentimentos (Allan Kardec). 66. O pressentimento é sempre um aviso do Espírito protetor? “É o conselho íntimo e oculto de um Espírito que vos quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja feito. É a voz do instinto. Antes de encarnar, tem o Espírito conhecimento das fases principais de sua existência, isto é, do gênero das provas a que se submete. Tendo estas caráter assinalado, ele conserva, no seu foro íntimo, uma espécie de impressão de tais provas e esta impressão, que é a voz do instinto, fazendo-se ouvir quando lhe chega o momento de sofrê-las, se torna pressentimento.” 67. Acontecendo que os pressentimentos e a voz do instinto são sempre algum tanto vagos, que devemos fazer, na incerteza em que ficamos? “Quando te achares na incerteza, invoca o teu bom Espírito, ou ora a Deus, soberano senhor de todos, e Ele te enviará um de seus mensageiros, um de nós.” 68. Os avisos dos Espíritos protetores objetivam unicamente o nosso procedimento moral, ou também o proceder que devamos adotar nos assuntos da vida particular? “Tudo. Eles se esforçam para que vivais o melhor possível. Mas, quase sempre tapais os ouvidos aos avisos salutares e vos tornais desgraçados por culpa vossa.” Os Espíritos protetores nos ajudam com seus conselhos, mediante a voz da consciência que fazem ressoar em nosso íntimo. Como, porém, nem sempre ligamos a isso a devida importância, outros conselhos mais diretos eles nos dão, servindo-se das pessoas que nos cercam. Examine cada um as diversas circunstâncias felizes ou infelizes de sua vida e verá que em muitas ocasiões recebeu conselhos de que se não aproveitou e que lhe teriam poupado muitos desgostos, se os houvera escutado. Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida. (Allan Kardec). 59. Exercem os Espíritos alguma influência nos acontecimentos da vida? “Certamente, pois que vos aconselham.”a) Exercem essa influência por outra forma que não apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, têm ação direta sobre o cumprimento das coisas? “Sim, mas nunca atuam fora das leis da Natureza.” Imaginamos erradamente que aos Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos extraordinários. Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre armados de uma varinha mágica. Por não ser assim é que oculta nos parece a intervenção que têm nas coisas deste mundo e muito natural o que se executa com o concurso deles. Assim é que, provocado, por exemplo, o encontro de duas pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém a ideia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a atenção para certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista, eles obram de tal maneira que o homem, crente de que obedece a um impulso próprio, conserva sempre o seu livre-arbítrio. (Allan Kardec). 60. Tendo, como têm, ação sobre a matéria, podem os Espíritos provocar certos efeitos, com o objetivo de que se dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que morrer; sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre da queda. Foram os Espíritos que quebraram a escada, para que o destino daquele homem se cumprisse? “É exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria, mas para cumprimento das leis da Natureza, não para as derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um sucesso inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo que figuraste, a escada se quebrou porque se achava podre, ou por não ser bastante forte para suportar o peso de um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal maneira, os Espíritos lhe inspirariam a ideia de subir a escada em questão, que teria de quebrar-se com o seu peso, resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e sem que para isso fosse mister a produção de um milagre.” 61. Tomemos outro exemplo, em que não entre a matéria em seu estado natural. Um homem tem que morrer fulminado pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore. Estala o raio e o mata. Poderá dar-se tenham sido os Espíritos que provocaram a produção do raio e que o dirigiram para o homem? “Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio caiu sobre aquela árvore em tal momento, porque estava nas leis da Natureza que assim acontecesse. Não foi encaminhado para a árvore, por se achar debaixo dela o homem. A este, sim, foi inspirada a ideia de se abrigar debaixo de uma árvore sobre a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser atingida, só por não lhe estar debaixo da fronde o homem.” 62. No caso de uma pessoa mal intencionada disparar sobre outra um projétil que apenas lhe passe perto sem a atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso haja desviado o projétil? “Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse modo, o Espírito bondoso lhe inspirará a ideia de se desviar, ou então poderá ofuscar o que empunha a arma, de sorte a fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez disparada a arma, o projétil segue linha que tem de percorrer.” 