A
TRANSFORMAÇÃO. O Mahayana baseia-se no princípio de
que não devemos nos preocupar apenas conosco, e sim considerar o outro como
mais importante. Portanto, uma ênfase particular é colocada sobre o amor e
sobre a compaixão. Assim, no início de qualquer prática, pensa-se que vai ser realizada
com o objetivo de poder liberar todos os seres do sofrimento e de poder
levá-los à felicidade definitiva. Do mesmo modo, ao final de uma prática,
dedica-se toda força positiva que emana dela para o bem de todos os seres, para
que se tornem livres dos sofrimentos, do karma e das emoções
conflituosas e para que alcancem finalmente o estado de Buddha. EXTENSÃO
DO MAHAYANA. O conjunto da tradição budista baseia-se em duas correntes: a
dos Sutras e a dos Tantras. A abordagem dos Sutras está
dividida ela própria em três níveis: inferior, médio e superior. O nível
inferior refere-se aos "auditores" (shravakas), o
intermediário aos "Buddhas solitários" (pratiyeka Buddhas),
estes dois níveis pertencem ao hinayana, e o superior aos Bodhisatvas
praticando o Mahayana. Os "auditores" olham o indivíduo
como desprovido de um “eu”, pois ele nunca pode ser encontrado pela análise; o
mundo exterior é, por sua vez, considerado como dotado verdadeiramente de uma
realidade material, impura e fonte de sofrimento. Os "Buddhas
solitários" consideram que não apenas o indivíduo é desprovido de
existência própria, mas que o mundo exterior também o é parcialmente, na medida
em que, em última análise, é apenas um agregado de átomos. No veículo dos Bodhisattvas,
o indivíduo e o mundo exterior são vistos inteiramente desprovidos de
existência própria, vazios. Esta visão mais ampla que as duas precedentes, que
pertencem ao pequeno veículo, justifica a denominação de "grande
veículo". O mahayana também é mais amplo que o hinayana na sua
maneira de conceber a ação. O praticante do hinayana esforça-se, de
fato, para evitar qualquer ato que poderia ser nefasto para si mesmo ou para os
outros; ele observa uma ética que o protege de qualquer ação negativa. O
praticante do mahayana acrescenta a essa ética que evita prejudicar, uma
ética que busca fazer o bem aos outros. Qualquer que seja o paramita que
observamos, a visão do mahayana sempre é maior que a do hinayana. Acabamos
de vê-lo quanto à ética, também é verdadeiro para o paramita do dom. No hinayana,
o dom é limitado a seu aspecto material, no mahayana ele deve também
fornecer a segurança e se estender à vida espiritual, o que chamamos o dom do dharma.
O dom está então fundamentado no amor e na compaixão. O paramita da
paciência é vista como uma virtude pessoal no hinayana, enquanto que no mahajana
ela é, ainda uma vez, uma expressão do amor e da compaixão. A diligência,
importante no hinayana, abarca no mahayana não apenas o
desenvolvimento individual, mas o bem de todos os seres. Quanto à perfeição do
conhecimento, ela atinge sua plenitude no mahayana, que desenvolve uma
visão completa da natureza vazia de qualquer manifestação. O grande veículo
divide-se em dois aspectos: o mahayana dialético e o Vajrayana. Desses
dois aspectos, o segundo é mais rico em métodos e mais profundo. O mahayana dialético,
ensinado nos Sutras, considera a prática como uma causa que leva a um
resultado, enquanto que o vajrayana, vindo dos Tantras, considera,
ao contrário, o resultado como desde agora presente. Mais frequentemente,
quando se fala do mahayana, sem outra precisão, refere-se à primeira das
duas abordagens e não ao vajrayana. É também ao mahayana dialético
que o presente ensinamento será dedicado. A concepção do mundo exterior difere
entre o veículo dos "Buddhas solitários" e o dos Bodhisattvas,
no sentido de que o segundo considera que os átomos, nos quais a análise do
primeiro termina, não têm, eles mesmos, nenhuma existência sobre o plano
último. A BODHICHITTA. Encontramos o fundamento do mahayana na
dupla noção de bodhicitta: A bodhicitta relativa; A bodhicitta
absoluta. A bodhicitta relativa consiste no reconhecimento de
que todos os seres foram nosso pai ou nossa mãe no passado, e a seguir na
