Budismo
Nitiren Daishonin.
“É menino!, disse a parteira. Mas, o que foi que viu a parteira para
lançar semelhante afirmação? Os genitais do bebê, evidentemente”.
Isto dos genitais parece ter sido sempre
algo muito importante para os pais, que querem saber se o bebê tem boa
saúde, se não nasce com algum problema ou malformação e, claro, se é
fêmea ou macho. Inclusive no registro obrigatório
do nascimento da criança se requer justamente esse dado. O que é? Homem
ou mulher?
E na realidade o dado sobre os genitais
não é algo banal, se levamos em consideração que no futuro terá peso
sobre âmbitos tão díspares como a carreira profissional, o possível
ingresso nas forças armadas, a escolha de uma pessoa
para compartilhar a vida. Dependendo do âmbito cultural e sócio
econômico ao qual esta criança pertencer, já desde o seu primeiro choro
nos braços da parteira terá se depositado sobre ele uma grande
quantidade de anseios diferentes sobre como esta criança
se desenvolverá no futuro e o que chegará a ser. Quer dizer que, para
muitos de nós, a identidade está intimamente ligada ao gênero sexual.
As diferentes culturas e sociedades
através da história têm lidado com o tema das condutas sexuais de
diversas maneiras, as vezes desde a lei, as vezes pelo costume, as vezes
com sanções contra aqueles que romperam os códigos
estabelecidos. Os códigos morais tem se transformado e evoluído,
decidindo sempre o que pode ser catalogado como correto ou natural e o
que não é, e as pessoas têm sido compelidas a aceitar uns ou outros
códigos, talvez para pôr um sentido a um tema que não
deixa de ser bastante confuso. Dentro
dos diferentes contextos culturais, o do Budismo resulta sumamente
refrescante se pensamos que não propõe regras sobre o que está bem ou o
que está mal, o que é ou não apropriado em
relação à conduta sexual. Não existe uma lista do que deve e não deve
se fazer para aqueles que praticam o Budismo de
Nitiren Daishonin.
Pelo contrário, aqui a responsabilidade cai completamente em cada um
dos indivíduos que praticamos esta filosofia, que nos assumimos como
responsáveis de tudo o que ocorre nas nossas
vidas, incluindo a maneira em que decidimos viver a nossa sexualidade.
O Budismo ensina que devemos ter um respeito fundamental por cada
indivíduo e pela dignidade da vida em si mesma. Não existe nenhum
mandamento que nos obrigue a renunciar a nada para poder praticar o
Budismo, já que a sabedoria de como devemos comportar-nos
emerge, justamente, da prática, quando oramos Nam myoho
rengue kyo, compreendendo que cada causa que realizemos terá um efeito sobre nossas vidas.
Nitiren Daishonin (1222-1282) nos diz que todos podemos manifestar o estado de
Budha tal como somos.
A discriminação. Partindo
de que ninguém é incapaz de atingir a iluminação, está claro que não
existe lugar para a discriminação baseada no gênero ou a tendência
sexual nos ensinamentos budistas.
Em termos do carma, somos quem somos pelas causas realizadas que nos
levaram a nascer em determinado âmbito cultural, em determinado momento,
com as características particulares que afetam nossa personalidade,
habilidades e capacidades físicas e mentais, e
também, evidentemente, nossos genitais. Nitiren
Daishonin escreve: Não deve haver discriminação entre as pessoas que propagam os cinco caracteres de
Myoho rengue
kyo durante os Últimos Dias da Lei, sejam homens ou mulheres. Se não fossem
Bodhisattvas da Terra, seria impossível recitar este
Daimoku". (END, vol. I, pág. 367). Nossa verdadeira entidade não
tem forma, mas se manifesta com as características que nos
individualizam.
Em termos da visão budista da eternidade
da vida, temos nascido em diferentes circunstâncias e em diferentes
tempos, as vezes como homens e as vezes como mulheres. Nossa entidade
não tem gênero, não tem sexualidade, de fato, não
tem forma alguma. De qualquer maneira, ao nascer dentro de uma
existência em particular, manifestamos características físicas mentais e
emocionais próprias, por meio das quais nos relacionamos com o resto da
sociedade.
A integração.