63. Que se deve pensar das balas encantadas, de que falam algumas lendas e que fatalmente atingem o alvo? “Pura imaginação. O homem gosta do maravilhoso e não se contenta com as maravilhas da Natureza.” a) - Podem os Espíritos que dirigem os acontecimentos terrenos ter obstada sua ação por Espíritos que queiram o contrário? “O que Deus quer se executa. Se houver demora na execução, ou lhe surjam obstáculos, é porque Ele assim o quis.” 64. Não podem os Espíritos levianos e zombeteiros criar pequenos embaraços à realização dos nossos projetos e transtornar as nossas previsões? Serão eles, numa palavra, os causadores do que chamamos pequenas misérias da vida humana? “Eles se comprazem em vos causar aborrecimentos que representam para vós provas destinadas a exercitar a vossa paciência. Cansam-se, porém, quando veem que nada conseguem. Entretanto, não seria justo, nem acertado, imputar-lhes todas as decepções que experimentais e de que sois os principais culpados pela vossa irreflexão. Fica certo de que, se a tua louça se quebra, é mais por desazo teu do que por culpa dos Espíritos.” a) Destes, os que provocam contrariedades obram impelidos por animosidade pessoal, ou assim procedem contra qualquer, sem motivo determinado, por pura malícia? “Por uma e outra coisa. Às vezes os que assim vos molestam são inimigos que granjeastes nesta ou em precedente existência. Doutras vezes, nenhum motivo há.”. 65. Extingue-se com a vida corpórea a malevolência dos seres que nos fizeram mal na Terra? “Muitas vezes reconhecem a injustiça com que procederam e o mal que causaram. Mas, também, não é raro que continuem a perseguir-vos, cheios de animosidade, se Deus o permitir, por ainda vos experimentar.” a) Pode-se pôr termo a isso? Por que meio?  “Podeis. Orando por eles e lhes retribuindo o mal com o bem, acabarão compreendendo a injustiça do proceder deles. Demais, se souberdes colocar-vos acima de suas maquinações, deixar-vos-ão, por verificarem que nada lucram.” A experiência demonstra que alguns Espíritos continuam em outra existência a exercer as vinganças que vinham tomando e que assim, cedo ou tarde, o homem paga o mal que tenha feito a outrem." 66. Têm os Espíritos o poder de afastar de certas pessoas os males e de favorecê-las com a prosperidade? “De todo, não; porquanto, há males que estão nos decretos da Providência. Amenizam-vos, porém, as dores, dando-vos paciência e resignação. Ficai igualmente sabendo que de vós depende muitas vezes poupar-vos aos males, ou, quando menos, atenuá-los. A inteligência, Deus outorgou-nos para que dela vos sirvais e é principalmente por meio da vossa inteligência que os Espíritos vos auxiliam, sugerindo-vos ideias propícias ao vosso bem. Mas, não assistem senão os que sabem assistir-se a si mesmos. Esse o sentido destas palavras: Buscai e achareis, batei e se vos abrirá. Sabei ainda que nem sempre é um mal o que vos parece sê-lo. Frequentemente, do que considerais um mal sairá um bem muito maior. Quase nunca compreendeis isso, porque só atentais no momento presente ou na vossa própria pessoa.” 67. Podem os Espíritos fazer que obtenham riquezas os que lhes pedem que assim aconteça? “Algumas vezes, como prova. Quase sempre, porém, recusam, como se recusa à criança a satisfação de um pedido inconsiderado.” a) São os bons ou os maus Espíritos que concedem esses favores? “Uns e outros. Depende da intenção. As mais das vezes, entretanto, os que concedem são os Espíritos que vos querem arrastar para o mal e que encontram meio fácil de o conseguirem, facilitando-vos os gozos que a riqueza proporciona.” 68. Será por influência de algum Espírito que, fatalmente, a realização dos nossos projetos parece encontrar obstáculos? “Algumas vezes é isso efeito da ação dos Espíritos; muito mais vezes, porém, é que andais errados na elaboração e na execução dos vossos projetos. Muito influem nesses casos a posição e o caráter do indivíduo. Se vos obstinais em ir por um caminho que não deveis seguir, os Espíritos nenhuma culpa têm dos vossos insucessos. Vós mesmos vos constituís em vossos maus gênios.” 69. Quando algo de venturoso nos sucede é ao Espírito nosso protetor que devemos agradecê-lo? “Agradecei primeiramente a Deus, sem cuja permissão nada se faz; depois aos bons Espíritos que foram os agentes da sua vontade.” a) Que sucederia se nos esquecêssemos de agradecer? “O que sucede aos ingratos.”. b) No entanto, pessoas há que não pedem nem agradecem e às quais tudo sai bem! “Assim é, de fato, mas importa ver o fim. Pagarão bem caro essa felicidade de que não são merecedores, pois quanto mais houverem recebido, tanto maiores contas terão que prestar." 70. São devidos a causas fortuitas, ou, ao contrário, têm todos um fim providencial, os grandes fenômenos da Natureza, os que se consideram como perturbação dos elementos? “Tudo tem uma razão de ser e nada acontece sem a permissão de Deus.”. a) Objetivam sempre o homem esses fenômenos? “Às vezes têm, como imediata razão de ser, o homem. Na maioria dos casos, entretanto, têm por único motivo o restabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças físicas da Natureza.”. b) Concebemos perfeitamente que a vontade de Deus seja a causa primária, nisto como em tudo; porém, sabendo que os Espíritos exercem ação sobre a matéria e que são os agentes da vontade de Deus, perguntamos se alguns dentre eles não exercerão certa influência sobre os elementos para os agitar, acalmar ou dirigir? “Mas evidentemente. Nem poderia ser de outro modo. Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele encontra agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.”. 71. A mitologia dos antigos se fundava inteiramente em ideias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação, etc. Semelhante crença é totalmente destituída de fundamento? “Tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está muito aquém da verdade.” a) Poderá então haver Espíritos que habitem o interior da Terra e presidam aos fenômenos geológicos? “Tais Espíritos não habitam positivamente a Terra. Presidem aos fenômenos e os dirigem de acordo com as atribuições que têm. Dia virá em que recebereis a explicação de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor.” 72. Formam categoria especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza? Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós? “Que foram ou que o serão.” a) Pertencem esses Espíritos às ordens superiores ou às inferiores da hierarquia espírita? “Isso é conforme seja mais ou menos material, mais ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam, outros executam. Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior, assim entre os Espíritos, como entre os homens.” 73. A produção de certos fenômenos, das tempestades, por exemplo, é obra de um só Espírito, ou muitos se reúnem, formando grandes massas, para produzi-los? “Reúnem-se em massas inumeráveis.” 74. Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da Natureza operam com conhecimento de causa, usando do livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou irrefletido impulso?  “Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma comparação. Considera essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas que não há aí um fim providencial e que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam essas obras, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de Deus. Pois bem, do mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena consciência de seus atos e estejam no gozo pleno do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos, de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente, executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois, poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!” 75. Algo de verdade haverá nos pactos com os maus Espíritos? “Não, não há pactos. Há, porém, naturezas más que simpatizam com os maus Espíritos. Por exemplo: queres atormentar o teu vizinho e não sabes como hás de fazer. Chamas então por Espíritos inferiores que, como tu, só querem o mal e que, para te ajudarem, exigem que também os sirvas em seus maus desígnios. Mas, não se segue que o teu vizinho não possa livrar-se deles por meio de uma conjuração oposta e pela ação da sua vontade. Aquele que intenta praticar uma ação má, pelo simples fato de alimentar essa intenção, chama em seu auxílio maus Espíritos, aos quais fica então obrigado a servir, porque dele também precisam esses Espíritos, para o mal que queiram fazer. Nisto é que consiste o pacto.” O fato de o homem ficar, às vezes, na dependência dos Espíritos inferiores nasce de se entregar aos maus pensamentos que estes lhe sugerem e não de estipulação quaisquer que com eles faça. O pacto, no sentido vulgar do termo, é uma alegoria representativa da simpatia existente entre um indivíduo de natureza má e Espíritos malfazejos. 76. Qual o sentido das lendas fantásticas em que figuram indivíduos que teriam vendido suas almas a Satanás para obterem certos favores? “Todas as fábulas encerram um ensinamento e um sentido moral. O vosso erro consiste em tomá-las ao pé da letra. Isso a que te referes é uma alegoria, que se pode explicar desta maneira: aquele que chama em seu auxílio os Espíritos, para deles obter riquezas, ou qualquer outro favor, rebela-se contra a Providência; renuncia à missão que recebeu e às provas que lhe cumpre suportar neste mundo. Sofrerá na vida futura as consequências desse ato. Não quer isto dizer que sua alma fique para sempre condenada à desgraça. Mas, desde que, em lugar de se desprender da matéria, nela cada vez se enterra mais, não terá, no mundo dos Espíritos, a satisfação de que haja gozado na Terra, até que tenha resgatado a sua falta, por meio de novas provas, talvez maiores e mais penosas. Coloca-se, por amor dos gozos materiais, na dependência dos Espíritos impuros. Estabelece-se assim, tacitamente, entre estes e o delinquente, um pacto que o leva à sua perda, mas que lhe será sempre fácil romper, se o quiser firmemente, granjeando a assistência dos bons Espíritos.” 77. Pode um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo? “Não; Deus não o permitiria.” 78. Que se deve pensar da crença no poder, que certas pessoas teriam, de enfeitiçar? “Algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados por outros Espíritos maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da Natureza. Os fatos que citam, como prova da existência desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos.” 79. Que efeito podem produzir as fórmulas e práticas mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do concurso dos Espíritos? “O efeito de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.” a) - Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado, eles próprios, fórmulas cabalísticas? “Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio dos quais se fazem os chamados conjuros. Mas, ficai certos de que são Espíritos que de vós outros escarnecem e zombam da vossa credulidade.” 