Somos seres simbólicos (...). Seres de imaginação e
de identificação. Travamos uma luta conosco e com a vida diariamente. Luta
esta, vista e revista em nossas ansiedades, medos e lutos inexoráveis. Vivemos
no passado e no "por vir". Nunca estamos presentes no "aqui e
agora". A Psicanálise e algumas filosofias orientais, como o Budismo,
apresentam várias características singulares, mas também características
onipresentes e entrelaçadas entre si. Tanto a Psicanálise quanto o Budismo
postulam a "presença" no aqui e agora, de maneira a abraçar o acaso e
o novo, sem estar a todo tempo atravessado por "fantasmas" do
inconsciente e por ilimitadas lembranças do passado, e nem na expectativa de um
futuro criado a todo o momento em nossas mentes ávidas (ganância, impaciência).
O Budismo fala muito no conceito de "Vazio". O que é o
"Vazio"? Vazio é a presença pura, incondicional e nua da consciência
humana. É o estar vivo. É este Vazio que possibilita o "Tudo". Muito
diferente do niilismo, que trata da perda de sentido para a vida. Este
"estar vivo", esta presença pura e constante, que sempre esteve
conosco, mas que de alguma forma nos esquecemos e nos distanciamos, é a
presença que nos faz criar, dar sentido ao mundo, nos identificarmos com o
mundo, as pessoas, com as coisas, e criarmos conceitos. Vemos o mundo através de "Filtros".
Filtros de percepção. Tanto a Psicanálise, como a Meditação, as religiões e
filosofias transcendentes, como o Budismo, tratam de alterar esses filtros,
proporcionando uma renovação constante deles, ou eliminação de muitos deles,
descatarsezando (purificando) as fixações de nossas mentes, e trazendo a
possibilidade de estar no mundo de forma mais relaxada, compassiva e integrada.
Apesar disso, o homem sempre será um criador de conceitos, basicamente um ser
desejante; se não quer desejar algo, ou não deseja algo, deseja a ideia de não
desejar. A Psicanálise vem ocupar um canal de nominar ou dar sentido ao Vazio,
através de seus próprios conceitos. Já o caminho do budismo consiste em
justamente se liberar dos conceitos, e apenas sentir; é ver a vida a partir de
outro nível, que ultrapassa a dualidade Inconsciente Consciente, Ego Não Ego,
Coração Mente, Racional Intuitivo, e outras, mostrando-nos a prática do
"Percebimento". O que o Princípio de Prazer nos diz? Diz que, após um
acúmulo de tensão, nos liberamos dessa tensão através do prazer. Budha disse
que o nascimento é sofrimento, envelhecimento e doença são sofrimento, e morte
é sofrimento. Mas, ao mesmo tempo, Budha ensinou que existe uma causa para o
sofrimento, existe um fim para o sofrimento e existe um caminho de prática que
dá fim ao sofrimento. No Budismo toda felicidade ou prazer atingido na vida
nada mais é que uma diminuição do sofrimento, mas que é totalmente fugaz e
impermanente, sendo o objetivo de dar fim ao sofrimento o verdadeiro objetivo
da vida, que é atingido quando chegamos ao "Nirvana", libertação
espiritual ou Iluminação. Então podemos ver que Sigmund Freud (1856-1939) e
Budha não estavam tão longe em termos de se entender a penúria do homem e as
vicissitudes de seus desejos, prazeres e satisfações. Libertação nada mais é
que a libertação das emoções negativas. Essa tensão que está enraizada em todos
nós nada mais é que a "agressividade" acumulada, e não direcionada
para fins positivos. Será que não podemos relacionar isso à chamada
"Pulsão de morte", descrita por Freud? Procuramos resgatar um
"estado anterior de coisas". Como diz Freud em "Além do
Princípio do Prazer": "o objetivo de toda vida é a morte", é o
desejo de voltar a ser uma substância inanimada, inorgânica. Freud diz também:
"Em última instância, o que deixou sua marca sobre o desenvolvimento dos
organismos deve ter sido a história da Terra em que vivemos e de sua relação
com o Sol". Isso mostra o que Freud nos quer dizer, ou o que podemos
interpretar do que ele disse, que seria o fato de o Sol impor uma
"energia", energia essa que criou e desenvolveu a vida. Essa energia
podia ser descrita como uma "carga". Uma carga que todos nós
procuramos despejar, nos aliviar o tempo todo em nossas vidas. E pode ser
liberado através justamente do prazer. Esta "carga" pode tanto
compreender essa energia primeva, na qual devemos nos livrar, mas também pode
compreender toda a teia organizada em nossa mente, principalmente no inconsciente,
que traz todos os traumas conscientes e inconscientes das relações com nossos
pais, familiares, amigos, "inimigos" (...), ou seja, todas as
