Teosofia.
Texto de Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Capítulo I. A BUSCA DO HOMEM – A MENTE
TORTURADA – O CAMINHO TRADICIONAL – A ARMADILHA DA RESPEITABILIDADE – O ENTE
HUMANO E O INDIVÍDUO – A BATALHA DA EXISTÊNCIA – A NATUREZA BÁSICA DO HOMEM – A
RESPONSABILIADE – A VERDADE – A DISSIPAÇÃO DE ENERGIA – A LIBERTAÇÃO DA
AUTORIDADE. Ao longo das Eras, o homem vem buscando algo além de si próprio,
além do bem-estar material – algo que ele pode chamar de verdade, de Deus ou
realidade, de um estado atemporal – algo que não possa ser perturbado pelas
circunstâncias, pelo pensamento ou pela corrupção humana. O homem sempre
indagou: Qual a finalidade de tudo isto? Tem a vida alguma significação? Vendo
a enorme confusão reinante na vida, as brutalidades, as revoltas, as guerras,
as intermináveis divisões da religião, da ideologia, da nacionalidade, pergunta
o homem, com um profundo sentimento de frustração, o que se deve fazer, o que é
isso que se chama viver e se alguma coisa existe além de seus limites. E, sem
conseguir encontrar essa coisa sem nome e de mil nomes que sempre buscou, o
homem cultivou a fé – fé num salvador ou num ideal, a fé que invariavelmente
gera a violência. Nesta batalha constante que chamamos “viver”, procuramos
estabelecer um código de conduta, conforme a sociedade na qual somos criados,
quer seja uma sociedade comunista ou uma supostamente livre; aceitamos um
padrão de comportamento como parte de nossa tradição hinduísta, muçulmana,
cristã, judaica ou outra. Esperamos que alguém nos diga o que é conduta justa
ou injusta, pensamento correto ou incorreto e, ao seguir esse padrão, nossa
conduta e nosso pensar se tornam mecânicos, nossas reações, automáticas.
Pode-se observar isso muito facilmente em nós mesmos. Durante séculos fomos
amparados por nossos instrutores, nossas autoridades, nossos livros, nossos
santos. Pedimos: “Diga-me tudo; mostre-me o que existe além dos montes, das
montanhas e da Terra” – e satisfazemo-nos com suas descrições, quer dizer,
vivemos de palavras, e nossa vida é superficial e vazia. Não somos originais.
Temos vivido das coisas que os outros nos dizem ou sendo guiados pelas nossas
inclinações, pelas nossas tendências, ou impelidos a aceitar pelas
circunstâncias e pelo ambiente. Somos o resultado de toda espécie de influência
e em nós nada existe de novo, que tenha sido descoberto por nós mesmos, que
seja original, inédito, claro. Em consonância com a história teológica,
garantem-nos os guias religiosos que, se observarmos determinados rituais,
recitarmos certas preces e versos sagrados, obedecermos a alguns padrões,
refrearmos nossos desejos, controlarmos nossos pensamentos, sublimarmos nossas
paixões, abstivermos dos prazeres sexuais, então, após torturar suficientemente
o corpo e o espírito, encontraremos uma certa coisa além desta vida
desprezível. É isso o que tem feito, no decurso das eras, milhões de indivíduos
ditos religiosos, quer pelo isolamento nos desertos, nas montanhas, numa
caverna, quer peregrinando de aldeia em aldeia, pedindo esmolas; quer em grupos,
ingressando em mosteiros e forçando a mente a se ajustar a padrões
estabelecidos. Mas a mente que foi torturada, subjugada, a mente que deseja
fugir a toda agitação, que renunciou ao mundo exterior e se tornou embotada
pela disciplina e pelo ajustamento – essa mente, não importa o quanto procure,
só achará o que estiver em conformidade com sua própria deformação. Assim, para
descobrir se de fato existe ou não alguma coisa além desta existência ansiosa,
culpada, temerosa, competidora, parece-me necessário que tomemos um caminho
completamente diferente. O caminho tradicional vai da periferia para o centro,
com a finalidade de atingir gradativamente, através do tempo, da prática e da
renúncia, aquela flor interior, aquela intima beleza e amor – enfim, tudo fazer
para nos tornarmos tacanhos, vulgares e falsos, ir retirando as camadas uma a
uma; precisar do tempo: amanhã ou na próxima vida chegaremos – e quando,
afinal, atingimos o centro, não encontramos nada, porque nossa mente se tornou
incapaz, embotada, insensível. Após observar esse processo, perguntamos a nós
mesmos se não haverá outro caminho totalmente diferente, isto é, se não teremos
possibilidade de “explodir” a partir do centro. O mundo aceita e segue o
caminho tradicional. A causa primária da desordem que existe em nós é o fato de
estarmos buscando a realidade prometida por outrem; seguimos mecanicamente todo
aquele que nos garante uma vida espiritual confortável. É um fato
verdadeiramente singular este, que, embora em maioria sejamos contrários à tirania
política e à ditadura, interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de
outrem, permitindo-lhe deformar a nossa mente e a nossa vida. Assim, se de todo
rejeitarmos, não intelectual, porém realmente, a autoridade dita espiritual, as
cerimônias, rituais e dogmas, isso significará que ficaremos sozinhos, em
conflito com a sociedade; deixaremos de ser entes humanos respeitáveis. Ora, um
ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de se aproximar daquela
infinita, imensurável realidade. Comece agora a rejeitar uma coisa que é
totalmente falsa – o caminho tradicional – mas, se a rejeitar como reação, você
terá criado outro padrão no qual se verá aprisionado como numa armadilha: se
disser intelectualmente a si mesmo que essa rejeição é uma ideia importante, e
nada fizer, você não irá muito longe. Se, entretanto, você a rejeitar por ter
compreendido o quanto ela é estúpida e imatura, se a rejeitar por inteligência,
porque você é livre e não tem medo, criará muita perturbação dentro e ao redor
