Texto Ayya Khema (1923-1997).
Nosso velho amigo Dukkha surge na mente como insatisfação
causada por todo tipo de estímulos. Pode ser disparado pelo desconforto
corporal, mas mais frequentemente é causado pelas próprias aberrações e
convulsões da mente. A mente cria Dukkha e é por isso que realmente precisamos vigiar
e cuidar das nossas mentes. A nossa própria mente pode fazer com que sejamos
felizes, a nossa própria mente pode fazer com que sejamos infelizes. Não existe
nenhuma pessoa ou coisa em todo o mundo que possa fazer isso por nós. Todas as
ocorrências funcionam para nós como estímulos que constantemente nos pegam de
surpresa. Por conseguinte, precisamos desenvolver uma atenção intensa em
relação aos nossos momentos mentais. Temos uma boa oportunidade de fazer isso
na meditação. Pode haver duas orientações na meditação, tranqüilidade, Samatha, e insight, Vipassana. Se pudermos alcançar um certo nível de
tranquilidade é uma indicação de que a concentração está melhorando. Mas a não
ser que essa habilidade valiosa seja empregada para o insight, será uma perda
de tempo. Se a mente se tranquiliza, frequentemente surge a felicidade, mas
precisamos observar o quão passageira e impermanente é essa felicidade, e como
até mesmo o êxtase é em essência apenas uma condição que pode ser perdida com
facilidade. Apenas o insight é irreversível. Quanto mais firme a tranquilidade
estiver estabelecida, melhor será a resistência às perturbações. No início,
qualquer ruído, desconforto ou pensamento irá interrompê-la. Especialmente se a
mente não esteve num estado de calma durante o dia. A impermanência, Anicca, precisa ser vista com clareza em tudo
aquilo que acontece, quer seja na meditação ou fora dela. O fato da constante
mudança deve e precisa ser usado para a obtenção do insight da realidade. A
atenção plena é o núcleo da meditação Budista e o insight é o seu objetivo. Nós
despendemos nosso tempo de formas variadas e uma parte dele em meditação, mas
todo o nosso tempo pode ser empregado para obter algum insight das nossas
próprias mentes. É ali que todo o mundo está acontecendo para nós. Nada, exceto
aquilo que estejamos pensando, existe para nós. Quanto mais observarmos a nossa
mente e virmos o que ela faz por nós e para nós, mais estaremos inclinados a
cuidar bem dela e tratá-la com respeito. Um dos maiores erros que podemos
cometer é não nos darmos conta da importância da mente. A mente tem a
capacidade de criar para nós o bem e também o mal, e apenas quando formos
capazes de permanecer felizes e equânimes não importando que condições estejam
surgindo, somente então poderemos dizer que temos um pouco de controle. Até que
isso ocorra, estaremos descontrolados e os nossos pensamentos é que estarão no
controle.
Qualquer dano que um inimigo
faça a um inimigo,
ou aquele que odeia ao odiado,
a mente direcionada de forma inábil deveras
poderá causar a uma pessoa o maior dano. Aquilo que nem uma mãe, tampouco um pai,
nem qualquer outro ente querido pode fazer,
a mente direcionada de forma hábil deveras
poderá causar a uma pessoa o maior benefício.
ou aquele que odeia ao odiado,
a mente direcionada de forma inábil deveras
poderá causar a uma pessoa o maior dano. Aquilo que nem uma mãe, tampouco um pai,
nem qualquer outro ente querido pode fazer,
a mente direcionada de forma hábil deveras
poderá causar a uma pessoa o maior benefício.
Dhp.
42, 43
Acima, as palavras do Budha
mostram com clareza que não existe nada mais valioso do que uma mente
controlada e direcionada de forma hábil. A domesticação da própria mente não
ocorre apenas na meditação, esse é apenas um treinamento específico. Pode ser
comparado com o aprender a jogar tênis. A pessoa treina com um instrutor,
repetidamente, até que tenha desenvolvido equilíbrio e aptidão e possa na
prática jogar numa competição de tênis. A nossa competição para domesticar a
mente ocorre na vida diária, em todas as situações com as quais nos deparemos.
O maior apoio que podemos ter é a atenção plena, que significa estar totalmente
presente em cada momento. Se a mente permanecer centrada ela não poderá criar
estórias acerca da injustiça do mundo ou dos amigos, ou acerca dos próprios
desejos, ou das próprias lamentações. Todas essas estórias fabricadas pela
mente caberiam em muitos tomos, mas quando estamos plenamente atentos essas
verbalizações se acabam. Atenção Plena é estar totalmente absorto no momento,
não deixando espaço para nada mais. Estaremos preenchidos com os acontecimentos
momentâneos, quer estejamos em pé ou sentados ou deitados, confortáveis ou
desconfortáveis, sentindo prazer ou desprazer. O que quer que seja, estaremos
com a consciência isenta de críticas, apenas percebendo, sem julgamento. A
plena consciência induz o julgamento. Compreendemos o propósito do nosso
pensamento, palavra ou ação, se estamos empregando meios hábeis ou não, e se na
verdade alcançamos o resultado necessário. É necessário ter uma certa distância
de si mesmo para poder julgar com isenção. Se estivermos totalmente envolvidos
é muito difícil ter uma perspectiva objetiva. A atenção plena combinada com a
plena consciência proporcionam a necessária distância, objetividade e desapego.
