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Texto de Samael Aun Weor (1917-1977). SEXTA CÁTEDRA – AS GLACIAÇÕES.
Inquestionavelmente, a humanidade terrestre passou por diversas fases de
desenvolvimento e isso é algo que temos de analisar judiciosamente. Fala-se da
evolução mecânica da natureza, do homem e do cosmos. Do ponto de vista
antropológico temos de compreender que há duas classes de evolução. A primeira
iniciar-se-ia obviamente com a cooperação sexual devidamente compreendida em
todos e em cada um de seus aspectos. A segunda é diferente. No princípio, a
raça humana multiplicava-se da mesma maneira que as células. Bem sabemos que o
núcleo divide se em dois dentro da célula viva, que especializa uma determinada
quantidade de citoplasma e matérias inerentes para formar células novas. As
duas novas células por sua vez dividem-se em outras duas e assim mediante este
processo fissíparo de divisão celular desenvolvem-se os organismos e
multiplicam-se as células. Se no princípio os andróginos dividiam-se em dois,
mais tarde tudo isso mudou. Houve necessidade de se preparar o organismo para a
reprodução mediante a cooperação sexual. Foi na Lemúria, continente outrora
situado no oceano Pacífico, onde se realizaram os principais eventos
relacionados com a reprodução. No início, os órgãos criadores, o lingam-yoni,
não estavam completamente desenvolvidos. Era necessário que esses órgãos se
cristalizassem e se desenvolvessem totalmente a fim de que mais tarde, no
tempo, a reprodução sexual pudesse ser realizada concretamente. Assim que,
conforme os órgãos masculino e feminino foram se desenvolvendo, o ser humano já
não era mais um andrógino e sim um ser hermafrodita. Então, aconteceram fatos
bastante interessantes do ponto de vista biológico e psicossomático. A
célula-átomo desprendia-se do organismo pai mãe para desabrochar e desenvolver.
Em consequência, através de processos delicados, surgia uma nova criatura. O
segundo aspecto dessa questão foi muito peculiar. Se bem que é verdade que no
início germes vivos desprendiam-se como radiação atômica para se desenvolverem
externamente e se converterem em novas criaturas, nesse segundo aspecto houve
certa mudança favorável. Poder-se-ia dizer que o ovo fecundado, o óvulo que o
sexo feminino elimina normalmente de seus ovários a cada mês, tinha certa
consistência extraordinária. Em si mesmo, em sua construção intrínseca, era um
ovo, um ovo fecundado dentro do organismo pai mãe, no interior do hermafrodita,
mas um ovo que ao sair para o mundo exterior podia se desenvolver ou ser
guardado; até que no fim se abria para que uma criatura emergisse dali uma
criatura que se alimentava nos seios do pai mãe. Isso por si só é muito
importante. Muito mais tarde, no tempo, foi se notando que certas criaturas
vinham à existência com um órgão mais desenvolvido que o outro. Por fim, chegou
o momento em que a humanidade se dividiu em sexos opostos. Quando isso ocorreu,
a cooperação sexual tornou-se necessária para criar e voltar novamente a criar.
As genealogias de Haeckel, com respeito à possível origem do homem e das três
raças primordiais, não encaixam com a antropologia materialista que hoje invade
o mundo. Infelizmente, na verdade, são motivos de riso para os antropólogos
oficiais, os inimigos do divino. Eles zombam igualmente tanto da genealogia de Ernst
Haeckel (1834-1919) como das genealogias em geral. Eles criticam as linhagens
de Homero, como a de Aquiles, o ilustre guerreiro filho de Marte, ou a de
Agamenon, filho de Júpiter, o que de longe manda, etc. Estas são frases ou
palavras poéticas daquele homem que em outros tempos cantou a velha Tróia e a
cólera do guerreiro Aquiles. Temos de falar claro nestes rigorosos exames
antropológicos. Os cientistas da época atual terão de se definir por Paracelso
(1493-1541), o pai da química, ou pelo mitológico de Haeckel. Em todo caso, é
muito o que temos para inquirir neste terreno exclusivamente antropológico. Se
se negasse a divisão da célula viva ou o processo reprodutor primitivo ou
primordial, teria de se negar também a reprodução da monera ou átomo do abismo
aquoso de Haeckel, o qual se dividiu a si mesmo para se multiplicar. Na
realidade, a ciência de modo algum poderia se pronunciar contra esse sistema
primitivo de reprodução celular, mediante o ato fissíparo. No entanto, damo-nos
conta de que estas duas teorias expostas, sobre a maneira como começou a
reprodução, seja por meio da cooperação sexual ou aquela outra em que os órgãos
criadores deviam se desenvolver antes da possível cooperação começar, são
discutíveis e espinhosas. Todas as teogonias religiosas desde a órfica, que é
bastante antiga, até a Bíblia cristã falam-nos de um começo através da
cooperação sexual, porém de uma forma puramente simbólica. Poderiam estar
fazendo referência à alquimia, mas jamais a um fato científico-antropológico.
Não se poderia começar um processo evolutivo com cooperação sexual, quando os
órgãos criadores ainda não tinham sido criados. É óbvio que deve ter havido um
período de preparação para a reprodução através da cooperação, um período
através do qual os órgãos criadores tiveram oportunidade de desabrochar e se
desenvolver na fisiologia orgânica do ser humano. As escrituras religiosas,
tanto do oriente como do ocidente, tem sido muito adulteradas com exceção das
do Vishnu Purana. Por exemplo, diz-se que Data depois de ter dado aos seres
humanos a capacidade de se reproduzirem através da cooperação, declarou: Muito
antes de que o ser humano pudesse ter essa capacidade, muito antes de que a
cooperação sexual entre homens e mulheres existisse, já haviam outros modos de
reprodução. Está se referindo às etapas anteriores à formação dos órgãos
criadores no ser humano. Ele não chegou ao ponto de afirmar que os sistemas
anteriores à cooperação não tivessem relação alguma com a energia criadora.
Penso que a energia sexual propriamente dita tem outras formas de manifestação
e antes de que os órgãos criadores tivessem se desenvolvido na espécie humana,
tal energia teve outros modos de expressão para criar. É uma lástima que as
sagradas escrituras de todas as religiões tenham sido adulteradas. É de nosso
conhecimento que até o próprio Edda não deixou de alterar um pouco o Pentateuco
da Bíblia hebraica. A todas estas, torna-se indispensável que sigamos
analisando e meditando: de onde se desenvolveram as diversas raças? Já dissemos
várias vezes que isso do Noé pitecóide resulta bastante absurdo, tanto quanto o
cinocéfalo com rabo, o macaco sem rabo e o homem arbóreo. São questões utópicas
que não têm qualquer embasamento. Já rimos bastante do sosura de Haeckel,
aquela espécie de macaco com capacidade de falar, algo assim como o elo perdido
entre o macaco e o homem. Mas, faz-se necessário saber de onde saíram as raças.
Em que cenários ocorreram essas evoluções e involuções da humanidade? É isso o
que precisamos realmente conhecer. Seria possível desligar as raças humanas do
seu meio-ambiente, de seus diversos continentes, de suas ilhas, de suas montanhas
e de seus cenários naturais? Chama-nos muito a atenção o fato de que a
humanidade ainda viva, enquanto que os animais do mesozóico tenham se
extinguido apesar da sua grande variedade. Como é possível que todos os
monstros antediluvianos tenham desaparecido e que a humanidade siga vivendo?
Temos posto muita ênfase neste aspecto e torna-se indispensável pensar nele. Que
o ser humano esteja relacionado com o seu ambiente não se pode negar! Quem
tenham havido outras formas de reprodução diferentes da cooperação sexual
também é inegável! Mas, convém conhecer o ambiente onde se desenvolveram as
diversas raças. Urge que pouco a pouco estudemos os vários cenários da
natureza. De modo algum negamos que há fenômenos que os astrólogos
verdadeiramente desconhecem. Que sabem sobre as mudanças ou modificações do
eixo da Terra em relação com a obliquidade elíptica? Laplace, aquele que
inventou uma famosa teoria que até hoje existe, afirma que todos os mundos saem
de suas correspondentes nebulosas, feito que nunca foi comprovado. Chega até a
dizer fanaticamente que o declínio do eixo da Terra em relação com a obliquidade
da elíptica é quase nulo e que sempre foi assim de forma secular. Inquestionavelmente,
a geologia está contra esses conceitos astronômicos até certo ponto. Claro que
o desvio do eixo terrestre dentro da obliquidade da elíptica, inclinação para
ser mais exato, indica períodos glaciais que se verificam através das idades. Se
negássemos os períodos glaciais, estaríamos afirmando coisas incoerentes porque
as glaciações estão completamente demonstradas e têm sua base justamente no
desvio do eixo da Terra, em sua inclinação dentro da obliquidade elíptica. Os
estudos geológicos demonstram categoricamente o desvio anterior negado pelos
astrônomos. Há provas de tremendas glaciações. Já Magalhães anotara
determinadas épocas de calor ou trópico no Ártico acompanhadas de glaciações e
frio intenso. Concluiremos dizendo que a geologia e a astronomia ocupam
posições opostas nesta investigação. Chegamos a um ponto especial: o das
glaciações. Parece incrível que no sul da Europa e no norte da África tenha
ocorrido em outros tempos as mais terríveis glaciações. Na Espanha, por
exemplo, pode se conhecer a época silúrica, na qual ocorreram glaciações
gigantescas e isso está demonstrado pelos estudos de paleontologia. Ninguém
poderia negar que foram descobertos cadáveres mumificados de animais
antediluvianos na desembocadura de certos rios da Sibéria como o Obi ou Ob e
outros. Isso significa que a Sibéria, que é tão fria, em outros tempos foi
região tropical de muito calor, da mesma forma que a Groelândia, a península
Escandinávia, Islândia, Noruega e Suécia, e toda essa ferradura que rodeia
totalmente o Polo Norte. Que houve calor nessas regiões; impossível, diria
alguém, mas a paleontologia o confirmou. Foram descobertas criaturas muito
interessantes justamente na embocadura do rio Obi. Isso nos convida a refletir.
Durante a época da Atlântida, os polos sul e norte não se achavam onde estão
agora. Naqueles dias, o pólo norte e o Ártico estavam situados sobre a linha
equatorial, no ponto mais extremo oriental, da África e da Antártida. O polo
sul estava situado exatamente sobre a mesma linha equatorial no lado oposto, em
um lugar específico do Pacífico. Houve pois grandes mudanças na fisionomia do
globo terrestre. Autênticos mapas daqueles tempos são do conhecimento dos
sábios desta época. Nas criptas antigas secretas dos lamas, nos montes
Himalaias, existe mapas das antigas terras; há cartas geográficas que
demonstrem ter tido o nosso mundo fisionomia diversa no passado. Pensemos na
Lemúria, nesse gigantesco continente situado no Pacífico e no Índico. Estava
unido à Austrália posto que a Austrália era parte da Lemúria, do mesmo modo que
a Oceania. O ártico estava localizado no ponto mais oriental, sobre a linha
equatorial, da África; tudo era diferente, distinto. Por aquela época,
aconteceu uma era glacial gigantesca. Essa glaciação projetou-se precisamente
desde o polo Ártico, situado na África, até a Arábia e sudoeste da Ásia,
cobrindo também a Lemúria quase completamente. Toda essa zona se encheu de
gelo, mas este não conseguiu passar o mar Mediterrâneo. Resulta inquietante
saber que há épocas em que nosso mundo passa por glaciações, em que o gelo
invade determinadas zonas onde morrem milhões de criaturas. Tudo isso se deve
realmente à inclinação do eixo da Terra em relação com a obliquidade da
elíptica. O ser humano teve de se desenvolver em diversos cenários e nós devemos
conhecer a fundo quais são esses cenários. Como surgiu a América? Como apareceu
a Europa? Como afundou a Lemúria? Como foi que desapareceu a Atlântida? A
Lemúria foi aceita por Darwin e ainda existe no fundo do oceano Índico. Obviamente,
os organismos passaram por um sem número de mudanças morfológicas em tais ou
quais ambientes. Se disséssemos que o animal intelectual equivocadamente
chamado homem tem por antepassado o famoso ratão, do qual tanto falam os
antropólogos, ou melhor diríamos, o runcho citado
pelos sul-americanos, estaríamos falseando a verdade. Esse enorme ratão ou
runcho da América do Sul vem, como já sabemos, da Atlântida de Platão. Sabemos
também que o homem já existia muito antes da Atlântida, logo o homem é anterior
ao famoso runcho atlante.