de si mesmo, mas se livrará da armadilha da respeitabilidade. Você verá, então,
que parou de buscar. Quando busca, você age, com efeito, como se estivesse
apenas olhando vitrines. A pergunta sobre se Deus, a verdade ou a realidade –
chame como quiser – existem jamais será respondida pelos livros ou pelos
sacerdotes, filósofos ou salvadores. Nada nem ninguém pode responder a essa
pergunta, somente você mesmo, e essa é a razão por que você precisa se
conhecer. Só é imaturo quem desconhece totalmente a si mesmo. A compreensão de
si próprio é o começo da sabedoria. E o que é esse si mesmo, esse eu
individual? Acho que existe uma diferença entre o ente humano e o indivíduo. O
indivíduo é a entidade local, o habitante de qualquer país, pertencente a
determinada cultura, uma dada sociedade, uma certa religião. O ente humano não
é uma entidade local. Ele está em toda parte. Se o indivíduo só atua num certo
ângulo, isolado do vasto campo da vida, sua ação está totalmente desligada do
todo. Portanto, é necessário ter em
mente que estamos falando do todo e não da parte, porque no maior está contido
o menor, mas o menor não contém o maior. O indivíduo é aquela insignificante
entidade condicionada, aflita, frustrada, satisfeita com seus pequeninos deuses
e tradições; já o ente humano está interessado no bem-estar geral, no
sofrimento geral e na total confusão em que se encontra o mundo. Nós, entes
humanos, somos os mesmos que éramos há milhões de anos – enormemente ávidos,
invejosos, agressivos, ciumentos, ansiosos e desesperados, com ocasionais
lampejos de alegria e afeição. Somos uma estranha mistura de ódio, medo e
ternura; somos a um tempo a violência e a paz. Tem-se feito progresso,
exteriormente, do carro de boi ao avião a jato, porém, psicologicamente, o
indivíduo não mudou em nada, e a estrutura da sociedade, em todo o mundo, foi
criada por indivíduos. A estrutura social, exterior, é o resultado da estrutura
psicológica, interior, das relações humanas, pois o indivíduo é o resultado da
experiência, dos conhecimentos e da conduta do homem, de modo global. Cada um
de nós é o repositório de todo o passado. O indivíduo é o ente humano que
representa toda a humanidade. Toda a história humana está escrita em nós.
Observe o que realmente está ocorrendo dentro e fora de si mesmo, na cultura de
competição em que você vive, com seu desejo de poder, posição, prestígio, nome,
sucesso, etc.; observe as realizações de que tanto você se orgulha, todo esse
campo que chama viver e no qual há conflito em todas as formas de relação,
suscitando ódio, antagonismo, brutalidade e guerras intermináveis. Esse campo,
essa vida, é tudo o que conhecemos, e como somos incapazes de compreender a
enorme batalha da existência, naturalmente lhe temos medo e dela tentamos fugir
pelas mais sutis e variadas maneiras. Temos também medo do desconhecido – medo
da morte, do que reside além do amanhã. Assim, temos medo do conhecido e medo
do desconhecido. Tal é a nossa vida diária: nela, não há esperança alguma e,
por conseguinte, qualquer espécie de filosofia, qualquer espécie de teologia
representa meramente uma fuga da realidade – do que existe. Todas as formas
exteriores de mudanças, produzidas pelas guerras, revoluções, reformas; pelas
leis e ideologia, falharam completamente, pois não mudaram a natureza básica do
homem e, portanto, da sociedade. Como seres humanos, vivendo neste mundo
monstruoso, perguntemos a nós mesmos: “Pode esta sociedade, baseada na
competição, na brutalidade e no medo, ter um fim? Ter um fim, não como conceito
intelectual, como esperança, mas como um fato real, de modo que a mente se
torne vigorosa, nova, inocente, capaz de criar um mundo totalmente diferente?”
Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que,
como indivíduos, como entes humanos – seja qual for a parte do Universo em que
vivamos, não importando a que cultura pertençamos – somos inteiramente
responsáveis por toda a situação do mundo. Somos, cada um de nós, responsáveis
por todas as guerras, geradas pela agressividade de nossa vida, pelo nosso
nacionalismo, nosso egoísmo, nossos deuses, nossos preconceitos, nossos ideais
– pois tudo isso está nos dividindo. E só quando percebermos, não
intelectualmente, mas realmente – tão realmente como reconhecemos que estamos
com fome ou que sentimos dor – bem como quando você e eu percebermos que somos
os responsáveis por todo esse caos, por todas as aflições existentes no mundo
inteiro, porque para isso contribuímos em nossa vida diária e porque fazemos
parte desta monstruosa sociedade, com suas guerras, divisões, sua fealdade,
brutalidade e avidez – só então poderemos agir. Mas o que pode fazer um ente
humano, que pode fazer você e que posso fazer eu para criar uma sociedade
completamente diferente? Estamos nos fazendo uma pergunta muito séria. É
necessário fazer alguma coisa? Que podemos fazer? Alguém nos dará essa
resposta? Muita gente a tem nos dado. Os chamados guias espirituais, que supõem
compreender essas coisas melhor do que nós, já nos responderam, tentando
modificar-nos e moldar-nos segundo novos padrões, e isso não nos levou muito
longe: homens sofisticados e eruditos também nos responderam, e também eles não
nos levaram mais longe. Disseram-nos que todos os caminhos levam à verdade,
você tem o seu caminho, como hinduísta, outros o têm como cristãos, e outros
judeus; ainda outros o têm como muçulmanos e budistas. Mas todos esses caminhos
vão acabar diante da mesma porta. Isso, quando o consideramos bem, é um
evidente absurdo. A verdade não tem caminho, e essa é sua beleza; ela é viva.
