segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A BUSCA DO HOMEM.



Teosofia. Texto de Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Capítulo I. A BUSCA DO HOMEM – A MENTE TORTURADA – O CAMINHO TRADICIONAL – A ARMADILHA DA RESPEITABILIDADE – O ENTE HUMANO E O INDIVÍDUO – A BATALHA DA EXISTÊNCIA – A NATUREZA BÁSICA DO HOMEM – A RESPONSABILIADE – A VERDADE – A DISSIPAÇÃO DE ENERGIA – A LIBERTAÇÃO DA AUTORIDADE. Ao longo das Eras, o homem vem buscando algo além de si próprio, além do bem-estar material – algo que ele pode chamar de verdade, de Deus ou realidade, de um estado atemporal – algo que não possa ser perturbado pelas circunstâncias, pelo pensamento ou pela corrupção humana. O homem sempre indagou: Qual a finalidade de tudo isto? Tem a vida alguma significação? Vendo a enorme confusão reinante na vida, as brutalidades, as revoltas, as guerras, as intermináveis divisões da religião, da ideologia, da nacionalidade, pergunta o homem, com um profundo sentimento de frustração, o que se deve fazer, o que é isso que se chama viver e se alguma coisa existe além de seus limites. E, sem conseguir encontrar essa coisa sem nome e de mil nomes que sempre buscou, o homem cultivou a fé – fé num salvador ou num ideal, a fé que invariavelmente gera a violência. Nesta batalha constante que chamamos “viver”, procuramos estabelecer um código de conduta, conforme a sociedade na qual somos criados, quer seja uma sociedade comunista ou uma supostamente livre; aceitamos um padrão de comportamento como parte de nossa tradição hinduísta, muçulmana, cristã, judaica ou outra. Esperamos que alguém nos diga o que é conduta justa ou injusta, pensamento correto ou incorreto e, ao seguir esse padrão, nossa conduta e nosso pensar se tornam mecânicos, nossas reações, automáticas. Pode-se observar isso muito facilmente em nós mesmos. Durante séculos fomos amparados por nossos instrutores, nossas autoridades, nossos livros, nossos santos. Pedimos: “Diga-me tudo; mostre-me o que existe além dos montes, das montanhas e da Terra” – e satisfazemo-nos com suas descrições, quer dizer, vivemos de palavras, e nossa vida é superficial e vazia. Não somos originais. Temos vivido das coisas que os outros nos dizem ou sendo guiados pelas nossas inclinações, pelas nossas tendências, ou impelidos a aceitar pelas circunstâncias e pelo ambiente. Somos o resultado de toda espécie de influência e em nós nada existe de novo, que tenha sido descoberto por nós mesmos, que seja original, inédito, claro. Em consonância com a história teológica, garantem-nos os guias religiosos que, se observarmos determinados rituais, recitarmos certas preces e versos sagrados, obedecermos a alguns padrões, refrearmos nossos desejos, controlarmos nossos pensamentos, sublimarmos nossas paixões, abstivermos dos prazeres sexuais, então, após torturar suficientemente o corpo e o espírito, encontraremos uma certa coisa além desta vida desprezível. É isso o que tem feito, no decurso das eras, milhões de indivíduos ditos religiosos, quer pelo isolamento nos desertos, nas montanhas, numa caverna, quer peregrinando de aldeia em aldeia, pedindo esmolas; quer em grupos, ingressando em mosteiros e forçando a mente a se ajustar a padrões estabelecidos. Mas a mente que foi torturada, subjugada, a mente que deseja fugir a toda agitação, que renunciou ao mundo exterior e se tornou embotada pela disciplina e pelo ajustamento – essa mente, não importa o quanto procure, só achará o que estiver em conformidade com sua própria deformação. Assim, para descobrir se de fato existe ou não alguma coisa além desta existência ansiosa, culpada, temerosa, competidora, parece-me necessário que tomemos um caminho completamente diferente. O caminho tradicional vai da periferia para o centro, com a finalidade de atingir gradativamente, através do tempo, da prática e da renúncia, aquela flor interior, aquela intima beleza e amor – enfim, tudo fazer para nos tornarmos tacanhos, vulgares e falsos, ir retirando as camadas uma a uma; precisar do tempo: amanhã ou na próxima vida chegaremos – e quando, afinal, atingimos o centro, não encontramos nada, porque nossa mente se tornou incapaz, embotada, insensível. Após observar esse processo, perguntamos a nós mesmos se não haverá outro caminho totalmente diferente, isto é, se não teremos possibilidade de “explodir” a partir do centro. O mundo aceita e segue o caminho tradicional. A causa primária da desordem que existe em nós é o fato de estarmos buscando a realidade prometida por outrem; seguimos mecanicamente todo aquele que nos garante uma vida espiritual confortável. É um fato verdadeiramente singular este, que, embora em maioria sejamos contrários à tirania política e à ditadura, interiormente aceitamos a autoridade, a tirania de outrem, permitindo-lhe deformar a nossa mente e a nossa vida. Assim, se de todo rejeitarmos, não intelectual, porém realmente, a autoridade dita espiritual, as cerimônias, rituais e dogmas, isso significará que ficaremos sozinhos, em conflito com a sociedade; deixaremos de ser entes humanos respeitáveis. Ora, um ente humano respeitável nenhuma possibilidade tem de se aproximar daquela infinita, imensurável realidade. Comece agora a rejeitar uma coisa que é totalmente falsa – o caminho tradicional – mas, se a rejeitar como reação, você terá criado outro padrão no qual se verá aprisionado como numa armadilha: se disser intelectualmente a si mesmo que essa rejeição é uma ideia importante, e nada fizer, você não irá muito longe. Se, entretanto, você a rejeitar por ter compreendido o quanto ela é estúpida e imatura, se a rejeitar por inteligência, porque