Se afirmássemos que o homem vem de certos primatas e, mais tarde, de certos
hominídeos da antiga terra lemuriana, tão aceita por Darwin, também estaríamos
torcendo a realidade, porque antes de os símios existirem, muito antes de os
tão cacarejados primatas e hominídeos aparecerem, o homem já existia. Ainda
mais, antes de que a reprodução das espécies se desenvolvesse por cooperação, o
homem já existia. O homem é ainda muito anterior à própria Lemúria aceita por Charles
Darwin (1809-1882). Temos de reconhecer que esta raça humana tem sido estudada
de forma superficial pelos antropólogos materialistas. Esta raça que passou
desde os tempos monolíticos pelas etapas do eoceno, mioceno e plioceno é mais
antiga que os continentes atlante e lemuriano. Porém, precisamos seguir estudando
os diversos cenários do nosso mundo para compreender melhor os vários processos
de evolução e involução que os gnósticos são firmes nos conceitos. Se se lhes
põem a escolher a um Paracelso, como pai da química moderna, e um Haeckel, como
famoso criador do mítico sosura, francamente se resolveriam pelo primeiro, pelo
grande sábio Paracelso. www.gnosisonline.org.br.
Abraço. Davi
quarta-feira, 31 de julho de 2019
terça-feira, 30 de julho de 2019
SEFIROT - AS DEZ EMANAÇÕES DIVINAS
Judaísmo. www.morasha.com.br.
SEFIROT – AS DEZ EMANAÇÕES DIVINAS. Rabi Moisés de Leon, cabalista espanhol do
século XIII, escreveu: 'As dez sefirot são o segredo da existência, o aparato
da sabedoria, o meio pelo qual os mundos de cima e de baixo foram criados.
Segundo o Zohar, D´us deu forma e conteúdo à Sua Criação através das dez
sefirot. Toda a realidade, tanto espiritual quanto material, é criada por meio
destas que são vistas como "forças fundamentais",
"recipientes" da atividade de D´us. As sefirot são "canais"
através dos quais a energia Divina flui, permeia e se torna parte de cada coisa
que existe, criando assim uma "corrente espiritual" que liga e vivifica
todas as coisas, impregnando-as da Essência Divina. As leis que regem o fluxo
destas energias foram estabelecidas durante o processo da Criação, que pode ser
vista como uma progressiva transformação de níveis de energia espiritual. Nesta
progressiva transformação, foram criados universos espirituais paralelos, sendo
o nosso mundo o último desta corrente. Em nosso mundo, a Luz está mais afastada
da sua Fonte Divina, portanto D´us está mais "escondido" de nós e,
por isso, este mundo é espiritualmente inferior aos outros. Mas, ao mesmo
tempo, é superior por ser a meta e o fim da Criação Divina. Nele, o homem-única
criatura com livre arbítrio - pode afetar, por meio de suas ações, o fluxo das
Energias Divinas, criando mudanças de grandes proporções em outros mundos. Com
isto poderá aperfeiçoar o Cosmo e fazer com que a Criação vá aproximando-se de
sua meta Divina. Nos textos cabalísticos podemos encontrar enumeradas onze
sefirot. No entanto, como duas destas - Keter e Da'at - representam dimensões
diferentes de uma mesma força, ambas se excluem mutuamente. Por isso, a
tradição geralmente fala de dez sefirot. O Zohar, Livro do Esplendor, a obra
central da Cabalá, de autoria do Rabi Shimon Bar Yochai (séc II EC) e, mais
tarde, a doutrina de Rabi Isaac Luria centram-se nas sefirot. Seu conceito
aparece em outras obras como o Sefer Yetsirá, atribuída ao patriarca Abraão, e
o Sefer Ha-Bahir de autoria de Rabi Nechunia ben ha-Kanah. As sefirot parecem
estar envolvidas em um mistério, de difícil compreensão, já que além de serem
puramente espirituais, possuem inúmeros e complexos níveis de significado,
inúmeras interpretações e implicações. Podemos até vislumbrar como agem, mas só
alguns sábios espiritualmente elevados, verdadeiros mestres da Torá, chegam a
compreender sua essência e seus segredos. Por que, então, estudar ou se
preocupar com assunto tão indecifrável? Porque, como escreveu Rabi Moisés de
Leon, as sefirot são o segredo da existência e de nós mesmos, o segredo de como
nos aperfeiçoamos, aperfeiçoando, ao mesmo tempo, o mundo à nossa volta. O que
é uma sefirá. Cada sefirá é um modo ou um poder específico através do qual D'us
governa e sustenta o Universo. Por isso, as sefirot podem ser consideradas como
"atributos" ou "qualidades", ou ainda,
"vestimentas" Divinas. Quando pedimos a D´us que use conosco de Sua
Bondade Absoluta e nos abençoe com a Sua Abundância, estamos pedindo para que
Ele se releve através do atributo da sefirá Chessed. Podemos dizer que as
sefirot são a "matéria-prima" do Cosmo, o "código genético"
que pode ser identificado em todos os níveis e dentro de todos os aspectos da
Criação. Tudo o que foi criado - do mais espiritual ao mais material, do maior
ao menor - toma forma através das sefirot. Segundo nossos sábios místicos, por
este motivo elas constituem o paradigma conceitual para se entender a Criação.
O Rabi Isaac Luria (1534-1572), o Arizal, afirmava que as sefirot são
"tanto os instrumentos que D´us usa para dirigir o mundo, quanto as
janelas através das quais podemos perceber o Divino". A palavra sefirá é
relacionada com várias palavras hebraicas: Saper, que significa revelar ou se
comunicar; Sapir, safira, brilho ou luminárias; Safar, contagem, número, e
também com Sefar, que significa limite, fronteira. Em sua essência, todas estas
palavras têm conceitos inter-relacionados e apontam para duas funções básicas
das sefirot. Em primeiro lugar são "luzes" (orot). A luz de uma
sefirá é o fluxo de energia Divina que está em seu interior e serve para
revelar ou expressar a grandiosidade Divina. Em segundo lugar são
"vasos" ou "recipientes" (kelim) que "filtram" ou
"revestem" a Luz Infinita que as preenche. Trazem esta Luz desde a
Fonte de Todas as Fontes, Raiz de todas as Raízes, D´us Infinito, o Ein Sof,
até nosso mundo finito. Sem estes "filtros" ou
"vestimentas" a Criação seria totalmente dominada pela Luz Divina. Em
sua trajetória espiritual, a Luz vai diminuindo, possibilitando que a Criação
se aproxime do Criador. Para tentar entender estes conceitos, pensemos por um
instante no sol, uma das menores estrelas criadas por D´us neste universo.
Apesar de posicionado a milhões de quilômetros da Terra, sua energia nos dá luz
e calor indispensáveis. Mas, se tentarmos fitá-lo, sem proteção, sua luz nos
cegará. Imaginemos uma nave espacial tentando aproximar-se do sol. O calor e a
energia a aniquilariam! Do ponto de vista humano, as sefirot podem parecer
possuir existência múltipla e independente. Uma sefirá representa a força e o
poder do julgamento rigoroso; outra, a bondade e o amor; outra, a misericórdia
e assim por diante. Porém, as sefirot e o Ein Sof formam uma unidade, uma
existência única. Moisés Cordovero (1522-1570), cabalista do século XV escreveu
a este respeito: "Para ajudar-te a conceber o processo da emanação das
sefirot, imagina a água que escorre por vasos de diferentes cores: branco,
vermelho, verde e assim por diante. À medida em que a água se espalha nesses
vasos, parece adquirir a cor do vaso, embora seja desprovida de cor. A mudança
na cor não afeta a água em si, mas apenas a nossa percepção da mesma. O mesmo
acontece com as sefirot. A essência não muda; só parece mudar quando escorre
dentro dos vasos ". De onde vêm? O processo de emanação. Numa
interpretação mística, o primeiro capítulo do Gêneses, ao relatar a Criação, descreve
um início, o mais primordial: revela o processo da saída de D'us das
profundezas Dele mesmo e a emanação das dez sefirot, ou seja, sua emergência de
dentro do Ein Sof, D´us Infinito. Para se referir a D'us os cabalistas mais
antigos cunharam o termo Ein Sof, que significa literalmente
"Infinito" ou "Aquele que não tem fim nem limite". Um dos
axiomas básicos da Cabala é que o homem não tem meios de entender D´us,
Infinito e Imutável, nem tão pouco os Seus motivos. Porém, apesar de D'us ser
ilimitado e oculto, Ele se revela a nós parcialmente - e na medida em que cada
um de nós pode reconhecer o Seu poder e a Sua existência - através da Criação e
das dez sefirot. Em contraste com este D'us "pessoal" das sefirot,
Ein Sof representa a transcendência absoluta de D'us. Segundo o Rabi Isaac
Luria, "no início do início" a Luz de D'us Infinito, Or Ein Sof,
preenchia toda a realidade, pois D'us é a própria Realidade, sem início e sem
fim. Nada havia além da Luz Divina, pois nada pode manter sua própria existência
dentro do Ein Sof. Para que o universo passasse a existir como entidade
independente, D'us Se "ocultou" e Se "retraiu", cedendo
espaço para a Sua Criação. Esta ação não diminui, de modo algum, a Perfeição
Divina. Este conceito de ocultamento da Luz Divina é chamado nos textos
cabalísticos de tzimtzum (contração). Esta "contração" resultou no
aparecimento de um "espaço" vazio, um "vácuo", um
"ponto" no qual o universo passou então a existir. Rabi Haim Vital
(1543-1620), cabalista e discípulo do Ari, ao explicar o processo dessa
retração Divina, tzimtzum, dá o seguinte exemplo: "A Luz retirou-se como a
água de uma lagoa quando agitada por uma pedra. Quando a pedra cai na lagoa, a
água que está naquele exato lugar não desaparece, mas se afasta, incorporando-se
ao restante. Desta forma, a Luz retraída convergiu-se para o além e no meio
ficou o vácuo". No vácuo primordial criado por este tzimtzum passou a
existir a ausência da Luz, a escuridão primordial. Neste "vácuo",
D'us emanou um "raio" que serviu de "condutor" da Luz
Divina finita. A revelação inicial dentro do "vazio" primordial é a
revelação da Luz. Em Gênese, a primeira declaração explícita da Criação foi:
"D'us disse: Faça-se a luz e a luz se fez". A partir deste
"raio" de Luz, as dez sefirot emanam de forma sucessiva e em ordem
específica. É através destas que D'us - por sua vontade - limita Sua Luz e
manifesta qualidades específicas que Suas criaturas podem apreender e absorver.
De uma forma simplificada, no decorrer do processo de emanação das sefirot são criados
cinco universos paralelos - olamot, quase todos espirituais em sua essência. O
primeiro Adam Kadmon é completamente ligado e unido ao Ein Sof, na realidade
não poderia ser chamado de universo. Segue-se o Atzilut, o mundo da emanação;
Beriyá, da criação, Yetzirá, da formação, e, por último, Assiyá, o mundo da
ação no qual vivemos. As Dez Emanações Divinas. Apesar de D'us ter-Se
"ocultado", continua intimamente conectado à Sua Criação, pois sem
Ele nada existe. Como vimos, agindo como um canal de ligação entre D'us e Sua
Criação, as sefirot permitem a D'us , Infinito e Ilimitado, interagir com Sua
Criação, finita e limitada. É através destas que o Ser Absoluto se revela e se
conecta com Sua Criação. A simples relação de seus nomes não vai transmitir adequadamente
sua essência. Além disso, temos que ter em mente que as imagens e símbolos são
usados apenas para nossa compreensão, pois não expressam o mistério da Criação
e tem que ter cuidado ao abstrair os conceitos. A configuração gráfica das
sefirot, em textos cabalísticos, é uma composição vertical ao longo de três
eixos paralelos. Textos cabalísticos usam vários nomes quando referem-se à
mesma: uma árvore (etz), uma escada (sulam) ou a "imagem celestial de
D´us" - (tzelem Elokim). Neste caso a configuração lembra um corpo humano.