Uma coisa morta tem um caminho que a ela conduz, porque ela é estática, mas
quando você perceber que a verdade é algo que vive, que se movimenta, que não
tem pouso, não tem templo, mesquita, igreja ou sinagoga, e que a ela nenhuma
religião, nenhum instrutor, nenhum filósofo pode levar-nos – você verá, então,
também, que essa coisa viva é o que você realmente é – a sua irascibilidade, a
sua brutalidade, a sua violência, o seu desespero e a agonia e o sofrimento em
que vive. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. E você só
compreenderá isso se souber como olhar tais coisas da sua vida. Mas não se pode
olhá-las através de uma ideologia, de uma cortina de palavras, através de
esperanças e temores. Como vê, você não pode depender de ninguém. Não existe
nenhum guia, nenhum instrutor, nenhuma autoridade. Só existe você, as suas
relações com os outros e com o mundo, e nada mais. Quando se percebe esse fato,
ou ele produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura; ou,
enfrentando o fato de que você e ninguém mais é o responsável pelo mundo e por
si mesmo, pelo que pensa, pelo que sente, pela maneira como age, desaparece de
todo a autocompaixão. Normalmente, gostamos de culpar os outros, o que é uma
forma de autocompaixão. Poderemos, então, você e eu, promover em nós mesmos –
sem dependermos de nenhuma influência exterior, de nenhuma persuasão, sem
nenhum medo de punição – poderemos promover em nossa própria essência uma
revolução total, uma mutação psicológica, para que não sejamos mais brutais,
violentos, competidores, ansiosos, medrosos, ávidos (cobiça, egoísmo),
invejosos – enfim, todas as manifestações da nossa natureza que formaram a
sociedade corrompida em que vivemos nossa vida de cada dia? Importa compreender
desde já que não estou formulando nenhuma filosofia ou estrutura de ideias ou
conceitos teológicos. Todas as ideologias se me afiguram totalmente absurdas. O
importante não é uma filosofia da vida, porém que observemos o que realmente
está ocorrendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Se observar
muito atentamente o que está se passando, se examinar bem, você verá que tudo
se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total
da existência; ele é um fragmento, e todo fragmento, por mais engenhosamente
ajustado, por mais antigo e tradicional que seja, continua a ser uma parte
insignificante da existência, e nós temos de nos interessar pela totalidade da
vida. Quando consideramos o que está ocorrendo no mundo, começamos a
compreender que não existe nem processo exterior nem processo interior; existe
só um processo unitário, um movimento integral, total, sendo que o movimento
interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage
ao interior. Ser capaz de olhar esse fato – eis o que é necessário, só isso;
porque, se sabemos olhar, tudo se torna claríssimo. O ato de olhar não requer
nenhuma filosofia, nenhum instrutor. Ninguém precisa ensinar-nos como olhar.
Olhe simplesmente. Assim, vendo todo esse quadro, vendo-o não verbalmente porém
realmente, você pode transformar-se, de modo natural e espontâneo? Esse é o
verdadeiro problema. Será possível promover uma revolução completa na psique?
Eu gostaria de saber qual é a sua reação a uma pergunta dessas. Você dirá,
porventura: “Não quero mudar”? E a maioria das pessoas não quer, principalmente
aquelas que se acham em relativa segurança, social e economicamente, ou que
conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprias e as
coisas tais como são ou em forma ligeiramente modificada. Tais pessoas não nos
interessam. Ou talvez você diga, mais sutilmente: “Ora, isso é dificílimo, está
fora do meu alcance”. Nesse caso, você Já fechou o caminho, já parou de
investigar e será completamente inútil prosseguir. Ou, ainda, dirá: ”Percebo a
necessidade de uma transformação interior fundamental, em mim mesmo, mas como
empreende-la? Peço que me mostre o caminho, me ajude a alcança-la”. Se assim
falar, então o que o interessa não é a transformação em si, você não está
realmente interessado numa revolução fundamental: está, meramente, buscando um
método, um sistema capaz de efetuar a mudança. Se fossemos tão sem juízo que
lhe déssemos um sistema e você tão sem juízo que o seguisse, você estaria
meramente a copiar, a imitar, a ajustar-se, a aceitar, e, fazendo tal coisa,
teria estabelecido em si mesmo a autoridade de outrem, que resultaria em
conflito entre você e essa autoridade. Você pensa que deve fazer tal e tal
coisa porque mandaram que a fizesse e, no entanto, você é incapaz de fazê-la.
Você tem suas inclinações, tendências e pressões peculiares, que colidem com o
sistema que julga dever seguir e, por conseguinte, existe uma contradição. Você
levará, assim, uma vida dupla, entre a ideologia do sistema e a realidade de
sua existência diária. No esforço para ajustar-se a ideologia, recalca a si
mesmo e, no entanto, o que é realmente verdadeiro não é a ideologia, porém
aquilo que você é. Se tentar estudar-se de acordo com outrem, permanecerá
sempre um ente humano sem originalidade. O homem que diz: “Quero mudar, diga-me
como conseguir isso” – parece muito atento, muito sério, mas não o é. Ele quer
uma autoridade que, assim espera, estabelecerá a ordem nele próprio. Mas, pode
algum dia a autoridade promover a ordem interior? A ordem imposta de fora gera
sempre, necessariamente, a desordem. Você pode perceber essa verdade
intelectualmente, mas será capaz de aplica-la de maneira que a sua mente não
mais projete nenhuma autoridade – a autoridade de um livro, de um instrutor, da
esposa ou do marido, dos pais, de um amigo, ou da sociedade? Como sempre
funcionamos segundo o padrão de uma fórmula, essa fórmula passa a ser ideologia
e autoridade; mas assim que perceber realmente que a pergunta “como mudar?”