você é livre e não tem medo, criará muita perturbação dentro e ao redor de si mesmo, mas se livrará da armadilha da respeitabilidade. Você verá, então, que parou de buscar. Quando busca, você age, com efeito, como se estivesse apenas olhando vitrines. A pergunta sobre se Deus, a verdade ou a realidade – chame como quiser – existem jamais será respondida pelos livros ou pelos sacerdotes, filósofos ou salvadores. Nada nem ninguém pode responder a essa pergunta, somente você mesmo, e essa é a razão por que você precisa se conhecer. Só é imaturo quem desconhece totalmente a si mesmo. A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria. E o que é esse si mesmo, esse eu individual? Acho que existe uma diferença entre o ente humano e o indivíduo. O indivíduo é a entidade local, o habitante de qualquer país, pertencente a determinada cultura, uma dada sociedade, uma certa religião. O ente humano não é uma entidade local. Ele está em toda parte. Se o indivíduo só atua num certo ângulo, isolado do vasto campo da vida, sua ação está totalmente desligada do todo. Portanto, é  necessário ter em mente que estamos falando do todo e não da parte, porque no maior está contido o menor, mas o menor não contém o maior. O indivíduo é aquela insignificante entidade condicionada, aflita, frustrada, satisfeita com seus pequeninos deuses e tradições; já o ente humano está interessado no bem-estar geral, no sofrimento geral e na total confusão em que se encontra o mundo. Nós, entes humanos, somos os mesmos que éramos há milhões de anos – enormemente ávidos, invejosos, agressivos, ciumentos, ansiosos e desesperados, com ocasionais lampejos de alegria e afeição. Somos uma estranha mistura de ódio, medo e ternura; somos a um tempo a violência e a paz. Tem-se feito progresso, exteriormente, do carro de boi ao avião a jato, porém, psicologicamente, o indivíduo não mudou em nada, e a estrutura da sociedade, em todo o mundo, foi criada por indivíduos. A estrutura social, exterior, é o resultado da estrutura psicológica, interior, das relações humanas, pois o indivíduo é o resultado da experiência, dos conhecimentos e da conduta do homem, de modo global. Cada um de nós é o repositório de todo o passado. O indivíduo é o ente humano que representa toda a humanidade. Toda a história humana está escrita em nós. Observe o que realmente está ocorrendo dentro e fora de si mesmo, na cultura de competição em que você vive, com seu desejo de poder, posição, prestígio, nome, sucesso, etc.; observe as realizações de que tanto você se orgulha, todo esse campo que chama viver e no qual há conflito em todas as formas de relação, suscitando ódio, antagonismo, brutalidade e guerras intermináveis. Esse campo, essa vida, é tudo o que conhecemos, e como somos incapazes de compreender a enorme batalha da existência, naturalmente lhe temos medo e dela tentamos fugir pelas mais sutis e variadas maneiras. Temos também medo do desconhecido – medo da morte, do que reside além do amanhã. Assim, temos medo do conhecido e medo do desconhecido. Tal é a nossa vida diária: nela, não há esperança alguma e, por conseguinte, qualquer espécie de filosofia, qualquer espécie de teologia representa meramente uma fuga da realidade – do que existe. Todas as formas exteriores de mudanças, produzidas pelas guerras, revoluções, reformas; pelas leis e ideologia, falharam completamente, pois não mudaram a natureza básica do homem e, portanto, da sociedade. Como seres humanos, vivendo neste mundo monstruoso, perguntemos a nós mesmos: “Pode esta sociedade, baseada na competição, na brutalidade e no medo, ter um fim? Ter um fim, não como conceito intelectual, como esperança, mas como um fato real, de modo que a mente se torne vigorosa, nova, inocente, capaz de criar um mundo totalmente diferente?” Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que, como indivíduos, como entes humanos – seja qual for a parte do Universo em que vivamos, não importando a que cultura pertençamos – somos inteiramente responsáveis por toda a situação do mundo. Somos, cada um de nós, responsáveis por todas as guerras, geradas pela agressividade de nossa vida, pelo nosso nacionalismo, nosso egoísmo, nossos deuses, nossos preconceitos, nossos ideais – pois tudo isso está nos dividindo. E só quando percebermos, não intelectualmente, mas realmente – tão realmente como reconhecemos que estamos com fome ou que sentimos dor – bem como quando você e eu percebermos que somos os responsáveis por todo esse caos, por todas as aflições existentes no mundo inteiro, porque para isso contribuímos em nossa vida diária e porque fazemos parte desta monstruosa sociedade, com suas guerras, divisões, sua fealdade, brutalidade e avidez – só então poderemos agir. Mas o que pode fazer um ente humano, que pode fazer você e que posso fazer eu para criar uma sociedade completamente diferente? Estamos nos fazendo uma pergunta muito séria. É necessário fazer alguma coisa? Que podemos fazer? Alguém nos dará essa resposta? Muita gente a tem nos dado. Os chamados guias espirituais, que supõem compreender essas coisas melhor do que nós, já nos responderam, tentando modificar-nos e moldar-nos segundo novos padrões, e isso não nos levou muito longe: homens sofisticados e eruditos também nos responderam, e também eles não nos levaram mais longe. Disseram-nos que todos os caminhos levam à verdade, você tem o seu caminho, como hinduísta, outros o têm como cristãos, e outros judeus; ainda outros o têm como muçulmanos e budistas. Mas todos esses caminhos vão acabar diante da mesma porta. Isso, quando o consideramos bem, é um evidente absurdo. A verdade não tem caminho, e essa é sua beleza; ela é viva. Uma coisa morta tem um caminho que a ela conduz, porque ela é estática, mas quando você perceber que a verdade é algo que vive, que se movimenta, que não tem pouso, não tem templo, mesquita, igreja ou sinagoga, e que a ela nenhuma religião, nenhum instrutor, nenhum filósofo pode levar-nos – você verá, então, também, que essa coisa viva é o que você realmente é – a sua irascibilidade, a sua brutalidade, a sua violência, o seu desespero e a agonia e o sofrimento em que vive. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. E você só compreenderá isso se souber como olhar tais coisas da sua vida. Mas não se pode olhá-las através de uma ideologia, de uma cortina de palavras, através de esperanças e temores. Como vê, você não pode depender de ninguém. Não existe nenhum guia, nenhum instrutor, nenhuma autoridade. Só existe você, as suas relações com os outros e com o mundo, e nada mais. Quando se percebe esse fato, ou ele produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura; ou, enfrentando o fato de que você e ninguém mais é o responsável pelo mundo e por si mesmo, pelo que pensa, pelo que sente, pela maneira como age, desaparece de todo a autocompaixão. Normalmente, gostamos de culpar os outros, o que é uma forma de autocompaixão. Poderemos, então, você e eu, promover em nós mesmos – sem dependermos de nenhuma influência exterior, de nenhuma persuasão, sem nenhum medo de punição – poderemos promover em nossa própria essência uma revolução total, uma mutação psicológica, para que não sejamos mais brutais, violentos, competidores, ansiosos, medrosos, ávidos (cobiça, egoísmo), invejosos – enfim, todas as manifestações da nossa natureza que formaram a sociedade corrompida em que vivemos nossa vida de cada dia? Importa compreender desde já que não estou formulando nenhuma filosofia ou estrutura de ideias ou conceitos teológicos. Todas as ideologias se me afiguram totalmente absurdas. O importante não é uma filosofia da vida, porém que observemos o que realmente está ocorrendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Se observar muito atentamente o que está se passando, se examinar bem, você verá que tudo se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total da existência; ele é um fragmento, e todo fragmento, por mais engenhosamente ajustado, por mais antigo e tradicional que seja, continua a ser uma parte insignificante da existência, e nós temos de nos interessar pela totalidade da vida. Quando consideramos o que está ocorrendo no mundo, começamos a compreender que não existe nem processo exterior nem processo interior; existe só um processo unitário, um movimento integral, total, sendo que o movimento interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage ao interior. Ser capaz de olhar esse fato – eis o que é necessário, só isso; porque, se sabemos olhar, tudo se torna claríssimo. O ato de olhar não requer nenhuma filosofia, nenhum instrutor. Ninguém precisa ensinar-nos como olhar. Olhe simplesmente. Assim, vendo todo esse quadro, vendo-o não verbalmente porém realmente, você pode transformar-se, de modo natural e espontâneo? Esse é o verdadeiro problema. Será possível promover uma revolução completa na psique? Eu gostaria de saber qual é a sua reação a uma pergunta dessas. Você dirá, porventura: “Não quero mudar”? E a maioria das pessoas não quer, principalmente aquelas que se acham em relativa segurança, social e economicamente, ou que conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprias e as coisas tais como são ou em forma ligeiramente modificada. Tais pessoas não nos interessam. Ou talvez você diga, mais sutilmente: “Ora, isso é dificílimo, está fora do meu alcance”. Nesse caso, você Já fechou o caminho, já parou de investigar e será completamente inútil prosseguir. Ou, ainda, dirá: ”Percebo a necessidade de uma transformação interior fundamental, em mim mesmo, mas como empreende-la? Peço que me mostre o caminho, me ajude a alcança-la”. Se assim falar, então o que o interessa não é a transformação em si, você não está realmente interessado numa revolução fundamental: está, meramente, buscando um método, um sistema capaz de efetuar a mudança. Se fossemos tão sem juízo que lhe déssemos um sistema e você tão sem juízo que o seguisse, você estaria meramente a copiar, a imitar, a ajustar-se, a aceitar, e, fazendo tal coisa, teria estabelecido em si mesmo a autoridade de outrem, que resultaria em conflito entre você e essa autoridade. Você pensa que deve fazer tal e tal coisa porque mandaram que a fizesse e, no entanto, você é incapaz de fazê-la. Você tem suas inclinações, tendências e pressões peculiares, que colidem com o sistema que julga dever seguir e, por conseguinte, existe uma contradição. Você levará, assim, uma vida dupla, entre a ideologia do sistema e a realidade de sua existência diária. No esforço para ajustar-se a ideologia, recalca a si mesmo e, no entanto, o que é realmente verdadeiro não é a ideologia, porém aquilo que você é. Se tentar estudar-se de acordo com outrem, permanecerá sempre um ente humano sem originalidade. O homem que diz: “Quero mudar, diga-me como conseguir isso” – parece muito atento, muito sério, mas não o é. Ele quer uma autoridade que, assim espera, estabelecerá a ordem nele próprio. Mas, pode algum dia a autoridade promover a ordem interior? A ordem imposta de fora gera sempre, necessariamente, a desordem. Você pode perceber essa verdade intelectualmente, mas será capaz de aplica-la de maneira que a sua mente não mais projete nenhuma autoridade – a autoridade de um livro, de um