80. Não pode aquele que, com ou sem razão, confia no que chama a virtude de um talismã, atrair um Espírito, por efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que atua é o pensamento, não passando o talismã de um sinal que apenas lhe auxilia a concentração? “É verdade; mas, da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos depende a natureza do Espírito que é atraído. Ora, muito raramente aquele que seja bastante simplório para acreditar na virtude de um talismã deixará de colimar um fim mais material do que moral. Qualquer, porém, que seja o caso, essa crença denuncia uma inferioridade e uma fraqueza de ideias que favorecem a ação dos Espíritos imperfeitos e escarninhos.” O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu um sem-número de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados pela imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências que, a bem dizer, formam uma única, mostrando a realidade das coisas e suas verdadeiras causas, constitui o melhor preservativo contra as ideias supersticiosas, porque revela o que é possível e o que é impossível, o que está nas leis da Natureza e o que não passa de ridícula crendice. (Allan Kardec). 81. Têm algumas pessoas, verdadeiramente, o poder de curar pelo simples contato? “A força magnética pode chegar até aí, quando secundada pela pureza dos sentimentos e por um ardente desejo de fazer o bem, porque então os bons Espíritos lhe vêm em auxílio. Cumpre, porém, desconfiar da maneira pela qual contam as coisas pessoas muito crédulas e muito entusiastas, sempre dispostas a considerar maravilhoso o que há de mais simples e mais natural. Importa desconfiar também das narrativas interesseiras, que costumam fazer os que exploram, em seu proveito, a credulidade alheia.” 82. Podem a bênção e a maldição atrair o bem e o mal para aquele sobre quem são lançados? “Deus não escuta a maldição injusta e culpado perante ele se torna o que a profere. Como temos os dois gênios opostos, o bem e o mal, pode a maldição exercer momentaneamente influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência, porém, só se verifica por vontade de Deus como aumento de prova para aquele que é dela objeto. Demais, o que é comum é serem amaldiçoados os maus e abençoados os bons. Jamais a bênção e a maldição podem desviar da senda da justiça a Providência, que nunca fere o maldito, senão quando mau, e cuja proteção não acoberta senão aquele que a merece.” O Livro dos Espíritos Capítulo 9 – 2ª parte. www.institutoandreluiz.org. Abraço. Davi


quinta-feira, 25 de julho de 2019

JESUS NA ÍNDIA


www.obervadorcriticodasreligioes.com. Texto de Otávio Botelho da Cunha. JESUS NA ÍNDIA – UMA BREVE ANÁLISE DAS FONTES. A vida de Jesus sem a crucificação e, consequentemente, sem a ressurreição, é algo inconcebível para tradição cristã, ou melhor, mais do que isto, uma remoção da base da doutrina do Cristianismo, a qual foi construída a partir do crucial milagre da ressurreição, que está bem no coração da fé cristã. No entanto, não era assim nos primeiros anos do Cristianismo, quando diferentes correntes exegéticas disputavam a hegemonia ideológica da nova crença. Os gnósticos, com base no que é possível perceber a partir dos textos remanescentes e dos descobertos, por exemplo, não davam tanta importância para os fenômenos da crucificação e da ressurreição, tal como faziam os seguidores da corrente que se tornaria ortodoxa mais tarde, pois para eles, Jesus era mais um sábio do que um salvador, portanto, a sua sabedoria era mais importante que os milagres e o fenômeno da ressurreição. Os textos gnósticos compostos no momento das aparições de Jesus após a morte não são para provar que ele alcançou o fantástico milagre de renascer entre os mortos, tal como o Cristianismo Ortodoxo entende, mas sim para transmirtir ensinamentos numa sublimidade que nenhum outro era capaz. Enfim, para os gnósticos as instruções são mais importantes que os milagres da ressurreição e das aparições póstumas. Um exemplo é o Pistis Sophia, um extenso texto gnóstico no qual Jesus transmite ensinamentos aos discípulos durante uma aparição após a morte. Assim, o estudo abaixo trata de uma versão da vida de Jesus que desmorona todo o edifício da tradicional fé cristã, erguido, após muita luta e sangue, sobre os alicerces da crucificação e da ressurreição de Jesus, ou seja, a hipótese de que ele não tenha morrido na cruz, daí a magnitude da polêmica entre os religiosos. O ímpeto fantasioso. O ímpeto pela fantasia é tão incontido nos religiosos que o processo de composição de novas lendas e mitos não tem fim, bem como o resgate de antigas lendas perdidas continua a atrair a curiosidade de muitos. Mesmo numa época predominantemente secular, tal como o século XX, novos relatos fantasiosos sobre as antigas religiões e seus líderes são criados com a receptividade dos curiosos, sobretudo daqueles que procuram versões alternativas que, supostamente, preencham