O Budismo ensina que todos e tudo encontra-se inter
relacionado no universo. Nossa luta, então, é encontrar o caminho para
expressar nossa individualidade enquanto que, ao mesmo tempo, vivemos em
harmonia com o resto da sociedade,
da qual somos parte integrante. Muitos de nós sofremos ao tentar
expressar nossa identidade como indivíduos dentro de uma sociedade na
que existem todo tipo de discriminações, a qual muitas vezes ataca
aqueles que não se conformam com certas normas. De fato,
os papéis sexuais têm variado através da história e nas diferentes
culturas. Os costumes de que sejam as mulheres as que se encarreguem de
criar as crianças, em vez dos homens, tem sido utilizado muitas vezes
para delinear certas normas. Apesar de que, naturalmente,
existem fatores biológicos que nos diferenciam a uns de outros, o que é
questionável é que o fator biológico em si seja parâmetro para definir
nosso papel na sociedade.
Troca de papéis.
Os papéis costumam mudar de acordo com variações sócio econômicas. Por
exemplo, na Grã Bretanha, durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres
começaram a executar uma série de tarefas que tradicionalmente
realizavam os homens. Esta mudança, que permitiu à
mulher assumir maior responsabilidade social na ausência dos homens,
resultou crucial na dinâmica posterior da relação homem e mulher. Levou
depois a modificações mais profundas como, por exemplo, o voto feminino.
As mudanças costumam acontecer a partir das
ações daqueles que negam-se a aceitar passivamente essas normas. Se
aquele que se opõe resulta ou não discriminado, isso depende do clima
social que prevalecer nesse momento. Antes da Primeira Guerra Mundial,
os homens e mulheres que lutavam pelo voto feminino,
eram socialmente condenados; mais tarde, o meio tinha mudado o
suficiente para permitir-lhes o sucesso na sua luta.
O grupo que possui maior poder econômico
é, geralmente, quem maior influência exerce na definição das normas
sociais. O mesmo ocorre numa simples relação entre duas pessoas e pode
ser exemplificado também claramente ao fazer uma
descrição de classes sociais em qualquer sociedade. Quando existe
desequilíbrio aparecem normas doentias que servem para sustentar o abuso
de poder. Os papéis de vítimas e
vitimário evolucionam em relações que criam
uma perpetuação do esquema cristalizando às vítimas numa determinada
camada social, ou grupo humano que se sente demasiado débil para
reconhecer seu próprio poder e exerce-lo.
A ausência de mandamentos no Budismo.
No Budismo não existe o conceito de pecado. Todas as pessoas somos
igualmente merecedoras de respeito, pois todos possuímos o estado de
Budha. Mas só quando tomamos uma completa responsabilidade sobre a nossa situação podemos usar o imenso poder de nosso estado de
Budha para modificar nossa situação; então, o
vitimário pode modificar seu impulso de gerar sofrimento, e a
vítima mudar sua tendência de ser oprimida. Neste sentido, todos somos
livres de usar nosso potencial.
O Budismo carece de uma lista de
mandamentos, porque considera que basear a conduta humana em regras
externas pode gerar uma sensação de temor a uma retribuição negativa de
origem externa, por parte de um outro que decidiria nosso
destino segundo nossa resposta ao código de conduta, o que vai contra a
filosofia da Causa e Efeito. Nas religiões que tem este tipo de
mandamentos, romper esse código moral equivale a pecar, e isso gera uma
sensação de culpa, conceito ao qual também não lhe
é dada uma entidade verdadeira no Budismo.
Não podemos mudar nossas ações passadas (a série de causas efeitos
correspondentes já estão gravados, mas podemos reconhecer de coração o
dano que temos causado à dignidade de nossa própria vida ou de outras, e
orar ao
Gohonzon aceitando plenamente a Lei de Causa e Efeito. Cada recitação sincera do
Daimoku o é. E é importante também interiorizar a ideia de que não existe força externa que nos castigue, e sim retribuições
cármicas de nossas próprias ações, das quais só nós mesmos somos responsáveis. Somos responsáveis por tudo o que nos acontece.
O respeito. Ao abraçar a Lei Mística e orar Nam
myoho rengue kyo perante o
Gohonzon, estamos expressando um profundo
respeito para a função única que tem cada existência no Universo,
baseados em que toda vida possui o estado de
Budha inerente, latante, cujas qualidades são: benevolência, sabedoria, coragem e força vital.
Sobre o equilíbrio numa relação,
Nitiren Daishonin comparou a marido e
mulher com as asas de uma ave, que deviam movimentar-se harmoniosamente
para poder permitir-lhe à ave voar. Isto significa que ambos os
integrantes do casal devem basear sua relação no
respeito mútuo. Desejos mundanos e sexualidade.