instrutor, da esposa ou do marido, dos pais, de um amigo, ou da sociedade? Como sempre funcionamos segundo o padrão de uma fórmula, essa fórmula passa a ser ideologia e autoridade; mas assim que perceber realmente que a pergunta “como mudar?” cria uma nova autoridade, você terá acabado com a autoridade para sempre. Vamos repetir com clareza: Vejo que tenho de mudar completamente, desde as raízes do meu ser; não posso mais depender de nenhuma tradição, porque foi a tradição que criou essa colossal indolência, aceitação e obediência; não posso contar com os outros para me ajudar a mudar, com nenhum instrutor, nenhum deus, nenhuma crença, nenhum sistema, nenhuma pressão ou influência externa. Que sucede então? Em primeiro lugar, você pode rejeitar toda autoridade? Se pode, isso significa que já não tem medo. E então o que acontece? Quando rejeita algo falso que traz consigo há gerações, quando larga uma carga de qualquer espécie, o que acontece? Aumenta a sua energia, não? Você fica com mais capacidade, mais ímpeto, mais intensidade e vitalidade. Se não sente isso, nesse caso você não largou a carga, não se livrou do peso morto da autoridade. Mas, depois que tiver se livrado dessa carga e tiver essa energia em que não existe medo de espécie alguma – medo de errar, de agir incorretamente – essa própria energia não é então mutação? Necessitamos de grande abundância de energia, e a dissipamos com o medo; mas, quando existe a energia que vem depois de nos livrarmos de todas as formas do medo, essa própria energia produz a revolução interior, radical. Você nada tem que fazer nesse sentido. Você fica então a sós consigo mesmo, e esse é o estado real que convém ao homem que considera a sério essas coisas. E como já não conta com a ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, você está livre para fazer descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. A liberdade difere inteiramente da revolta. Não existe agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Você é livre e, desse centre, age. Por conseguinte, não existe medo, e a mente sem medo é capaz de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer. O que agora vamos fazer, portanto, é aprender a nos conhecer, não de acordo com um certo analista ou filósofo, porque, se fazemos isso de acordo com outras pessoas, aprendemos a conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente. Tendo percebido que não podemos depender de nenhuma autoridade exterior para promover a revolução total na estrutura de nossa própria psique, apresenta-se a dificuldade infinitamente maior de rejeitarmos nossa própria autoridade interior, a autoridade de nossas próprias e insignificantes experiências e opiniões acumuladas, conhecimento, ideias e ideais. Digamos que você tivesse ontem uma experiência que lhe ensinou algo, e isso que ela ensinou se torna uma nova autoridade, e sua autoridade de ontem é tão destrutiva quanto a autoridade de um milhar de anos. A compreensão de nós mesmos não requer nenhuma autoridade, nem a do dia anterior nem a de há mil anos, porque somos entidades vivas, sempre em movimento, sempre a fluir e jamais se detendo. Se olharmos a nós mesmos com a autoridade morta de ontem, nunca compreenderemos o movimento vivo e a beleza e natureza desse movimento. Livrar-se de toda autoridade, seja própria, seja de outrem, é morrer para todas as coisas de ontem – para que a mente seja sempre fresca, sempre juvenil, inocente, cheia de vigor e de paixão. Só nesse estado é que se aprende e observa. Para tanto, requer-se grande capacidade de percebimento, de real percebimento do que se está passando no interior de si mesmo, sem corrigir o que vê, nem dizer o que deveria ou não deveria ser. Porque, tão logo corrige, você estabelece outra autoridade, um censor. Vamos, pois, investigar juntos a nós mesmos, ninguém ficará explicando enquanto você vai lendo, concordando ou discordando de quem explica, ao mesmo tempo que vai seguindo as palavras do texto. Porém, vamos fazer juntos uma viagem, uma viagem de exploração pelos mais secretos recessos de nossa mente. Para empreender essa viagem, precisamos estar livres, não podemos transportar uma carga de opiniões, preconceitos e conclusões – todos os trastes imprestáveis que juntamos no decurso dos últimos dois mil anos ou mais. Esqueça de tudo o que sabe a respeito de si mesmo. Esqueça de tudo o que sabe a respeito de si mesmo. Esqueça de tudo o que pensava a seu respeito; vamos iniciar a marcha como se nada soubéssemos. A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este novo dia como se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela primeira vez. Livro Liberte-se do Passado. Abraço. Davi.

sábado, 28 de janeiro de 2017

TEFILÁ, TZEDACÁ E TESHUVÁ.



Judaísmo. TEFILÁ, TZEDACÁ E TESHUVÁ. Rabi Lazar dizia: “Três coisas anulam um decreto servo: Tefilá (Oração). Tzedacá (Caridade) e Teshuvá (Arrependimento)”. Talmud Yerushalmi, Taanit 9b. Um dos temas principais dos Asseret Yemei Teshuvá, os Dez Dias de Arrependimento, que se iniciam em Rosh Hashaná e terminam na conclusão do Yom Kipur – são as três coisas que têm o poder de anular um decreto Celestial severo. E elas são: a Tefilá, oração, a Tzedacá, caridade, e a Teshuvá, arrependimento. O Talmud Yerushalmi (Taanit 9b), ensina que a origem desse ensinamento é uma passagem do Livro de Crônicas (2 Crônicas, 7:14), que reconta a resposta de D’us às orações do Rei Salomão quando ele inaugurou o Tempo Sagrado de Jerusalém. O rei pedira a D’us que fossem aceitas as súplicas em prol do Templo Sagrado. D’us respondeu que se Ele viesse a decretar uma escassez de alimentos, uma