Por
Lama Tubten Yeshe (1935- ). 19 a 21 de
setembro, 1980 Caldas de Montbuy, Barcelona – Espanha. O Tantra enfatiza
a prática da transformação. Os problemas surgem quando pensamos que beiramos a
perfeição e que nosso valor é inestimável. Ou, ao contrário, quando pensamos
que somos egoístas e segue-se crítica e depressão. O ego que passa julgamentos
é o mesmo que gera confusão e insatisfação, o que rejeita a ideia de que temos
méritos, o ego que permeia toda a nossa existência. Se me considero uma pessoa
mal humorada e belicosa minhas relações tenderão a ser conflituosas, um
preconceito do ego sobre o qual preciso agir para transformar. O Tantra
também enfatiza que todos temos a qualidade bhúdica, a qualidade divina.
Podemos aludir à qualidade nuclear de Deus, a qualidade bhúdica,
existente em nós todos, um conceito fundamental. Vejamos o que acontece em
nossos relacionamentos. Quando perdemos o respeito por alguém procuramos o
motivo porque a mente negativa pensa que o outro deixou de ser quem era e que,
por conseguinte, não temos mais nada em comum. Pelo ponto de vista psicológico,
contudo, fui eu quem deixou de ser quem era, o meu ego produziu a mudança, que
constatada, fez com que este mesmo ego reagisse perdendo a consideração pelo
outro. Segundo o budismo, quando passo por uma transformação, o que me rodeia
já não atrai do mesmo modo e, por conseguinte, o outro deixa de me interessar.
Assim, (para não nos incompatibilizar com a vida enquanto passamos por todo
tipo de transformação) na medida das nossas possibilidades, reconheçamos a
qualidade divina de Tara em todos os seres. Este yoga tântrico é
a prática de ver todos os seres humanos, e nós mesmos, como Tara. O que
é Tara? Tara é a qualidade divina dos seres supremos.
Manifesta-se com o aspecto feminino porque este tipo de energia é apanágio
(atributo) do feminino. Tara não é mulher e todos, homens e mulheres,
têm o potencial para se manifestar como Tara. Tara é um estado de
consciência, um estado de realização, é a ação divina diligente; em outras
palavras, quando desenvolvemos a qualidade de Tara eliminamos a preguiça
e ativamos uma poderosa fonte de energia. Quando um homem busca a completa
realização ou de alguma forma, para o bem ou para o mal, ser bem sucedido,
precisa de uma mulher. Não se trata só de sucesso mundano porque os Yogues
e os Mahapanditas nas tradições tibetana e hinduísta adotaram Tara
como deidade pessoal na realização do caminho da iluminação. Meditantes, homens
e mulheres, desde o início da prática e até alcançarem a iluminação aperfeiçoam
a energia de Tara. Por outro lado, do ponto de vista da verdade
relativa, as mulheres são sensíveis àquilo que os homens não são. A mulher,
pela constituição física, sentimentos, sensibilidade, desenvolve a nível
relativo, aspectos que não estão ao alcance do homem. Neste nível, não se pode
dizer que esta flor e aquela são iguais. Porém, considerando a verdade
absoluta, mas só em termos absolutos, não existe diferença entre o homem e a
mulher. Contudo, enquanto perambulamos pelo Samsara com um ego dualista,
então sim, são diferentes. Quando rejeitamos a qualidade feminina rejeitamos a
própria vida. O Tantra, que não é filosofia nem conhecimento filosófico,
nos ensina que não se pode rejeitar ou menosprezar a qualidade feminina. Na
busca do estado de felicidade, precisamos da energia feminina. Homens e
mulheres têm o potencial de alcançar a divina ação rápida a que chamamos Tara,
difícil de alcançar. Temos um corpo físico e um corpo de consciência que
coexistem e é possível transformá-los e dar-lhes identidade através da
irradiação da luz verde. Este ponto é muito importante e nem sempre de fácil
assimilação por um ocidental cuja mente peca pela racionalidade de uma
abordagem científica. A realidade da consciência ou da mente é essencialmente
humana e independe de crenças. Mesmo para quem não acredita no coração, ele
continua batendo (...). Ninguém viu seu próprio coração, mas sabe que faz parte
do corpo e não o rejeita. Assim se passa com a consciência; é parte de nossa
vida e pode manifestar-se de formas muito diferentes. Agora mesmo, como vejo
vocês diante de mim, manifestam-se de certo modo; vejo-os tranquilos, não estão
nem mal humorados nem sonolentos. A chave do que observo em vocês vem da mente
de cada um. A mente causa vibrações no corpo, de paz, de mal humor ou de outros
sentimentos. É fácil observar, é um bom exemplo da ação da mente sobre o corpo.
