A crença errônea que dolorosamente condiciona a
todos os seres na existência cíclica surge da ignorância. Essa ignorância é uma
ausência de consciência sobre a verdadeira vacuidade da mente e das suas
produções. De fato, a crença errônea é a ignorância sobre o verdadeiro modo de
existência de todas as coisas. Todas as coisas, todos os fenômenos, todos os
objetos de conhecimento, isso é, o universo externo e todos os seus seres, tudo
que experienciamos em termos de formas, sons, sabores, odores, objetos tangíveis
e objetos da consciência mental, tudo o que somos e que podemos conhecer,
manifesta-se pelo poder das tendências da mente, que são essencialmente vazias.
A mente não é existente ou não existente. Do mesmo modo, os fenômenos que ela
produz não são completamente ilusórios nem completamente reais. Como nós os
experienciamos ordinariamente, eles são relativamente reais, mas de uma
perspectiva absoluta, essa realidade relativa é ilusória. Todas as coisas podem
ser vistas de acordo com dois níveis de realidade: o nível relativo, ou
convencional, e o nível absoluto, ou último. Estas duas verdades correspondem
aos dois pontos de vista, às duas visões da realidade: a verdade ou visão
relativa é convencional ou relativamente verdadeira, mas absolutamente ilusória;
e a verdade ou visão absoluta é definitivamente verdadeira, a experiência
autêntica além de toda ilusão. Todas as percepções Samsáricas são
experiências da verdade relativa. O nirvana, que está além das ilusões e
do sofrimento do Samsara, é o nível da verdade absoluta. Portanto, por
exemplo, as experiências de um ser do reino infernal são bastante reais do
ponto de vista relativo, enquanto essas percepções são ilusórias de uma
perspectiva absoluta. Isto significa que um ser que se encontra em um reino
infernal realmente experiência sofrimento lá: desta perspectiva, suas
experiências e sofrimentos são reais e totalmente infernais. Mas do ponto de
vista absoluto, o inferno não existe; ele é realmente apenas uma projeção, uma
produção da mente condicionada, cuja natureza é a vacuidade. O sofrimento vem
do reconhecimento da vacuidade das coisas, o que resulta em atribuirmos a elas
uma realidade que verdadeiramente não têm. Este apego às coisas como sendo
reais sujeita-nos a experiências dolorosas. Podemos ter uma melhor compreensão
disto ao usar o exemplo de um sonho. Quando alguém tem um pesadelo, essa pessoa
sofre. Para o sonhador, o pesadelo é real; de fato, é a única realidade que o
sonhador conhece. Mas ainda assim, o sonho não tem realidade tangível e não é
verdadeiramente "real"; ele não tem realidade fora da mente
condicionada do sonhador, fora do próprio karma do sonhador. Do ponto de
vista último, é de fato uma ilusão. A ilusão do sonhador está em falhar no
reconhecimento da natureza de suas experiências. Ignorante do que elas
verdadeiramente são, o sonhador considera sua própria produção, as criações de
sua própria mente, como sendo uma realidade autônoma; assim deludido, ele é
amedrontado pelas suas próprias projeções e, portanto cria sofrimento para si
mesmo. A delusão (engano) é perceber como real o que verdadeiramente não é. O Budha
Shakyamuni ensinou que todos os reinos da existência cíclica ou
condicionada, todas as coisas, todas as experiências são, em geral, aparências
ilusórias que não podem ser consideradas nem verdadeiramente reais, nem
completamente ilusórias. Ele demonstrou essa natureza dual usando o exemplo da
aparência da lua sobre a superfície de um copo d’água: "A natureza de
todas as coisas e todas as aparências é como o reflexo da lua sobre a
água". A lua refletida sobre a superfície da água é real enquanto for
visível lá, mas sua realidade é apenas uma aparência relativa, ilusória, porque
a lua sobre a água é apenas um reflexo. Não é verdadeiramente real nem
completamente ilusória. Desta perspectiva, podemos nos referir à verdade
relativa como a verdade das aparências. O Budha Shakyamuni usou outros
exemplos, dizendo que todas as coisas são como uma projeção, uma alucinação, um
arco-íris, uma sombra, uma miragem, um reflexo no espelho, e um eco; fora da
simples aparência resultante da "funcionalidade" dos fatores
inter-relacionados, coisa alguma tem existência, em, de, ou por si mesma.
Compreender isto pode realmente nos ajudar porque, apesar de não terem
existência verdadeira, nos apegamos a todas estas coisas como se fossem reais.
O objetivo do ensinamento de Budha, o Sublime, é dissolver esta fixação,
que é a fonte de todas as ilusões e é tão tenaz quanto o nosso condicionamento kármico.
Budismo tibetano. Kalu Rinpoche. (1905-1989). http://www.nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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