O sexo é uma força dominante na vida. Até porque é o meio da nossa
perpetuação e sobrevivência e é nesse aspecto no qual muitas sociedades
fundamentam seu conceito de que a procriação é a única função legítima
da sexualidade. Porém, nós temos notáveis diferenças
com o resto do mundo animal. Para começar, não respondemos a estações
para a procriação, pelo contrário, somos capazes de manter um sexo ativo
a qualquer momento, inclusive após a menopausa feminina. Nosso corpo
está coberto de zonas erógenas e, além do mais,
expressamos nossas emoções também através da sexualidade.
Se dermos uma olhada geral, podemos afirmar sem temor a equivocar-nos
que o ser humano não tem se destacado por ser incrivelmente destro na
condução da sua sexualidade. Talvez nos custe admiti-lo, porque sabemos
que algo muito forte esconde-se detrás de tudo
isso que reunimos sob a categoria de sexo. Todos reconhecemos na nossa
própria experiência aquele momento de nossa adolescência no qual
começamos a lidar com o sexo, aonde ainda nem sequer tratava-se do temor
para com o outro, para como acercar-nos ao nosso
objeto de desejo, e sim do profundo temor para com nós mesmos, ao
perceber essas forças que começavam a mexer-se no nosso interior e com
as quais não sabíamos o que fazer.
Algumas pessoas mostram-se profundamente
contrariadas ao conhecer as práticas sexuais de outros, ainda quando
estas pessoas nada tenham a ver com a sua vida. Por quê? Se, por outro
lado, os gostos das pessoas com alimentos, decoração,
moda, não parecem provocar os mesmos sentimentos nos outros, pelo menos
não com o mesmo grau de emoção. O Budismo vê a sexualidade como um dos
nossos desejos mundanos, e sabemos, pela filosofia do Budismo de
Nitiren Daishonin que, sempre que oramos Nam
myoho rengue
kyo, os desejos mundanos são a iluminação. Não emite o Budismo
juízo algum sobre as virtudes e defeitos da sexualidade. A sexualidade,
para o Budismo, não é nem boa nem má, simplesmente é. O fato de que a
expressão desta sexualidade seja conduzida por
um caminho positivo ou negativo depende unicamente do nosso estado de
vida quando damos curso aos nossos desejos (ou quando os reprimimos).
Por exemplo, se nos sentimos atraídos para com alguém a quem não
respeitamos realmente, seguramente a relação sexual
estará baseada em algum dos estados baixos da vida, talvez o de
Animalidade. Em tal caso, nosso comportamento será governado unicamente
pelos nossos instintos, sem deixar espaço à reflexão sobre a
consequência da nossa ação. Se, ao contrário, oramos
Daimoku para esclarecer-nos a nós mesmos sobre o manter ou não uma relação, já estamos inscrevendo essa relação desde o estado de
Budha. O resultado poderia ser, inclusive,
que decidamos não tê-la, ou que decidamos tê-la e o façamos baseados no
mútuo respeito. As pessoas somos diferentes, e reagimos de maneira
diferente perante circunstâncias similares, dependendo
isto dum verdadeiro Cocktail, coquetel, de
elementos, no qual o estado de vida é um dos mais importantes. É por
isso, também, que no Budismo não poderiam existir mandamentos ou regras
fixas, sem contradizer sua própria filosofia.
Recitar Daimoku permite-lhe à pessoa tomar a
decisão correta para a sua vida, mas esta decisão pode ser
completamente diferente num caso e outro, ainda que desde fora as
circunstâncias pareçam as mesmas.
As ilusões. Naturalmente torna-se extremamente difícil descobrir se estamos deixando guiar pelo estado de
Budha ao manter uma relação, ou simplesmente
nos conduz à paixão. Talvez se deva a isto que religiões e sociedades
têm se encarregado de estabelecer parâmetros com os quais regular uma
“sexualidade correta". Claro que podemos compreender
que a expressão indiscriminada da sexualidade não seja, provavelmente,
uma boa base para a criação de valor; mas o que também devemos saber é
que a supressão dos nossos desejos sem examinar a sua natureza pode
resultar altamente destrutiva. É justamente a
partir deste encontro com os nossos desejos mundanos, de qualquer tipo
que sejam, onde atingimos a nossa iluminação.
O tema do poder.