cria uma nova autoridade, você terá acabado com a autoridade para sempre. Vamos
repetir com clareza: Vejo que tenho de mudar completamente, desde as raízes do
meu ser; não posso mais depender de nenhuma tradição, porque foi a tradição que
criou essa colossal indolência, aceitação e obediência; não posso contar com os
outros para me ajudar a mudar, com nenhum instrutor, nenhum deus, nenhuma
crença, nenhum sistema, nenhuma pressão ou influência externa. Que sucede
então? Em primeiro lugar, você pode rejeitar toda autoridade? Se pode, isso
significa que já não tem medo. E então o que acontece? Quando rejeita algo
falso que traz consigo há gerações, quando larga uma carga de qualquer espécie,
o que acontece? Aumenta a sua energia, não? Você fica com mais capacidade, mais
ímpeto, mais intensidade e vitalidade. Se não sente isso, nesse caso você não
largou a carga, não se livrou do peso morto da autoridade. Mas, depois que
tiver se livrado dessa carga e tiver essa energia em que não existe medo de
espécie alguma – medo de errar, de agir incorretamente – essa própria energia
não é então mutação? Necessitamos de grande abundância de energia, e a
dissipamos com o medo; mas, quando existe a energia que vem depois de nos
livrarmos de todas as formas do medo, essa própria energia produz a revolução
interior, radical. Você nada tem que fazer nesse sentido. Você fica então a sós
consigo mesmo, e esse é o estado real que convém ao homem que considera a sério
essas coisas. E como já não conta com a ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, você
está livre para fazer descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há
liberdade, ela não pode fazer nada errado. A liberdade difere inteiramente da
revolta. Não existe agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Você é
livre e, desse centre, age. Por conseguinte, não existe medo, e a mente sem medo
é capaz de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer. O que agora vamos
fazer, portanto, é aprender a nos conhecer, não de acordo com um certo analista
ou filósofo, porque, se fazemos isso de acordo com outras pessoas, aprendemos a
conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos
realmente. Tendo percebido que não podemos depender de nenhuma autoridade
exterior para promover a revolução total na estrutura de nossa própria psique,
apresenta-se a dificuldade infinitamente maior de rejeitarmos nossa própria
autoridade interior, a autoridade de nossas próprias e insignificantes
experiências e opiniões acumuladas, conhecimento, ideias e ideais. Digamos que
você tivesse ontem uma experiência que lhe ensinou algo, e isso que ela ensinou
se torna uma nova autoridade, e sua autoridade de ontem é tão destrutiva quanto
a autoridade de um milhar de anos. A compreensão de nós mesmos não requer
nenhuma autoridade, nem a do dia anterior nem a de há mil anos, porque somos
entidades vivas, sempre em movimento, sempre a fluir e jamais se detendo. Se
olharmos a nós mesmos com a autoridade morta de ontem, nunca compreenderemos o
movimento vivo e a beleza e natureza desse movimento. Livrar-se de toda
autoridade, seja própria, seja de outrem, é morrer para todas as coisas de
ontem – para que a mente seja sempre fresca, sempre juvenil, inocente, cheia de
vigor e de paixão. Só nesse estado é que se aprende e observa. Para tanto,
requer-se grande capacidade de percebimento, de real percebimento do que se está
passando no interior de si mesmo, sem corrigir o que vê, nem dizer o que
deveria ou não deveria ser. Porque, tão logo corrige, você estabelece outra
autoridade, um censor. Vamos, pois, investigar juntos a nós mesmos, ninguém
ficará explicando enquanto você vai lendo, concordando ou discordando de quem
explica, ao mesmo tempo que vai seguindo as palavras do texto. Porém, vamos
fazer juntos uma viagem, uma viagem de exploração pelos mais secretos recessos
de nossa mente. Para empreender essa viagem, precisamos estar livres, não
podemos transportar uma carga de opiniões, preconceitos e conclusões – todos os
trastes imprestáveis que juntamos no decurso dos últimos dois mil anos ou mais.
Esqueça de tudo o que sabe a respeito de si mesmo. Esqueça de tudo o que sabe a
respeito de si mesmo. Esqueça de tudo o que pensava a seu respeito; vamos
iniciar a marcha como se nada soubéssemos. A noite passada choveu
torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo,
fresco. Encontremo-nos com este novo dia como se fosse nosso único dia.
Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás as lembranças de ontem, e
comecemos a compreender-nos pela primeira vez. Livro Liberte-se do Passado.
Abraço. Davi.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
sábado, 28 de janeiro de 2017
TEFILÁ, TZEDACÁ E TESHUVÁ.
Judaísmo. TEFILÁ, TZEDACÁ E TESHUVÁ. Rabi Lazar dizia: “Três coisas
anulam um decreto servo: Tefilá (Oração). Tzedacá (Caridade) e Teshuvá
(Arrependimento)”. Talmud Yerushalmi, Taanit 9b. Um dos temas principais
dos Asseret Yemei Teshuvá, os Dez Dias de Arrependimento, que se
iniciam em Rosh Hashaná e terminam na conclusão do Yom
Kipur – são as três coisas que têm o poder de anular um decreto
Celestial severo. E elas são: a Tefilá, oração, a Tzedacá,
caridade, e a Teshuvá, arrependimento. O Talmud Yerushalmi (Taanit 9b),
ensina que a origem desse ensinamento é uma passagem do Livro de Crônicas (2
Crônicas, 7:14), que reconta a resposta de D’us às orações do Rei Salomão
quando ele inaugurou o Tempo Sagrado de Jerusalém. O rei pedira a D’us que
fossem aceitas as súplicas em prol do Templo Sagrado. D’us respondeu que se Ele
viesse a decretar uma escassez de alimentos, uma peste ou uma praga contra a
Terra, Ele atenderia às súplicas do povo e aliviaria o decreto, com a
estipulação mencionada no versículo: “E (se) Meu povo, sobre o qual Meu Nome é
proclamado, humilhar-se, e orar, e buscar a Minha face, e se eles se
arrependerem de seus maus caminhos, Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus
pecados e curarei sua terra”. O Talmud Yerushalmi demonstra de que forma a
oração, a caridade e o arrependimento se originam de elementos desse versículo.