Segue-se a ordem de emanação das sefirot: Keter, coroa - representa a
onipotência e onipresença de D'us; a Vontade Divina Absoluta; a Soberania e
Autoridade de D'us sobre todas as forças da Criação. É a primeira e mais
elevada das sefirot e está além de qualquer compreensão. De tão inexprimível,
às vezes nem é incluída entre as dez sefirot. É a mais próxima da Fonte Divina,
é a base de toda a Criação. Keter transcende as leis que governam o universo,
pois estas só passam a existir após a emanação das sefirot de Chochmá e Biná. A
Cabalá refere-se a esta sefirá como o "mundo da Misericórdia".
Chochmá, sabedoria - é o pensamento puro que D'us utiliza para o funcionamento
do universo. É o poder da Luz Original, a força primordial usada para criar os
céus e a terra. Chochmá é a inspiração inicial da qual o Cosmo evoluiu. É vista
como "a planta" usada para a criação do universo físico e espiritual,
pois contém - potencialmente - todas as leis que vão reger a Criação e os axiomas
que determinam como estas leis funcionam. É a raiz dos elementos espirituais:
fogo, água, terra e ar. Sua essência é também incompreensível para nós. Biná,
entendimento, a compreensão, a lógica. Com sua emanação, é criado o sistema
lógico pelo qual os axiomas de Chochmá são delineados e definidos. É através da
Biná que podemos começar a entender os axiomas tanto da Criação quanto do nosso
próprio ser. Da'at, conhecimento; a "lógica aplicada" de modo
diferente das duas anteriores. Não é apenas o acúmulo, mas também a soma de
tudo o que é conhecido. É a capacidade de juntar as informações básicas e
fazê-las funcionar logicamente. Quando Keter se manifesta, D'aat se oculta, já
que são manifestações interna e externa, respectivamente, da mesma força.
Chessed, graça, amor e bondade que nos beneficiam; a grandeza (Guedulá) do
amor. Esta sefirá representa o dar incondicional, o altruísmo, o impulso
incontrolável de expansão. É D'us dando-se às Suas criaturas de forma
irrestrita, abrindo todas as portas da Sua Abundância. D'us usou este atributo
como o instrumento supremo no processo da Criação. Guevurá - poder, justiça, o
julgamento severo (Din); as forças para disciplinar a criação. Guevurá
representa a contração, a restrição, a criação de barreiras. A
"autolimitação" Divina foi indispensável para a criação do Cosmo. A
Cabalá se refere a esta como midat hadin, a medida ou atributo do julgamento,
do rigor. Esta sefirá direciona a energia espiritual para atingir uma meta
específica. É a força que permite o controle para podermos vencer tanto nossos
inimigos internos quanto os externos. Tiferet, beleza, no sentido da harmonia.
É a combinação da harmonia e da verdade, dando espaço para a compaixão. Esta
sefirá está associada com o poder de conciliar as inclinações conflitantes de Chessed
e Guevurá, para que haja compaixão. Na Cabalá é designada como midat
harachamim, "o atributo da misericórdia". A alma do homem emana desta
sefirá pela união desta qualidade com Malchut, o corpo. Netzach, vitória,
eternidade, resistência. Esta sefirá representa a imposição Divina. É o
domínio, a conquista ou a capacidade de vencer. Representa o motivo primeiro da
Criação: a capacidade de vencer o mal. Hod, esplendor, empatia. Esta sefirá
permite que o poder e energia repassados sejam apropriados e aceitáveis a quem
os recebe. É responsável pela criação dentro de uma relação do espaço deixado
para o outro. A qualidade espiritual de Hod salienta o atributo da humildade e
reconhecimento. Hod representa também a submissão que permite a existência do
mal. Yesod, fundação; alicerce representa a reciprocidade ideal numa relação. É
o meio de comunicação, o veículo de transporte de uma condição para outra.
Representa o lugar do prazer espiritual e físico; o vínculo mais poderoso que
pode existir entre dois indivíduos, assim como entre o homem e D'us: a aliança
entre D'us e Israel: o Brit Milá. Malchut, reinado. É a Schechiná, o aspecto
imanente de D'us neste mundo. É o mundo revelado onde o potencial latente é
concretizado. É o poder que D'us nos deu de receber Dele. Como símbolo do
receber, esta sefirá é caracterizada como aquela que não tem nada próprio. É um
keli, um mero recipiente. Malchut é o último elemento de uma corrente que se
inicia na Vontade Divina e encontra sua realização neste mundo. Aquele que recebe
pode dar de volta, tornando-se além de receptor, um doador. As sefirot são
refletidas no homem e desta forma o homem compartilha o Divino. A pessoa que
somos é determinada pelas sefirot no mundo da ação, pois são as bases de nossa
personalidade individual. O "cabo condutor" ou o canal através do
qual estas se manifestam, é a nossa alma. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi.
segunda-feira, 29 de julho de 2019
BEM-AVENTURADOS OS HUMILDES DE ESPÍRITO
Cristianismo.
44º Sermão do Mestre Eckhart (1260-1328). Tema: BEM-AVENTURADOS OS HUMILDES DE
ESPÍRITO. Mateus 5:3 "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque
deles é o reino dos céus". A felicidade abriu sua boca de Sabedoria e
afirmou: Bem-aventurados os pobres de espírito, pois deles é o reino dos céus.
Todos os anjos, todos os santos e tudo que foi nascido deve ficar silente
quando a Sabedoria do Pai abre sua boca; pois toda Sabedoria dos anjos e das
criaturas é pura loucura diante da Sabedoria insondável de Deus. E foi esta
Sabedoria que declarou que são abençoados os pobres. Existem dois tipos de
pobreza. A primeira é uma pobreza externa, e isto é útil e deve ser muito
elogiada naquele que a pratica voluntariamente, por amor a Nosso Senhor Jesus
Cristo, pois Ele mesmo tinha isto nesta terra. Sobre esta pobreza eu nada mais
direi neste momento. Mas existe uma outra pobreza, que é de natureza interna, e
é a esta que se aplicam as palavras de Nosso Senhor quando disse: bem-aventurados
os pobres de espírito. Agora, eu rogo ao mel de suas almas que sejam desta
forma para que possam compreender este sermão; pois que pela verdade eterna eu
digo que a menos que sejam como esta verdade a qual abordaremos neste momento,
não será possível que me compreendam. Algumas pessoas indagaram de mim o que
vem a ser a pobreza, e o que é um homem pobre. Responderei a tal da seguinte forma:
O Bispo Alberto diz que um homem pobre é aquele que se satisfaz com todas as
coisas que Deus criou e isto está bendito. Mas vamos falar melhor, tomando a
pobreza em um sentido mais elevado. É um pobre aquele que nada quer, que nada
sabe e que nada tem. Falemos neste momento sobre estes três pontos, e eu rogo a
vocês que compreendam esta Sabedoria se puderem; mas se não puderem
compreender, não precisam ficar preocupados, porque vou dizer uma tal verdade
que muito poucas pessoas podem compreender. Em primeiro lugar, é um pobre
aquele que nada quer. Existem pessoas que absolutamente não compreendem o que
isto quer dizer: são aqueles que ficam muito apegados a ascetismos (prática da
abstenção dos prazeres e até do conforto material, adotada com o fim de
alcançar a perfeição moral e espiritual) e práticas externas, achando que muito
fazem ao se submeter a tais práticas. Possa Deus lhes ter em compaixão, pois
tão pouco compreendem da verdade divina! Costumam chamar estas pessoas de
santas ou de sagradas porque aparentam sê-lo externamente, mas eu digo que
por dentro nada mais são que bons idiotas, pois ignoram completamente o que vem
a ser a verdade divina. Estas pessoas dizem que o pobre é aquele que nada
deseja e explicam isto da seguinte forma: A pessoa deve levar sua vida de tal
forma que jamais faça o que quer em nada que seja, mas deve se esforçar por
realizar a maravilhosa vontade de Deus. Está tudo bem com estas pessoas porque
suas intenções são boas, e podemos até chegar a lhes elogiar estas suas vontades.
Possa Deus em sua misericórdia lhes abrir o reino dos céus! Mas pela Sabedoria
de Deus eu afirmo que tais pessoas não são de forma alguns pobres, nem se
parecem mesmo que seja levemente aos pobres. São muito admirados por
aqueles que nada sabem, mas eu digo que não tem o menor valor, são completos
idiotas sem qualquer compreensão que seja da verdade divina. Talvez até que
ganhem os céus por suas boas intenções, mas da pobreza da qual falaremos agora
não tem a menor ideia que seja. Se então, me perguntassem o que vem a ser o
pobre que nada quer, eu diria o seguinte: Enquanto que o homem quiser fazer a
vontade de Deus através de sua vontade própria, esta pessoa ainda não tem a
pobreza a qual mencionamos; pois esta pessoa tem uma vontade para servir a
vontade de Deus, e eis que esta não é a verdadeira pobreza! Pois para que a
pessoa tenha esta verdadeira pobreza deve estar tão liberta de sua vontade
criada com quando ainda não era, isto é, como quando ainda não existia. Pois eu
declaro pela verdade eterna, que enquanto tivermos vontade de realizar a
vontade de Deus, e enquanto quisermos possuir a eternidade e Deus, ainda não
somos pobres; pois o pobre é aquele que nada quer e que nada deseja. Enquanto
eu estava ainda em minha primeira causa, eu ainda não tinha nenhum Deus e era
minha própria causa; então eu nada queria e nada desejava, pois eu era o ser
puro e um conhecedor de mim mesmo no gozo da verdade. Então eu queria a mim e
nada queria de mais; o que eu queria eu era, e o que eu queria, e assim estava
eu livre de Deus e de todas as coisas. Mas quando deixei meu livre arbítrio
para trás e recebi meu ser criado, então eu possuía um Deus. Pois antes que
houvessem criaturas, Deus não era Deus. Ele era Aquilo que Ele era. Mas quando
as criaturas entraram para a existência e receberam seus seres criados, então
Deus não era Deus em Si Mesmo, era Ele Deus nas criaturas. Quando dizemos que
Deus enquanto Deus não é o objetivo supremo das criaturas, isto quer dizer que
o mesmo status elevado é possuído mesmo pela menor das criaturas de sondar
intelectualmente as profundezas eternas de Deus, do ser de Deus, do qual ela
mesmo proveio, teríamos que dizer que Deus com tudo aquilo que o torna Deus
seria incapaz de satisfazer e de realizar aquela mosca! Portanto rezemos a Deus
para que possamos estar livres de Deus, para que possamos com isto ganhar a
verdade e gozá-la eternamente, ali onde o anjo mais elevado, a mosca e a alma
são perfeitamente iguais, ali onde eu fiquei e queria aquilo que eu era, e era
aquilo que queria. Então podemos concluir: se a pessoa é realmente pobre de
vontade, deve querer e desejar tão pouco quanto queria e desejava enquanto não
era ainda. E é desta forma que a pessoa chega a ser pobre pelo não querer. Em
segundo lugar, ele é pobre que nada sabe. Já dissemos algumas vezes que a
pessoa deve viver como se não vivesse nem para si mesmo, nem pela verdade e nem
por Deus sequer. Mas agora faremos diferentemente e iremos mais além, dizendo:
Para que a pessoa possua esta pobreza deve viver de tal forma que não esteja
consciente que não viver de tal forma que não esteja consciente que não vive
para si mesmo, ou para a verdade, ou para Deus. Deve estar possuído de uma tal
falta de todo conhecimento que nem saiba nem reconheça, nem sinta que Deus
habite nele; mais ainda, deve estar livre de toda compreensão que nele possa
existir. Pois que quando esta pessoa estava no ser eterno de Deus, nada mais
habitava nele; o que ali habitava era ele mesmo. Eis pois porque
declaramos que a pessoa deve estar tão livre do seu próprio conhecimento quanto
naquela época que ele ainda não era. Esta pessoa deve deixar que Deus funcione
como desejar, e ele mesmo nada fazer, estando inativo. Pois que tudo que vem de
Deus é pura atividade; o trabalho verdadeiro da pessoa é amar e conhecer. Agora
a pergunta fica colocada: Onde há bem-aventurança pela sua maior parte? Alguns
mestres dizem que está no conhecer, enquanto que outros dizem que está no amor,
outros dizem que está em conhecer e em amar e estes são o que melhor dizem. Mas
nós dizemos que não é nem em conhecer nem em amar. Pois que existe algo na alma
de onde vêm tanto o conhecimento quanto o amor. Mas isto mesmo nem conhece nem
ama da forma que o fazem os poderes da alma. Quem conhece isto, conhece a
origem da felicidade. Isto não tem um antes ou um depois, nem espera que algo
venha a si, pois isto não pode nem ganhar nem perder. E assim isto está privado
do conhecimento que Deus esteja nele funcionando; ao invés isto é apenas si
mesmo, gozando a si mesmo na forma de Deus. É assim que eu digo que a pessoa
deve estar quitada e liberta que nem conheça e nem perceba que Deus esteja nele
funcionando, desta forma a pessoa é pobre. Os mestres dizem que Deus é um ser,
um ser intelectual que conhece tudo. Mas nós dizemos que Deus não é um ser e
que não é intelectual, e que sequer conhece isto ou aquilo. Assim é que Deus
está livre de todas as coisas, e assim Ele é todas as coisas. Pra ser pobre de
espírito, a pessoa deve estar pobre de todo seu conhecimento; não conhecendo
coisa alguma, nenhum Deus, nenhuma criatura, nem a si mesmo. Isto é necessário,
que a pessoa não deseje conhecer ou compreender qualquer coisa que seja dos
trabalhos de Deus. Assim a pessoa pode chegar a ser pobre de seu próprio
conhecimento. Em terceiro lugar ele é um pobre que nada tem. Muitos existem que
dizem que a perfeição é realizada quando não mais se tem coisa alguma
materialmente na terra e isto é verdade em um sentido, quando é voluntário. Mas
não foi este o sentido em que o quis mencionar. Eu já disse antes, aquele que é
pobre não é aquele que quer fazer a vontade de Deus, mas aquele que de tal
forma vive que está livre de sua própria vontade e da vontade de Deus, assim
como estava quando ainda não era. Desta pobreza declaramos que é a mais
elevada. Em segundo lugar, dissemos que é o pobre aquele que nada sabe do
funcionamento de Deus dentro de si. Aquele que está tão livre do conhecimento e
da compreensão de Deus como Deus mesmo está de todas as coisas, esta pessoa
então tem a pobreza mais pura. Mas esta terceira pobreza é a mais correta, que
é quando a pessoa nada tem, e da qual vamos discorrer nesse momento. Prestem
atenção no seguinte! Eu disse com frequência no passado e eminentes autoridades
também o fizeram, que a pessoa deve estar de tal forma liberta de todas as
coisas e de todos os trabalhos, tanto de dentro como de fora, que possa ser uma
casa digna de Deus, onde Deus possa trabalhar. Agora digamos algo de mais além.