lacunas deixadas pelas grandes religiões tradicionais. No Ocidente, este interesse é alimentado, sobretudo, pelos esoteristas, pelos teósofos, pelos rosa-cruzes, pelos new agers e por outros, os quais estão sempre abertos e ávidos por novas revelações, por novos achados e por novas interpretações que satisfaçam os seus apetites por esclarecimentos suplementares ausentes nas religiões tradicionais, não importando, na maioria das vezes, o quão fantasiosa a nova revelação possa ser. Com respeito ao Cristianismo, a continuidade do aparecimento de novos relatos, sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, recebeu os nomes de “apócrifos modernos” ou de “boatos bíblicos” (Good speed, 1956). Se estas denominações são procedentes ou não, trata-se de um assunto discutível. A literatura sobre estas novas revelações e descobertas é extensa, de modo que o breve estudo abaixo se limitará aos recentes textos sobre a viagem e a estadia de Jesus na Índia. O assunto nunca foi seriamente encarado pelos acadêmicos. Com isso, não temos literatura acadêmica, apenas breves avaliações e comentários desaprovadores por especialistas, os quais não se deram ao trabalho de aprofundar na questão. Porém, mesmo assim, será interessante tratar deste assunto aqui, pois embora não seja de interesse acadêmico, provoca muito reboliço na mídia e na população. Veja os exemplos do alvoroço provocado por filmes como a Última Tentação de Cristo (1988) O Código Da Vinci (2006), ambos a partir de livros, duas obras que tratam da sobrevivência de Jesus à crucificação. A lacuna nos evangelhos canônicos. Os quatro textos oficiais omitem o relato da vida de Jesus dos 12 aos 30 anos de idade.  No máximo, o Evangelho de Lucas apenas menciona que ele foi levado ao templo na idade de 12 anos (Lucas 2,41), mais adiante é afirmado que ele inicia seu ministério na idade de cerca de 30 anos (Lucas 3,23), portanto um salto de 18 anos. Existem alguns evangelhos apócrifos da infância, porém nada foi registrado da sua adolescência e do início da sua vida adulta.  Esta lacuna deixa a curiosidade em saber da vida do nazareno durante este período. Os relatos sobre as suas viagens durante este período, sobretudo à Índia, são contestada pelos oponentes com base em um episódio, nem tão esclarecedor, narrado nos evangelhos de Marcos e de Mateus, quando Jesus está iniciando seu trabalho de pregação e é visto por conterrâneos que se surpreendem com o seu discurso, então proferem a indagação: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria (…)”? (Marcos 6,3 e Mateus 13,53). Existe uma diferença na redação destas duas passagens, na de Marcos, Jesus é mencionado como o ‘carpinteiro’ (gr: tekton; lat: faber), enquanto na de Mateus, é mencionado como o ‘filho do carpinteiro’ (gr: tektonos uios; lat: fabri filius). A alegação dos contestadores das viagens é que Jesus permaneceu em sua cidade, trabalhando como carpinteiro, durante este período, por isso a familiaridade de seus conterrâneos e a surpresa pela sua pregação. No entanto, a indagação dos conterrâneos não é suficiente para assegurar a sua invariável permanência, pois a frase “filho do carpinteiro” (tektonos uios) deixa uma margem para o fato de Jesus ser conhecido apenas como o filho de José, o carpinteiro, e não ter sido um carpinteiro de profissão, bem como a possibilidade de ter estado fora da região por algum período, portanto não trabalhou o tempo todo como carpinteiro em sua cidade. Os anos perdidos e a sobrevivência à crucificação. O período da vida de Jesus omitido nos relatos bíblicos é conhecido como “os anos perdidos” ou “os anos desconhecidos” (Notovitch, 1916; Dowling, 1947; Prophet, 1987; Kerster, 2001 e Ahmad, 2003), isto é, a fase dos 12 aos 30 anos, quando alguns autores alegam que o nazareno esteve com os essênios, ou visitou a Bretanha, ou viajou pelo Oriente (Índia, Tibete, Egito, Pérsia, Grécia, Japão, etc.), aprendendo com os sábios ou ensinando ao povo. Outra alegação é a de que ele não morreu na cruz (Alcorão 4:157 e Ahmad, 2003: 57-62), sendo então substituído por outra pessoa no momento da crucificação, a qual foi crucificada em seu lugar, ou também, sobreviveu à crucificação, não chegando a morrer, mas apenas sofreu um desmaio (Ahmad, 2003: 17), este último caso é conhecido como “hipótese do desmaio”. Então, em seguida, partiu em viagem para o Oriente, onde faleceu nestas terras distantes em idade avançada (Ahmad, 2003: passim), ou até mesmo que Jesus visitou as regiões orientais tanto na sua juventude como depois da sobrevivência à crucificação (Kersten, 2001). Os mórmons acreditam que Jesus realizou aparições na América depois da sua morte. Dentre todas estas especulações, o estudo aqui se limitará à hipótese de sua viagem à Índia, do contrário este estudo se tornaria muito extenso, em vista do grande número de relatos delirantes. O despertar do interesse. O assunto acima estava adormecido até 1887, quando o jornalista russo Nicolas Notovitch (1858-1916), durante uma viagem à Índia, visitou a região do Ladak, no estado da Caxemira, Índia, onde predomina a cultura do Budismo Tibetano, por isso o Ladak é apelidado de “Pequeno Tibete”. Após uma fratura na perna, ele teve de ser assistido por monges do