Quando o versículo diz “e orar”, obviamente se refere à oração. Quando diz
“buscar a Minha face”, refere-se à caridade, pois está escrito no Livro de Salmos
(em 17:15): “Quanto a mim, por minha justiça, contemplarei Tua face (…)”, que é
interpretado como: “pelo mérito de minha justiça (Tzedek) – por meio da
caridade (Tzedacá) que eu realizo – terei o mérito de contemplar a Tua
face”. E quando o versículo diz: “eles se arrependerem de seus maus caminhos”,
isso claramente se refere ao arrependimento. E conclui o Talmud Yerushalmi: “O
que lá está escrito, na continuação daquele versículo: ‘Eu os atenderei dos
Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra’”. Essa passagem do Talmud
de Jerusalém – que ensina que a oração, a caridade e o arrependimento podem
anular um decreto Celestial hostil – suscita muitas perguntas que constituem o
cerne do Judaísmo. Por exemplo, como pode a oração influenciar as decisões Divinas?
Ou, qual o significado do conceito de que por meio da caridade, da Tzedacá,
pode-se “contemplar a Face de D’us” – obviamente um conceito antropomórfico,
uma vez que os conceitos físicos não se aplicam ao Todo Poderoso? E ainda outra
questão fundamental: Qual o significado da Teshuvá? O propósito
da oração. TEFILÁ, oração, é um elemento essencial em todas as
religiões. A oração e a religião são interligadas. Não existe relacionamento se
não há comunicação e a oração é nossa forma de nos comunicarmos com D’us.
Qualquer um pode orar, em qualquer idioma, e da forma que melhor lhe aprouver.
Mesmo as crianças pequenas oram. É bem possível que a oração seja instintiva e
não apenas algo que tenhamos que aprender. Como a oração é um fenômeno tão
comum, muitas pessoas a aceitam como coisa natural, mas na verdade não é tão
simples assim. O próprio conceito da oração levanta muitas questões teológicas
e filosóficas. Por exemplo, se as decisões Divinas são decretadas por Sua
Divina Sabedoria e, assim, simbolizam a bondade, a verdade e a justiça, por que
a oração levaria D’us a mudar de opinião? Outra pergunta: se uma pessoa é um
ser humano íntegro e merecedor, por que D’us não haveria de favorecê-la mesmo
se ela não orasse? Por outro lado, se a pessoa não faz jus àquilo que pede em
suas orações, por que a oração deveria ajudá-la? Uma pergunta ainda mais
fundamental: Por que devemos orar, afinal? D’us Infinito, que é Onisciente,
certamente está ciente de nossos desejos e necessidades mesmo que nós não os
pronunciemos. Não há nada que possamos dizer-lhe que Ele ainda não saiba. D’us
sabe, melhor ainda do que nós, aquilo que desejamos, aquilo que nos falta e de
que carecemos. Ele certamente está ciente do que está em nosso coração e do que
se passa em nossa mente. Conhece nossas ambições e anseios, nossas
preocupações, problemas e aflições. Nada do que sabemos e sentimos é
desconhecido por D’us. Conhece-nos melhor do que nós nos conhecemos. O conceito
de que por meio da oração podemos mudar a mente de D’us é especialmente
desconcertante. Quando oramos e pedimos que D’us aja de determinada maneira,
estamos indicando saber melhor do que Ele como deveria agir? Se Lhe pedimos que
anule um decreto, estaríamos dizendo que Ele tomou uma decisão errada e deveria
reconsiderá-la? Ao que tudo indica, o conceito de oração parece ser um ato que
contradiz a noção de que D’us é onisciente e perfeito. E, mesmo assim, além de
termos permissão de orar, somos mesmo instruídos a fazê-lo. Segundo vários
legisladores da Torá, a oração é um mandamento bíblico. Na verdade, temos o
mandamento de servir a D’us diariamente, como determina a Torá: “(...). E
servireis ao Eterno, vosso D’us, e Ele abençoará o teu pão e a tua água (...).”
(Êxodo, 23:25). Apesar de podermos servir a D’us de várias formas, a principal
delas é por meio da oração, quando podemos comungar com D’us com nossos
pensamentos, emoções e pronunciamentos. A oração pode ter várias formas, desde
que forneça uma forte comunhão entre a pessoa e D’us. Pode consistir de uma
louvação a D’us, de um pedido a Ele para que realize nossas necessidades e
desejos ou de um agradecimento por benesses recebidas. Mesmo que a pessoa sinta
ter tudo o que precisa e deseja, sempre deve orar a D’us pedindo pelo futuro. É
claro que quando oramos, estamos rogando a D’us para que realize nossas
necessidades e desejos e geralmente Lhe pedimos que mude Seu decreto. Por que
D’us não apenas permite, mas nos ordena fazer algo que parece ser pretensioso e
mesmo um pouco ofensivo a Ele? Por que Ele espera que nós Lhe digamos aquilo
que Ele já sabe e lhe peçamos para que reverta ou anule Suas próprias decisões?
Há várias respostas a essas perguntas. Uma discussão rica e profunda sobre a
oração está muita além do escopo deste artigo. Mas tentaremos discutir
brevemente algumas respostas que o Judaísmo dá ao tema. Nossos Sábios ensinam
que D’us geralmente deposita bênçãos sobre uma pessoa na medida em que essa
pessoa seja um digno receptáculo das mesmas. Se a pessoa não o é, pode “perder”
uma bênção que lhe estava destinada, simplesmente porque deixou de se alinhar
com aquela bênção ao não se tornar digno da mesma. Isso pode ser comparado a um
agricultor que estava destinado a ter um ano próspero em suas terras, mas que
deixou de semeá-las e, portanto, não colheu nada. Assim, os problemas ou
carências de uma pessoa podem refletir um estado espiritual inadequado, e não
necessariamente o plano Divino para ela. Da mesma forma, quando a pessoa muda
sua realidade espiritual, ela pode mudar as circunstâncias de sua vida. Essa
mudança não ocorre porque ela mudou a ideia de D’us, mas porque, ao elevar seu
estado espiritual, ela se tornou digna do bem que D’us lhe havia reservado, a
priori. Uma das maneiras mais potentes e eficazes de se elevar o estado de
espírito é por meio da oração. De fato, esse é um dos principais propósitos da
oração. Quando a pessoa reza, especialmente quando o faz com intensidade e
sinceridade, está intensificando sua fé e confiança em D’us, pois, ao orar,
está reconhecendo a Infinita capacidade Divina, nossa dependência d’Ele e Seu
controle sobre tudo. O ato de orar aumenta a conscientização que essa pessoa
tem de D’us e de Sua Providência, tornando-a, assim, digna da bondade que D’us
lhe quer dedicar. A oração também deve levar a pessoa a se curvar perante D’us.