observação de nossa própria situação para compreender que ela é comum a todos;
ficamos felizes por causa dos acontecimentos agradáveis que nos acontecem,
infelizes se encontramos o sofrimento. Compreendendo que todos os seres
funcionam desse modo, desenvolvemos o amor e a compaixão. A bodhicitta absoluta
é o desenvolvimento, por meio do conhecimento justo, da compreensão da natureza
finalmente vazia de qualquer fenômeno. Pode-se, sem se limitar a uma adesão
intelectual, abordar a noção geral de vacuidade por uma meditação discursiva
baseada no raciocínio, mas essa abordagem corre o risco de permanecer na
superfície das coisas. É preferível começar por compreender a natureza de nossa
própria mente: ela existe desde sempre, primordialmente; não tem existência
material: não tem forma, cor, volume etc.; não podendo ser percebida como uma
coisa, é, assim, vazia. Em seguida, com base nessa compreensão, chega-se a uma
certeza que apenas a experiência da meditação pode proporcionar, além de todos
os conceitos. Quando se chega à certeza da vacuidade da mente, desenvolve-se,
então, a percepção de que todos os fenômenos, nosso corpo e o mundo exterior,
procedem de fato da mente. Sendo a própria mente vazia por natureza, todas as
suas produções também o são. Chega-se, assim, à conclusão de que todas as
coisas são vazias por natureza. OS TRÊS CORPOS DE SAMSARA. Ainda que
esta asserção da vacuidade de todas as coisas possa nos parecer desconcertante,
o exemplo do sonho poderá nos torná-la mais compreensível. Quando sonhamos,
percebemos todo um mundo constituído de formas visíveis, sons, objetos
tangíveis que nos parecem reais. Entretanto, eles não existem em parte alguma;
eles são unicamente uma produção da mente. Durante o sonho, eles parecem
possuir a mesma realidade do mundo que percebemos agora e é por isso que podem
provocar a dor ou o prazer. Mas quando estamos acordados, tudo o que parecia
existir durante o sonho, nosso corpo, o meio, as casas etc., tudo isso
desaparece. É apenas a mente, manifestando-se por meio de um corpo onírico
chamado o "corpo dos condicionamentos latentes", O que é verdadeiro
para o sonho, também o é para nossa experiência presente, por meio do que se
chama o "corpo de maturidade cármica". Quando abandonamos este mundo,
no momento da morte, os sentidos deixam de funcionar de modo que o corpo e o
mundo exterior não são mais percebidos. A mente fica só. Ainda que ela seja
vazia, produz de novo aparências ilusórias, incluindo a visão, a audição, o
tato etc., tudo como agora. A alegria, a dor, o medo, portanto, são também
experimentados, por meio de um "corpo mental", como se todo o meio
parecesse real. A mente permanece assim um certo tempo no bardo; depois,
sob a força do karma, ela é levada a renascer sob uma forma ou outra.
Quando isto se produz, todos os fenômenos que se manifestaram durante o bardo
desaparecem. Eles não existem mais em nenhuma parte. Então, é de novo o
"corpo de maturidade cármica" que dá continuidade, como suporte de
existência, em uma das seis classes de seres. A totalidade de nossa experiência
no samsara desenvolve-se, então, por intermédio desses três corpos:
corpo de maturidade cármica, no estado de vigília, corpo dos condicionamentos
latentes, no sonho, corpo mental, no bardo. VACUIDADE E COMPAIXÃO. Saber
que todos os fenômenos são na realidade uma manifestação da mente, que ela mesma
é vazia, desprovida de qualquer característica material, e, sobre esse
fundamento, tomar o caminho das diferentes etapas da meditação, a pacificação
mental e a visão superior, caminho que leva à realização desta vacuidade, é o
que se chama a bodhicitta absoluta. Tendo como referência essa vacuidade
de todas as coisas, tomamos consciência que os seres, pelo fato deles não a
realizarem, mas tomarem o mundo como real, são prisioneiros da engrenagem do
desejo, da aversão e da cegueira (avydia). Por esse fato, são sacudidos
pelas incessantes ondas do ciclo dos renascimentos, indo de sofrimento em
sofrimento. Essa visão da condição dolorosa dos seres, derivada da ignorância
da vacuidade, produz um ímpeto de amor e de compaixão: é a bodhicitta relativa.