fantasmagorias neuróticas existentes essas mentes. Se levarmos em conta esse
conceito de "carga", fica uma proximidade muito grande com aquilo que
atendemos pelo nome de "Karma". O karma espiritual nada mais é que
uma lei de causa e efeito. Esse karma está embutido em nós de tal forma que não
tem uma limitação que podemos descrever racionalmente. É uma causa efeito, mas
não tão aparente quanto possa parecer. Uma relação que pode ser vista e revista
e comparada à Psicanálise é a compulsão à repetição. Na compulsão à repetição
todos os nossos comportamentos condicionados entram em jogo, que aparece na
gente como se fosse uma trilha inconsciente neuronal, que sempre refaz o mesmo
caminho e não deixa espaço para a criatividade e espontaneidade. E uma forma de
transformação psíquica disso só pode ser viabilizada por via do Outro, e se
"destituindo" de si próprio ou da preocupação excessiva com o próprio
Ego ou a auto imagem. O instinto de Eros nos diz que buscamos sempre esta tal
de transcendência com o Outro. Procuramos nos ligar ao outro, às pessoas. São
os chamados instintos de vida em contrapartida aos instintos de morte ou pulsão
de morte. Eis que surge o amor no meio disso tudo , que é o que nos gera e que
dá vazão aos nossos sentimentos. O amor respira a vida. Muitos dizem, em
relação ao desejo, que a nossa "carne é fraca", mas se vermos a
realidade profunda do amor e do desejo, podemos dizer que a inscrição do desejo
se encontra na alma, e não na carne. O amor é a forma de encontramos uma certa
fusionalidade (mistura) com o outro, uma volta à sensibilidade infantil do amor
glorioso e oceânico, que um dia pairou por nós como completude. O amor é a via
justamente também da saída da repetição de comportamentos e de certas
identidades ao que costumamos chamar de "Eu". Através do amparo e
desamparo encontrados na relação amorosa se articula uma série de encontros e
desencontros com o outro e consigo mesmo. Como articular uma nova forma de
desamparo? Pode haver um descompasso que se trava entre o Sujeito e a sua
procura de amparo no amor. A criança, no seu amparo materno, seja no campo
intrauterino ou na relação com a mãe não tem absoluta consciência disso, mas
essa relação, e respectivas consequências psíquicas advindas dela, comandam e
dão princípio a todo o "vir a ser" da pessoa. No amor, há uma procura
de fechar esse buraco do desamparo, um chamado "prazer negativo". Negativo,
pois procura reparar uma perda. Isso já é um aspecto muito clássico do ponto de
vista psicanalítico, mas a questão fundamental em que devemos nos remeter é:
Será que existe um ponto onde pode haver uma passagem? Uma espécie de
transcendência disso tudo no próprio amor? Existe um mais além no amor? A
consciência da experiência no mundo "adulto" é mais absoluta em
relação à da criança. Consciência, que se diga aqui, é a plena consciência
racional e emocional desse chamado "amor". Wilfred Bion (1897-1979)
diz no seu livro "Transformações", que por definição, o termo
"consciente" relaciona-se a estados dentro da personalidade:
consciência de uma realidade externa é secundária à consciência de uma
realidade psíquica interna. Ele ainda diz: "Realmente, consciência de uma
realidade externa depende da capacidade da pessoa tolerar ser lembrada de uma
realidade interna". Consciência do afeto, do sentimento, das sensações
vividas no próprio corpo, e do corpo em contato com o outro. Isso,
absolutamente, está longe da expectativa de fusionalidade (mistura). Mas o que
de bom pode despertar disso, o que de fato não está ligado nem envolvido com a
"agressividade" humana, pode-se dizer que pode haver até uma
"agregação" de valor interno e até espiritual muito maior do que pode
ter acontecido durante o período da relação mãe bebê. Tal possibilidade de
pequena transcendência cotidiana reside no fato da experiência ser um fato
consciente, onde existe uma consciência reinante sendo vivida na inter-relação
entre duas pessoas. Isso não poderia ser muito mais forte e "real" do
que a não lembrada vivência narcísica com a mãe? Vivência essa enlutada e
distante (...). Distante do possível prazer presente, prazer esse visível e até
positivo, transcendendo a simples cauterização (queimar) do desamparo. Fato
este, consciente, dissociando-se da ideia de inconsciente e pré-consciente. Há
uma incredulidade; um descrédito dos mais desavisados. Achamos que realmente
fomos expulsos do paraíso sem ao menos nunca "realmente" termos
estado lá? Enquanto o amor nos chama, o que também clama por nós é a Compaixão.
