Neste segundo capítulo do Bhagavad Gita se ensina
como se pode, por meio da meditação filosófica, obter a verdadeira concepção do
Universo, isto é, o conhecimento da nulidade e instabilidade de todas as formas
que existem no mundo dos fenômenos, em contraste com o Ser Eterno, e como este
conhecimento nos conduz ao caminho da liberdade espiritual e da imortalidade. "A
consequência de tal corrupção é o aniquilamento dos destruidores da raça e dos
direitos eternos da família. Os homens que destroem a religião da família, vão
para o inferno. Assim nos ensinam os nossos livros sagrados. Ai de mim! Ai de
nós, que nos estamos preparando para cometer o horrível crime de matar os
próprios parentes e consanguíneos pela bagatela de obter o domínio pelo desejo
do poder! Eu preferiria entregar o meu peito descoberto às armas dos Kurus, e
deixá-los beber o sangue do meu coração. Eu preferiria esperar a sua chegada,
desarmado, e receber deles o golpe mortal, sem me defender. De certo, isto
seria melhor para mim do que cometer esse horrível crime! Ai de mim! Ai! de nós
todos! Assim clamando, sentou-se Arjuna no banco do carro e deixou cair o arco
e as flechas da sua mão, todo entregue à aflição e ao desespero que lhe
consumiam o coração. Continuou Sanjaya a contar: Krishna, cheio de amor,
piedade e compaixão, disse a Arjuna, vendo a sua pungente tristeza e as
lágrimas nos seus olhos: Donde te vem, ó Arjuna, essa pusilanimidade (covardia,
frouxidão)? Esta fraqueza, indigna de um homem, faz-te infeliz, pois te fecha
as portas do céu (1). (1). O homem que está cheio de medo e dúvidas
afasta-se por si mesmo do céu da bem aventurança, que é próprio à alma que
conhece a verdade. Não te entregue a ela; sacode de ti essa cisma desprezível;
levanta-te resoluto e bravo, Seis vencedor de inimigos Um. Respondeu Arjuna:
OH! meu caríssimo. Como posso eu atacar e combater a Bishma e Drona, quando a
ambos respeito e estimo?! Seria melhor, para mim, comer o pão seco e sem sabor
de mendigo, do que ser o instrumento de morte a estes nobres e respeitáveis
homens, que eram meus preceptores e mestres! É verdade que eles são ávidos dos
meus bens; mas como poderia eu gozar a riqueza e o poder, sobre os quais há
manchas de sangue dos meus queridos?! Não posso dizer se Seis melhor que nós os
vençamos ou que eles nos vençam a nós. Mas sei que eu visse morrer os meus
parentes e amigos, os filhos do rei Dhritarashtra e o povo de Kuru. Compaixão e
ânsia comprimem o meu coração, e a minha mente vacila diante do problema que se
lhe apresenta. Não sei o que devo fazer. Dissipa tu, ó Krishna, estas dúvidas;
dize-me, qual é o meu dever. Eu sou teu discípulo; prostrado perante Ti, peço
que dês as instruções de que careço. Tão confuso está o meu entendimento, que
não posso descobrir nada que acalme a febre da minha mente; o meu interior está
em fogo que seca as minhas faculdades. Ainda que eu ganhasse um reino
como o sol excede às estrelas, ou conseguisse o poder dos deuses e o
domínio sobre os exércitos celestes, minha aflição não diminuiria. Não, eu não
quero combater. Continua Sanjaya: Depois de ter falado assim ao Senhor da
Criação, Arjuna caiu em silêncio. Então Krishna, sorrindo ternamente, dirigiu
ao desanimado as seguintes palavras, achando-se ambos no meio do espaço entre
os dois exércitos: Palavras do Verbo Divino (2). Sem necessidade te entristeces
e afliges; contudo, as tuas palavras tem grãos de verdade. Elas exprimem a
sabedoria do mundo interior (esotérica), mas não satisfazem à mente interior;
são, pois, apenas a expressão de uma parte da verdade. Os sábios não se
entristecem nem por causa dos vivos em por causa dos mortos. (2). Krishna é o
representante do Verbo Divino ou Logos o Christo em nós. Sabe, Oh! príncipe de
Pându, que nunca houve tempo em que não existíssemos eu ou tu, ou qualquer
destes príncipes da terra; igualmente, nunca virá tempo em que algum de
nós deixe de existir. (3). (3). O que no homem é divino, o seu Ser
Verdadeiro, é Eterno (0). (0) Observe o que é dito em Eclesiastes 3;11 “Ele fez
tudo apropriado ao seu tempo. Também colocou no coração do homem o desejo
profundo pela eternidade; contudo, o ser humano não consegue perceber
completamente o que Deus realizou”. Não nasce nem morre, e forma a sua
individualidade, que aparece periodicamente, vestida de corpo material, mas é
independente dele. Assim como a alma, vestindo este corpo material, passa pelos
estados de infância, mocidade, virilidade e velhice, assim, no tempo devido,
ela passa a um outro corpo, e em outras encarnações, viverá outra vez. Os que
possuem a sabedoria da doutrina esotérica (interior), sabem isto é, não se
deixam influenciar pelas mudanças a que está sujeito este mundo exterior. Os
sentidos dão-te, pelas apropriadas faculdades mentais, o sentimento do calor e
do frio, do prazer e da dor. mas estas mudanças vêm e vão, porque pertencem ao
temporário, impermanente, inconstante. Suporta-as com equanimidade
(temperamento ou ânimo que não se altera em qualquer situação), valentia e
paciência, Oh! príncipe! O homem que não se deixa mais atormentar por essas
coisas, que se conserva firme e inabalável no meio do prazer e da dor, que
possui a verdadeira igualdade de ânimo; esse, crê-me, (em Krishna) entrou no
caminho que conduz à imortalidade. Aquilo que é irreal, ilusório, não tem em si
o Ser Real, não existe na realidade, e sim só na ilusão; e aquilo que é o Ser
Real, nunca cessa de Ser, nunca pode deixar de existir, apesar de todas as
aparências contrárias. Os sábios, Oh! Arjuna, fizeram pesquisas relativas a
isto e descobriram a verdadeira Essência e o sentido interior das coisas.
