Neste
quarto capítulo do Bhagavad Gita é mostrado que o homem pode libertar-se da
ilusão do Eu Pessoal, e alcançar a união com a Essência Divina, pelo
conhecimento interno de si próprio, isto é, pela iluminação interior. Esta
força aumenta com a prática, quando se cumpre o dever com abnegação. “Continuou
a falar Krishna: Já na mais remota antiguidade a Vivasvat (1). Ele a ensinou a
Manu (2), e este a transmitiu a Ikshvaku, o fundador da dinastia solar. (1).
Vivasvat é o Sol Espiritual ou a Mente Divina no princípio do mundo. (2). Manu
é derivado da raiz sânscrita man, pensar. Aqui se refere ao Filho do Sol e Pai
da Raça atual, o primeiro homem bíblico, o andrógino Adan Cádmo; este é o
humano primordial tendo sua constituição formada concomitantemente pelos dois
sexos masculino e feminino. Isso numa interpretação esotérica de Gênesis 2:7 “E
formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o folego
da vida, e o homem tornou-se alma vivente”. Sua aparência era estranha quando
pensamos o modelo humano atual, pois segundo a ciência oculta, cabala e textos
herméticos, possuía quatro pernas, quatro braços, duas cabeças e as genitálias
masculina e feminina em lados opostos, sendo um hermafrodita. A separação
surgiu depois que Deus criou o Jardim do Éden, com plantas, árvores frutíferas
e animais de várias espécies, e nenhum desses animais estava possibilitado de
acasalar com o andrógino Adan. Assim é dito em Gênesis 2:21,22 “Então o Senhor
Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu, e tomou uma das suas
costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da costela que o Senhor Deus tomou
do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão”. Eram seres puros e perfeitos;
esse período é descrito pela teologia cristã como a dispensação da inocência, sem
pecados. Vivendo integrados e em harmonia com a natureza, conhecedores de
seus mistérios e com poderes sobre humanos, dominando os reinos inferiores
(minerais, vegetais e animais) do mundo visível, tendo experiências com o
Divino na esfera transcendente. De Ikshvaku passou esta doutrina a outros, e
era conhecida pelos Rishis (3); no decorrer dos tempos, entretanto, caiu em
esquecimento o sentido espiritual, conservando-se apenas a letra. Tal é a sorte
da Verdade entre os homens. (3). Rishis são os reis sábios ou patriarcas.
Comparando-se o aspecto da letra com II Coríntios 3:6 é dito “O qual também nos
fez capaz de um novo testamento, não da letra, mas do espírito: porque a letra
mata, mas o espírito vivifica”. A ti, agora, que és meu amigo dedicadíssimo,
quero de novo explicar esta doutrina, que é o mais profundo segredo e a mais
velha verdade. Disse Arjuna: Como devo compreender-te Oh! Senhor, quando dizes
que ensinaste a Vivasvat? Ele viveu no princípio do Tempo e tu nasceste há
poucos decênios (4). (4). No evangelho
de João 8:57,58 diz “Disseram-lhe os judeus: Ainda não tens cinquenta anos, e
viste Abrãao? Disse-lhe Jesus: Em verdade, vos digo que, antes que Abraão fosse
feito, Eu Sou”. Muitas coincidências são encontradas no Bhagavad Gita e a Bíblia
Sagrada. Respondeu Krishna, Christo, O Verbo Divino: (5). Muitos foram já os
meus nascimentos, e muitos também foram os teus, Oh! Arjuna. Eu sou consciente
deles todos, mas tu não o és. (5). João 1:1-3 “No princípio era o Verbo, e o
Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por
Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez”. Escuta este mistério. Eu Sou
superior a nascimento; Sou inato e eterno, Sou o Senhor de todas as criaturas,
pois tudo emana de Mim: mas também nasço, gerado por meu próprio poder. Sempre
que o mundo declina em virtude e justiça; sempre que imperam o vício e a
injustiça, venho Eu, o Senhor, e apareço no meu mundo em forma visível,
nascendo e vivendo como homem entre os homens. A minha influência e doutrina
destroem o mal e a injustiça, e restabelecem a virtude e a justiça. Muitas
vezes, já apareci assim, e muitas vezes aparecerei ainda. Quem me reconhece em
minha encarnação, quem me conhece em minha Essência, não precisa reencarna-se
mais, ao deixar o seu corpo mortal, e vem morar comigo em meu reino de bem
aventurança. Muitos já vieram assim a Mim, tendo-se libertado do medo, ira e
paixão. Quem a Mim (6) se dirige com firmeza e em Mim fixa a sua mente, é
purificado pela chama sagrado do Amor e da Sabedoria, e livre da atração dos
objetos terrenos, torna-se semelhante a Mim, e entra em vinha Vida Espiritual.