mosteiro budista de Hemis, nesta região, fato que lhe obrigou a estender sua permanência. Na ocasião, ele foi informado da existência de um manuscrito desconhecido com o nome de “A Vida do Santo Issa, o Melhor dos Filhos do Homem” guardado na biblioteca deste mosteiro. Issa é o nome atribuído a Jesus no Alcorão (3,45 e 5,75). Então, com a ajuda de um intérprete, anotou as traduções para, assim, publicá-las depois em Paris com o título de “La Vie Inconneu de Jésus Christ” (A Vida Desconhecida de Jesus Cristo), em 1894. A edição inglesa apareceu logo em seguida, com o nome de “The Unknown Life of Jesus Christ”, em 1895 (Notovitch, 1916: 08-9). O livro, certamente, provocou um alvoroço no meio intelectual. As opiniões se dividiram entre os que acreditaram na publicação de Notovitch e os que perceberam nela uma fraude. O primeiro a contestar foi o então prestigiado orientalista F. Max Müller, no jornal inglês The Nineteenth Century, em Outubro de 1894, onde ele denunciou a descoberta de Notovitch como uma fraude, bem como suspeitou até mesmo da visita deste jornalista russo ao mosteiro de Hemis no Ladak (Kerster, 2001: 10). Outro ataque, desta vez de um professor do Government College de Agra, Índia, J. Archibald Douglas, cuja visita ao Ladak em 1895, o levou a investigar a autenticidade da descoberta de Notovitch. Seu relato foi publicado em Abril de 1896 no Orientalischen Bibliografie com o título de “Documentos provam a fraude de Notovitch”. Outra publicação do The Nineteenth Century, em 1896, contém a afirmação de J. A. Douglas, durante sua visita ao mosteiro Hemis, de que o abade, ao conhecer a publicação de Notovitch, respondeu que “tudo era mentira” (Kerster, 2001: 11). Em 1956, Edgar J Goodspeed usou o primeiro capítulo de seu livro Famous Biblical Hoaxes or Modern Apocrypha (Famosos Boatos Bíblicos ou Apócrifos Modernos) para demonstrar a fraude de Nicolas Notovitch. Mais recentemente, o conhecido e dedicado pesquisador bíblico Bart D. Ehrman (1955-  ) escreveu: “Hoje não há um único pesquisador reconhecido no planeta que tenha dúvida sobre a matéria. A história inteira foi inventada por Notovitch, que ganhou muito dinheiro e uma substancial soma de notoriedade por seu boato” (Ehrman, 2011: 282-3). Para James R. Lewis (1959-  ), tudo é uma forja (Lewis, 2003: 79s). Por outro lado, Nicolas Notovitch também teve defensores, naturalmente da parte de um esoterista, de um místico, e de uma que se autoproclamava vidente (Kersten, 2001: 01-18; Abhedananda, 1987 e Prophet, 1987: 92-120 respectivamente). Enfim, somente estas modalidades de pessoas acreditaram em Notovitch. O fato é que, o manuscrito, do qual Notovich retirou suas anotações traduzidas, nunca foi mostrado publicamente, nem sequer uma cópia, sendo assim, nunca foi entregue para o escrutínio de pesquisadores acadêmicos com conhecimento em Crítica Textual e em Filologia, para a avaliação da sua autenticidade, do seu significado e da sua credibilidade como documento histórico. “A Vida Desconhecida de Jesus Cristo” de Nicolas Notovitch. Agora, deixando de lado a questão se a publicação de Notovitch é autêntica ou uma fraude, ou seja, se o tal manuscrito realmente existe, se ele esteve no mosteiro de Hemis, se o tal manuscrito lhe foi mostrado, se ele de fato anotou as traduções ditadas pelo tradutor, etc., uma vez que a dúvida não foi esclarecida até hoje, a análise do próprio conteúdo da publicação poderá ser mais útil para o julgamento da autenticidade. Notovitch afirmou que a sua publicação de “A Vida Desconhecida de Jesus Cristo” não é uma tradução integral do manuscrito que lhe foi mostrado no mosteiro de Hemis, mas sim uma coletânea de notas que ele efetuou conforme o tradutor lhe foi ditando. Estas anotações em algumas passagens coincidem e em outras divergem dos relatos do Antigo e Novo Testamentos. Com respeito a Jesus, chamado de Issa neste texto, ele já era um admirado pregador na idade de treze anos, quando sua casa era frequentada por ricos e nobres, os quais disputavam o jovem Issa (Jesus) como genro (Notovitch, 1916: 106-7). Mas Issa não se interessou por este destino e, clandestinamente, deixou a casa dos pais para, na companhia de mercadores, viajar em direção a Sindh (Índia), para “se aperfeiçoar na divina palavra e estudar as leis dos grandes Budas” (idem, p. 107). Chegando lá, ele primeiro esteve com os adoradores do deus Jaina (os jainistas não adoram nenhum deus), mas logo em seguida os abandonou e se dirigiu para a província de Orissa (nordeste da Índia). Lá encontrou os brâmanes, os quais lhe ensinaram a ler e a compreender os Vedas (os brâmanes nunca ensinavam os Vedas aos estrangeiros no passado), a realizar curas pela oração e a expulsar demônios. Ele permaneceu seis anos em algumas cidades, inclusive Benares, na companhia dos vaishyas e dos sudras, as castas mais baixas do Hinduísmo (idem, p. 108). Então, Issa passou a ensinar o que tinha prendido dos Vedas aos membros das castas mais baixas, o que provocou a imediata ira dos brâmanes de dos kshatriyas (as castas mais altas), uma vez que a lei hindu (Dharma Shastra) restringe o ensino védico aos vaishyas e proíbe totalmente aos sudras. Em seguida, Issa (Jesus) negou a divina origem dos Vedas e dos