A humildade e o sentimento de que estamos totalmente dependentes de D’us nos
leva mais perto d’Ele – tornando aquele que ora mais apto a receber as bênçãos
Divinas. Isso explica melhor o porquê de D’us “desejar” as orações dos justos:
um justo pode ser digno de uma bênção, de qualquer modo, mas, ainda assim, D’us
deseja elevá-lo, ainda mais, motivando-o a orar e, assim, crescer
espiritualmente. A oração tem a capacidade de levar a pessoa aos mais altos
níveis de perfeição espiritual. Isso também explica por que devemos orar ainda
que D’us conheça nossos desejos e pedidos mais do que nós mesmos. Na oração,
devemos nos concentrar e nos entregar por completo, chegando, assim, muito mais
perto de D’us, pois voltamos toda a nossa atenção a Ele, conectando-nos com Ele
ao expressar nossas necessidades. Isso nos torna merecedores da benesse que
D’us reservou para nós. Por essa razão, a oração era a forma como os patriarcas
– Avraham (Abraão), Itzhak (Isaque) e Yaacov (Jacó) – bem como todos os grandes
homens e mulheres de Israel se ligavam a D’us. De fato, vemos na Torá que
Moshé (Moisés), o maior dos profetas, regularmente orava a D’us. É importante
observarmos que a oração tem o poder de efetuar uma mudança porque ela revela a
dedicação da pessoa a D’us também de outras maneiras. Por exemplo, quando
alguém se empenha em ir à sinagoga e se une aos demais, ela está santificando o
Nome de D’us de forma pública e disseminando sua fé em D’us. Assim sendo, a
oração não é uma questão de “informar” D’us acerca de nossas solicitações. É
uma forma muitíssimo poderosa de dedicação, de crescimento espiritual e de
união com D’us. Isso é o que a torna uma das funções mais fundamentais do homem
na vida, e um meio dos mais poderosos de se alcançar um favorecimento Divino.
Como o propósito da oração é rogar a D’us que introduza mudanças no mundo
físico, a oração serve para aperfeiçoar Seu relacionamento com o mundo e,
assim, unificar os planos espiritual e material. Esse é o significado do
ensinamento cabalístico de que a oração deve se elevar e penetrar todos os
mundos espirituais, de modo a fazer com que a bondade Divina flua para baixo,
unificando-os e nutrindo-os. Por essa razão, a oração é tão importante perante
D’us. O Talmud Bavli ensina que a oração é uma daquelas coisas que se colocam
nos reinos espirituais mais elevados, no entanto muitas pessoas a consideram de
forma leviana. Se elas soubessem quão poderosa pode ser a oração, certamente
orariam com mais frequência e muito mais concentração. Resumindo o que vimos
acima, a oração anula os decretos Celestiais hostis porque orando nos
aproximamos de D’us e, assim, removemos todas as barreiras que podem nos ter
impedido de receber as benesses que emanam d’Ele. A oração não muda a Sua
opinião. Mas muda nosso estado espiritual, tornando-nos, assim, mais aptos a
receber as bênçãos Divinas. Voltando à analogia mencionada acima, D’us pode
decretar que um determinado agricultor tenha uma boa safra, mas é necessário
semear adequadamente para que a colheita seja boa. Da mesma forma, o esforço
que uma pessoa despende na oração é, em geral, um pré-requisito para a
concretização de todas as benesses que D’us decretou para ela. O poder da
caridade. “E (se) Meu povo, sobre o qual Meu Nome é proclamado,
humilhar-se, e orar, e buscar a Minha face, e se eles se arrependerem de seus
maus caminhos, Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua
terra” (2 Crônicas, 7:14). O Talmud Yerushalmi cita esse versículo e ensina que
ao realizarmos atos de TZEDACÁ, “contemplamos a face” de D’us, e
que essa é uma das formas de anular um decreto Celestial hostil. D’us
obviamente não tem face; trata-se puramente de uma expressão antropomórfica, na
qual os atributos humanos são atribuídos a D’us para que o homem possa ter
alguma compreensão do Divino. Nossos Sábios ensinam que a “face” de D’us se
refere ao Seu Atributo de Misericórdia, pois denota estima e bondade
demonstradas à pessoa sobre a qual D’us irradia Seu Semblante, como vemos nos
versículos da Bênção Sacerdotal (Números, 6:25), “Faça o Eterno resplandecer o
Seu rosto sobre ti e te agracie”. No livro de Salmos, 17,15, há um versículo
que diz: “Quanto a mim, por minha justiça, contemplarei Tua face; e ao
despertar serei saciado por Tua visão”, expressando o anseio e a antecipação do
Rei David pelo Mundo Vindouro. Segundo ele, por meio de seus atos de caridade,
ele mereceria “contemplar a face de D’us”, ou seja, deleitar-se na radiante
Presença Divina. Vemos, portanto, que a “face de D’us” pode “ser vista” por
meio de atos de caridade. Assim, quando o versículo diz – “E (se) o Meu povo,
que é chamado pelo Meu Nome (...) buscar a Minha face” – a expressão “buscar a
Minha face” refere-se a atos de caridade. O Talmud Bavli (Bava Batra 10a)
ensina que Rabi Eliezer, baseando-se nesse versículo, tinha o costume de
dar TEZDACÁ antes de rezar. Como ao orar nos aproximamos de
D’us e buscamos Sua “face”, a forma de realizá-lo se dá mediante atos de
caridade. Por que a caridade é tão poderosa? Por que invoca o Atributo Divino
da Misericórdia? Porque para os Céus, a recompensa é dada de acordo com os
nossos atos. Em outras palavras, D’us nos trata da mesma maneira como tratamos
os demais. Se alguém é generoso com os outros, D’us é generoso com esse alguém.