Essa bodhicitta relativa é extremamente poderosa: ela permite
purificar-se de condicionamentos latentes e de muito karma negativo,
assim como acumular muito mérito e sabedoria. Essa purificação e essa
acumulação proporcionam, por sua vez, uma grande abertura para o aprofundamento
da experiência da vacuidade. Diz-se que permitem que todas as qualidades
cresçam da mesma maneira que as chuvas da monção enchem os rios. Guiados pela
vacuidade e pela compaixão, praticando os seis paramitas, o dom, a
ética, a paciência, a diligência, a concentração e o conhecimento, percorre-se
o caminho do mahayana que, da primeira à décima terra de bodhisattva,
conduz ao estado de Buddha. A TRANSFORMAÇÃO DAS EMOÇÕES. Vimos que a maneira de tratar as emoções
conflituosas no hinayana consistia em rejeitá-las. No mahayana, ao
contrário, esforça-se para transformá-las de maneira positiva. Geralmente,
contam-se seis emoções principais, repartidas em dois grupos de três. O desejo
apego, o ódio aversão e a cegueira (ignorância) constituem a base sobre a qual
se implantam as outras três: do desejo apego nasce a possessividade, do ódio
aversão, o ciúme, da cegueira, o orgulho. Essas seis emoções conflituosas estão
relacionadas com os renascimentos nos diferentes mundos, segundo sua predominância:
ódio aversão conduz ao renascimento nos infernos; a possessividade, no mundo
dos espíritos ávidos; a cegueira (ignorância) no mundo animal; desejo apego, no
mundo humano; ciúme, no mundo dos semideuses; orgulho no mundo dos deuses. Em
razão do renascimento em uma ou outra condição de existência, as emoções
conflituosas são modificadas pelos atos positivos e negativos: os primeiros
produzem as alegrias e as felicidades dos três mundos superiores (humanos,
semi-deuses e deuses), os segundos provocam os sofrimentos dos três mundos
inferiores (animais, espíritos ávidos e infernos). GRADAÇÃO DAS EMOÇÕES. Podemos
classificar as emoções conflituosas segundo a quantidade de sofrimento que
provocam. Desse ponto de vista, o ódio aversão aparece como o de consequências
mais pesadas, já que causa as dores extremas dos infernos. Em segundo, vem a
possessividade que provoca o renascimento no mundo dos espíritos ávidos, já que
a cegueira, a estupidez, a incapacidade de compreender, conduz ao mundo animal.
Em seguida, pode-se colocar o ciúme, causa do renascimento entre os semideuses,
envolvidos em querelas e conflitos contínuos, sofrendo de uma insegurança
permanente, resultado de seu desejo de ter o que os outros possuem, em
particular os deuses. O desejo apego e o orgulho são as duas emoções
conflituosas cujo predomínio conduz ao renascimento em mundos relativamente
felizes, aqueles dos homens ou o dos deuses. Para que produzam esse resultado,
é preciso, entretanto, que intervenham outros fatores. Tomemos o exemplo dos deuses.
Seu orgulho, isolado de qualquer contexto, leva-os a pensar: "Eu SOU forte,
inteligente, alguém importante". Foi preciso este orgulho, fortemente
dominante com relação ao desejo, à cólera, ao ciúme etc., para renascer nesse
mundo. Se, entretanto, os deuses gozam ali de todos os prazeres dos sentidos e
de uma longa vida, é porque a esse orgulho foi acrescentado um forte potencial
de karma positivo. A vida de um deus vai ser, portanto, essa mistura de
orgulho e de prazer dos sentidos no qual as outras emoções só intervém muito
pouco. Da mesma maneira, uma predominância do desejo apego origina a vida
humana. Entretanto, ela será atenuada por outros fatores: um karma positivo
anterior permitirá que seja feliz e longa, enquanto que um karma negativo
anterior produzirá doenças, pobreza e numerosas dificuldades. O desejo apego
não é em si mesmo um defeito, como também não é a causa direta de muitos atos
negativos. Seu inconveniente é ser seguido de ódio, ciúme etc., que são muito
nefastos. Temos, então, seis emoções conflituosas fundamentais; mas elas não
poderiam descrever toda a complexidade da situação. É por isso que consideramos
numerosas ramificações que levam a um número total de 84.000 emoções
conflituosas. Sua intervenção leva-nos a errar continuamente no samsara.