peste ou uma praga contra a Terra, Ele atenderia às súplicas do povo e aliviaria o decreto, com a estipulação mencionada no versículo: “E (se) Meu povo, sobre o qual Meu Nome é proclamado, humilhar-se, e orar, e buscar a Minha face, e se eles se arrependerem de seus maus caminhos, Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra”. O Talmud Yerushalmi demonstra de que forma a oração, a caridade e o arrependimento se originam de elementos desse versículo. Quando o versículo diz “e orar”, obviamente se refere à oração. Quando diz “buscar a Minha face”, refere-se à caridade, pois está escrito no Livro de Salmos (em 17:15): “Quanto a mim, por minha justiça, contemplarei Tua face (…)”, que é interpretado como: “pelo mérito de minha justiça (Tzedek) – por meio da caridade (Tzedacá) que eu realizo – terei o mérito de contemplar a Tua face”. E quando o versículo diz: “eles se arrependerem de seus maus caminhos”, isso claramente se refere ao arrependimento. E conclui o Talmud Yerushalmi: “O que lá está escrito, na continuação daquele versículo: ‘Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra’”. Essa passagem do Talmud de Jerusalém – que ensina que a oração, a caridade e o arrependimento podem anular um decreto Celestial hostil – suscita muitas perguntas que constituem o cerne do Judaísmo. Por exemplo, como pode a oração influenciar as decisões Divinas? Ou, qual o significado do conceito de que por meio da caridade, da Tzedacá, pode-se “contemplar a Face de D’us” – obviamente um conceito antropomórfico, uma vez que os conceitos físicos não se aplicam ao Todo Poderoso? E ainda outra questão fundamental: Qual o significado da Teshuvá? O propósito da oração. TEFILÁ, oração, é um elemento essencial em todas as religiões. A oração e a religião são interligadas. Não existe relacionamento se não há comunicação e a oração é nossa forma de nos comunicarmos com D’us. Qualquer um pode orar, em qualquer idioma, e da forma que melhor lhe aprouver. Mesmo as crianças pequenas oram. É bem possível que a oração seja instintiva e não apenas algo que tenhamos que aprender. Como a oração é um fenômeno tão comum, muitas pessoas a aceitam como coisa natural, mas na verdade não é tão simples assim. O próprio conceito da oração levanta muitas questões teológicas e filosóficas. Por exemplo, se as decisões Divinas são decretadas por Sua Divina Sabedoria e, assim, simbolizam a bondade, a verdade e a justiça, por que a oração levaria D’us a mudar de opinião? Outra pergunta: se uma pessoa é um ser humano íntegro e merecedor, por que D’us não haveria de favorecê-la mesmo se ela não orasse? Por outro lado, se a pessoa não faz jus àquilo que pede em suas orações, por que a oração deveria ajudá-la? Uma pergunta ainda mais fundamental: Por que devemos orar, afinal? D’us Infinito, que é Onisciente, certamente está ciente de nossos desejos e necessidades mesmo que nós não os pronunciemos. Não há nada que possamos dizer-lhe que Ele ainda não saiba. D’us sabe, melhor ainda do que nós, aquilo que desejamos, aquilo que nos falta e de que carecemos. Ele certamente está ciente do que está em nosso coração e do que se passa em nossa mente. Conhece nossas ambições e anseios, nossas preocupações, problemas e aflições. Nada do que sabemos e sentimos é desconhecido por D’us. Conhece-nos melhor do que nós nos conhecemos. O conceito de que por meio da oração podemos mudar a mente de D’us é especialmente desconcertante. Quando oramos e pedimos que D’us aja de determinada maneira, estamos indicando saber melhor do que Ele como deveria agir? Se Lhe pedimos que anule um decreto, estaríamos dizendo que Ele tomou uma decisão errada e deveria reconsiderá-la? Ao que tudo indica, o conceito de oração parece ser um ato que contradiz a noção de que D’us é onisciente e perfeito. E, mesmo assim, além de termos permissão de orar, somos mesmo instruídos a fazê-lo. Segundo vários legisladores da Torá, a oração é um mandamento bíblico. Na verdade, temos o mandamento de servir a D’us diariamente, como determina a Torá: “(...). E servireis ao Eterno, vosso D’us, e Ele abençoará o teu pão e a tua água (...).” (Êxodo, 23:25). Apesar de podermos servir a D’us de várias formas, a principal delas é por meio da oração, quando podemos comungar com D’us com nossos pensamentos, emoções e pronunciamentos. A oração pode ter várias formas, desde que forneça uma forte comunhão entre a pessoa e D’us. Pode consistir de uma louvação a D’us, de um pedido a Ele para que realize nossas necessidades e desejos ou de um agradecimento por benesses recebidas. Mesmo que a pessoa sinta ter tudo o que precisa e deseja, sempre deve orar a D’us pedindo pelo futuro. É claro que quando oramos, estamos rogando a D’us para que realize nossas necessidades e desejos e geralmente Lhe pedimos que mude Seu decreto. Por que D’us não apenas permite, mas nos ordena fazer algo que parece ser pretensioso e mesmo um pouco ofensivo a Ele? Por que Ele espera que nós Lhe digamos aquilo que Ele já sabe e lhe peçamos para que reverta ou anule Suas próprias decisões? Há várias respostas a essas perguntas. Uma discussão rica e profunda sobre a oração está muita além do escopo deste artigo. Mas tentaremos discutir brevemente algumas respostas que o Judaísmo dá ao tema. Nossos Sábios ensinam que D’us geralmente deposita bênçãos sobre uma pessoa na medida em que essa pessoa seja um digno receptáculo das mesmas. Se a pessoa não o é, pode “perder” uma bênção que lhe estava destinada, simplesmente porque deixou de se alinhar com aquela bênção ao não se tornar digno da mesma. Isso pode ser comparado a um agricultor que estava destinado