Muito especialmente, a irradiação da luz verde tem um tipo de energia magnética
que harmoniza o entorno. Quando digo que nos convertemos em Tara não
quer dizer que adotamos as feições de Tara, mas que a consciência que é
energia física insubsistente se transforma em corpo de energia irradiante,
verde, de Tara. Antes de receber uma iniciação nos purificamos
externamente e tratamos de eliminar obstáculos externos, internos ou secretos.
Visualizamos nosso mestre, não como um monge tibetano, mas como tendo um corpo
de luz, não é preciso acreditar ou deixar de acreditar, simplesmente o
visualizamos, de um verde brilhante que afasta todos os obstáculos. O essencial
da meditação é unir o cotidiano à prática de Arya Tara. A mãe da
sabedoria divina, Tara, é a causa fundamental da felicidade. Consta dos
textos que todos os seres supremos, os bodhisattvas e os budas
surgiram a partir da sabedoria da Mãe Tara. Ela é genitora dos seres
supremos do passado do presente e do futuro, todos nasceram dela e por isso é
chamada de Mãe Tara. Nosso conhecimento espiritual é fruto da sabedoria
inerente à energia feminina. O motivo porque chamamos Mãe Tara tem uma
explicação científica, não é mitológico. Tara é a sabedoria que rompe as
aparências, com o poder de manifestar-se de muitas formas e cores distintas,
umas pacíficas e outras iradas, para beneficiar todos os seres humanos e não
humanos. Se por vezes sentimos que falta algo em nossas vidas e é precisamente
o que a sabedoria divina de Tara provê e unifica. A vida não pode ser
vivida apenas racionalmente, a vida é esotérica ,é tantra; creio que a
vida seja oculta e portanto não podemos vivê-la dizendo: "quero ser feliz,
quero atingir um objetivo e farei tudo para alcançá-lo para, então, ser
feliz." Não pensem que a felicidade possa surgir a partir do racional; a
vida é um ir e vir, um movimento perpétuo ao encontro de novas situações. Temos
um bom exemplo nos discípulos de Lama Tsong Khapa (1357-1419) que muito
valorizavam a compreensão e a sabedoria do mestre e buscavam igualá-las; portanto,
as experiências de uns e de outros nunca se assemelharam às do mestre. No
ocidente encontramos tais exemplos. Carl Gustav Jung (1875-1961), discípulo de
Sigmund Freud (1856-1939), queria seguir o mestre e descobriu que não era
possível. Tinha seu próprio estilo e seu jeito de lidar com os pacientes.
Acontece o mesmo com os mestres tibetanos que trazem o Dharma para o
ocidente; passaram por certas experiências enquanto que vocês vivem outras.
Estas diferenças são reais até certo ponto do caminho, mas quando se realiza a
totalidade, não existem mais diferenças. Um dia uma italiana veio visitar-me
dizendo que queria encontrar um marido. Gostava de um rapaz, mas encontrava
obstáculos. Dei-lhe uma meditação e uma prática de Tara, em que ela
visualizava-se com raios de luz vermelha que, saindo de Tara (ela
mesma), iam ao coração do homem de seu agrado e o enlaçavam. No ano seguinte
ela veio com o marido e toda a família agradecer-me. O êxito não teve nada a
ver com meus poderes, mas com os da mãe da sabedoria divina, Tara.