O Buddha apresentou diferentes métodos para tratar essas emoções,
conduzindo a diferentes estados de realização: a rejeição, em vigor no pequeno
veículo, permite atingir o estado de arhat; a transformação, tratada
pelo grande veículo, conduz ao estado de bodhisattva; o simples
reconhecimento, ensinado pelo vajrayana, leva ao estado de Buddha
nesta própria vida. As técnicas de transformação das emoções são diferentes sob
o Mahayana dialético ou o Vajrayana. Iremos tratar aqui do
primeiro, unindo a teoria à meditação. REFÚGIO E BODHICHITTA. Considerando-se
que nos situamos no contexto do mahayana, primeiramente devemos lembrar
que não somente nós mesmos, mas todos os seres, são prisioneiros do samsara.
Desejamos, portanto, obter para nós mesmos a libertação e a felicidade que
resultam do mahayana, assim como a capacidade de ajudar os outros e
conduzi-los a essa mesma felicidade. Dado que apenas as Três Joias podem nos
guiar nesse caminho, tomamos refúgio nelas do fundo do coração. Depois, geramos
a mente do Despertar, a bodhicitta, pensando: "Para o bem de todos
os seres, eu me exercitarei na transformação das emoções segundo o ensinamento
do mahayana". No momento em que nós recitamos a fórmula de tomada
de refúgio, pensamos que, no céu a nossa frente, estão os Buddhas, os bodhisattvas
e os textos representando o ensinamento. Em sua presença, pensamos que nós
mesmos e todos os seres, com confiança e respeito, prosternamo-nos e
pedimos-lhes para nos proteger dos sofrimentos do samsara. Meditação.
Ao final da recitação da tomada de refúgio, pensamos que os Buddhas e bodhisattvas
emitem uma imensa luz que toca todos os seres e os purifica de seus erros e
de seus véus. Depois, sentimos plenamente a graça recebida das Três Joias e
guardamos por um momento a mente em repouso. Breve meditação. Agora,
lembramo-nos que todos os seres das três esferas e dos seis mundos foram nosso
pai e nossa mãe em nossas vidas passadas. Todos cometem muitos atos negativos,
causa dos sofrimentos, e experimentam o resultado disso. Pensamos que é preciso
retirá-los do oceano de sofrimentos do samsara e trazê-los ao estado de Buddha
e que, para fazer isso, iremos praticar a meditação do mahayana. Com
esse pensamento recitamos a fórmula do desenvolvimento da mente do Despertar (Bodhichitta).
TRANSFORMAÇÃO DA CEGUEIRA. Tomemos agora a postura de meditação, as
costas bem retas, e deixemos nossa mente em repouso. Nessa mente em repouso, o
desejo apego, o ódio aversão, a possessividade, o ciúme e o orgulho estão
inativos. Constata-se, entretanto, a presença da cegueira (avydia) que é
a base das outras emoções. Esta cegueira significa que não compreendemos as
implicações de nossos atos e de nossa situação; significa também que, quando um
pensamento ou uma emoção se produzem, nós não vemos, fora do simples sentir do
pensamento ou da emoção, qual é a sua natureza e origem. Primeiramente, iremos
meditar tomando por base essa cegueira. A cegueira vem da ignorância (avydia)
fundamental. Ainda que sejam muito semelhantes, pode-se dizer que a
ignorância é o fato de a mente nada perceber, e a cegueira, o fato de nada
compreender. Podemos comparar essas duas noções à obscuridade, uma obscuridade
sem lua, sem estrelas, sem vela, sem eletricidade. Precisamos transformar essa
cegueira e essa ignorância, essa "inconsciência", em consciência.