a ter um ano próspero em suas terras, mas que deixou de semeá-las e, portanto, não colheu nada. Assim, os problemas ou carências de uma pessoa podem refletir um estado espiritual inadequado, e não necessariamente o plano Divino para ela. Da mesma forma, quando a pessoa muda sua realidade espiritual, ela pode mudar as circunstâncias de sua vida. Essa mudança não ocorre porque ela mudou a ideia de D’us, mas porque, ao elevar seu estado espiritual, ela se tornou digna do bem que D’us lhe havia reservado, a priori. Uma das maneiras mais potentes e eficazes de se elevar o estado de espírito é por meio da oração. De fato, esse é um dos principais propósitos da oração. Quando a pessoa reza, especialmente quando o faz com intensidade e sinceridade, está intensificando sua fé e confiança em D’us, pois, ao orar, está reconhecendo a Infinita capacidade Divina, nossa dependência d’Ele e Seu controle sobre tudo. O ato de orar aumenta a conscientização que essa pessoa tem de D’us e de Sua Providência, tornando-a, assim, digna da bondade que D’us lhe quer dedicar. A oração também deve levar a pessoa a se curvar perante D’us. A humildade e o sentimento de que estamos totalmente dependentes de D’us nos leva mais perto d’Ele – tornando aquele que ora mais apto a receber as bênçãos Divinas. Isso explica melhor o porquê de D’us “desejar” as orações dos justos: um justo pode ser digno de uma bênção, de qualquer modo, mas, ainda assim, D’us deseja elevá-lo, ainda mais, motivando-o a orar e, assim, crescer espiritualmente. A oração tem a capacidade de levar a pessoa aos mais altos níveis de perfeição espiritual. Isso também explica por que devemos orar ainda que D’us conheça nossos desejos e pedidos mais do que nós mesmos. Na oração, devemos nos concentrar e nos entregar por completo, chegando, assim, muito mais perto de D’us, pois voltamos toda a nossa atenção a Ele, conectando-nos com Ele ao expressar nossas necessidades. Isso nos torna merecedores da benesse que D’us reservou para nós. Por essa razão, a oração era a forma como os patriarcas – Avraham (Abraão), Itzhak (Isaque) e Yaacov (Jacó) – bem como todos os grandes homens e mulheres de Israel se ligavam a D’us. De fato, vemos na Torá que Moshé (Moisés), o maior dos profetas, regularmente orava a D’us. É importante observarmos que a oração tem o poder de efetuar uma mudança porque ela revela a dedicação da pessoa a D’us também de outras maneiras. Por exemplo, quando alguém se empenha em ir à sinagoga e se une aos demais, ela está santificando o Nome de D’us de forma pública e disseminando sua fé em D’us. Assim sendo, a oração não é uma questão de “informar” D’us acerca de nossas solicitações. É uma forma muitíssimo poderosa de dedicação, de crescimento espiritual e de união com D’us. Isso é o que a torna uma das funções mais fundamentais do homem na vida, e um meio dos mais poderosos de se alcançar um favorecimento Divino. Como o propósito da oração é rogar a D’us que introduza mudanças no mundo físico, a oração serve para aperfeiçoar Seu relacionamento com o mundo e, assim, unificar os planos espiritual e material. Esse é o significado do ensinamento cabalístico de que a oração deve se elevar e penetrar todos os mundos espirituais, de modo a fazer com que a bondade Divina flua para baixo, unificando-os e nutrindo-os. Por essa razão, a oração é tão importante perante D’us. O Talmud Bavli ensina que a oração é uma daquelas coisas que se colocam nos reinos espirituais mais elevados, no entanto muitas pessoas a consideram de forma leviana. Se elas soubessem quão poderosa pode ser a oração, certamente orariam com mais frequência e muito mais concentração. Resumindo o que vimos acima, a oração anula os decretos Celestiais hostis porque orando nos aproximamos de D’us e, assim, removemos todas as barreiras que podem nos ter impedido de receber as benesses que emanam d’Ele. A oração não muda a Sua opinião. Mas muda nosso estado espiritual, tornando-nos, assim, mais aptos a receber as bênçãos Divinas. Voltando à analogia mencionada acima, D’us pode decretar que um determinado agricultor tenha uma boa safra, mas é necessário semear adequadamente para que a colheita seja boa. Da mesma forma, o esforço que uma pessoa despende na oração é, em geral, um pré-requisito para a concretização de todas as benesses que D’us decretou para ela. O poder da caridade. “E (se) Meu povo, sobre o qual Meu Nome é proclamado, humilhar-se, e orar, e buscar a Minha face, e se eles se arrependerem de seus maus caminhos, Eu os atenderei dos Céus, e perdoarei seus pecados e curarei sua terra” (2 Crônicas, 7:14). O Talmud Yerushalmi cita esse versículo e ensina que ao realizarmos atos de TZEDACÁ, “contemplamos a face” de D’us, e que essa é uma das formas de anular um decreto Celestial hostil. D’us obviamente não tem face; trata-se puramente de uma expressão antropomórfica, na qual os atributos humanos são atribuídos a D’us para que o homem possa ter alguma compreensão do Divino. Nossos Sábios ensinam que a “face” de D’us se refere ao Seu Atributo de Misericórdia, pois denota estima e bondade demonstradas à pessoa sobre a qual D’us irradia Seu Semblante, como vemos nos versículos da Bênção Sacerdotal (Números, 6:25), “Faça o Eterno resplandecer o Seu rosto sobre ti e te agracie”. No livro de Salmos, 17,15, há um versículo que diz: “Quanto a mim, por minha justiça, contemplarei Tua face; e ao despertar serei saciado por Tua visão”, expressando o anseio e a antecipação do Rei David pelo Mundo Vindouro. Segundo ele, por meio de seus atos de caridade, ele mereceria “contemplar a face de D’us”, ou seja, deleitar-se na radiante