Puranas (os pesquisadores ainda não têm certeza se os Puranas já tinham sido compostos naquela época, sobretudo na forma em que se apresentam hoje), bem como desestimulou a adoração aos deuses hindus e começou a fazer uma pregação com base na doutrina bíblica, falou até do Juízo Final aos vaishyas e aos sudras (para quem conhece o Hinduísmo, esta seria, se fosse verdade, uma cena cômica). Ao saberem deste discurso de Issa, os brâmanes ordenaram que ele fosse assassinado (essa reação não é comum na história do Hinduísmo). Porém, antes disto, Issa ficou sabendo e fugiu para o Nepal, onde aprendeu a língua Páli e estudou os Sutras (sermões) de Buda (idem p. 113) – ainda é dúvida se a língua Páli era conhecida naquela época no local. Depois deixou esta região em direção ao Ocidente, onde continuou pregando em seu caminho até chegar de volta à Israel com 29 anos de idade (idem, p. 123). Na passagem pela sua terra natal (idem p. 123-46), alguns episódios coincidem e outros divergem do Novo Testamento. Seria muito extenso mencioná-los todos aqui, porém os mais curiosos são os fatos que Issa também é crucificado e a tumba é encontrada vazia depois de três dias, mas não por Maria Madalena, e sim pela multidão (idem, p. 146), então o texto termina aqui. De maneira que não menciona a ressurreição e nem as aparições póstumas de Issa aos discípulos. Bem, se o relato acima não é crível, é, pelo menos, cômico em alguns trechos. Outro livro sobre a viagem de Jesus à Índia, nesta mesma fase da sua vida, é a fantasiosa obra de Levi Dowling (1844-1911) “The Aquarian Gospel of Jesus the Christ” (O Evangelho Aquariano de Jesus, o Cristo), primeira edição em 1908, com a diferença que este não foi escrito a partir de algum manuscrito antigo, mas sim de experiências de clarividência. Em linhas gerais, o trecho sobre a viagem a Índia (p. 47-65) ora coincide ora diverge da narrativa do livro de Notovitch, com alguns acréscimos ainda mais cômicos e a especificação de mais detalhes. Afirma-se aí que Jesus esteve e estudou em Jagannath, na cidade de Puri, no estado de Orissa, Índia, um templo Vishnuista do Hinduísmo, famoso por seu festival anual da carruagem (Ratha Yatra). Este relato é tão absurdo que, segundo a história e as pesquisas arqueológicas, este templo só foi construído durante a dinastia Ganga Oriental (séculos XI-XV), mais precisamente, iniciado pelo rei Ananga Bhima Deva em 1174 e.c. e finalizado em 1198, portanto o templo ainda não existia na época de Jesus. Jesus na Índia após a crucificação. Outro momento que é alegado que Jesus esteve na Índia, mas não na fase dos 12 aos 30 anos de idade, como tratado acima, e sim no período após a crucificação, com o argumento que ele sobreviveu à crucificação. A tradição de que ele não morreu na cruz é antiga, uma das fontes mais antigas é a seguinte passagem do Alcorão 4:157 “e disseram: Nós matamos o Messias, Jesus, o filho de Maria, o Mensageiro de deus. (Quando na verdade) eles não o mataram, nem o crucificaram, embora pareceu assim para eles. Aqueles que discordaram sobre ele (se morreu ou não) estão em dúvida, sem nenhum conhecimento, somente suposição, eles certamente não o mataram” (Haleem, 2005: 65). Ainda na tradição islâmica, H. M. Ghulam Ahmad menciona alguns Hadiths (ditos de Maomé), da coleção conhecida como Kanz-ul-Ummal, de que Jesus viveu até a idade avançada de 125 anos, viajou por muitas partes do mundo e ficou conhecido como o “profeta viajante” (Ahrmad, 2003: 62-3). Este autor, que é o fundador do movimento islâmico reformista Ahrmadiyya Muslim Jamat, é um dos primeiros e mais ardentes defensores da tese de que Jesus sobreviveu à crucificação, viajou para a Índia para encontrar as tribos de Israel e, o que é também surpreendente, do argumento de que o profeta Yuz Asaf, enterrado no santuário de Roza Bal, na cidade de Srinagar, Caxemira, é o próprio Jesus. Ele foi o principal divulgador desta tradição de Roza Bal, através do seu livro, publicado em 1908 na língua urdu “Misih Hindustan Mein”, depois publicado em inglês pela primeira vez em 1944, com o título de “Jesus in Índia”. H. Mirza Ghulam Ahmad influenciou outros autores, inclusive esoteristas ocidentais, os quais acreditaram na sua argumentação. Em suma, para ele Jesus sobreviveu à crucificação, viveu na Índia por muitos anos, que ele é Yuz Asaf e está sepultado no santuário de Roza Bal em Srinagar, Caxemira. Jesus no Bhavishya Purana. Os Puranas são textos em sânscrito que fazem parte de uma coleção de contos dos tempos antigos da Índia. Estão entre as mais importantes e influentes escrituras do Hinduísmo. Existem 18 Puranas principais, conhecidos como Maha Puranas (Grande Puranas), e o Bhavishya Purana está entre eles. Diferente dos demais, o Bhavishya Puranatrata, além dos habituais tópicos comuns nos outros puranas, de profecias sobre o futuro (bhavishya), portanto, em alguns trechos, é um purana profético. O que existe de excepcional neste purana é a referência a Jesus, mencionado como Isha Putra (filho de deus), a partir dos termos Isa e Issa dos textos islâmicos, no episódio do diálogo com o rei Salivahana (também conhecido como Gautamiputra Shatakarni), pertencente à dinastia Shatavahana, que reinou de 78 a 102 e.c. (portanto contemporâneo com o período da sobrevivência de Jesus à crucificação), cuja capital do reino era Ujjain, no atual estado de Madhya Pradesh, na Índia Central.  