Neste terceiro capítulo é
abordado o Karma Yoga, como o Reto Cumprimento da
Ação. Tudo o que o homem faz com motivos pessoais, é sem valor para o Eterno.
Para atingirmos a salvação e a união com Deus, havemos de agir sem motivos
egoístas, sem tomar em consideração o nosso próprio Eu Pessoal, entregando-nos
à Vontade Divina como um instrumento na mão de Deus, e assim, cumprindo o nosso
dever por ser dever, sem pedir recompensas. "Falou Arjuna,
o príncipe Pândava, a Krishna,
o Senhor Bem Aventurado, dizendo: Óh! Conferidor do
Saber! Disseste-me que o conhecimento é até mais importante do que a ação; se
assim é, por que me incitas à ação? Por que queres que eu entre nesta horrível
batalha com meus parentes e amigos? Interessante o texto bíblico de Êxodo
32:26-28, pois lembra figuradamente esse conflito interior que Arjuna enfrentava. Veja o que é dito nele: “Pôs-se em pé
Moisés na porta do arraial e disse: Quem é do Senhor, venha a mim. Então se
ajuntaram a ele todos os filhos de Levi. E disse-lhes: Assim diz o Senhor Deus
de Israel: Cada um ponha a sua espada sobre a sua coxa; e passai e tornai pelo
arraial de porta em porta, e mate cada um a seu irmão, e cada um a seu amigo, e
cada um a seu vizinho. E os filhos de Levi fizeram conforme à palavra de
Moisés; e caíram do povo aquele dia uns três mil homens”. Tuas ambíguas
palavras me trazem dúvidas e me confundem o entendimento. Fala-me, peço-te, em
frases claras e certas, qual é o caminho que me conduzirá a Paz e à Satisfação?
Respondeu Krishna, o Divino: Como já te disse, Oh!
nobre príncipe, há dois caminhos que vão à Perfeição. O primeiro é o caminho do
Conhecimento (1), e o segundo o da ação (2). Uns preferem o primeiro, e outros,
o segundo desses dois caminhos; sabe, porém, que considerados do alto, ambos
são um só caminho. Escuta! (1). Sankhya. (2). Yoga.
Engana-se quem pensa que, esquivando-se das ações e persistindo na inatividade,
escapa dos resultados da ação. Quem nada começa, não pode entrar no estado da
Paz Eterna; a inatividade não conduz à Perfeição. E, na realidade, nem há
coisas que se possam designar pela palavra inatividade; pois tudo, no Universo,
está em atividade constante, e nada pode subtrair-se à lei geral. Ninguém pode
ficar inativo nem um instante; pois as leis de sua natureza o impelem
constantemente a fazer alguma coisa, queira ele ou não; o seu corpo ou a sua
mente, ou ambos, sempre estão ocupados. Se alguém se assenta para reter e
dominar os seus sentidos e os órgãos de atividade, mas, em sua mente, está
apegado aos objetos dos sentidos, ilude-se e merece o nome de hipócrita. Porém,
é digno de ser chamado sábio e nobre aquele que sujeitou os seus sentidos a
Deus, pelo amor ardente ao Altíssimo, e expressa o seu reto pensar em reta
ação; ele cumpre o seu dever, sem esperar recompensas e, ocupando-se de objetos
dos sentidos, não se deixa dominar por eles. Realiza o bem que te compete fazer
no mundo; cumpre bem as tuas tarefas; ocupa-te da obra que encontras, para
fazê-la o melhor possível; assim será muito bom para ti. Atividade é melhor do
que ociosidade. A atividade fortalece a mente e o corpo, e conduz a uma vida
longa e normal; a ociosidade enfraquece tanto o corpo como a mente, e conduz a
uma vida impotente e anormal, de duração incerta. Os homens estão aferrados a
este mundo, porque agem com o fim de obter recompensa e ganho; estão apegados
aos objetos de seus desejos, e, por isso, cansam-se na escravidão dos sentidos.
Para se libertarem, hão de agir com resignação, movidos pelo puro amor ao Bem.
Realiza, pois, Oh! Arjuna! a tua tarefa, para
cumprires o dever que o Eu Real te impõe, e não por qualquer outro motivo.