Se o homem estiver livre de todas as criaturas, de Deus e de Si mesmo e se mesmo
Deus achar um lugar nele onde possa funcionar, então declaramos que enquanto
isto estiver naquele homem, ele ainda não é pobre na pobreza mais pura. Pois
que não é a intenção de Deus em Seus trabalhos que a pessoa deva achar um lugar
dentro de Si onde Deus possa funcionar pois a pobreza do espírito quer dizer
estar tão livre de Deus e de todos Seus trabalhos que Deus, se desejar
trabalhar na alma, é Ele mesmo o lugar onde possa funcionar, o que aliás Ele
faz com a maior satisfação. Pois que se Deus achar uma pessoa tão pobre, então
Deus realiza Seus trabalhos e a pessoa fica passiva a Deus, então Deus é o
próprio lugar onde funciona, sendo Deus como é, um trabalhador. É justamente
aqui, nesta pobreza, que a pessoa dá entrada naquela essência eterna que ele foi
uma vez, que é agora e que será por todo sempre. Esta é a palavra de São Paulo
que diz: "Tido que sou, o sou pela graça de Deus" (I Coríntios
15:10). Este sermão parece se elevar acima da graça e do ser e da compreensão e
da vontade e de todo desejo, então como podem ser verdadeiras as palavras de
São Paulo? O fato é que são verdadeiras as palavras de São Paulo: era forçoso
que a graça de Deus nele se encontrasse, pois a graça de Deus causou com que
aquilo que em si era acidental se aperfeiçoasse como essência. Quando a graça
terminou seu trabalho, Paulo permaneceu aquilo que ele era. Assim dizemos que a
pessoa deve ser tão pobre que nem possua nem tenha qualquer lugar onde Deus
possa operar. Preservar um lugar é preservar a distinção. Eis pois que rezo a
Deus que me livre de Deus, pois meu ser essencial está acima de Deus, tomando
Deus como a origem das criaturas. Pois naquela essência de Deus na qual Deus se
encontra acima de ser e de distinção. ali eu era eu mesmo e me conhecia a mim
mesmo de tal forma que me constituísse neste homem que aqui está. Portanto, eu
sou minha própria causa de acordo com minha essência que é eterna e não de
acordo com meu vir a ser, que é temporal. Portanto, sou não nascido, e de
acordo com meu modo não nascido, não poderei jamais morrer. De acordo com meu
modo não nascido foi eternamente, sou agora e serei para todo sempre. Aquilo
que sou por virtude do nascimento, deve por força vir a perecer, já que é
mortal. No meu nascimento todas as coisas também nasceram, e eu era a causa de
mim mesmo e de todas as coisas; se eu o quisesse, não teria sido. Sou eu a
causa de Deus ser Deus; se não tivesse sido, Deus então não teria também sido
Deus. Mas vocês não precisam saber disto. Um grande mestre disse que seu
abandonar corpo e mente é mais nobre que sua emanação (de onde se inicia alguma
coisa, origem ou procedência) e isto é um fato. Quando flui desde Deus, todas
as criaturas disseram: "Eis que Deus existe!", mas isto não pode me
fazer abençoado, pois que através disto eu me percebo como criatura. Mas no meu
abandonar corpo e mente, onde me fico livre de minha vontade, da vontade de
Deus e de todos seus trabalhos e do próprio Deus mesmo, então me encontro
acima de todas as criaturas e não sou mais nem Deus nem criatura, mas sim aquilo
que era, que deverei para sempre permanecer sendo. Ali é que receberei um selo
que me elevará acima de todos os anjos. Com este selo ganharei uma tal riqueza
que não ficarei contente com Deus enquanto Deus, ou com todos Seus trabalhos
divinos; pois que este abandonar corpo e mente me garante e me confirma que eu
e Deus nada mais somos que uma só coisa. Então é que sou o que era, então não
sou nem crescimento nem decadência, pois que então sou a causa que não se move
e que com isso move todas as demais coisas. Aqui Deus não encontra nenhum lugar
no homem, pois que o homem através de sua pobreza ganha para si mesmo o que ele
foi eternamente e que deverá para sempre permanecer sendo. Aqui Deus é uma só
coisa com o espírito, e esta é a pobreza mais estrita que a pessoa pode
realizar. Se alguém houver que não possa compreender isto que foi dito, não
precisa se preocupar com nada. Pois enquanto a pessoa não for igual a esta
verdade, não pode compreender minhas palavras, pois esta é a verdade nua e crua
que proveio diretamente do coração de Deus. Vivamos nós para experimentar isto
eternamente, a tal nos ajude Deus. Amém. Abraço. Davi.
sexta-feira, 26 de julho de 2019
II DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS.
Espiritismo. www.institutoandreluiz.org. Texto
de Allan Kardec (1804-1869). II. DA INTERVENÇÃO DOS ESPÍRITOS NO MUNDO
CORPORAL. 50. Na vida espírita, reconheceremos o Espírito nosso protetor? “Decerto,
pois não é raro que o tenhais conhecido antes de encarnardes.” 51. Pertencem todos
os Espíritos protetores à classe dos Espíritos elevados? Podem contar-se entre
os de classe média? Um pai, por exemplo, pode tornar-se o Espírito protetor de
seu filho? “Pode, mas a proteção pressupõe certo grau de elevação e um
poder ou uma virtude a mais, concedidos por Deus. O pai, que protege seu filho,
também pode ser assistido por um Espírito mais elevado.” 52. Os Espíritos que
se achavam em boas condições ao deixarem a Terra, sempre podem proteger os que
lhes são caros e que lhes sobrevivem? “Mais ou menos restrito é o poder
de que desfrutam. A situação em que se encontram nem sempre lhes permite
inteira liberdade de ação.” 53. Quando em estado de selvageria ou de
inferioridade moral, têm os homens, igualmente, seus Espíritos protetores? E,
assim sendo, esses Espíritos são de ordem tão elevada quanto a dos Espíritos
protetores de homens muito adiantados? “Todo homem tem um Espírito que
por ele vela, mas as missões são relativas ao fim que visam. Não dais a uma
criança, que está aprendendo a ler, um professor de filosofia. O progresso dos
Espírito familiar guarda relação com o do Espírito protegido. Tendo um Espírito
que vela por vós, podeis tornar-vos, a vosso turno, o protetor de outro que vos
seja inferior e os progressos que este realize, com o auxílio que lhe
dispensardes, contribuirão para o vosso adiantamento. Deus não exige do
Espírito mais do que comportem a sua natureza e o grau de elevação a que já
chegou.” 54. Quando o pai, que vela pelo filho, reencarna, continua a vela por
ele? “Isso é mais difícil. Contudo, de certo modo o faz, pedindo, num
instante de desprendimento, a um Espírito simpático que o assista nessa missão.
Demais, os Espíritos só aceitam missões que possam desempenhar até ao fim. “Encarnado, mormente
em mundo onde a existência é material, o Espírito se acha muito sujeito ao
corpo para poder dedicar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para poder
assisti-lo pessoalmente. Tanto assim que os que ainda se não elevaram bastante
são também assistidos por outros, que lhes estão acima, de tal sorte que, se
por qualquer circunstância um vem a faltar, outro lhe supre a falta.” 55. A cada indivíduo
achar-se-á ligado, além do Espírito protetor, um mau Espírito, com o fim de
impeli-lo ao erro e de lhe proporcionar ocasiões de lutar entre o bem e o
mal? “Ligado, não é o termo. É certo que os maus Espíritos procuram
desviar do bom caminho o homem, quando se lhes depara ocasião. Sempre, porém,
que um deles se liga a um indivíduo, fá-lo por si mesmo, porque conta ser
atendido. Há então luta entre o bom e o mau, vencendo aquele por quem o homem
se deixe influenciar.” 57. Podemos ter muitos Espíritos protetores? “Todo
homem conta sempre Espíritos, mais ou menos elevados, que com ele simpatizam,
que lhe dedicam afeto e por ele se interessam, como também tem junto de si
outros que o assistem no mal.” 58. Os Espíritos que conosco simpatizam
atuam em cumprimento de missão? “Não raro, desempenham missão
temporária; porém, as mais das vezes, são apenas atraídos pela identidade de
pensamentos e sentimentos, assim para o bem como para o mal.” a) Parece lícito
inferir-se daí que os Espíritos a quem somos simpáticos podem ser bons ou maus,
não? “Sim, qualquer que seja o seu caráter, o homem sempre encontra
Espíritos que com ele simpatizem.” 58. Os Espíritos familiares são os
mesmos a quem chamamos Espíritos simpáticos ou Espíritos protetores? “Há
gradações na proteção e na simpatia. Dai-lhes os nomes que quiserdes. O
Espírito familiar é antes o amigo da casa.” Das explicações acima e das observações
feitas sobre a natureza dos Espíritos que se afeiçoam ao homem, pode-se deduzir
o seguinte: O Espírito protetor, anjo de guarda, ou bom gênio é o que tem por
missão acompanhar o homem na vida e ajudá-lo a progredir. É sempre de natureza
superior, com relação ao protegido. Os Espíritos familiares se ligam a certas
pessoas por laços mais ou menos duráveis, com o fim de lhes serem úteis, dentro
dos limites do poder, quase sempre muito restrito, de que dispõe. São bons,
porém muitas vezes pouco adiantados e mesmo um tanto levianos. Ocupam-se de
boamente com as particularidades da vida íntima e só atuam por ordem ou com
permissão dos Espíritos protetores. Os Espíritos simpáticos são os que se
sentem atraídos para o nosso lado por afeições particulares e ainda por uma
certa semelhança de gostos e de sentimentos, tanto para o bem como para o mal.