(6). Jesus, Christo, Krishna disse em Mateus 11:28-30 “Vinde a Mim, todos os
que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sofre vós o meu jugo,
e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso
para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve". Eu acolho
prazenteiro todos os que me procuram e honram, qualquer que seja o caminho que
sigam, porque todos os caminhos, todas as formas religiosas, embora de
denominações diferentes, a Mim Os conduzem. Até aqueles que adoram os Devas
(7), e lhes pedem recompensa por suas ações, encontram o que procuram, pois no
mundo dos homens toda ação produz o seu fruto. (7). Devas, o mesmo que anjos ou
deuses, tendo também a conotação de divindades regentes da natureza. Não são
bons nem maus, mas podem ser manipulados pelos humanos para finalidades boas ou
ruins. Em um certo ponto de evolução, eles se individualizam, e podem ser
confundidos com anjos, ou fadas. Em um certo estado de consciência, algumas
pessoas podem vê-los. Podem se apresentar como gnomos, duendes, fadas, sereias
e outros. Na mitologia hindu, os devas equivalem aos anjos do cristianismo. O
nome deriva da raiz sânscrita Div, que significa resplandecente, aludido à sua
aparência auto luminosa. Como adjetivo significa algo divino, celeste,
glorioso. Mas, Eu Sou o Criador da humanidade inteira, em todas as suas fases e
formas. De Mim procedem as quatro castas (8), com as suas qualidades e
atividades distintas. Sabe que Eu Sou o Criador delas, se bem que, em Mim
mesmo, sou imutável e sem qualidades. (8). Na mitologia hindu as castas advêm
da “imagem” corporal de Brahma, o criador do universo, representando a mente
cósmica. Elas tipificam a sociedade
hindu desde a cabeça dessa Suprema Divindade aos seus pés; inclusive a poeira
de seus pés tipifica a mais baixa casta. São elas os Bramanes, sábios; os
Kshattriyas, os guerreiros; os Vaisyas, os comerciantes, os Sudras, os
operários e os Dalit ou Párias, os relegados da sociedade encarregados de fazer
os trabalhos desprezíveis como: coveiros, lixeiros e coletores de dejetos das
vacas e animais similares. Já falamos sobre esse injusto sistema social no
Mosaico, que o governo da Índia têm combatido com veemência, inclusive a atual Constituição (1949) do país, eliminou esse terrível artigo de suas leis, mas essa tradição
ainda está impregnada nas mentes dos hindus, e levará tempo para ser banida de
sua cultura. Mahatma Gandhi (1869-1948) lutou bravamente, em seu tempo, para a extinção desse discriminatório sistema social. Em minha Essência, sou
livre dos efeitos das ações e não tenho desejo nenhum de obter recompensas ou
gozar os frutos das minhas obras; pois essas coisas são produzidas por meu
Poder e não têm influência sobre Mim. Em verdade, digo-te que quem é capaz de
achar a solução desse enigma e me percebe com Eu Sou (9) em minha Essência,
fica livre dos efeitos das ações. (9). Êxodo 3:14 “E disse Deus a Moisés: Eu
Sou O Que Sou. E disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou
a vós”. Os sábios antigos que conheceram esta verdade, praticavam ações sem
esperar recompensa, e assim alcançaram a Liberdade. Segue também tu o seu
exemplo. Poderás dizer que, às vezes, até os sábios não podem definir o que é a
ação e o que é a inação. Eu te explicarei, e te ensinarei em que consiste a
ação que te libertará do mal e te tornará livre. É preciso distinguir estas
três coisas: ação (isto é, reta ação), inação (ou abstenção) e má ação. É
difícil discernir-se o caminho da ação. Quem se adiantou de tal maneira, que é
capaz de ver ação na inação, e inação na ação, pertence aos sábios de sua raça,
e permanece em harmonia enquanto pratica ações. As suas obras são livres dos
vínculos de esperanças egoístas, e sua atividade é purificada das espumas dos
desejos, pela chama da sabedoria. Tal homem merece o nome de Sábio. Tendo
renunciado aos frutos das suas ações, está sempre contente e confia na força
divina do seu interior, e assim está em inação, ainda que trabalhe, porque não
age para a sua pessoa, mas deixa agir por si a força Divina. Não espera lucro,
não receia perda; de nada depende, e conserva os seus sentidos sob o domínio da
razão. Assim é senhor do seu sentir e pensar, um rei poderosos no reino
interior da alma. Está contente sempre com tudo o que o dia lhe oferece; não se
deixa alterar por ventura nem por desventura; é livre da inveja; conserva o
ânimo igual e o coração afável, tanto no sucesso como no insucesso; faz sempre
o melhor que pode, porém, sem se apegar à obra. Assim, vive puro e imaculado
entre os impuros e pecadores. As obras do homem que matou em si todo apego e
mantém sua mente firme na sabedoria, são como inexistentes para ele; tudo ele
faz no espírito divino, conforme a vontade de Deus, e assim, cada uma de suas
ações é um sacrifício no altar do Amor Divino. Deus é Amor (10); Deus mesmo é o
sacrificador e o sacrifício; Ele é o fogo e o alimento do fogo. Deus em Deus
oferece sacrifício a Deus (11), e assim vem a Deus quem, oferecendo sacrifício,
Nele pensa. (10). I João 4:8 “ Aquele que não ama não conhece a Deus; porque
Deus é amor”. (11). O Mestre Jesus disse em João 6:54-56 “Todo aquele que comer a minha carne e beber o meu sangue tem
vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é
verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Aquele que come a minha
carne e bebe meu sangue permanece em Mim, e Eu Nele (...)”. Há muitos devotos
que invocam os deuses inferiores; outros adoram o Princípio Divino só no fogo
do Amor. Outros há que oferecem à Divindade sacrifícios de abnegação,
renunciando ao que agrada o ouvido, a vista e os outros sentidos; outros
dirigem a Deus preces e hinos pios e elevam ao Altíssimo os corações ardentes.