Quando estou no ocidente, um turista curioso, costumo visitar igrejas. Vejo
gente rezando e fazendo oferecimentos diante da imagem da Virgem, medito por um
tempo e sou invadido por uma sensação muito agradável. Observo que a maioria
dos fieis está diante da imagem da Virgem Maria o que parece indicar que a
energia de Tara e a energia da Virgem Maria Santíssima são a mesma.
Todos temos a qualidade de Tara e nas mulheres ela é acentuada. As 21
manifestações de Tara são aspetos distintos desta poderosa energia que
vai ao encontro de muitas circunstâncias. Se não for possível transformarem-se
por completo em Tara, sugiro que visualizem o interior de seus corpos de
cor verde transparente e brilhante, é um método precioso e talvez mais fácil do
que a transformação em Tara. Nosso ego e suas crenças nos limitam, mas
transformando-nos em corpo de luz verde brilhante rompemos este conceito,
criamos espaço e tempo onde possam manifestar-se energias positivas, como a
compaixão, a sabedoria, o amor, a compaixão, a inteligência (...). Por isso
desde que nos levantamos até hora de deitar, durante qualquer atividade, nos
identificamos com este corpo de luz verde brilhante, sempre conscientes dele.
Esta prática é muito poderosa e nos fortalece. Para dormir visualizamo-nos como
Tara, com um corpo de luz verde brilhante que se absorve lentamente na sílaba
TAM no nosso coração; de baixo para cima até desaparecer no vazio. Adormecemos
com a mente em Shunyata. Adormecer de forma adequada é, segundo o Tantra, uma prática
importante; colocamos de parte a mente obsessiva. Na psicologia budista dia e
noite, vigília e sono, são a mesma realidade. Cremos na realidade do que
observamos no estado de vigília enquanto que o que observamos durante o sono é
onírica, mas são a mesma realidade cármica. Se pensarmos que os sonhos não são
reais, o que constatamos em estado de vigília também não é. Segundo o
Paramitayana, dormir é prejudicial; mas o Budha disse que dormir com o método
adequado se converte no caminho da iluminação. Esta é a essência, a beleza e a
característica do Tantra, converter e transformar tudo no caminho da
libertação, tornarmo-nos mais conscientes e com mais domínio sobre a mente.
Este é o poder do Tantra, o caminho mais rápido. Utilizando a meditação da vacuidade,
dormimos cultivando a sabedoria. Há duas maneiras de adormecer e de despertar.
Quando abrimos os olhos pela manhã, talvez ouçamos um ruído, o canto dos
pássaros, ou alguém batendo à porta. Então, transformamos estes sons no mantra
OM TARE TUTTARE TURE SOHA visualizando-o no espaço. Utilizando o método de
adormecer em Shunyata, ao despertar convertemo-nos em Tara. Fazemos a higiene
matinal recitando o mantra e oferecendo-o a Tara. No café da manhã abençoamos o
que vamos comer com o mantra OH AH HUNG três vezes. A comida se
transforma em energia gozosa, em ambrósia, uma prática muito proveitosa.
Durante a refeição, se possível, visualizem-se sendo invadidos pela energia
gozosa que se instala no coração transformando nela qualquer estado de
insatisfação. Reconheçamos em todos os seres, em tudo o que nos rodeia, a mente
e a qualidade divina de Tara, reflexos da sabedoria e da felicidade
transcendentais. Qualquer som é reconhecido como o mantra, assim
mantendo continuamente no estado de plena atenção, tudo será transformado numa
experiência preciosa. Sempre que praticamos a Sadhana devemos recitar o mantra
que é o poder de transformar a palavra. É um fogo que queima todos os
pensamentos mundanos e tem um poder nuclear. Recitamos com concentração o mantra
tanto tempo quanto possível para aguçar a mente, para torná-la poderosa. Não é
possível enumerar os benefícios que recebemos ao recitar o mantra;
porque seria injusto limitá-los já que vão muitos além de qualquer limite, como
se fossem milagres. Recitando o mantra podemos passar por experiências
inusitadas. A récita também outorga poderes telepáticos, é curativa, é uma
forma de superar a energia negativa, alivia o sofrimento físico. Segue-se a Sadhana
passo a passo. Chegando ao mantra, transformem-se em Tara, e da
sílaba semente TAM no coração uma luz verde brilhante se irradia nas dez
direções purificando tudo que nos rodeia e todos os seres viventes. Há que
purificar tudo, pensamentos, doenças, sofrimentos, tudo (...). Todos os seres
se transformam em Tara, amigos e inimigos que a seguir se dissolvem em
luz e são absorvidos no nosso coração. Podem também, alternadamente, apenas
contemplar com atenção. A Sadhana começa com a tomada de Refúgio.