De ordinário, a duração de suas relações se acha subordinada às circunstâncias.
O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso, que se liga ao homem para
desviá-lo do bem. Obra, porém, por impulso próprio e não no desempenho de
missão. A tenacidade da sua ação está em relação direta com a maior ou
facilidade de acesso que encontre por parte do homem, que goza sempre da
liberdade de escutar-lhe a voz ou de lhe cerrar os ouvidos. (Allan Kardec). 59. Que se há de
pensar dessas pessoas que se ligam a certos indivíduos para levá-los à
perdição, ou para guiá-los pelo bom caminho? “Efetivamente, certas
pessoas exercem sobre outras uma espécie de fascinação que parece irresistível.
Quando isso se dá no sentido do mal, são maus Espíritos, de que outros
Espíritos também maus se servem para subjugá-las. Deus permite que tal coisa
ocorra para vos experimentar.” 60. Poderiam, os nossos bom e mau
gênios encarnar, a fim de mais perto nos acompanharem na vida? “Isso
às vezes se dá. Porém, o que mais frequentemente se verifica é encarregarem
dessa missão outros Espíritos encarnados que lhes são simpáticos.” 61. Haverá Espíritos
que se liguem a uma família inteira para protegê-la? “Alguns Espíritos
se ligam aos membros de uma determinada família, que vivem juntos e unidos pela
afeição; mas, não acrediteis em Espíritos protetores do orgulho das raças.” 62. Assim como são
atraídos, pela simpatia, para certos indivíduos, são-no igualmente os
Espíritos, por motivos particulares, para as reuniões de indivíduos? “Os
Espíritos preferem estar no meio dos que se lhes assemelham. Acham-se aí mais à
vontade e mais certos de serem ouvidos. É pelas suas tendências que o homem
atrai os Espíritos e isso quer esteja só, quer faça parte de um todo coletivo,
como uma sociedade, uma cidade, ou um povo. Portanto, as sociedades, as cidades
e os povos são, de acordo com as paixões e o caráter neles predominantes,
assistidos por Espíritos mais ou menos elevados. Os Espíritos imperfeitos se
afastam dos que os repelem. Segue-se que o aperfeiçoamento moral das coletividades,
como o dos indivíduos, tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons,
que estimulam e alimentam nelas o sentimento do bem, como outros lhes podem
insuflar as paixões grosseiras.” 63. As aglomerações de indivíduos, como
as sociedades, as cidades, as nações, têm Espíritos protetores especiais? “Têm,
pela razão de que esses agregados são individualidades coletivas que,
caminhando para um objetivo comum, precisam de uma direção superior.” 64. Os Espíritos
protetores das coletividades são de natureza mais elevada do que os que se
ligam aos indivíduos? “Tudo é relativo ao grau de adiantamento, quer se
trate de coletividades, quer de indivíduos.” 65. Podem certos Espíritos auxiliar o
progresso das artes, protegendo os que às artes se dedicam? “Há Espíritos
protetores especiais e que assistem os que os invocam, quando dignos dessa
assistência. Que queres, porém, que façam com os que julgam ser o que não são?
Não lhes cabe fazer que os cegos vejam, nem que os surdos ouçam.” Os antigos fizeram,
desses Espíritos, divindades especiais. As Musas não eram senão a
personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes,
como os deuses Lares e Penates simbolizavam os Espíritos protetores da família.
Também modernamente, as artes, as diferentes indústrias, as cidades, os países
têm seus patronos, que mais não são do que Espíritos superiores, sob várias
designações. Tendo todo homem Espíritos que com ele simpatizam, claro é que,
nos corpos coletivos, a generalidade dos Espíritos que lhes votam simpatia está
em proporção com a generalidade dos indivíduos; que os Espíritos estranhos são
atraídos para essas coletividades pela identidade dos gostos e das ideias; em
suma, que esses agregados de pessoas, tanto quanto os indivíduos, são mais ou
menos bem assistidos e influenciados, de acordo com a natureza dos sentimentos
dominantes entre os elementos que os compõem. Nos povos, determinam a atração
dos Espíritos os costumes, os hábitos, o caráter dominante e as leis, as leis
sobretudo, porque o caráter de uma nação se reflete nas suas leis. Fazendo
reinar em seu seio a justiça, os homens combatem a influência dos maus
Espíritos. Onde quer que as leis consagrem coisas injustas, contrárias à
Humanidade, os bons Espíritos ficam em minoria e a multidão, que aflui, dos
maus mantém a nação aferrada às suas ideias e paralisa as boas influências
parciais, que ficam perdidas no conjunto, como insuladas espigas entre
espinheiros. Estudando-se os costumes dos povos ou de qualquer reunião de
homens, facilmente se forma ideia da população oculta que se lhes imiscui no
modo de pensar e nos atos. Pressentimentos (Allan Kardec). 66. O pressentimento
é sempre um aviso do Espírito protetor? “É o conselho íntimo e oculto
de um Espírito que vos quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja
feito. É a voz do instinto. Antes de encarnar, tem o Espírito conhecimento das
fases principais de sua existência, isto é, do gênero das provas a que se
submete. Tendo estas caráter assinalado, ele conserva, no seu foro íntimo, uma
espécie de impressão de tais provas e esta impressão, que é a voz do instinto,
fazendo-se ouvir quando lhe chega o momento de sofrê-las, se torna
pressentimento.” 67. Acontecendo que os pressentimentos e a voz do instinto são sempre
algum tanto vagos, que devemos fazer, na incerteza em que ficamos? “Quando
te achares na incerteza, invoca o teu bom Espírito, ou ora a Deus, soberano
senhor de todos, e Ele te enviará um de seus mensageiros, um de nós.” 68. Os avisos dos
Espíritos protetores objetivam unicamente o nosso procedimento moral, ou também
o proceder que devamos adotar nos assuntos da vida particular? “Tudo.
Eles se esforçam para que vivais o melhor possível. Mas, quase sempre tapais os
ouvidos aos avisos salutares e vos tornais desgraçados por culpa vossa.” Os Espíritos
protetores nos ajudam com seus conselhos, mediante a voz da consciência que
fazem ressoar em nosso íntimo. Como, porém, nem sempre ligamos a isso a devida
importância, outros conselhos mais diretos eles nos dão, servindo-se das pessoas
que nos cercam. Examine cada um as diversas circunstâncias felizes ou infelizes
de sua vida e verá que em muitas ocasiões recebeu conselhos de que se não
aproveitou e que lhe teriam poupado muitos desgostos, se os houvera escutado.
Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida. (Allan Kardec). 59. Exercem os
Espíritos alguma influência nos acontecimentos da vida? “Certamente,
pois que vos aconselham.”a) Exercem essa influência por outra forma que não
apenas pelos pensamentos que sugerem, isto é, têm ação direta sobre o
cumprimento das coisas? “Sim, mas nunca atuam fora das leis da
Natureza.” Imaginamos
erradamente que aos Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos
extraordinários. Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os
figuramos sempre armados de uma varinha mágica. Por não ser assim é que oculta
nos parece a intervenção que têm nas coisas deste mundo e muito natural o que
se executa com o concurso deles. Assim é que, provocado, por exemplo, o
encontro de duas pessoas, que suporão encontrar-se por acaso; inspirando a
alguém a ideia de passar por determinado lugar; chamando-lhe a atenção para
certo ponto, se disso resulta o que tenham em vista, eles obram de tal maneira
que o homem, crente de que obedece a um impulso próprio, conserva sempre o seu
livre-arbítrio. (Allan Kardec). 60. Tendo, como têm,
ação sobre a matéria, podem os Espíritos provocar certos efeitos, com o
objetivo de que se dê um acontecimento? Por exemplo: um homem tem que morrer;
sobe uma escada, a escada se quebra e ele morre da queda. Foram os Espíritos
que quebraram a escada, para que o destino daquele homem se cumprisse? “É
exato que os Espíritos têm ação sobre a matéria, mas para cumprimento das leis
da Natureza, não para as derrogar, fazendo que, em dado momento, ocorra um
sucesso inesperado e em contrário àquelas leis. No exemplo que figuraste, a
escada se quebrou porque se achava podre, ou por não ser bastante forte para
suportar o peso de um homem. Se era destino daquele homem perecer de tal maneira,
os Espíritos lhe inspirariam a ideia de subir a escada em questão, que teria de
quebrar-se com o seu peso, resultando-lhe daí a morte por um efeito natural e
sem que para isso fosse mister a produção de um milagre.” 61. Tomemos outro
exemplo, em que não entre a matéria em seu estado natural. Um homem tem que
morrer fulminado pelo raio. Refugia-se debaixo de uma árvore. Estala o raio e o
mata. Poderá dar-se tenham sido os Espíritos que provocaram a produção do raio
e que o dirigiram para o homem? “Dá-se o mesmo que anteriormente. O raio
caiu sobre aquela árvore em tal momento, porque estava nas leis da Natureza que
assim acontecesse. Não foi encaminhado para a árvore, por se achar debaixo dela
o homem. A este, sim, foi inspirada a ideia de se abrigar debaixo de uma árvore
sobre a qual cairia o raio, porquanto a árvore não deixaria de ser atingida, só
por não lhe estar debaixo da fronde o homem.” 62. No caso de uma pessoa mal
intencionada disparar sobre outra um projétil que apenas lhe passe perto sem a
atingir, poderá ter sucedido que um Espírito bondoso haja desviado o
projétil? “Se o indivíduo alvejado não tem que perecer desse modo, o
Espírito bondoso lhe inspirará a ideia de se desviar, ou então poderá ofuscar o
que empunha a arma, de sorte a fazê-lo apontar mal, porquanto, uma vez
disparada a arma, o projétil segue linha que tem de percorrer.” 63. Que se deve
pensar das balas encantadas, de que falam algumas lendas e que fatalmente
atingem o alvo? “Pura imaginação. O homem gosta do maravilhoso e não se
contenta com as maravilhas da Natureza.” a) - Podem os Espíritos que dirigem os
acontecimentos terrenos ter obstada sua ação por Espíritos que queiram o
contrário? “O que Deus quer se executa. Se houver demora na execução, ou lhe
surjam obstáculos, é porque Ele assim o quis.” 64. Não podem os
Espíritos levianos e zombeteiros criar pequenos embaraços à realização dos
nossos projetos e transtornar as nossas previsões? Serão eles, numa palavra, os
causadores do que chamamos pequenas misérias da vida humana? “Eles se
comprazem em vos causar aborrecimentos que representam para vós provas
destinadas a exercitar a vossa paciência. Cansam-se, porém, quando veem que
nada conseguem. Entretanto, não seria justo, nem acertado, imputar-lhes todas
as decepções que experimentais e de que sois os principais culpados pela vossa
irreflexão. Fica certo de que, se a tua louça se quebra, é mais por desazo teu
do que por culpa dos Espíritos.” a) Destes, os que provocam
contrariedades obram impelidos por animosidade pessoal, ou assim procedem
contra qualquer, sem motivo determinado, por pura malícia? “Por uma e outra
coisa. Às vezes os que assim vos molestam são inimigos que granjeastes nesta ou
em precedente existência. Doutras vezes, nenhum motivo há.”. 65. Extingue-se com a
vida corpórea a malevolência dos seres que nos fizeram mal na Terra? “Muitas
vezes reconhecem a injustiça com que procederam e o mal que causaram. Mas,
também, não é raro que continuem a perseguir-vos, cheios de animosidade, se
Deus o permitir, por ainda vos experimentar.” a) Pode-se pôr termo a isso? Por que
meio? “Podeis. Orando por eles e lhes retribuindo o mal com o bem,
acabarão compreendendo a injustiça do proceder deles. Demais, se souberdes
colocar-vos acima de suas maquinações, deixar-vos-ão, por verificarem que nada
lucram.” A experiência demonstra que alguns Espíritos continuam em outra
existência a exercer as vinganças que vinham tomando e que assim, cedo ou
tarde, o homem paga o mal que tenha feito a outrem." 66. Têm os Espíritos
o poder de afastar de certas pessoas os males e de favorecê-las com a
prosperidade? “De todo, não; porquanto, há males que estão nos decretos
da Providência. Amenizam-vos, porém, as dores, dando-vos paciência e
resignação. Ficai igualmente sabendo que de vós depende muitas vezes
poupar-vos aos males, ou, quando menos, atenuá-los. A inteligência, Deus
outorgou-nos para que dela vos sirvais e é principalmente por meio da vossa
inteligência que os Espíritos vos auxiliam, sugerindo-vos ideias propícias ao
vosso bem. Mas, não assistem senão os que sabem assistir-se a si mesmos. Esse o
sentido destas palavras: Buscai e achareis, batei e se vos abrirá. Sabei
ainda que nem sempre é um mal o que vos parece sê-lo. Frequentemente, do que
considerais um mal sairá um bem muito maior. Quase nunca compreendeis isso,
porque só atentais no momento presente ou na vossa própria pessoa.” 67. Podem os
Espíritos fazer que obtenham riquezas os que lhes pedem que assim
aconteça? “Algumas vezes, como prova. Quase sempre, porém, recusam,
como se recusa à criança a satisfação de um pedido inconsiderado.” a) São os bons ou os
maus Espíritos que concedem esses favores? “Uns e outros. Depende da intenção.