Presença Divina. Vemos, portanto, que a “face de D’us” pode “ser vista” por meio de atos de caridade. Assim, quando o versículo diz – “E (se) o Meu povo, que é chamado pelo Meu Nome (...) buscar a Minha face” – a expressão “buscar a Minha face” refere-se a atos de caridade. O Talmud Bavli (Bava Batra 10a) ensina que Rabi Eliezer, baseando-se nesse versículo, tinha o costume de dar TEZDACÁ antes de rezar. Como ao orar nos aproximamos de D’us e buscamos Sua “face”, a forma de realizá-lo se dá mediante atos de caridade. Por que a caridade é tão poderosa? Por que invoca o Atributo Divino da Misericórdia? Porque para os Céus, a recompensa é dada de acordo com os nossos atos. Em outras palavras, D’us nos trata da mesma maneira como tratamos os demais. Se alguém é generoso com os outros, D’us é generoso com esse alguém. Se a pessoa cuida das necessidades dos demais, D’us cuidará das suas. Se a pessoa é misericordiosa e dá parte do que ganha para salvar os demais dos muitos sofrimentos decorrentes da pobreza, D’us será misericordioso com ele e o protegerá contra o sofrimento e a infelicidade. Fora isso, a caridade, assim como a oração, eleva o estado de espírito da pessoa a alturas incríveis. E, portanto, aquele que regularmente pratica a caridade se torna merecedor de maravilhosas bênçãos Divinas. Nossos livros sagrados estão repletos de ensinamentos acerca do poder imenso e das recompensas, materiais e espirituais, da prática da TZEDACÁ. O Talmud Bavli (Bava Batra 9a) afirma que “A TZEDACÁ é igual a todos os demais mandamentos juntos”, e que “é maior do que todos os sacrifícios”. O Talmud Yerushalmi (Peah 1,1) o corrobora: “TZEDACÁ e atos de bondade são o equivalente a todos os mandamentos da Torá”. O Midrash (Midrash Zuta, Cântico dos Cânticos 1) ensina que “Se apenas as pessoas que viveram na geração do Dilúvio (de Noach) e as pessoas de Sodoma tivessem feito TZEDA, elas não teriam perecido”. O Midrash também ensina que a existência do mundo é baseada na prática da caridade: “Grande é a TZEDACÁ, pois desde o dia em que o mundo foi criado até o dia de hoje, o mundo se equilibra sobre T” (Midrash Tana d´Vei Eliyahu Zuta 1). O Talmud Bavli vai além e diz que a caridade é tão poderosa que pode reverter o decreto Celestial da morte – ou seja, pode prolongar a vida de uma pessoa. Pois está escrito: “Rabi Yehudá costumava dizer: ‘Dez coisas fortes foram criadas no mundo. A pedra é dura, mas o ferro a corta. O ferro é duro, mas o fogo o amolece. O fogo é duro, mas a água o apaga. A água é forte, mas as nuvens a carregam. As nuvens são fortes, mas o vento as dispersa. O vento é forte, mas o corpo o suporta. O corpo é forte, mas o medo o esmaga. O medo é forte, mas o vinho o expulsa. O vinho é forte, mas o sono o dissipa. A morte é a mais forte de todos, e a caridade salva da morte, pois está escrito: ‘A TZEDACÁ livra da morte’” (Provérbios, 10,2). Podemos concluir, com base nessa passagem talmúdica, que a coisa mais poderosa na Terra, mais poderosa mesmo que a morte, é a TZEDACÁ. Se a caridade é mais forte do que a morte, ela é certamente forte o bastante para anular os decretos Celestiais negativos. O significado do arrependimento. Há uma passagem no Livro de Jeremias (2:35), na qual o profeta cita D’us como tendo dito: “Eis porém que te julgarei, porquanto afirmas: ‘Não pequei’”. Isso implica que o julgamento desfavorável dos Céus cairá sobre a negação dos pecados, não sobre os próprios pecados. Se alguém deseja obter expiação por seus pecados, o primeiro passo necessário é admiti-los. Aquele que nega ou justifica seus delitos não pode arrepender-se e, portanto, torna-se muito difícil ser perdoado pelos mesmos. Para curar uma enfermidade, é preciso identificá-la e depois diagnosticá-la corretamente. Infelizmente, há muitos que se recusam a agir assim. Acreditam que podem estabelecer seus próprios padrões de moralidade. Tentam viver segundo suas próprias definições de bem e mal, sem recorrer à Revelação Divina. O que essas pessoas estão fazendo é seguir um curso mal sucedido, percorrido por geração após geração de filósofos. Após milhares de anos de experimentações, a própria Filosofia chegou à conclusão de que, a menos que seja revelado por algum Poder Superior, não existe nenhum padrão verdadeiramente objetivo do bem e do mal. O Judaísmo, por outro lado, reconhece D’us como a autoridade suprema de toda a moralidade. O bem e o mal são definidos e determinados por D’us. Ao mesmo tempo, D’us, em Sua Onipotência, pode perdoar o pecado e erradicar qualquer transgressão cometida pela pessoa, pois a mesma Autoridade que declara o pecado de algo pode perdoá-lo. Se o pecado é uma enfermidade espiritual, o arrependimento é sua cura. Portanto, um dos ensinamentos fundamentais do Judaísmo é que quando uma pessoa se arrepende, seus pecados são perdoados. A Torá assim o declara: “...E voltares... para o Eterno e ouvires a Sua voz,... teu D’us aceitará teu arrependimento e Se compadecerá de ti...” (Deuteronômio, 30,2-3). O arrependimento é eficaz mesmo quando se trata de pecados graves. Como ensinam nossos Sábios: “Nada pode se antepor ao arrependimento”. Ele é eficaz não importa quantas vezes a pessoa tenha pecado. Mesmo se a pessoa tenha vivido toda a vida negando e blasfemando contra D’us, ela pode ser perdoada. O arrependimento é relevante para todos os seres humanos – até para os mais perversos e os mais justos. Como D’us criou o homem como uma criatura falível, com livre escolha e livre arbítrio, é inevitável que ele peque. Como está escrito: “Não há homem na face da Terra que seja tão justo que só faça o bem e não peque” (Eclesiastes, 