“Discípulo: Cada pregador, ao expor seu tema
predileto, costuma afirmar, que se aderirmos firmemente ao exposto, seremos
salvos, se o rejeitarmos, seremos perdidos e condenados. Disputam os pregadores
entre si, chamando-se uns aos outros de "ignorantes" e até mesmo de
idiotas. Quem nos há de apontar qual deles seja o certo? Não é possível que
todos sejam autoridades conforme alegam. Budha: Se pelo simples fato de
discordar de outro, alguém é qualificado de "idiota", nesse caso
todas as "autoridades", cheias de teorias, seriam idiotas. Se cada
teoria revelasse a verdade e qualificasse o seu expositor como
"autoridade", então todos eles seriam autoridades. Não espereis ouvir
a verdade daquele que chama os outros de "idiota". Cada um considera
a sua própria opinião como "verdadeira" e quem quer que dela discorde
é, então, chamado de tolo. Discípulo: O que um deles classifica como
"verdade" diz um outro ser "falso", e assim por diante.
Como pode ser que estejam sempre a discordar e por que razão não dizem todos eles
a mesma coisa? Budha: A verdade é uma só, e por esse motivo, os sábios nada têm
que debater. Mas como cada um desses disputantes tem a sua versão pessoal da
verdade, as suas contendas são intermináveis. Discípulo: Mas como pode ser que
cada uma destas autoridades considere a sua versão pessoal como sendo a própria
verdade? Poderá se confiar, nesse caso, que a verdade por ele anunciada tenha
realmente sido a verdade? Ou será que inventam, pura e simplesmente, suas
teorias? Budha: Não existe verdade alguma além da que é fornecida pela
percepção sensorial. No exato momento em que te aferras ao conceito de que algo
é "verdadeiro", surge o atrito, porque o conceito oposto terá, então,
que ser rotulado de falso. Aquele que se deixa iludir pelo que se vê e pelo que
ouve, pela virtude, por suas vitórias e sucessos fixa-se em suas ideias e
critica os demais. Ao criticar os outros seu egoísmo se expande, e por se
considerar autoridade sem prender-se à crítica, torna-se cada vez mais
exagerado. É aí, então, que num transbordamento de auto conceito que de si mesmo
faz, vangloria-se de ser "um sábio" e acredita serem os seus
conceitos irrefutáveis. Se alguém o chama de confuso, logo replica
"confuso é você", embora cada qual, a seu tempo, se considere um
"sábio". De cada autoridade, se há de ouvir, a afirmação de que
aqueles que seguem uma filosofia diferente da sua não conseguirão jamais
atingir a pureza e a perfeição. "Meu método é infalível. É o único que
conduz à perfeição". Alardeiam em autopromoção todos esses pseudo sábios.
Tais comentários os expõem a ataques por parte das outras autoridade, e
consequentemente, há cada vez mais disputas. Desta forma, essas pessoas (cada
qual ancorada a sua teoria predileta) prosseguem em suas altercações a vida
toda. Abstraí- vos, portanto, de toda e qualquer teorização, com suas
inevitáveis disputas. Discípulo: Será que esses dogmatizadores, que afirmam
ensinar a única verdade, o que fazem é só acarretar para si a censura, ou será
que por vezes eles também mereçam louvores? Budha: O pouco louvor, que
porventura consigam é insignificante e não lhes confere paz. Não é com disputas
que se atinge a meta. O sábio não dá crédito às teorias passageiras. Por que
iria ele se prender? Ele já transcendeu, já ultrapassou a fase de acreditar em
tudo o que vê e que ouve. Alguns sábios há que sustentam ser a meta atingível
pela prática da virtude e pela execução de
atos meritórios. Ao afirmarem "ser este o caminho",
intitulam-se como único mestre. Alguns se tornam obcecados pela importância dos
princípios, e se porventura chegam a transgredir uma só regra, por mais
insignificante que seja, amofinam-se (aborrecimento), e se preocupam como
alguém que houvesse perdido a caravana. Assim sendo, não vos agarreis a código
algum que distribua méritos e deméritos, mas sim, ficai independentes. Alguns
fazem penosas penitências, outros confiam no que vêm e no que ouvem falar da
conquista da pureza nesta vida, e, no entanto, desejam ainda conseguir um
renascimento feliz. O desejo acarreta mais desejo. O medo mais medo ainda.