Lembras-te das doutrinas antigas que narram a criação do mundo, e das palavras
que o Criador disse aos homens que tinha criado! Ouve, e as repetirei: Pela
adoração e pelo sacrifício mútuo, crescereis vos multiplicarei. (0). (0)
As Escritura Cristãs fazem menção a esse texto do Bhagavad
Gita em Gênesis 1:28 “E Deus os abençoou, e Deus lhes
disse: frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai
sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se
move sobre a terra”. Pela resignação, obtereis a satisfação dos vossos
desejos. Lembrai-vos da Fonte de todas as coisas, do Distribuidor dos objetos
desejados. Pensai no que é Divino, para que o Divino pense em vós (6). (6) Outra
citação que lembra o Novo Testamento em Colossenses 3:1-3 “Portanto, se já
ressuscitastes com Christo (Krishna),
buscai as coisas que são de cima, onde Christo (Khrishna) está assentado à destra de Deus. Pensai nas
coisas que são de cima, e não nas que são da terra. Porque já estais mortos, e
a vossa vida está escondida com Christo (Krishna) em Deus”. Se nutrirdes, com o sacrifício de vós
mesmos, os deuses, eles vos darão o desejado alimento espiritual. Quem recebe
os dons dos deuses e não lhes mostra a gratidão, é como um ladrão. Os bons
homens que retém para si só aquilo que resta depois de terem oferecido à
Divindade tudo o que é divino, são livres de todos os pecados; porém, os maus
que querem agir só para si mesmos, vivem em pecado (...). Todas as criaturas
(tanto espirituais como as materiais) vivem, enquanto se alimentam. O alimento
cresce com a chuva. A chuva é mandada pelos deuses em resposta aos desejos, às
preces e as súplicas dos homens. Os desejos, as preces e as súplicas dos homens
são formas de ações; e as ações procedem da Vida Una que tudo penetra. Sabe que
toda ação tem sua origem em Brahma. Brahma (O Eterno, O Ser Supremo, O Uno, A
Consciência Cósmico, O Inominado e Indizível) é a revelação da Indivisível
Unidade. Por isso, Brahma, que tudo penetra, é sempre presente nas tuas ações.
É vã e vergonhosa a vida do homem que, vivendo neste mundo de ação, tenta
abster-se da ação; quem, gozando o fruto da ação do mundo ativo, não coopera,
mas vive em ociosidade. Aquele que, aproveitando a volta da roda (do Dharma),
em cada instante de sua vida, não quer pôr a mão à roda para ajudar a movê-la,
é um parasita e um ladrão que toma, sem dar coisa alguma em troca (7). (7)
Outra referência importante paralela está em Jeremias 18:2-4 “Levanta-te, e
desce à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras. E desci à casa
do oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua obra sobre as rodas. Como o vaso,
que ele fazia de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro
vaso, conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer”. Sábio é, porém,
aquele que cumpre bem os seus deveres e executa as obras que são para fazer-se
no mundo, renunciando a seus frutos e concentrado na ciência do Eu Real. Tal
homem, elevado acima dos mundos, não se inquieta por saber se alguma coisa no
mundo acontece ou não acontece; achando em si mesmo tudo de que precisa, não
tem necessidade de refugiar-se em nenhum ser criado, para nele achar apoio.
Participando de tudo e agindo, em tudo, de acordo com os ditames do dever, de
nada depende, porque a sua fé, esperança e ciência se fixam no Imperecível, que
é o único apoio seguro. Faz, pois, o que deve ser feito; porém, sem egoísmo e
sem considerações pessoais. Quem age assim e cumpre o seu dever, livre de
motivos egoístas, e sem depender de alguém, caminha, com passos firmes,
diretamente à Consciência Superior, ao plano espiritual. Janaka
e muitos outros atingiram o estado de perfeição por meio de boas obras e
reta ação. Trabalha, pois, também tu por amor à humanidade. Quando um nobre
homem faz alguma coisa, os outros o imitam; o exemplo que ele dá, é seguido
pelo povo. Segue, portanto, os melhores de tua raça. Toma-me por exemplo, Oh!