Para fazer isso, permanecemos simplesmente na vacuidade da mente, que possui de
maneira inerente a capacidade de consciência. Quando um pensamento ou uma
emoção se elevam, continuamos preservando nossa capacidade de percebê-los, de
termos consciência deles. Permanecemos na consciência de nosso estado interior.
Essa meditação é muito fácil. Se a mente permanece na vacuidade, ficamos
simplesmente conscientes dessa vacuidade. Quando um pensamento se produz, só
temos que reconhecê-lo, sem querer interrompê-lo, mas também sem segui-lo.
Depois, quando um outro pensamento se apresenta, de novo apenas reconhecemos
sua presença. É extremamente simples. Meditação. A cegueira é não
conhecimento (avydia). Por esse processo, nós a transformamos em
conhecimento (vydia), em consciência do que se passa. É muito fácil: a
mente permanece simplesmente lúcida, consciente, seja da ausência de pensamentos,
seja dos pensamentos que se produzem. Não há nada a rejeitar ou nada a
produzir. A própria não consciência se transforma em consciência. Meditação.
Esta meditação, que pode ser feita regularmente, é semelhante à luz que afasta
a obscuridade da qual falamos há pouco. Ela é um meio de desenvolver o
paramita do conhecimento. (Mahaprajana paramita). TRANSFORMAÇÃO
DO DESEJO. Em segundo lugar, tomemos
o desejo. Como podemos transformá-lo em experiência de felicidade? Tomemos o
desejo sexual: ele ocorre ao vermos uma bela mulher ou um belo homem e provoca
uma sensação agradável, ao mesmo tempo física e mental. A esta sensação vai se
acrescentar um elemento complicador: a sede de possuir o objeto do desejo. Esta
sede é um produto da cegueira que não vê que a primeira sensação agradável é
suficiente. Faz acreditar que a posse também é necessária. Supondo que um homem
veja uma mulher bonita, o desejo faz com que ele experimente logo uma sensação
física e mental agradável. Ao mesmo tempo, a cegueira provoca uma vontade de
posse, da qual se espera que consolide a experiência de felicidade. No contexto
da meditação que visa transformar as emoções, detém-se na sensação de
felicidade produzida pelo desejo, sem considerá-la como uma coisa ruim, sem
querer rejeitá-la. Fica-se consciente dessa felicidade, lucidamente, e ela é
experimentada sem que se deixe levar pela sede que quer possuir o objeto.
Assim, a alegria proveniente do desejo não causa nenhum problema. Quando
pensamos em alguém que amamos, eleva-se espontaneamente uma alegria interior e
um bem estar físico. Permanecemos simplesmente não distraídos nessa sensação de
alegria, sem sermos tomados pelas complicações devidas à sede de posse. O fato
de permanecermos nessa sensação, faz com que ela cresça e leva-nos a um estado
de felicidade natural. Meditar assim é extremamente benéfico. Meditemos, então,
agora, pensando em alguém ou em um objeto que nos atraia particularmente,
depois, permanecemos na sensação agradável provocada por esse pensamento. (meditação).
TRANSFORMAÇÃO DA AVERSÃO. No mahayana, os meios de tratar o ódio
aversão são tão numerosos, quanto é forte a insistência sobre o amor e a
compaixão. Vejamos simplesmente aqui como abordar o ódio aversão do ponto de
vista da meditação. Quando um forte acesso de cólera se manifesta, produz-se ao
mesmo tempo na mente uma grande vivacidade, um grande vigor, como um raio que
proporciona um possante dinamismo. Entretanto, mais uma vez, por causa da
cegueira, esse vigor não é reconhecido; deixamo-nos levar pelas complicações
que o acompanham, dirigidas ao objeto que suscitou nossa cólera: pensamos em
prejudicar, bater ou matar. Contudo, a essência dessa cólera, longe de se
situar na obscuridade, é uma grande claridade. É preciso, portanto, que olhemos
essa essência, permanecendo sem distração nessa claridade. Assim operamos a
transformação da emoção: a cólera é transformada em claridade. Para realizar
nosso exercício de meditação, pensemos agora em uma pessoa ou uma situação que
provoque nossa raiva. Sem seguir o movimento dessa raiva, permanecemos sem
distração na claridade que a acompanha. Meditação. Assim, cada
vez que se produzir em vocês um movimento de raiva ou de aversão, vocês podem
permanecer na essência clara que a subentende, sem procurar rejeitar ou seguir a
raiva, mas fixando-se em sua vivacidade. Desse modo a raiva se transformará em
claridade. TRANSFORMAÇÃO DO ORGULHO. "Sou melhor que os outros",
"Sou muito inteligente; sou importante": esses pensamentos
característicos de um forte apego ao "eu" constituem o orgulho.