Se a pessoa cuida das necessidades dos demais, D’us cuidará das suas. Se a
pessoa é misericordiosa e dá parte do que ganha para salvar os demais dos
muitos sofrimentos decorrentes da pobreza, D’us será misericordioso com ele e o
protegerá contra o sofrimento e a infelicidade. Fora isso, a caridade, assim
como a oração, eleva o estado de espírito da pessoa a alturas incríveis. E,
portanto, aquele que regularmente pratica a caridade se torna merecedor de
maravilhosas bênçãos Divinas. Nossos livros sagrados estão repletos de
ensinamentos acerca do poder imenso e das recompensas, materiais e espirituais,
da prática da TZEDACÁ. O Talmud Bavli (Bava Batra 9a)
afirma que “A TZEDACÁ é igual a todos os demais mandamentos
juntos”, e que “é maior do que todos os sacrifícios”. O Talmud Yerushalmi (Peah
1,1) o corrobora: “TZEDACÁ e atos de bondade são o equivalente a
todos os mandamentos da Torá”. O Midrash (Midrash Zuta, Cântico dos
Cânticos 1) ensina que “Se apenas as pessoas que viveram na geração do Dilúvio
(de Noach) e as pessoas de Sodoma tivessem feito TZEDACÁ, elas não
teriam perecido”. O Midrash também ensina que a existência do
mundo é baseada na prática da caridade: “Grande é a TZEDACÁ, pois
desde o dia em que o mundo foi criado até o dia de hoje, o mundo se equilibra
sobre T” (Midrash Tana d´Vei Eliyahu Zuta 1). O
Talmud Bavli vai além e diz que a caridade é tão poderosa que pode reverter o
decreto Celestial da morte – ou seja, pode prolongar a vida de uma pessoa. Pois
está escrito: “Rabi Yehudá costumava dizer: ‘Dez coisas fortes foram criadas no
mundo. A pedra é dura, mas o ferro a corta. O ferro é duro, mas o fogo o
amolece. O fogo é duro, mas a água o apaga. A água é forte, mas as nuvens a
carregam. As nuvens são fortes, mas o vento as dispersa. O vento é forte, mas o
corpo o suporta. O corpo é forte, mas o medo o esmaga. O medo é forte, mas o
vinho o expulsa. O vinho é forte, mas o sono o dissipa. A morte é a mais forte
de todos, e a caridade salva da morte, pois está escrito: ‘A TZEDACÁ livra
da morte’” (Provérbios, 10,2). Podemos concluir, com base nessa passagem
talmúdica, que a coisa mais poderosa na Terra, mais poderosa mesmo que a morte,
é a TZEDACÁ. Se a caridade é mais forte do que a morte, ela é
certamente forte o bastante para anular os decretos Celestiais negativos. O
significado do arrependimento. Há uma passagem no Livro de Jeremias (2:35),
na qual o profeta cita D’us como tendo dito: “Eis porém que te julgarei,
porquanto afirmas: ‘Não pequei’”. Isso implica que o julgamento desfavorável
dos Céus cairá sobre a negação dos pecados, não sobre os próprios pecados. Se
alguém deseja obter expiação por seus pecados, o primeiro passo necessário é
admiti-los. Aquele que nega ou justifica seus delitos não pode arrepender-se e,
portanto, torna-se muito difícil ser perdoado pelos mesmos. Para curar uma
enfermidade, é preciso identificá-la e depois diagnosticá-la corretamente.
Infelizmente, há muitos que se recusam a agir assim. Acreditam que podem
estabelecer seus próprios padrões de moralidade. Tentam viver segundo suas
próprias definições de bem e mal, sem recorrer à Revelação Divina. O que essas
pessoas estão fazendo é seguir um curso mal sucedido, percorrido por geração
após geração de filósofos. Após milhares de anos de experimentações, a própria
Filosofia chegou à conclusão de que, a menos que seja revelado por algum Poder
Superior, não existe nenhum padrão verdadeiramente objetivo do bem e do mal. O
Judaísmo, por outro lado, reconhece D’us como a autoridade suprema de toda a
moralidade. O bem e o mal são definidos e determinados por D’us. Ao mesmo
tempo, D’us, em Sua Onipotência, pode perdoar o pecado e erradicar qualquer
transgressão cometida pela pessoa, pois a mesma Autoridade que declara o pecado
de algo pode perdoá-lo. Se o pecado é uma enfermidade espiritual, o
arrependimento é sua cura. Portanto, um dos ensinamentos fundamentais do
Judaísmo é que quando uma pessoa se arrepende, seus pecados são perdoados. A
Torá assim o declara: “...E voltares... para o Eterno e ouvires a Sua voz,...
teu D’us aceitará teu arrependimento e Se compadecerá de ti...” (Deuteronômio,
30,2-3). O arrependimento é eficaz mesmo quando se trata de pecados graves.