Nossa filosofia nos ensina que, tentar ser alguém que não somos, nos
conduz necessariamente a sentirmo-nos seres inadequados e faltos de
poder, sentimentos negativos que inclusive podem gerar problemas de
natureza sexual. Por exemplo, uma pessoa que se sente
débil e inadequada, pode maltratar a outros para sentir-se poderoso.
Sabe-se que a violação sexual é algo que se refere mais ao exercício do
poder do que à sexualidade.
O poder sexual também pode ser utilizado
de maneira subversiva: Um dos dois pode usar os desejos sexuais do outro
para conseguir algo concreto em troca. Os que usam o poder sexual desta
maneira, sem dúvida desrespeitam a si mesmos
e aos envolvidos. Criar valor: o tema da missão. Confundir a nossa identidade atenta contra a nossa missão. Nam
myoho rengue
kyo, a Lei universal da vida, abraça todas as coisas, pelo que é absolutamente natural orar
Daimoku pela nossa sexualidade. A pergunta
que necessitamos fazer-nos perante cada relação sexual é: Cria valor?.
Esta pergunta vale tanto para quando estamos casados, comprometido ou
trata-se de uma relação informal.
Os códigos morais vigentes na sociedade
da qual somos parte podem nos causar dificuldades a nível pessoal, ou
não. Em termos de Budismo, o importante é desenvolver sabedoria para
compreender o melhor caminho pelo qual podemos
viver nosso papel, e criar valor na sociedade, independente das normas
que prevaleçam. Quando conseguimos levar nossa natureza de
Budha à todas as áreas da nossa vida, só
então, podemos considerar que estamos nos movimentando com verdadeira
liberdade. É através da nossa prática que encontraremos a coragem de
expressar-nos tal qual somos, formos quem formos.
Como nos diz Nitiren Daishonin (1222-1282), a relação entre o nosso estado de
Budha e o nosso corpo físico é importante:
Em meu coração tenho alguma fé no Sutra de Lótus, mas em meu corpo não
sou melhor do que um mortal comum, comendo peixe e carne. Minha vida
existe neste tolo corpo, tal como a lua é refletida num lago turvo ou
como o ouro é carregado em um saco sujo. (END,
vol. I, pág. 200). A nossa natureza de Budha
é a nossa verdadeira identidade e manifesta-se através das nossas
características físicas e mentais. É quando nos sentimos bem com a nossa
identidade que fazemos uma boa contribuição
à sociedade da qual somos membros. Quando nossas ações baseiam-se numa
identidade forte, podemos criar valor, mas para isso é requisito que a
gente se conheça a si mesmo sem negar nenhum aspecto da nossa maneira de
ser.
O Kossen rufu.
O Budismo é profundamente não julgador. Ao movimento pelo Kossen
rufu podem-se somar socialistas e
conservadores, carnívoros e vegetarianos, heterossexuais e homossexuais;
homens, mulheres e transexuais. Baseamo-nos no respeito ao estado de
Budha inerente ao outro, sem fixar-nos em
opiniões prévias que nos levem a sermos preconceituosos. O único que
importa realmente é o respeito pela Lei Mística e o respeito pelo
próprio estado de
Budha. Se ferimos a outra pessoa, estamos desrespeitando o nosso próprio estado de
Budha, além do da outra pessoa. Se ferimos a
nós mesmos, também desrespeitamos à outra pessoa, porque ela necessita
de mim completamente e tal como sou, para que eu possa cumprir com a
minha função única no universo, e que a outra
necessita de mim. Existe algo claramente proibido no Budismo?
Nitiren Daishonin nos orienta para
que tenhamos cuidado com a calúnia para com nós mesmos, para com os
outros e para com a Lei Mística. Isto está dito com espírito
benevolente, porque a calúnia nos causará infalivelmente muito
sofrimento, já que quem calunia não respeita a dignidade da vida. Mas
mesmo se temos caluniado e sofremos por essa causa, não estamos
condenados pela eternidade.
Nitiren Daishonin ensina que, por meio de recitar
Daimoku perante o Gohonzon,
a gente transforma o veneno em remédio. Inclusive o responsável dos
atos mais terríveis contra a dignidade da vida pode mudar radicalmente a
partir da prática sincera e transformar
o seu ambiente. O ensino do Budismo é uma luta constante para
conquistar o respeito para si mesmo e para os outros. Em palavras de
Ikeda
Sensei (1928- ): Nada é mais digno de respeito que você mesmo, essa é a mensagem do Sutra de Lótus.
http://www.belashistoriasbudistas.blogspot.com.br. Abraço. Davi.
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