Imaginem as Vinte e Uma Taras no espaço diante de nós, não é preciso
vê-las, simplesmente pensar que estão ali. Segundo o tantra, o que
vemos, o que projetamos, é a nossa realidade. O que não vemos, não projetamos,
não é real para nós. Por isso, quando olhamos para um ser vivente, podemos
reconhecer nele a qualidade divina, a da Mãe Tara. Tudo o que ouvimos
por exemplo, o ronco de um motor de avião, o canto de um pássaro, reconhecemos
como o som do mantra. Em qualquer pensamento positivo ou negativo,
reconhecemos a sabedoria não dual da Mãe Tara; em vez de seguir um diálogo
dualista transformamos o pensamento. Tendo em mente a qualidade da sabedoria
divina não dual de Tara, interpretando o manifesto como o mantra
ou como a sua forma, não nos surgirão atitudes mentais negativas. Ao surgir um
pensamento de apego ou de ódio, teremos uma relação diferente com a sua
essência. O que antes era uma situação neurótica e desanimadora passa a ser a
clareza não dual da mente do ódio e do desejo. Tudo dependerá da forma como é
observado. O ódio, o ressentimento, o desejo, a raiva parecem concretos,
parecem ter existência própria, porque esta é a natureza destes fortes
sentimentos. É como o oceano, o oceano da mente: vem o vento, e do próprio
oceano, surge a onda com seus efeitos potencialmente desastrosos. O ódio, o
desejo, o ressentimento parecem ser mais portentosos ainda que o Everest, mas à
luz do Dharma isto é pura fantasia. Precisamos apreciar e recorrer à
sabedoria do Dharma que, sem estas situações, não seria necessária. Se
não houvesse desejo e ódio não teríamos necessidade de coisa nenhuma, nem de
religião, nem de alternativas, nem sequer de iluminação. O ressentimento e o
desejo são parte da vida, assim como as ondas são parte do oceano; reconhecendo
as características da sua natureza vemos que são também sabedoria não dual, sabedoria
onisciente, sabedoria onipresente. Observo meus amigos que levam uma vida
"super Samsárica", super louca, super hippie. Matam, roubam,
fazem o pior que se possa fazer; são explosivos e dominadores. Outros são
tranquilos, não reagem indevidamente, mas quando um destes super loucos
encontra o Dharma, passa a ser um excelente praticante; aprende com a
força da mente louca e Samsárica, e se transforma. Muitos dos meus
discípulos pertenceram ao movimento hippie, eram marginais, viciados em drogas
e estavam conscientes disto. Depois, passaram por uma transformação profunda.
Muitos hippies são criativos, extremistas, eficientes, possuem uma energia
nuclear poderosa; quando têm convicção, também são praticantes convictos.