Este diálogo aparece no Pratisarga Parva do Chaturyuga Kanda do Dwitiya Adhyayah, no capítulo 19, versos 17-32. Abaixo um resumo deste trecho. O texto inicia informando que uma vez um poderoso rei, chamado Salivahana, alcançou muitas conquistas, o qual subjulgou os Shakas, os Cinas, o povo de Roma, os descendentes de Khuru e o povo de Bahikaus. Em seguida estabeleceu as fronteiras do país dos arianos e a dos Mlecchas (estrangeiros impuros). O país dos arianos era conhecido como Sindusthan, o qual se transformou em um grande país. Uma vez o rei Salivahana dirigiu-se para o oeste, na direção de Hunadesha (região perto da montanha Kailasano Tibete Ocidental). Aí, o rei avistou um auspicioso homem que vivia numa montanha. A pele deste homem era dourada e suas roupas brancas. Então, o rei lhe perguntou: “Quem és tu, senhor”? O Homem respondeu: “Você deveria saber que eu sou Isha Putra, o filho de deus”, e completou: “eu sou filho de uma virgem”. “Eu sou o expositor da religião dos Mlecchas e eu me prendo estritamente à verdade absoluta”. Ao ouvir isto o rei indagou: “Quais são os princípios de acordo com sua opinião”? Após ouvir esta pergunta de SalivahanaIsha Putra (Jesus) disse: “Ó rei, quando a destruição da verdade ocorreu, eu, Masiha, o profeta, vim para este país de um povo degradado, onde não há regras e leis. Então, ao encontrar esta temerosa condição irreligiosa dos bárbaros, a qual se espalha desde o país dos Mlecchas, eu decidi assumir o papel de profeta deste povo”. Então, em seguida, Isha Putra (Jesus) expôs os princípios da sua religião ao rei, através de tópicos da religião hindu. No final, Isha Putra afirma que se tornou o Isha Masiha (Jesus, o Messias). Após ouvir estas comoventes palavras e prestar reverência a aquele homem, o qual é adorado pelos bárbaros, o rei humildemente pediu a ele para permanecer na terra horrível dos Mlecchas (estrangeiros impuros). Primeiro é preciso esclarecer que o Bhavisha Purana é um texto cercado de desconfianças, uma vez que, das quatro edições disponíveis atualmente, nenhuma coincide uma com a outra em muitos pontos. Por isso, Maurice Winternitz observa que “o texto preservado até nós em forma manuscrita certamente não é a antiga obra, a qual é citada no Apastambiya Dharmasutra” e que Th. Aufrecht o “tem exposto como uma fraude literária” (Winternitz, 1990, 541).  As fraudes não são difíceis de serem percebidas, pois se mostram através de clamorosas falhas histórias e anacrônicas. Logo no início é afirmado que o rei Salivahara (r. 78-102 e.c.) derrotou os Shakas, os Cinas (chineses), o povo de Roma, os descendentes de Khuru (os persas) e o povo de Bahikaus (bactrinianos-gregos). Historicamente falando, dos povos relacionados, o rei Salivahana (Gautamiputra Shatakarni), na verdade, derrotou apenas os Shakas (Keay, 2000, 131). Os outros povos derrotados pelo rei Salivahana, conhecidos na história, são os Yavanas e os Pahlavas, porém não são mencionados no texto em questão. Não existe nenhum registro na história indiana no qual os chineses travaram uma batalha com os indianos no passado. Também, os indianos nunca guerrearam com os romanos, apenas com os gregos, na época de Alexandre, o Grande. Ademais, não existe prova de que os gregos chegaram até a região de Ujjain, a capital Shatavahana na Índia Central, a ocupação grega na Índia se limitou à região noroeste. Ainda mais, existe uma forte suspeita de que este trecho do Bhavishya Purana seja uma interpolação acrescida por missionários cristãos, durante o período da ocupação britânica na Índia, com o objetivo de converter os hindus das classes mais instruídas, uma vez que sabemos que alguns sacerdotes aprenderam a língua sânscrita, e esta foi uma estratégia para tentar aproximar o Cristianismo do Hinduísmo e, consequentemente, com isso, facilitar as conversões. A pista para esta suspeita é o fato de que todas as edições existentes deste texto são do período a partir da colonização britânica. Outra curiosidade é a diferença entre as quatro edições conhecidas, uma tem 5 capítulos, outra tem 4, uma outra tem 3 e ainda uma outra tem apenas 1 capítulo. Também, o conteúdo em cada uma das 4 versões diverge em muitos graus, algumas têm mais versos, enquanto outras têm menos, embora todas elas mencionam Jesus (Isha Putra), porém, com razões diferente. Aqui foi utilizada, para este estudo, a edição da Venkateswara Press, Mumbai, 1917. A exposição dos princípios da religião dos Mlecchas por Jesus (Isha Putra) ao rei Salivahana (versos 27-9) parece uma pregação proferida pela boca de um guru hindu, com tópicos tais como: prescrição da prática de japa(repetição de mantras), menção do Surya Mandala (diagrama do deus Sol para adoração dos hindus) e da dhyana(meditação). Enfim, para encerrar, se para um cristão tradicional a ideia de uma vida de Jesus sobrevivendo à crucificação, portanto sem ressurreição, já é sentida como um desmoronamento da fé cristã, imagine então o choque que será ao saber de um Jesus pregando doutrinas e prática hindus. www.observadorcriticodasreligioes.com. Abraço. Davi