Como ensinam nossos Sábios: “Nada pode se antepor ao arrependimento”. Ele é
eficaz não importa quantas vezes a pessoa tenha pecado. Mesmo se a pessoa tenha
vivido toda a vida negando e blasfemando contra D’us, ela pode ser perdoada. O
arrependimento é relevante para todos os seres humanos – até para os mais
perversos e os mais justos. Como D’us criou o homem como uma criatura falível,
com livre escolha e livre arbítrio, é inevitável que ele peque. Como está
escrito: “Não há homem na face da Terra que seja tão justo que só faça o bem e
não peque” (Eclesiastes, 7:20). Mas, para obter o perdão Divino, o
arrependimento tem que ser genuíno; não apenas dizer algo que não se sente, nem
fingir piedade. Arrependimento significa admitir as próprias fraquezas e erros
e fazer tudo o que for necessário para repará-los. Em seu sentido mais correto,
o arrependimento consiste de quatro elementos: mudar a forma de agir,
arrepender-se sinceramente, confessar-se a D’us e tomar a decisão de não
repetir o pecado. Nossos Sábios ensinam que há dois tipos de pecados que a
pessoa pode cometer. O primeiro é contra D’us. Quem desobedece às leis Divinas,
por omissão ou comissão, comete um pecado – porque de alguma forma danificou a
infraestrutura espiritual do universo (pecados de comissão) ou deixou de
contribuir para aperfeiçoá-lo (pecados de omissão). O verdadeiro arrependimento
é o remédio para quem não seguiu as leis de D’us. Mas, como ensinou o profeta Jeremias,
para se achegar a D’us em arrependimento, é preciso primeiro admitir que se
errou. Depois a pessoa tem que tentar melhorar – caminhar na direção certa. Não
se espera que a pessoa se torne um Tzadik – um ser humano
verdadeiramente justo – da noite para o dia. Mas se espera que a pessoa melhore
– passo a passo, um dia de cada vez. No entanto, há uma segunda categoria de
pecados, geralmente muito mais sérios – aqueles que são cometidos contra outros
seres humanos. D’us não perdoa uma pessoa por esse tipo de pecado até que
aquele contra quem o pecado foi feito verdadeiramente perdoe o pecador. Quando
alguém peca contra outro ser humano, nenhuma oração, nenhum jejum, nem mesmo
em Yom Kipur, pode servir de expiação. O que é necessário fazer é
desculpar-se com a pessoa que foi prejudicada ou injuriada e fazer todas as
reparações necessárias. Somente depois de tê-lo feito, pode-se pedir perdão a
D’us por ter pecado contra um de Seus filhos. Apesar dos passos iniciais do
arrependimento consistirem em se afastar do pecado, aproximando-se do remorso e
da confissão, uma forma mais elevada de arrependimento envolve praticar boas
ações. Na verdade, as três coisas que anulam um decreto Celestial negativo –
oração, caridade e arrependimento – são interligadas: uma parte essencial do
arrependimento mais elevado é a oração, a caridade e os atos de bondade com os
demais, bem como o estudo da Torá. Como está escrito: “Pela bondade (caridade)
e pela verdade (Torá) é expiada a iniquidade” (Provérbios, 16,6). O arrependimento
é tão poderoso que é uma das coisas principais que pode romper as barreiras que
impedem a Redenção Messiânica. O profeta nos diz: “E virá um redentor a Tsión,
a todos que se arrependerem das transgressões de Yaacov – diz o Eterno”
(Isaías, 59,20). Há uma tradição que conta que se cada judeu se arrependesse e
se voltasse a D’us por apenas um dia, a Redenção Messiânica ocorreria
imediatamente. A Torá assim diz: “E se voltares – tu e teus filhos – para o
Eterno, teu D’us, e ouvires a sua voz, seguindo tudo o que eu te ordeno
hoje..., D’us se compadecerá de ti e te fará voltar, juntando-te dentre todas
as nações para onde o Eterno, teu D’us, te espalhou (Deuteronômio, 30,2-3). Os
Dez Dias de Arrependimento. TEFILÁ, TZEDACÁ e TESHUVÁ
são três pilares do Judaísmo que cada judeu deve se empenhar em praticar
durante todo o ano. Somos instruídos a orar diariamente, preferivelmente três
vezes ao dia - Shacharit (a oração da manhã), Minchá
(a oração da tarde) e Arvit(a oração da noite). A prática de
caridade é um mandamento que deve ser realizado diariamente, exceto nos dias em
que não podemos manusear dinheiro - Shabat e Yom Tov.
Quanto ao arrependimento – a retificação das transgressões e o esforço em
melhorar a nossa espiritualidade –, deveria ser uma preocupação diária de todo
judeu. Rabi Eliezer, um dos maiores Sábios do Talmud, que, como mencionamos
acima, fazia caridade antes de rezar, costumava dizer: “Arrependa-se na véspera
de morrer”. Quando seus alunos lhe perguntaram como era possível saber o dia de
nossa morte com antecedência, ele respondeu que era por isso que devíamos nos
arrepender diariamente. Apesar de podermos e devermos sempre nos arrepender de
nossos erros, D’us determinou que os dez dias entre Rosh Hashaná e Yom
Kipur fossem os Asseret Yemei TESHUVÁ – os Dez Dias de
Arrependimento. Portanto, é costume dizer preces de arrependimento durante esse
período, ser ainda mais generosos na caridade que fazemos habitualmente e ser
mais rígidos em nosso cumprimento da ética e da religião. Os Dez Dias de
Arrependimento se iniciam em Rosh Hashaná, cujo principal
mandamento é ouvir o som do Shofar. Um dos simbolismos do Shofar é
servir para despertar os corações das pessoas para D’us. Pois assim falou o
profeta: “Será ouvido em uma cidade o som do Shofar sem que
estremeçam seus moradores?” (Amós 3:6). Do mesmo modo, Yom Kipur,
que conclui os Dez Dias de Arrependimento, é o dia mais auspicioso do ano para
um judeu se arrepender. O chamado ao arrependimento foi uma das missões mais
importantes de todos os profetas. Junto com a oração e a caridade, o
arrependimento pode banir qualquer decreto maligno que possa ter sido decretado
sobre um indivíduo ou uma comunidade. Como a oração e a caridade, o
arrependimento tem o poder de interceder por uma pessoa, protegendo-a do mal e
mesmo prolongando sua vida. Assim sendo, durante os Asseret Yemei
TESHUVÁ, cabe a cada um de nós fortalecer-se no cumprimento das três coisas
que anulam os decretos Celestiais negativos. Fazendo-o, poderemos melhor atrair
as bênçãos Divinas para o ano vindouro – para nós e nossas famílias, para o
Povo Judeu e para toda a humanidade. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi.
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