Quando o orgulho se produz, permanece-se neutro diante dele, sem rejeitá-lo ou
segui-lo, conservando simplesmente a mente nesse sentimento, sem distração; a
partir de então esse orgulho, comparável a uma montanha, encontra-se
naturalmente aplainado. O "eu" perde sua supervalorização. Meditação.
Na medida em que aprendemos a meditar dessa maneira, as numerosas ocasiões em
que o orgulho se eleva em nossa mente acabam sendo muito proveitosas, pois se
transformam no suporte para o desenvolvimento do quinto paramita, o da
concentração. Ao mesmo tempo, o orgulho, nascido da assimilação de um
"eu", quando se apaga pelo fato de olharmos sua essência, da lugar à
percepção da ausência do eu. TRANSFORMAÇÃO DA POSSESSIVIDADE. Todos nós
somos marcados pelo conjunto das emoções conflituosas. Dentre elas, a
possessividade, que se aplica ao nosso corpo, a nossa casa, a qualquer de
nossos bens, está sempre muito presente e é muito forte. Qualquer que seja a
forma que ela se apresente, podemos neutralizá-la pelo dom praticado em
diferentes graus: o dom dos bens materiais é o primeiro grau, o dom de sua
família é o segundo, o dom de seu sangue e de sua carne constitui a forma mais
elevada. O mahayana oferece assim uma grande variedade de meios
colocando em prática a generosidade para suplantar a possessividade. Do ponto
de vista da meditação, onde nos situamos agora, quando a possessividade se
produz, nós a tratamos do mesmo modo que as emoções precedentes: sem segui-la
ou rejeitá-la, permanecemos simplesmente no sentimento que é a sua base. Assim,
a possessividade ordinária se tornará um sentimento de contentamento, neutro,
do qual se apagará espontaneamente o caráter nocivo. Quando a possessividade
desaparece, ela é automaticamente transformada em seu oposto: uma generosidade
fundamental. TRANSFORMAÇÃO DO CIÚME. O ciúme é comparável a um espinho:
espeta não somente os outros, mas volta-se também contra aquele que o concebe,
deixando-o muito incomodado e tornando-o infeliz. Cada vez que o ciúme se
elevar, permaneçamos simplesmente fixados nele, sem segui-lo ou rejeitá-lo: ele
se apaziguará automaticamente e não poderá "espetar". Encontrará
espontaneamente sua essência que é a paz interior. Assim, o ciúme é
transformado em paz, ao mesmo tempo que, do ponto de vista dos seis paramitas,
ele se encontra associado à quarta, a diligência. Dessa forma, vimos
brevemente como abordar as seis principais emoções conflituosas por meio da
meditação. Entretanto, é a transformação das três primeiras, desejo apego, ódio
aversão e cegueira (ignorância), que é necessário se dedicar primeiramente.
Assim, o desejo apego será transformado em felicidade vazia, o ódio aversão em
claridade vazia e a cegueira em conhecimento. Isto mostra como este tipo de
meditação sobre as emoções é benéfico. As três emoções de base são para nós a
fonte mais abundante de atos negativos, de problemas e de sofrimentos; por
isso, é necessário abordá-las em primeiro lugar. As outras três,
possessividade, orgulho e ciúme, são apenas corolários. Todas as emoções conflituosas
vêm da mente. Para concluir, permanecemos um momento na vacuidade da mente,
depois dedicaremos o mérito deste ensinamento e desta prática ao bem estar de
todos os seres. Budismo Tibetano, Kalu Rinpoche (1905-1989). http://www.nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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