Podemos observar como as pessoas poderosas e cruéis, quando se transformam,
continuam poderosas, mas podem também ser bondosas. Outros amigos são mais
tranquilos, pacíficos e conservadores, têm uma prática menos intensa, mais
branda, é assim mesmo. Quanto mais desejo, ressentimento e ódio temos, mais
infla o nosso ego. É preciso observar estes pensamentos e constatar a sua
natureza clara e transparente, reconhecer neles a característica da sabedoria
não dual cuja essência é o estado de felicidade. Pelo ponto de vista filosófico
a natureza da mente é clara, com a transparência de cristal. O desejo é o
movimento produzido quando colocamos o pensamento nisto ou naquilo, então surge
o apego e daí a raiva. Se nos deixamos levar pelo pensamento, se nos apegamos a
conceitos, explicando, "é por isso ou por aquilo, é assim ou assado,
porque é tal ou qual", tudo se complica. Temos duas formas de dar um basta
aos pensamentos negativos. A primeira é ter consciência do surgimento da mente
negativa, como temos da aurora antes do sol raiar. Se estivermos presentes,
antes que apareça a raiva notaremos a sua vibração no corpo e tratamos de
detê-la ainda ali, antes que nos invada e se manifeste. A segunda forma de
deter a raiva é não reagindo quando ela já se manifestou. Temos consciência de
que estamos com raiva, invocamos a luz verde, e recorrendo à força da própria
raiva, transformamos nosso corpo num vulcão em erupção que cobre todo o mundo
de luz verde irradiante. Podemos transformar a forte energia da raiva ou do que
quer que se manifeste em luz verde irradiante. Reconhecemos a pureza de tudo o
que nos rodeia, o mundo, os sentidos, todos os objetos sob seu aspecto gozoso.
Assim, tudo o que surge se transforma em energia gozosa. Devemos reconhecer
ainda a natureza não dual desta energia, a ausência de existência intrínseca.
Podemos visualizar tudo como se fosse um passe de mágica que nos permite ver o
que não é evidente. Tudo o que surge tem a característica da não dualidade,
observando assim os fenômenos desenvolvemos sabedoria e adquirimos uma
compreensão cada vez maior da vacuidade. Se ao nos deparar com um objeto de
prazer perscrutarmos a sua natureza não dual, o prazer não nos prejudicará. O
conflito surge quando não podemos perscrutar o prazer e a sua verdadeira
natureza simultaneamente. Quando nos envolvemos com o prazer perdemos de certo
moto o sentido, já que a ideia do prazer surge da ignorância e é pura fantasia,
nunca vemos o prazer na não dualidade, tal como é. Não existe nada de errado em
ter prazer, o problema é que a mente se converte em mente equivocada, egoísta e
então surge o engano e não nos é possível reconhecer a verdadeira natureza do
prazer. Assim, quando sentimos prazer deixamos de ser conscientes e perdemos a
sabedoria. No budismo não existe diferença entre buscar a verdadeira realidade
nos objetos Samsáricos ou em buscar a verdade no Buhda. Não
pensem que o Budha detém a verdade e eu não. A verdade do Budha e
a minha é a mesma; isto é muito importante. Todos nossos problemas são causados
pela mente dualista que separa as coisas, enquanto que o Samsara e a
libertação coexistem no mesmo espaço da não dualidade, no espaço da auto
existência, esta é a natureza de todas as coisas, não é um conceito filosófico.