Aliás, o que é compaixão? É entender no outro essa grande falta que nos corrói
e constrói. Essa falta que nos move, mas que pode ser compreendida no outro,
também. O Outro não é algo que corrupta sua mente. O outro deve ser visto como
alguém tão "castrado" (privado total ou parcialmente) quanto você
mesmo. No Budismo há a clara intenção de na busca pela transcendência, mostrar
que ela pode ser realizada via solidão meditativa. A meditação como
investigação e redenção de si mesmo é positiva. Mas isso não tira a necessidade
de se estar com o outro, aprender com o outro. A meditação pode transformar
toda essa "carga" ou esse karma? O Dharma é o resultado e forma
singela dessa transformação. O conceito de Dharma é se doar aos outros, ter
compaixão pelas dificuldades dos outros (inconscientes, fantasiosas e reais), e
pelo sentimento e sofrimento dos outros. O Dharma é enxergar o lado positivo da
vida, res significar, mas não de uma maneira feita por uma tentativa imposta
pelo consciente, e sim de uma maneira verdadeira e real, de uma mente já
transformada, acolher o outro em sua essência, em seu chamado. Não é gostar da
personalidade do outro, mas é compreender incondicionalmente a vida que está fluindo
por detrás de todas as máscaras e percepções não reais dos outros, e acolher o
outro psiquicamente. Nossa consciência é como um campo. Um campo onde são
plantadas várias coisas durante a vida. E tudo o que acontece de bom ou de ruim
gera marcas nesse campo da consciência. E a Psicanálise, onde entra nisso tudo?
Em tudo, praticamente (...). O Saber da Psicanálise consiste em ir além do
Princípio da Causalidade. Então, de que forma essa causalidade se dá em nós?
Essa causalidade é atemporal; é uma causalidade de transferência, de
posterioridade, associativa, paradoxal, e do acaso, isto é, não se limita a um
objeto que pode ser catalogado, digerido, e demonstrado por x + y = z. Nesse
jogo de energias estão os instintos de vida e morte. As representações
psíquicas são limitadas para dar conta do nível de energia da pulsão de morte.
A Pulsão de Morte tenta desfazer as ligações psíquicas. E é característica e
tarefa de nossa instância psíquica, nosso "Eu", nunca se satisfazer,
justamente para dar conta desta "energia". Isso o Budismo fala
claramente, de que não há satisfação mundana. O homem procura a todo o momento
a realização, a satisfação, mas logo que há uma certa satisfação, já é
necessário outro desejo para cumprir com a tarefa de ser feliz. Ser feliz
parece ser sempre uma tarefa a ser cumprida, e nunca apenas "Ser" é o
bastante, nunca apenas estar "aqui e agora", com a mente clara e
vívida, sem desejos, podendo permanecer "aqui" em um estado de pleno
contentamento. http://www.saindodamatrix.com.br.
Abraço. Davi.
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