(4). (4). Só aquele Ser, no homem que é penetrado pela Verdade, pode
conhecê-la, porque a Verdade é a sua essência e conhece-se, no homem, a si
mesma. Sabe que o Ser Absoluto, de que todo o Universo tem o seu princípio,
está em tudo, e é indestrutível. Ninguém pode causar a destruição desse
Imperecível. (5). (5). O corpo é o instrumento do espírito, é a sombra
incorporizada, em que a Luz se esforça por manifestar-se. Estes corpos caducos,
que servem como envoltório para as almas que os ocupam, são coisas finitas,
coisas do momento, e não são o verdadeiro homem real. Eles perecem, como todas
as coisas finitas; deixa-os perecer, Oh! príncipe de Pandu, e, sabendo isto,
prepara-te para o combate. Aquele que pensa, em sua ignorância: Eu mato ou Eu
serei morto, procede como criança que não tem conhecimento da verdade, porque o
que É na realidade, é eterno, e o Eterno não pode matar nem ser morto. Conhece
esta verdade, Oh! príncipe! O Homem Real, isto é, o Espírito do homem, não
nasce nem morre. Inato, imortal, perpétuo e eterno, sempre existiu e sempre
existirá. O corpo pode morrer ou ser morto e destruído; porém, aquele que
ocupou o corpo, permanece depois da morte deste. (6). (6). O Espírito é
a vida mesma; isto é, a Vida Eterna, de que a vida exterior, corporal, é só um
reflexo, uma manifestação de ordem inferior. Quem conhece a verdade de que o
Homem Real é eterno, indestrutível, superior ao tempo, à mudança e aos
acidentes, não pode cometer a estultice (tolice) de pensar que pode matar ou
ser morto. Como a gente tira do corpo as roupas usadas e as substitui por novas
e melhores, assim também o habitante do corpo (que é o Espírito). tendo
abandonado a velha morada mortal, entra em outra, nova e recém preparada para
ele. (7). (7). A reencarnação é uma lei universal em toda a natureza. O
espírito do homem desencarnado volta, depois de um tempo de descanso, a ocupar
um novo corpo, formando assim nova pessoa. Enquanto a alma não tem conhecimento
espiritual de si mesma este processo é inconsciente. Em sua essência, é
invisível, inconcebível, incognoscível (8). Sabendo isto, não te entregues à
aflição pueril (infantil)! (8). Isto é, para o intelecto exterior, mas é
cognoscível (que se consegue conhecer) para a percepção interior de homem
espiritualmente iluminado. Se, porém, não o crês, e pensas que nascimento e
morte são reais, mesmo assim te pergunto: porque te lamentas e entristeces?
Pois, em verdade, a morte deriva do nascimento, e o nascimento demanda (exigir)
da morte. Não te aflijas, pois, pelo inevitável. Aqueles que carecem da
Sabedoria Interior, ignoram de onde vimos e para onde vamos; conhecem só aquilo
que é transitório. No Ser Eterno, todas as coisas são compreendidas no estado
invisível; depois se fazem visíveis, e na morte tornam a ser invisíveis. Por
que então, lamentar? Quanto à alma, o Homem Real, Espírito ou Ser Eterno,
alguns o tomam por coisa maravilhosa; outros ouvem falar e falam dele
como de uma maravilha, com incredulidade e sem compreensão. Mas a mente mortal
não compreende esse mistério, nem o conhece em sua natureza verdadeira e
essencial, apesar de tudo o que foi dito, ensinado e pensado a seu respeito
(9). (9). Só pode compreender o Ser Eterno, quem o realizou em si mesmo.
O Espírito, esse Homem Real que habita o corpo, é invulnerável e indestrutível:
é a vida mesma. Não há, pois, motivo para te abandonares à aflição e tristeza.
Deves estar atento ao teu dever. Tu, que és um príncipe da casa dos guerreiros,
tens por dever combater com resolução e heroísmo. O dever de um soldado é combater,
e combater bem. O combate justo honra o guerreiro e abre-lhe a porta do céu. Se
desistires da legítima luta pela verdade e pelo direito, cometerás um grande
crime contra a tua honra, contra o teu dever e contra o teu povo. Os homens de
perto e de longe falarão de ti com desprezo, classificando de vergonhoso o teu
proceder; e a vergonha e a desonra são piores do que a morte para quem é de
nobre nascimento. Todos os generais pensarão que foi por medo que fugistes do
campo de batalha, e te tratarão como covarde; e aqueles que até agora te
estimam, desprezar-te-ão. Os teus inimigos espalharão má fama a teu respeito;
com burla e com desdém falarão de ti e de tua falta de coragem. Poderia
acontecer-te coisa pior?". Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Tradução Francisco Valdomiro Lorenzo. Editora Pensamento. São Paulo - Brasil. Abraço. Davi.
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