As mais das vezes, entretanto, os que concedem são os Espíritos que vos querem
arrastar para o mal e que encontram meio fácil de o conseguirem,
facilitando-vos os gozos que a riqueza proporciona.” 68. Será por
influência de algum Espírito que, fatalmente, a realização dos nossos projetos
parece encontrar obstáculos? “Algumas vezes é isso efeito da ação dos
Espíritos; muito mais vezes, porém, é que andais errados na elaboração e na
execução dos vossos projetos. Muito influem nesses casos a posição e o caráter
do indivíduo. Se vos obstinais em ir por um caminho que não deveis seguir, os
Espíritos nenhuma culpa têm dos vossos insucessos. Vós mesmos vos constituís em
vossos maus gênios.” 69. Quando algo de venturoso nos sucede é ao Espírito nosso protetor que
devemos agradecê-lo? “Agradecei primeiramente a Deus, sem cuja permissão
nada se faz; depois aos bons Espíritos que foram os agentes da sua vontade.” a) Que sucederia se
nos esquecêssemos de agradecer? “O que sucede aos ingratos.”. b) No
entanto, pessoas há que não pedem nem agradecem e às quais tudo sai bem! “Assim
é, de fato, mas importa ver o fim. Pagarão bem caro essa felicidade de que não
são merecedores, pois quanto mais houverem recebido, tanto maiores contas terão
que prestar." 70. São devidos a causas fortuitas, ou, ao contrário, têm todos um fim
providencial, os grandes fenômenos da Natureza, os que se consideram como
perturbação dos elementos? “Tudo tem uma razão de ser e nada acontece
sem a permissão de Deus.”. a) Objetivam sempre o homem esses fenômenos? “Às
vezes têm, como imediata razão de ser, o homem. Na maioria dos casos,
entretanto, têm por único motivo o restabelecimento do equilíbrio e da harmonia
das forças físicas da Natureza.”. b) Concebemos perfeitamente que a
vontade de Deus seja a causa primária, nisto como em tudo; porém, sabendo que
os Espíritos exercem ação sobre a matéria e que são os agentes da vontade de
Deus, perguntamos se alguns dentre eles não exercerão certa influência sobre os
elementos para os agitar, acalmar ou dirigir? “Mas evidentemente. Nem
poderia ser de outro modo. Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele
encontra agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos.”. 71. A mitologia dos
antigos se fundava inteiramente em ideias espíritas, com a única diferença de
que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou
esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos
ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenômeno da vegetação, etc.
Semelhante crença é totalmente destituída de fundamento? “Tão pouco
destituída é de fundamento, que ainda está muito aquém da verdade.” a) Poderá
então haver Espíritos que habitem o interior da Terra e presidam aos fenômenos
geológicos? “Tais Espíritos não habitam positivamente a Terra. Presidem aos
fenômenos e os dirigem de acordo com as atribuições que têm. Dia virá em que
recebereis a explicação de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor.” 72. Formam categoria
especial no mundo espírita os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza?
Serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós? “Que
foram ou que o serão.” a) Pertencem esses Espíritos às ordens superiores
ou às inferiores da hierarquia espírita? “Isso é conforme seja mais ou
menos material, mais ou menos inteligente o papel que desempenhem. Uns mandam,
outros executam. Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior,
assim entre os Espíritos, como entre os homens.” 73. A produção de
certos fenômenos, das tempestades, por exemplo, é obra de um só Espírito, ou
muitos se reúnem, formando grandes massas, para produzi-los? “Reúnem-se em
massas inumeráveis.” 74. Os Espíritos que exercem ação nos fenômenos da Natureza operam com
conhecimento de causa, usando do livre-arbítrio, ou por efeito de instintivo ou
irrefletido impulso? “Uns sim, outros não. Estabeleçamos uma
comparação. Considera essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem
emergir do mar ilhas e arquipélagos. Julgas que não há aí um fim providencial e
que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia
geral? Entretanto, são animais de ínfima ordem que executam essas obras,
provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de
Deus. Pois bem, do mesmo modo, os Espíritos mais atrasados oferecem utilidade
ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena
consciência de seus atos e estejam no gozo pleno do livre-arbítrio, atuam em
certos fenômenos, de que inconscientemente se constituem os agentes. Primeiramente,
executam. Mais tarde, quando suas inteligências já houverem alcançado um certo
desenvolvimento, ordenarão e dirigirão as coisas do mundo material. Depois,
poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, que tudo se encadeia
na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser
átomo. Admirável lei de harmonia, que o vosso acanhado espírito ainda não pode
apreender em seu conjunto!” 75. Algo de verdade haverá nos pactos com os maus
Espíritos? “Não, não há pactos. Há, porém, naturezas más que simpatizam com
os maus Espíritos. Por exemplo: queres atormentar o teu vizinho e não sabes
como hás de fazer. Chamas então por Espíritos inferiores que, como tu, só
querem o mal e que, para te ajudarem, exigem que também os sirvas em seus maus
desígnios. Mas, não se segue que o teu vizinho não possa livrar-se deles por
meio de uma conjuração oposta e pela ação da sua vontade. Aquele que intenta
praticar uma ação má, pelo simples fato de alimentar essa intenção, chama em
seu auxílio maus Espíritos, aos quais fica então obrigado a servir, porque dele
também precisam esses Espíritos, para o mal que queiram fazer. Nisto é que
consiste o pacto.” O fato de o homem ficar, às vezes, na dependência dos
Espíritos inferiores nasce de se entregar aos maus pensamentos que estes lhe
sugerem e não de estipulação quaisquer que com eles faça. O pacto, no sentido
vulgar do termo, é uma alegoria representativa da simpatia existente entre um
indivíduo de natureza má e Espíritos malfazejos. 76. Qual o sentido
das lendas fantásticas em que figuram indivíduos que teriam vendido suas almas
a Satanás para obterem certos favores? “Todas as fábulas encerram um
ensinamento e um sentido moral. O vosso erro consiste em tomá-las ao pé da
letra. Isso a que te referes é uma alegoria, que se pode explicar desta
maneira: aquele que chama em seu auxílio os Espíritos, para deles obter
riquezas, ou qualquer outro favor, rebela-se contra a Providência; renuncia à
missão que recebeu e às provas que lhe cumpre suportar neste mundo. Sofrerá na
vida futura as consequências desse ato. Não quer isto dizer que sua alma fique
para sempre condenada à desgraça. Mas, desde que, em lugar de se desprender da
matéria, nela cada vez se enterra mais, não terá, no mundo dos Espíritos, a
satisfação de que haja gozado na Terra, até que tenha resgatado a sua falta,
por meio de novas provas, talvez maiores e mais penosas. Coloca-se, por amor
dos gozos materiais, na dependência dos Espíritos impuros. Estabelece-se assim,
tacitamente, entre estes e o delinquente, um pacto que o leva à sua perda, mas
que lhe será sempre fácil romper, se o quiser firmemente, granjeando a
assistência dos bons Espíritos.” 77. Pode um homem mau, com o auxílio de
um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo? “Não;
Deus não o permitiria.” 78. Que se deve pensar da crença no poder, que
certas pessoas teriam, de enfeitiçar? “Algumas pessoas dispõem de
grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se maus forem seus próprios
Espíritos, caso em que possível se torna serem secundados por outros Espíritos
maus. Não creias, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação
de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da Natureza. Os
fatos que citam, como prova da existência desse poder, são fatos naturais, mal
observados e sobretudo mal compreendidos.” 79. Que efeito podem produzir as
fórmulas e práticas mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do
concurso dos Espíritos? “O efeito de torná-las ridículas, se procedem
de boa-fé. No caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as
fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum
sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre os Espíritos,
porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais.”
a) - Mas, não é exato que alguns Espíritos têm ditado, eles próprios, fórmulas
cabalísticas? “Efetivamente, Espíritos há que indicam sinais, palavras
estranhas, ou prescrevem a prática de atos, por meio dos quais se fazem os
chamados conjuros. Mas, ficai certos de que são Espíritos que de vós outros
escarnecem e zombam da vossa credulidade.” 80. Não pode aquele que, com ou sem
razão, confia no que chama a virtude de um talismã, atrair um Espírito, por
efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que atua é o pensamento, não
passando o talismã de um sinal que apenas lhe auxilia a concentração? “É
verdade; mas, da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos depende a
natureza do Espírito que é atraído. Ora, muito raramente aquele que seja
bastante simplório para acreditar na virtude de um talismã deixará de colimar
um fim mais material do que moral. Qualquer, porém, que seja o caso, essa
crença denuncia uma inferioridade e uma fraqueza de ideias que favorecem a ação
dos Espíritos imperfeitos e escarninhos.” O Espiritismo e o magnetismo nos dão a
chave de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu um
sem-número de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados pela
imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências que, a bem dizer, formam
uma única, mostrando a realidade das coisas e suas verdadeiras causas,
constitui o melhor preservativo contra as ideias supersticiosas, porque revela
o que é possível e o que é impossível, o que está nas leis da Natureza e o que
não passa de ridícula crendice. (Allan Kardec). 81. Têm algumas
pessoas, verdadeiramente, o poder de curar pelo simples contato? “A
força magnética pode chegar até aí, quando secundada pela pureza dos
sentimentos e por um ardente desejo de fazer o bem, porque então os bons
Espíritos lhe vêm em auxílio. Cumpre, porém, desconfiar da maneira pela qual
contam as coisas pessoas muito crédulas e muito entusiastas, sempre dispostas a
considerar maravilhoso o que há de mais simples e mais natural. Importa
desconfiar também das narrativas interesseiras, que costumam fazer os que
exploram, em seu proveito, a credulidade alheia.” 82. Podem a bênção e
a maldição atrair o bem e o mal para aquele sobre quem são lançados? “Deus
não escuta a maldição injusta e culpado perante ele se torna o que a profere.
Como temos os dois gênios opostos, o bem e o mal, pode a maldição exercer
momentaneamente influência, mesmo sobre a matéria. Tal influência, porém, só se
verifica por vontade de Deus como aumento de prova para aquele que é dela
objeto. Demais, o que é comum é serem amaldiçoados os maus e abençoados os
bons. Jamais a bênção e a maldição podem desviar da senda da justiça a
Providência, que nunca fere o maldito, senão quando mau, e cuja proteção não
acoberta senão aquele que a merece.” O Livro dos Espíritos Capítulo 9 – 2ª
parte. www.institutoandreluiz.org.
Abraço. Davi
quinta-feira, 25 de julho de 2019
JESUS NA ÍNDIA
www.obervadorcriticodasreligioes.com.
Texto de Otávio Botelho da Cunha. JESUS NA ÍNDIA – UMA BREVE ANÁLISE DAS
FONTES. A vida de Jesus sem a crucificação e, consequentemente, sem a
ressurreição, é algo inconcebível para tradição cristã, ou melhor, mais do que
isto, uma remoção da base da doutrina do Cristianismo, a qual foi construída a
partir do crucial milagre da ressurreição, que está bem no coração da fé
cristã. No entanto, não era assim nos primeiros anos do Cristianismo, quando
diferentes correntes exegéticas disputavam a hegemonia ideológica da nova
crença. Os gnósticos, com base no que é possível perceber a partir dos textos
remanescentes e dos descobertos, por exemplo, não davam tanta importância para
os fenômenos da crucificação e da ressurreição, tal como faziam os seguidores
da corrente que se tornaria ortodoxa mais tarde, pois para eles, Jesus era mais
um sábio do que um salvador, portanto, a sua sabedoria era mais importante que
os milagres e o fenômeno da ressurreição. Os textos gnósticos compostos no
momento das aparições de Jesus após a morte não são para provar que ele
alcançou o fantástico milagre de renascer entre os mortos, tal como o
Cristianismo Ortodoxo entende, mas sim para transmirtir ensinamentos numa
sublimidade que nenhum outro era capaz. Enfim, para os gnósticos as instruções
são mais importantes que os milagres da ressurreição e das aparições póstumas.