O mais importante é reconhecer nas aparências sua natureza não dual, não
nascida. Esta natureza, de si mesmo, é o gozo, o estado de felicidade. Temos o
hábito de dizer: "gosto disto, aquilo me desagrada; não gosto daquilo,
isto é bonito (...)." Desde que nascemos estamos sempre envolvidos nestas
considerações e não vemos jamais a verdadeira natureza do que nos rodeia. Há
quem nunca tenha pensado que esta flor seja linda. Quem nunca tenha visto a
realidade e a beleza desta flor devido à mente obsessiva. A beleza se encontra
em todas as partes, mas se não a vemos e se estamos fechados a ela é devido às
nossas limitações. Qualquer ambiente tem beleza própria. O tantra nos
ensina a reconhecer o caráter gozoso de qualquer aparência e em tudo o que
vemos reconhecer a união do gozo e da ausência de existência inerente. Aqui
está algo que devemos procurar compreender, uma realidade científica: parte da
natureza do outro é a minha natureza. Parte da natureza desta montanha é o
oceano, que é também a minha natureza. Temos uma realidade comum e por isto
definimos Shunyata como absoluto já que a essência de tudo o que existe
é a unidade. Com esta sabedoria não existe possibilidade de que surjam
negatividades porque podemos reconhecer a sabedoria gozosa de tudo o que vemos
como imantado por ela, de onde surge a energia gozosa que aumenta a sabedoria
não dual. Vivemos uma realidade incontornável e, como não podemos evitar a
cidade, recorramos à sabedoria em vez de queixarmo-nos da turbulência da
cidade. No Samsara, desde um tempo sem começo sempre houve desastres,
mortes e problemas que não precisam ser motivo de preocupação indevida já que,
o que está acontecendo agora, sempre aconteceu. Para a mente ocidental, o Tantra
é muito válido. Com esta compreensão, este gozo energizante, esta sabedoria sem
confusão, sem insatisfação, tudo é possível. Certas coisas são impuras na visão
Sútrica, mas tornam-se puras pelo ponto de vista tântrico. Tudo
depende da atitude da mente. Nada existe apenas negativamente. Tudo o que
pensamos ser negativo ou condenável é apenas relativo. Conta-se que certa vez
dois monges que regressavam ao mosteiro encontraram uma leprosa que pedia ajuda
para atravessar o rio. Um deles pensou: "impossível, como monge, não posso
tocar numa mulher, é como por a mão no fogo." O outro pensou: "já é
tarde e se não ajudo esta mulher a atravessar, passará aqui o resto da
noite." Pensando assim carregou-a para a outra margem. O primeiro monge
observou que o amigo rompera os votos e de regresso ao mosteiro procurou o
abade relatando-lhe o sucedido. O abade respondeu: "Quem julga como você
tem uma mente negativa". O outro monge ao ser questionado respondeu:
"sim, carreguei a mulher de uma margem para a outra, mais nada." Ele
a teria deixado lá, nada mais. Quando nos relacionamos com o mundo não temos os
meios hábeis para constatar a não dualidade. Precisamos do forte propósito de
realizar a experiência direta da não dualidade; desenvolver a visão que
reconhece que tudo é mera aparência, uma visão ilusória. Ainda que possa
agradar, o canto dos pássaros não nos causa uma sensação negativa ou positiva.
Em geral a sensação é neutra, mas reconhecendo o som do mantra em todos
os sons, o convertemos no caminho para a iluminação. Reconhecendo a qualidade
do mantra nestes sons, uma ação neutra se transforma em positiva. Já que
passamos metade da vida dormindo, podemos fazer o mesmo com os sonhos. Passamos
ainda um quarto da vida comendo e talvez o quarto restante praticando o Dharma
o que faz com que o caminho para a iluminação seja lento e longo. Também quando
comemos ou bebemos devemos reconhecer a energia gozosa. Com esta mente, comer
se torna um ato positivo em vez de negativo. Gostaria que tivessem uma sólida
compreensão do que acabamos de tratar e cuja maior parte se refere à forma de
atuar fora da meditação formal. Primeira versão. O objeto central de refúgio
pode ser Tara visualizando ao redor as demais Taras. À direita
nosso pai, à esquerda nossa mãe, à frente os que nos incomodam e atrás parentes
e amigos; ao redor, num vasto círculo, todos os demais seres viventes. Todos
tomamos refúgio e fazemos surgir muita compaixão e equanimidade para com todos
os seres viventes, aspiramos unificá-los na natureza da iluminação. Dos objetos