7:20). Mas, para obter o perdão Divino, o arrependimento tem que ser genuíno; não apenas dizer algo que não se sente, nem fingir piedade. Arrependimento significa admitir as próprias fraquezas e erros e fazer tudo o que for necessário para repará-los. Em seu sentido mais correto, o arrependimento consiste de quatro elementos: mudar a forma de agir, arrepender-se sinceramente, confessar-se a D’us e tomar a decisão de não repetir o pecado. Nossos Sábios ensinam que há dois tipos de pecados que a pessoa pode cometer. O primeiro é contra D’us. Quem desobedece às leis Divinas, por omissão ou comissão, comete um pecado – porque de alguma forma danificou a infraestrutura espiritual do universo (pecados de comissão) ou deixou de contribuir para aperfeiçoá-lo (pecados de omissão). O verdadeiro arrependimento é o remédio para quem não seguiu as leis de D’us. Mas, como ensinou o profeta Jeremias, para se achegar a D’us em arrependimento, é preciso primeiro admitir que se errou. Depois a pessoa tem que tentar melhorar – caminhar na direção certa. Não se espera que a pessoa se torne um Tzadik – um ser humano verdadeiramente justo – da noite para o dia. Mas se espera que a pessoa melhore – passo a passo, um dia de cada vez. No entanto, há uma segunda categoria de pecados, geralmente muito mais sérios – aqueles que são cometidos contra outros seres humanos. D’us não perdoa uma pessoa por esse tipo de pecado até que aquele contra quem o pecado foi feito verdadeiramente perdoe o pecador. Quando alguém peca contra outro ser humano, nenhuma oração, nenhum jejum, nem mesmo em Yom Kipur, pode servir de expiação. O que é necessário fazer é desculpar-se com a pessoa que foi prejudicada ou injuriada e fazer todas as reparações necessárias. Somente depois de tê-lo feito, pode-se pedir perdão a D’us por ter pecado contra um de Seus filhos. Apesar dos passos iniciais do arrependimento consistirem em se afastar do pecado, aproximando-se do remorso e da confissão, uma forma mais elevada de arrependimento envolve praticar boas ações. Na verdade, as três coisas que anulam um decreto Celestial negativo – oração, caridade e arrependimento – são interligadas: uma parte essencial do arrependimento mais elevado é a oração, a caridade e os atos de bondade com os demais, bem como o estudo da Torá. Como está escrito: “Pela bondade (caridade) e pela verdade (Torá) é expiada a iniquidade” (Provérbios, 16,6). O arrependimento é tão poderoso que é uma das coisas principais que pode romper as barreiras que impedem a Redenção Messiânica. O profeta nos diz: “E virá um redentor a Tsión, a todos que se arrependerem das transgressões de Yaacov – diz o Eterno” (Isaías, 59,20). Há uma tradição que conta que se cada judeu se arrependesse e se voltasse a D’us por apenas um dia, a Redenção Messiânica ocorreria imediatamente. A Torá assim diz: “E se voltares – tu e teus filhos – para o Eterno, teu D’us, e ouvires a sua voz, seguindo tudo o que eu te ordeno hoje..., D’us se compadecerá de ti e te fará voltar, juntando-te dentre todas as nações para onde o Eterno, teu D’us, te espalhou (Deuteronômio, 30,2-3). Os Dez Dias de Arrependimento. TEFILÁTZEDACÁTESHUVÁ são três pilares do Judaísmo que cada judeu deve se empenhar em praticar durante todo o ano. Somos instruídos a orar diariamente, preferivelmente três vezes ao dia - Shacharit (a oração da manhã), Minchá (a oração da tarde) e Arvit(a oração da noite). A prática de caridade é um mandamento que deve ser realizado diariamente, exceto nos dias em que não podemos manusear dinheiro - Shabat e Yom Tov. Quanto ao arrependimento – a retificação das transgressões e o esforço em melhorar a nossa espiritualidade –, deveria ser uma preocupação diária de todo judeu. Rabi Eliezer, um dos maiores Sábios do Talmud, que, como mencionamos acima, fazia caridade antes de rezar, costumava dizer: “Arrependa-se na véspera de morrer”. Quando seus alunos lhe perguntaram como era possível saber o dia de nossa morte com antecedência, ele respondeu que era por isso que devíamos nos arrepender diariamente. Apesar de podermos e devermos sempre nos arrepender de nossos erros, D’us determinou que os dez dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur fossem os Asseret Yemei TESHUVÁ – os Dez Dias de Arrependimento. Portanto, é costume dizer preces de arrependimento durante esse período, ser ainda mais generosos na caridade que fazemos habitualmente e ser mais rígidos em nosso cumprimento da ética e da religião. Os Dez Dias de Arrependimento se iniciam em Rosh Hashaná, cujo principal mandamento é ouvir o som do Shofar. Um dos simbolismos do Shofar é servir para despertar os corações das pessoas para D’us. Pois assim falou o profeta: “Será ouvido em uma cidade o som do Shofar sem que estremeçam seus moradores?” (Amós 3:6). Do mesmo modo, Yom Kipur, que conclui os Dez Dias de Arrependimento, é o dia mais auspicioso do ano para um judeu se arrepender. O chamado ao arrependimento foi uma das missões mais importantes de todos os profetas. Junto com a oração e a caridade, o arrependimento pode banir qualquer decreto maligno que possa ter sido decretado sobre um indivíduo ou uma comunidade. Como a oração e a caridade, o arrependimento tem o poder de interceder por uma pessoa, protegendo-a do mal e mesmo prolongando sua vida. Assim sendo, durante os Asseret Yemei TESHUVÁ, cabe a cada um de nós fortalecer-se no cumprimento das três coisas que anulam os decretos Celestiais negativos. Fazendo-o, poderemos melhor atrair as bênçãos Divinas para o ano vindouro – para nós e nossas famílias, para o Povo Judeu e para toda a humanidade. www.morasha.com.br. Abraço. Davi.