Um exemplo é o Pistis Sophia, um extenso texto gnóstico no qual
Jesus transmite ensinamentos aos discípulos durante uma aparição após a morte. Assim,
o estudo abaixo trata de uma versão da vida de Jesus que desmorona todo o
edifício da tradicional fé cristã, erguido, após muita luta e sangue, sobre os alicerces
da crucificação e da ressurreição de Jesus, ou seja, a hipótese de que ele não
tenha morrido na cruz, daí a magnitude da polêmica entre os religiosos. O
ímpeto fantasioso. O ímpeto pela fantasia é tão incontido nos religiosos
que o processo de composição de novas lendas e mitos não tem fim, bem como o
resgate de antigas lendas perdidas continua a atrair a curiosidade de muitos.
Mesmo numa época predominantemente secular, tal como o século XX, novos relatos
fantasiosos sobre as antigas religiões e seus líderes são criados com a
receptividade dos curiosos, sobretudo daqueles que procuram versões
alternativas que, supostamente, preencham lacunas deixadas pelas grandes
religiões tradicionais. No Ocidente, este interesse é alimentado, sobretudo,
pelos esoteristas, pelos teósofos, pelos rosa-cruzes, pelos new agers e
por outros, os quais estão sempre abertos e ávidos por novas revelações, por
novos achados e por novas interpretações que satisfaçam os seus apetites por
esclarecimentos suplementares ausentes nas religiões tradicionais, não
importando, na maioria das vezes, o quão fantasiosa a nova revelação possa ser.
Com respeito ao Cristianismo, a continuidade do aparecimento de novos relatos,
sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, recebeu os nomes de “apócrifos
modernos” ou de “boatos bíblicos” (Good speed, 1956). Se estas denominações são
procedentes ou não, trata-se de um assunto discutível. A literatura sobre estas
novas revelações e descobertas é extensa, de modo que o breve estudo abaixo se
limitará aos recentes textos sobre a viagem e a estadia de Jesus na Índia. O
assunto nunca foi seriamente encarado pelos acadêmicos. Com isso, não temos
literatura acadêmica, apenas breves avaliações e comentários desaprovadores por
especialistas, os quais não se deram ao trabalho de aprofundar na questão.
Porém, mesmo assim, será interessante tratar deste assunto aqui, pois embora
não seja de interesse acadêmico, provoca muito reboliço na mídia e na
população. Veja os exemplos do alvoroço provocado por filmes como a Última
Tentação de Cristo (1988) e O Código Da Vinci (2006),
ambos a partir de livros, duas obras que tratam da sobrevivência de Jesus à
crucificação. A lacuna nos evangelhos canônicos. Os quatro textos
oficiais omitem o relato da vida de Jesus dos 12 aos 30 anos de idade. No
máximo, o Evangelho de Lucas apenas menciona que ele foi levado ao templo na
idade de 12 anos (Lucas 2,41), mais adiante é afirmado que ele inicia seu
ministério na idade de cerca de 30 anos (Lucas 3,23), portanto um salto de 18
anos. Existem alguns evangelhos apócrifos da infância, porém nada foi
registrado da sua adolescência e do início da sua vida adulta. Esta
lacuna deixa a curiosidade em saber da vida do nazareno durante este período.
Os relatos sobre as suas viagens durante este período, sobretudo à Índia, são
contestada pelos oponentes com base em um episódio, nem tão esclarecedor,
narrado nos evangelhos de Marcos e de Mateus, quando Jesus está iniciando seu
trabalho de pregação e é visto por conterrâneos que se surpreendem com o seu
discurso, então proferem a indagação: “Não é ele o carpinteiro, o filho de
Maria (…)”? (Marcos 6,3 e Mateus 13,53). Existe uma diferença na redação destas
duas passagens, na de Marcos, Jesus é mencionado como o ‘carpinteiro’
(gr: tekton; lat: faber), enquanto na de Mateus, é
mencionado como o ‘filho do carpinteiro’ (gr: tektonos uios;
lat: fabri filius). A alegação dos contestadores das viagens é que
Jesus permaneceu em sua cidade, trabalhando como carpinteiro, durante este
período, por isso a familiaridade de seus conterrâneos e a surpresa pela sua
pregação. No entanto, a indagação dos conterrâneos não é suficiente para
assegurar a sua invariável permanência, pois a frase “filho do carpinteiro” (tektonos
uios) deixa uma margem para o fato de Jesus ser conhecido apenas como o
filho de José, o carpinteiro, e não ter sido um carpinteiro de profissão, bem
como a possibilidade de ter estado fora da região por algum período, portanto
não trabalhou o tempo todo como carpinteiro em sua cidade. Os anos perdidos
e a sobrevivência à crucificação. O período da vida de Jesus omitido nos
relatos bíblicos é conhecido como “os anos perdidos” ou “os anos desconhecidos”
(Notovitch, 1916; Dowling, 1947; Prophet, 1987; Kerster, 2001 e Ahmad, 2003),
isto é, a fase dos 12 aos 30 anos, quando alguns autores alegam que o nazareno
esteve com os essênios, ou visitou a Bretanha, ou viajou pelo Oriente (Índia,
Tibete, Egito, Pérsia, Grécia, Japão, etc.), aprendendo com os sábios ou
ensinando ao povo. Outra alegação é a de que ele não morreu na cruz (Alcorão
4:157 e Ahmad, 2003: 57-62), sendo então substituído por outra pessoa no
momento da crucificação, a qual foi crucificada em seu lugar, ou também,
sobreviveu à crucificação, não chegando a morrer, mas apenas sofreu um desmaio (Ahmad,
2003: 17), este último caso é conhecido como “hipótese do desmaio”. Então, em
seguida, partiu em viagem para o Oriente, onde faleceu nestas terras distantes
em idade avançada (Ahmad, 2003: passim), ou até mesmo que Jesus
visitou as regiões orientais tanto na sua juventude como depois da
sobrevivência à crucificação (Kersten, 2001). Os mórmons acreditam que Jesus
realizou aparições na América depois da sua morte. Dentre todas estas
especulações, o estudo aqui se limitará à hipótese de sua viagem à Índia, do
contrário este estudo se tornaria muito extenso, em vista do grande número de
relatos delirantes. O despertar do interesse. O assunto acima estava
adormecido até 1887, quando o jornalista russo Nicolas Notovitch (1858-1916),
durante uma viagem à Índia, visitou a região do Ladak, no estado da
Caxemira, Índia, onde predomina a cultura do Budismo Tibetano, por isso o Ladak é
apelidado de “Pequeno Tibete”. Após uma fratura na perna, ele teve de ser
assistido por monges do mosteiro budista de Hemis, nesta região,
fato que lhe obrigou a estender sua permanência. Na ocasião, ele foi informado
da existência de um manuscrito desconhecido com o nome de “A Vida do
Santo Issa, o Melhor dos Filhos do Homem” guardado na biblioteca
deste mosteiro. Issa é o nome atribuído a Jesus no Alcorão
(3,45 e 5,75). Então, com a ajuda de um intérprete, anotou as traduções para,
assim, publicá-las depois em Paris com o título de “La Vie Inconneu de Jésus
Christ” (A Vida Desconhecida de Jesus Cristo), em 1894. A edição inglesa
apareceu logo em seguida, com o nome de “The Unknown Life of Jesus Christ”,
em 1895 (Notovitch, 1916: 08-9). O livro, certamente, provocou um alvoroço no
meio intelectual. As opiniões se dividiram entre os que acreditaram na
publicação de Notovitch e os que perceberam nela uma fraude. O primeiro a
contestar foi o então prestigiado orientalista F. Max Müller, no jornal
inglês The Nineteenth Century, em Outubro de 1894, onde ele
denunciou a descoberta de Notovitch como uma fraude, bem como suspeitou até
mesmo da visita deste jornalista russo ao mosteiro de Hemis no Ladak (Kerster,
2001: 10). Outro ataque, desta vez de um professor do Government
College de Agra, Índia, J. Archibald Douglas, cuja visita
ao Ladak em 1895, o levou a investigar a autenticidade da
descoberta de Notovitch. Seu relato foi publicado em Abril de 1896 no Orientalischen
Bibliografie com o título de “Documentos provam a fraude de
Notovitch”. Outra publicação do The Nineteenth Century, em 1896,
contém a afirmação de J. A. Douglas, durante sua visita ao mosteiro Hemis,
de que o abade, ao conhecer a publicação de Notovitch, respondeu que “tudo era
mentira” (Kerster, 2001: 11). Em 1956, Edgar J Goodspeed usou o primeiro
capítulo de seu livro Famous Biblical Hoaxes or Modern Apocrypha (Famosos
Boatos Bíblicos ou Apócrifos Modernos) para demonstrar a fraude de Nicolas
Notovitch. Mais recentemente, o conhecido e dedicado pesquisador bíblico Bart
D. Ehrman (1955- ) escreveu: “Hoje não
há um único pesquisador reconhecido no planeta que tenha dúvida sobre a
matéria. A história inteira foi inventada por Notovitch, que ganhou muito
dinheiro e uma substancial soma de notoriedade por seu boato” (Ehrman, 2011:
282-3). Para James R. Lewis (1959- ),
tudo é uma forja (Lewis, 2003: 79s). Por outro lado, Nicolas Notovitch também
teve defensores, naturalmente da parte de um esoterista, de um místico, e de
uma que se autoproclamava vidente (Kersten, 2001: 01-18; Abhedananda, 1987 e
Prophet, 1987: 92-120 respectivamente). Enfim, somente estas modalidades de
pessoas acreditaram em Notovitch. O fato é que, o manuscrito, do qual Notovich
retirou suas anotações traduzidas, nunca foi mostrado publicamente, nem sequer
uma cópia, sendo assim, nunca foi entregue para o escrutínio de pesquisadores
acadêmicos com conhecimento em Crítica Textual e em Filologia, para a avaliação
da sua autenticidade, do seu significado e da sua credibilidade como documento histórico.
“A Vida Desconhecida de Jesus Cristo” de Nicolas Notovitch. Agora,
deixando de lado a questão se a publicação de Notovitch é autêntica ou uma
fraude, ou seja, se o tal manuscrito realmente existe, se ele esteve no
mosteiro de Hemis, se o tal manuscrito lhe foi mostrado, se ele de
fato anotou as traduções ditadas pelo tradutor, etc., uma vez que a dúvida não
foi esclarecida até hoje, a análise do próprio conteúdo da publicação poderá
ser mais útil para o julgamento da autenticidade. Notovitch afirmou que a sua
publicação de “A Vida Desconhecida de Jesus Cristo” não é uma tradução integral
do manuscrito que lhe foi mostrado no mosteiro de Hemis, mas sim
uma coletânea de notas que ele efetuou conforme o tradutor lhe foi ditando.
Estas anotações em algumas passagens coincidem e em outras divergem dos relatos
do Antigo e Novo Testamentos. Com respeito a Jesus, chamado de Issa neste
texto, ele já era um admirado pregador na idade de treze anos, quando sua casa
era frequentada por ricos e nobres, os quais disputavam o jovem Issa (Jesus)
como genro (Notovitch, 1916: 106-7). Mas Issa não se
interessou por este destino e, clandestinamente, deixou a casa dos pais para,
na companhia de mercadores, viajar em direção a Sindh (Índia),
para “se aperfeiçoar na divina palavra e estudar as leis dos grandes Budas”
(idem, p. 107). Chegando lá, ele primeiro esteve com os adoradores do
deus Jaina (os jainistas não adoram nenhum deus), mas logo em
seguida os abandonou e se dirigiu para a província de Orissa (nordeste
da Índia). Lá encontrou os brâmanes, os quais lhe ensinaram a ler e a
compreender os Vedas (os brâmanes nunca ensinavam os Vedas aos estrangeiros no
passado), a realizar curas pela oração e a expulsar demônios. Ele permaneceu
seis anos em algumas cidades, inclusive Benares, na companhia dos vaishyas e
dos sudras, as castas mais baixas do Hinduísmo (idem, p. 108).