Aquele, porém, que não nutre mais o desejo de viver, seja agora ou em outras
vidas, não mais teme a morte, nem o renascimento. Discípulo: A filosofia que
alguns rotulam de mais elevada, outros consideram desprovida de valor. Todos,
porém, consideram-se autoridades. Com qual deles está a razão e a verdade?
Budha: É só a sua própria filosofia que cada qual considera como a mais
elevada, ao passo que aos demais métodos não empresta valor algum. Deste modo é
que surgem as disputas. Se o mero criticar destitui os conceitos filosóficos de
qualquer valor, então, todas as suas filosofias não tem valor algum, pois todos
vivem a criticar conceitos alheios. Extravagantes se mostram na prática de sua
própria filosofia, tal como quando a expõem, porém, todos os seus conceitos
levam à mesma coisa. O verdadeiro brâmane, contudo, não copia os demais, tendo
transcendido o hábito de disputar, a nenhuma filosofia em particular chama ele
de "melhor". Afirmam alguns devotadamente: "A verdade é assim e
assim. Eu sei! Eu vejo!". E sustentam que tudo depende de se ter a
religião correta. Se, porém, eles realmente "soubessem", não teriam
necessidade de religião alguma. O homem vê como nome e forma, mas dizem os
sábios, por pouco ou muito que consiga ver, não verá a pureza. Nenhum filósofo
querelante (discussão, disputa) poderá alcançar a pureza por meio de sua
doutrina pessoal, ele segue uma luz que ele próprio fabricou, por ele
autoprojetada, e daí fala que a "vê". O verdadeiro brâmane está além
do tempo, não se baseia em conceito algum, nem se submete a qualquer seita
(movimento filosófico ou religioso), compreende todas as teorias correntes,
mantendo-se, porém, desapegado de qualquer delas. Liberto dos laços do mundo,
embora viva ainda no mundo, o sábio segue, tranquilamente, o seu caminho, livre
das seitas, em meio aos sectários, livre de agitações, em meio aos agitados,
admitindo o que o mundo comete. Tendo transcendido, por compreensão, suas
antigas imperfeições, sem adquirir outras novas pela correta vigilância, tendo
abandonado o desejo e se libertado de dogmas, e não se deixando mais
influenciar por opiniões filosóficas, segue ele seu próprio caminho, sem se
deixar impressionar pelo mundo, não se entregando jamais à censura (crítica,
condenação). Liberto de todos os conceitos baseados nas coisas vistas e
ouvidas, aliviado, pois, de sua carga, não mais está o sábio tranquilo sujeito
ao tempo, transcendendo tanto o desejo, quanto a abstinência (ação de privar-se
de determinada coisa)”. Retirado do Tripitaka, o livro sagrado do budismo na
língua pali, uma língua hindu. Tripitaka significa três cestas, numa referência
às três partes do livro o Vinaya, com as regras de conduta, o Sutta, que reúne
os discursos do Budha, e o Abhidhamma, que é
mais filosófico. A história desse livro sagrado e do Budismo remonta à
trajetória de Sidharta Gauthama (560 AC 480), que abandonou uma vida de fortuna
para buscar a sabedoria. Depois de meditar e refletir em contemplação, ele
concluiu que o sofrimento era causado pelos desejos que atormentavam a mente
dos homens, como a corrupção, o ódio e a ilusão. Para Sidharta, se o homem
aniquilasse esses desejos, atingiria o Nirvana, um estado de paz longe de todo
o sofrimento. Por causa dessa descoberta, ele tornou-se o Budha, que em
sânscrito significa o Iluminado. Ao longo de sua vida, os 84 mil ensinamentos
de Budha foram transformados em Sutras, espécie de regras para a vida
cotidiana. São elas que compõem o Tripitaka, diz o lama Padma Norbu (1948- ), do templo Odsai Ling, em São Paulo, Brasil. http://www.oiluminador.blogspot.com.br.
Abraço. Davi.
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