príncipe. Nada há, no Universo dos Universos, que eu deseje ou que seja
necessário que para mim não se faça; nem há coisa alguma atingível que eu não
tenha já atingido. E, contudo, estou em constante ação e movimento, agindo
sempre e incessantemente. Os homens, Oh! Arjuna,
seguem sempre o meu exemplo; por isso, se eu deixasse de ser ativo, estes Universos
cairiam em ruína. Se eu não agisse, começaria a reinar uma confusão Universal,
e a minha inatividade seria a causa da destruição do gênero humano. Como os que
carecem ainda da Luz Espiritual fazem esforços para alcançar o que desejam,
sendo a esperança de recompensa o estímulo de suas ações; assim deve o homem
desenvolvido e iluminado agir abnegadamente, pela causa do bem comum e conforme
a Lei Universal. Mas não deves confundir, com estas ideias, as cabeças dos
homens inexperientes, cujo coração ainda está apegado às obras. Deixa-os fazer
o melhor que podem; mas tu e os outros sábios, devem agir em harmonia comigo,
animando os outros à atividade, e dando-lhes o exemplo. Toda a atividade e
todas as ações provêm dos movimentos das forças da Natureza. O insensato, que é
iludido pela presunção e vaidade, pensa que ele é o ator e diz: Eu faço isto,
eu fiz aquilo. Mas quem conhece a verdade, sorri, porque detrás da
personalidade, enxerga a fonte real da ação, a causa e o efeito. Entretanto, os
que conhecem a verdade inteira, devem acautelar-se para não ofuscarem com ela o
fraco entendimento daqueles que ainda não estão preparados para conhecê-la, por
que as doutrinas prematuras poderiam confundir e desviar estes da sua
atividade. Tu, porém, Oh! Arjuna, liberta-te de todos
os cuidados, de todo medo e, igualmente, do egoísmo e das esperanças pessoais;
em Meu nome (3), faz tudo o que hás de fazer, concentrando todos os teus
pensamentos no Altíssimo! Os homens que, cheios de fé e confiança, seguirem
estes meus ensinos e não tiverem dúvidas, alcançarão a liberdade também pelas
obras e ações. (3). Isso é, em nome de Deus, Krishna
(Christo) é a Encarnação Divina. Porém, aqueles que
rejeitam os ensinos da Verdade e agem contra eles, são insensatos e iludidos,
caem em confusão e inquietações. Cada ser age em conformidade com a sua
natureza; também o sábio procura o que se harmoniza com a sua própria natureza,
de acordo com aquilo que é o mais alto no seu caráter. Ninguém pode escapar às
leis naturais. Os objetos sensuais são os senhores dos sentidos, e atraem ou
repelem o coração dos homens, enchendo-o de afeição ou de aversão. Não te
deixes dominar por nenhuma destas duas forças, porque ambas são obstáculos no
caminho e o sábio as subjuga ambas. Finalmente, lembra-te que é melhor cumprir
a própria tarefa, ainda que seja humilde e insignificante, do que querer fazer
a tarefa de um outro, por mais nobre e excelente que seja. É melhor morrer no
cumprimento do seu dever, do que viver negligenciando-o e querendo fazer o que
a outros compete fazer. Pergunta Arjuna: Mas fala-me,
Oh! Senhor, que força misteriosa é essa que, muitas vezes, parece obrigar o
homem a praticar um mal, até contra a própria vontade! Explica Krishna: Esta tentação, Oh! príncipe, é a essência dos
desejos que o homem em si acumulou (4). Ela é o seu maior inimigo, e chama-se
Paixão; nasce da natureza carnal, cheia de pecado e de erro, e ataca o homem
para o consumir. (4). Em sanscrito dá-se
o nome de Kama. Não confundir com Karma. Como a
fumaça envolve a chama, a ferrugem o metal, o útero a criança para nascer;
assim o mundo é envolvido por este inimigo, chamado Desejo. O Desejo impede o
verdadeiro saber; ele é como um fogo devorador, difícil de extinguir-se. Os
sentidos e a mente são a sede; e, por meio deles, confunde o discernimento e
obscurece o conhecimento da verdade. Antes de tudo, devas, portanto vencer esse
inimigo de tua alma. Domina os teus sentidos e os seus órgãos, e afugenta de ti
esse gerador do mal. Os sentidos são grandes e poderosos; porém, maior e mais
poderosa é a mente; maior do que esta é a Razão, e o mais forte é o Eu Real, A
Luz da Divindade (5). (5). Os sentidos, que são a sede do desejo,
designam-se, em sânscrito pelo termo Kama; a mente chama-se Manas; a Razão
Iluminada é Budhi; o Eu Real, a Consciência da
Divindade é Atma. Reconhecendo, pois, o Eu Real como
o Senhor mais poderoso, domina pelos seu poder o Eu Pessoal, e assim subjuga o
monstro de desejo; esta tarefa é difícil, mas não impossível. Combate o desejo,
domina-o pela força da Luz Divina do Eu Real; não o deixes ser teu Senhor, mas
reduzi-o a ser teu escravo!". Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Tradução Francisco Valdomiro Lorenzo. Editora Pensamento. São Paulo - Brasil. Abraço. Davi.
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