Então, Issa passou a ensinar o que tinha prendido dos Vedas
aos membros das castas mais baixas, o que provocou a imediata ira dos brâmanes
de dos kshatriyas (as castas mais altas), uma vez que a lei
hindu (Dharma Shastra) restringe o ensino védico aos vaishyas e
proíbe totalmente aos sudras. Em seguida, Issa (Jesus)
negou a divina origem dos Vedas e dos Puranas (os
pesquisadores ainda não têm certeza se os Puranas já tinham
sido compostos naquela época, sobretudo na forma em que se apresentam hoje),
bem como desestimulou a adoração aos deuses hindus e começou a fazer uma
pregação com base na doutrina bíblica, falou até do Juízo Final aos vaishyas e
aos sudras (para quem conhece o Hinduísmo, esta seria, se
fosse verdade, uma cena cômica). Ao saberem deste discurso de Issa,
os brâmanes ordenaram que ele fosse assassinado (essa reação não é comum na
história do Hinduísmo). Porém, antes disto, Issa ficou sabendo
e fugiu para o Nepal, onde aprendeu a língua Páli e estudou os Sutras (sermões)
de Buda (idem p. 113) – ainda é dúvida se a língua Páli era conhecida naquela
época no local. Depois deixou esta região em direção ao Ocidente, onde
continuou pregando em seu caminho até chegar de volta à Israel com 29 anos de
idade (idem, p. 123). Na passagem pela sua terra natal (idem p. 123-46), alguns
episódios coincidem e outros divergem do Novo Testamento. Seria muito extenso
mencioná-los todos aqui, porém os mais curiosos são os fatos que Issa também
é crucificado e a tumba é encontrada vazia depois de três dias, mas não por
Maria Madalena, e sim pela multidão (idem, p. 146), então o texto termina aqui.
De maneira que não menciona a ressurreição e nem as aparições póstumas de Issa aos
discípulos. Bem, se o relato acima não é crível, é, pelo menos, cômico em
alguns trechos. Outro livro sobre a viagem de Jesus à Índia, nesta mesma fase
da sua vida, é a fantasiosa obra de Levi Dowling (1844-1911) “The Aquarian
Gospel of Jesus the Christ” (O Evangelho Aquariano de Jesus, o
Cristo), primeira edição em 1908, com a diferença que este não foi escrito a
partir de algum manuscrito antigo, mas sim de experiências de clarividência. Em
linhas gerais, o trecho sobre a viagem a Índia (p. 47-65) ora coincide ora
diverge da narrativa do livro de Notovitch, com alguns acréscimos ainda mais
cômicos e a especificação de mais detalhes. Afirma-se aí que Jesus esteve e
estudou em Jagannath, na cidade de Puri, no estado
de Orissa, Índia, um templo Vishnuista do Hinduísmo, famoso por seu
festival anual da carruagem (Ratha Yatra). Este relato é tão absurdo
que, segundo a história e as pesquisas arqueológicas, este templo só foi
construído durante a dinastia Ganga Oriental (séculos XI-XV),
mais precisamente, iniciado pelo rei Ananga Bhima Deva em 1174
e.c. e finalizado em 1198, portanto o templo ainda não existia na época de
Jesus. Jesus na Índia após a crucificação. Outro momento que é alegado
que Jesus esteve na Índia, mas não na fase dos 12 aos 30 anos de idade, como
tratado acima, e sim no período após a crucificação, com o argumento que ele
sobreviveu à crucificação. A tradição de que ele não morreu na cruz é antiga,
uma das fontes mais antigas é a seguinte passagem do Alcorão 4:157 “e disseram:
Nós matamos o Messias, Jesus, o filho de Maria, o Mensageiro de deus. (Quando
na verdade) eles não o mataram, nem o crucificaram, embora pareceu assim para
eles. Aqueles que discordaram sobre ele (se morreu ou não) estão em dúvida, sem
nenhum conhecimento, somente suposição, eles certamente não o mataram” (Haleem,
2005: 65). Ainda na tradição islâmica, H. M. Ghulam Ahmad menciona alguns Hadiths (ditos
de Maomé), da coleção conhecida como Kanz-ul-Ummal, de que Jesus
viveu até a idade avançada de 125 anos, viajou por muitas partes do mundo e
ficou conhecido como o “profeta viajante” (Ahrmad, 2003: 62-3). Este autor, que
é o fundador do movimento islâmico reformista Ahrmadiyya Muslim Jamat,
é um dos primeiros e mais ardentes defensores da tese de que Jesus sobreviveu à
crucificação, viajou para a Índia para encontrar as tribos de Israel e, o que é
também surpreendente, do argumento de que o profeta Yuz Asaf,
enterrado no santuário de Roza Bal, na cidade de Srinagar,
Caxemira, é o próprio Jesus. Ele foi o principal divulgador desta tradição
de Roza Bal, através do seu livro, publicado em 1908 na língua urdu
“Misih Hindustan Mein”, depois publicado em inglês pela primeira vez em
1944, com o título de “Jesus in Índia”. H. Mirza Ghulam Ahmad influenciou outros
autores, inclusive esoteristas ocidentais, os quais acreditaram na sua
argumentação. Em suma, para ele Jesus sobreviveu à crucificação, viveu na Índia
por muitos anos, que ele é Yuz Asaf e está sepultado no
santuário de Roza Bal em Srinagar, Caxemira. Jesus
no Bhavishya Purana. Os Puranas são textos em
sânscrito que fazem parte de uma coleção de contos dos tempos antigos da Índia.
Estão entre as mais importantes e influentes escrituras do Hinduísmo. Existem
18 Puranas principais, conhecidos como Maha Puranas (Grande
Puranas), e o Bhavishya Purana está entre eles. Diferente dos
demais, o Bhavishya Puranatrata, além dos habituais tópicos comuns
nos outros puranas, de profecias sobre o futuro (bhavishya),
portanto, em alguns trechos, é um purana profético. O que
existe de excepcional neste purana é a referência a Jesus,
mencionado como Isha Putra (filho de deus), a partir dos
termos Isa e Issa dos textos islâmicos, no
episódio do diálogo com o rei Salivahana (também conhecido
como Gautamiputra Shatakarni), pertencente à dinastia Shatavahana,
que reinou de 78 a 102 e.c. (portanto contemporâneo com o período da
sobrevivência de Jesus à crucificação), cuja capital do reino era Ujjain,
no atual estado de Madhya Pradesh, na Índia Central. Este
diálogo aparece no Pratisarga Parva do Chaturyuga
Kanda do Dwitiya Adhyayah, no capítulo 19, versos 17-32.
Abaixo um resumo deste trecho. O texto inicia informando que uma vez um
poderoso rei, chamado Salivahana, alcançou muitas conquistas, o
qual subjulgou os Shakas, os Cinas, o povo de Roma, os
descendentes de Khuru e o povo de Bahikaus. Em
seguida estabeleceu as fronteiras do país dos arianos e a dos Mlecchas (estrangeiros
impuros). O país dos arianos era conhecido como Sindusthan, o qual se
transformou em um grande país. Uma vez o rei Salivahana dirigiu-se
para o oeste, na direção de Hunadesha (região perto da
montanha Kailasano Tibete Ocidental). Aí, o rei avistou um
auspicioso homem que vivia numa montanha. A pele deste homem era dourada e suas
roupas brancas. Então, o rei lhe perguntou: “Quem és tu, senhor”? O Homem
respondeu: “Você deveria saber que eu sou Isha Putra, o filho de
deus”, e completou: “eu sou filho de uma virgem”. “Eu sou o expositor da
religião dos Mlecchas e eu me prendo estritamente à verdade
absoluta”. Ao ouvir isto o rei indagou: “Quais são os princípios de acordo com
sua opinião”? Após ouvir esta pergunta de Salivahana, Isha
Putra (Jesus) disse: “Ó rei, quando a destruição da verdade ocorreu,
eu, Masiha, o profeta, vim para este país de um povo degradado,
onde não há regras e leis. Então, ao encontrar esta temerosa condição
irreligiosa dos bárbaros, a qual se espalha desde o país dos Mlecchas,
eu decidi assumir o papel de profeta deste povo”. Então, em seguida, Isha
Putra (Jesus) expôs os princípios da sua religião ao rei, através de
tópicos da religião hindu. No final, Isha Putra afirma que se
tornou o Isha Masiha (Jesus, o Messias). Após ouvir estas
comoventes palavras e prestar reverência a aquele homem, o qual é adorado pelos
bárbaros, o rei humildemente pediu a ele para permanecer na terra horrível
dos Mlecchas (estrangeiros impuros). Primeiro é preciso
esclarecer que o Bhavisha Purana é um texto cercado de
desconfianças, uma vez que, das quatro edições disponíveis atualmente, nenhuma
coincide uma com a outra em muitos pontos. Por isso, Maurice Winternitz observa
que “o texto preservado até nós em forma manuscrita certamente não é a antiga
obra, a qual é citada no Apastambiya Dharmasutra” e que Th.
Aufrecht o “tem exposto como uma fraude literária” (Winternitz, 1990,
541). As fraudes não são difíceis de serem percebidas, pois se mostram
através de clamorosas falhas histórias e anacrônicas. Logo no início é afirmado
que o rei Salivahara (r. 78-102 e.c.) derrotou os Shakas,
os Cinas (chineses), o povo de Roma, os descendentes de Khuru (os
persas) e o povo de Bahikaus (bactrinianos-gregos).
Historicamente falando, dos povos relacionados, o rei Salivahana (Gautamiputra
Shatakarni), na verdade, derrotou apenas os Shakas (Keay,
2000, 131). Os outros povos derrotados pelo rei Salivahana, conhecidos
na história, são os Yavanas e os Pahlavas, porém
não são mencionados no texto em questão. Não existe nenhum registro na história
indiana no qual os chineses travaram uma batalha com os indianos no passado.
Também, os indianos nunca guerrearam com os romanos, apenas com os gregos, na
época de Alexandre, o Grande. Ademais, não existe prova de que os gregos
chegaram até a região de Ujjain, a capital Shatavahana na
Índia Central, a ocupação grega na Índia se limitou à região noroeste. Ainda
mais, existe uma forte suspeita de que este trecho do Bhavishya Purana seja uma interpolação
acrescida por missionários cristãos, durante o período da ocupação britânica na
Índia, com o objetivo de converter os hindus das classes mais instruídas, uma
vez que sabemos que alguns sacerdotes aprenderam a língua sânscrita, e esta foi
uma estratégia para tentar aproximar o Cristianismo do Hinduísmo e,
consequentemente, com isso, facilitar as conversões. A pista para esta suspeita
é o fato de que todas as edições existentes deste texto são do período a partir
da colonização britânica. Outra curiosidade é a diferença entre as quatro
edições conhecidas, uma tem 5 capítulos, outra tem 4, uma outra tem 3 e ainda
uma outra tem apenas 1 capítulo. Também, o conteúdo em cada uma das 4 versões
diverge em muitos graus, algumas têm mais versos, enquanto outras têm menos,
embora todas elas mencionam Jesus (Isha Putra), porém, com razões
diferente. Aqui foi utilizada, para este estudo, a edição da Venkateswara
Press, Mumbai, 1917. A exposição dos princípios da religião dos Mlecchas por
Jesus (Isha Putra) ao rei Salivahana (versos 27-9)
parece uma pregação proferida pela boca de um guru hindu, com tópicos tais
como: prescrição da prática de japa(repetição de mantras),
menção do Surya Mandala (diagrama do deus Sol para adoração
dos hindus) e da dhyana(meditação). Enfim, para encerrar, se para
um cristão tradicional a ideia de uma vida de Jesus sobrevivendo à
crucificação, portanto sem ressurreição, já é sentida como um desmoronamento da
fé cristã, imagine então o choque que será ao saber de um Jesus pregando
doutrinas e prática hindus. www.observadorcriticodasreligioes.com.
Abraço. Davi
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