de refúgio surgem luzes de três cores, branco, vermelho e azul que purificam
nosso corpo, palavra e todas as concepções errôneas. Reconhecemos os obstáculos
e sofrimentos causados pelo ego que afligem todos os seres viventes e que podem
cessar com a tomada de refúgio. Atualizar a Bodhicitta quer dizer
assumir a responsabilidade de gerar enorme desejo de retribuir a bondade que
recebemos de todos os seres, o que de melhor podemos fazer. Assim, dediquemos
nossa prática aos demais no tempo que nos resta de vida. Em qualquer tipo de
organização fala-se muito, o que denota uma conduta irresponsável. Por exemplo,
se a nossa empresa produz papel e em vez de nos dedicarmos à produção de papel,
agimos através do ego arquitetando uma ou outra ideia que nada tenha a ver com
o objetivo de empresa, estamos sendo irresponsáveis. Acontece o mesmo com os
casais que se desentendem. Pensam que são especiais e não são, são apenas
irresponsáveis. Por ignorância, destroem a harmonia em vez de fomentá-la, não
vêm a totalidade da realidade e não sabem criar harmonia. Quando agimos movidos
pela Bodhicitta assumimos a responsabilidade. Ainda que possamos ser
alvo das más vibrações das energias negativas, temos algum controle e podemos
prosseguir o caminho certo à vontade. Sempre que temos um revés tratamos de
criar espaço em nossa mente. Quando nos criticam ou mesmo nos ameaçam de morte,
pensamos que pode não ser assim e criamos um espaço em nossas mentes para estas
e outras realidades. Quem sabe? O inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã,
quem sabe nos trará uma grande alegria. Pode também acontecer que o amigo de
hoje seja o inimigo de amanhã. A Bodhicitta é assim, ela cria espaço,
não discrimina. Não distingue entre etnias ou religiões, a natureza de todas as
coisas é a mesma, e esta é a maravilha do budismo. Segundo o budismo, quando
todos os seres estiverem totalmente libertados do sofrimento, de ideias, de
filosofias, de doutrinas e fanatismo religioso; uma vez libertados de tudo,
passam a ser uma unidade, uma mesma família. Nossa mente é saudável. Não
sentimos inveja dos árabes por serem donos de muito petróleo. Observando
objetivamente os seres, analisando nossos sentimentos, vemos como são ilusórios
e realizamos que somos todos iguais. Aqui na Espanha tem um grupo terrorista,
quem sabe nos estão apontando uma realidade positiva? Quem sabe podemos
aprender alguma coisa com eles? Mao Tse Tung (1893-1976) também é um bom
exemplo. Ele me obrigou a sair do Tibete, sem roupa, sem nada, e estou
pessoalmente muito agradecido a ele. Despejou-me do meu ninho Samsárico.
No Tibete tinha meus parentes, centenas deles e vocês sabem o que são parentes:
bla, bla, bla, bla (...). Desde que fui expulso do Tibete sinto melhor em mim o
Dharma. Já praticava então, mas agora a prática é autêntica, deixou de
ser uma aquisição intelectual em que apenas repetia palavras, agora, aprendi
alguma coisa. A realidade vai além das palavras, é o que é e será através da
tensão entre o que é e o que gostaríamos que fosse, que permitimos a abertura
de espaços em que, então, aprendemos. Tudo o que nos rodeia no ocidente é muito
precipitado, acontece rápido, as delusões (enganos) são muito mais fortes, o
desejo, o ódio são fortíssimos e assim o ocidente é ideal para a prática do Dharma.
Nos Himalaias nada acontece, as pedras não saem do lugar, a água corre
infalivelmente, as mudanças são poucas, a vida é fácil. No ocidente a coisa é
outra. O desafio dos meus discípulos ocidentais é enorme. Praticam com muito
mais empenho que os monges dos Himalaias. Precisam se relacionar com a vida,
com a sociedade, com tudo o que se passa e tudo é muito difícil. A prática de
vocês é o que vão vivendo. O Dharma é uma ideia colocada em prática e
que se converte numa vivência e torna-se então indestrutível. Se não for assim,
não passa de uma filosofia. A Bodhicitta é parte essencial do Dharma
e com esta atitude superamos os problemas. Se formos prejudicados temos espaço,
se alguém nos critica ou nos odeia, também temos espaço para isto. Assim, não
nos perturbamos e, ainda que sentidos, aceitamos a situação. Fonte: Shunya.
Grupo de Estudo e Prática Budista. http://www.nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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