Muitos depõem no altar do coração os prazeres da vida, alimentando o fogo
místico de renunciação, pelo qual se lhes comunica a Luz do conhecimento.
Outros renunciam à riqueza e fazem votos de penitência e obediência, ou
dedicam-se ao estudo e à procura da verdade, meditando no silêncio. Outros
praticam a respiração sagrada, e pondo em harmonia o hálito interior e o
exterior, dominam a aspiração e a expiração (12) pelo poder da vontade. (12).
Aqui, parece, uma referência ao iogue iniciado, no hinduísmo com suas variadas
formas de desenvolver a reflexão espiritual. Também uma explícita conotação as
diversas formas de meditação no budismo, que dentre outros benefícios apressa
nosso processo de iluminação ou libertação completa do ciclo do Samsara. Outros
praticam abstinência e jejuns e esforçam-se por sacrificar a vida material,
totalmente, à vida espiritual. Todos estes oferecem sacrifícios, ainda que de diferentes modos; e
todos obtêm méritos pelo espírito sacrificial das suas observâncias. Há muita
virtude e mérito na moderação e no domínio de si mesmo; e esta é a causa por
que os sacrificadores se aproximam de Mim. Sim, aqueles que se alimentam
espiritualmente com a parte espiritual do sacrifício que a Deus oferecem,
entram em união com Deus. Mas quem nenhum sacrifício oferece, não acha mérito
neste mundo nem no outro. Assim vês que há muitas formas de sacrifício e
adoração, Oh! Arjuna.. Se compreenderes isto, chegarás a ser livre de erro.
Melhor, porém, do que o sacrifício de objetos e coisas, é o sacrifício
oferecido pelo saber. O saber ou conhecimento perfeito em si mesmo é o
coroamento de todas as ações. Ao saber perfeito, ao conhecimento da Verdade,
chegarás, adorando, servindo e investigando. Os sábios que possuem a sabedoria
interior estão prontos a ajudar aqueles que procuram a Verdade. Quando tiveres
adquirido a Sabedoria, serás livre de confusão, dúvidas, má compreensão e
erros; pois verás que tudo o que existe no grande Todo, forma uma só vida, e,
por consequinte, é contido em Mim e em si mesmo. Ainda que tivesses sido o
maior pecador dentre os homens, a nave do conhecimento da Verdade te conduzirá
sem perigo pelo mar dos pecados. Como a chama reluz a lenha a cinzas e o vento
dispersa estas, assim a Verdade converte em cinzas o resultado das más ações
que cometeste em ignorância e erro. Não há , no mundo, outro agente de
purificação igual à chama da Verdade Espiritual. Quem a conhece, quem a ela se
dedica, será purificado das manchas da personalidade, e achará o seu Eu Real. O
conhecimento da Verdade é dado àquele que vive na força da fé, e domina o Eu
Pessoal e as impressões dos sentidos. Quem atingiu este conhecimento e esta
Sabedoria, entra na Paz Suprema, no Nirvana. Mas o ignorante e o descrente não
podem achar nem o começo do caminho que à Paz conduz. Sem fé (13) não é
possível felicidade e paz, nem neste mundo, nem em outros. (13) Em Hebreus 11:6
é falado “Ora, sem fé é impossível agradar a Deus: porque é necessário que
aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe, e que é galardoador dos
que o buscam”. Livre dos vínculos das ações é o homem, que mediante o
Conhecimento Espiritual, cortem os nós que o ligavam aos frutos das ações, e
cujas dúvidas e ilusões todas ficaram destruídas pela Luz do Saber. Levanta-te,
pois, em teu poder, Oh! Príncipe, empunha a espada refulgente do conhecimento
espiritual e corta todos os vínculos das dúvidas e ilusões que prendem o teu
coração e a tua mente. Eleva a Mim a tua alma e executa a Ação que te é determinada”. Em II Timóteo 2:15 é dito "Procura apresentar-te a Deus aprovado,
como obreiro que não tem do que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade". Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Tradução Francisco Valdomiro Lorenz.
Editora Pensamentos. São Paulo – Brasil. Com alguns comentários do redator do Mosaico. Abraço. Davi.
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