Qualquer Dukkha que tenhamos, pequeno, médio ou
grande, contínuo ou intermitente, tudo isso é criado pela própria mente. Nós
somos os criadores de tudo aquilo que nos ocorre, formando nosso próprio
destino, ninguém mais está envolvido. Cada um está desempenhando o seu próprio
papel, é um acaso que estejamos próximos de algumas pessoas e distantes em
outras ocasiões. Mas tudo aquilo que fizermos, tudo é feito pelos nossos
momentos mentais. Quanto mais observarmos os nossos pensamentos durante a
meditação, mais insight poderá surgir, se houver um entendimento objetivo
daquilo que estiver ocorrendo. Quando observamos os momentos mentais surgirem,
permanecerem e cessarem, o distanciamento do nosso processo pensante irá
ocorrer, o que resulta em desapego. Os pensamentos surgem e desaparecem a todo
momento, como a respiração. Se nos agarrarmos a eles e tentarmos possuí-los, aí
é quando todos os problemas têm início. Queremos possuí-los e realmente fazer
algo com eles, especialmente se forem negativos, o que com certeza irá criar Dukkha. Vale a pena lembrar a
fórmula do Buda para o esforço correto: Não permitir que um pensamento
prejudicial inábil, que ainda não tenha surgido, surja. Não manter um
pensamento prejudicial/inábil que já tenha surgido. Estimular um pensamento
benéfico hábil que ainda não tenha surgido. Manter um pensamento benéfico hábil
que já tenha surgido. Quanto mais rápido pudermos nos tornar proficientes no
esforço correto, melhor. Isso faz parte do treinamento ao qual nos submetemos
durante a meditação. Quando tivermos aprendido a abandonar com rapidez qualquer
coisa que esteja surgindo na meditação, poderemos fazer o mesmo com os
pensamentos prejudiciais na vida diária. Durante a meditação estamos vigilantes
em relação aos pensamentos prejudiciais, podemos usar essa mesma habilidade
para proteger as nossas mentes em todas as situações. Quanto mais aprendermos a
fechar a porta da mente a tudo aquilo de negativo que perturba a nossa paz
interior, mais fácil será a nossa vida. Paz mental não é indiferença. Uma mente
em paz é uma mente compassiva. Reconhecer e abandonar não é supressão. Dukkha é criado por nós mesmos e perpetuado
por nós mesmos. Se formos sinceros no nosso desejo de eliminá-lo, temos de
observar a mente com cuidado, para obter o insight daquilo que realmente está
ocorrendo no nosso íntimo. O que nos está estimulando? Existem inúmeros
estímulos, mas existem apenas duas reações. Uma é a equanimidade e a outra é o
desejo. Podemos aprender com tudo. Hoje muitos Anagarikas tiveram que esperar muito tempo na
fila do caixa no banco, o que foi um exercício de paciência. Se o exercício foi
bem sucedido ou não, não importa tanto quanto o fato de que foi uma
oportunidade para o aprendizado. Tudo aquilo que fazemos é um exercício, esse é
o nosso propósito como seres humanos. É a única razão de estarmos aqui, isto é,
usar o tempo neste nosso pequeno planeta para aprender e crescer. Pode ser
chamado de sala de aula para a educação de adultos. Qualquer outra coisa que
pensemos como sendo o propósito da vida é um entendimento incorreto. Aqui somos
apenas convidados, desempenhando um papel limitado aos convidados. Se usarmos o
nosso tempo para obter o insight de nós mesmos, utilizando os nossos gostos e
desgostos, nossas resistências, nossas rejeições, nossas preocupações, nossos
temores, então estaremos passando por esta vida com o melhor benefício. É uma
grande habilidade viver dessa forma. O Budha chamava isso de urgência, Samvega, a percepção de que temos de trabalhar
com nós mesmos agora sem deixar isso para um futuro indeterminado, quando
poderemos ter mais tempo disponível. Tudo pode ser uma oportunidade de
aprendizado e agora é o momento correto. Ao encontrarmos o nosso velho amigo Dukkha, perguntaremos: De onde você vem? Ao
obtermos uma resposta deveríamos perguntar outra vez, indo cada vez mais fundo
no tema. Existe apenas uma resposta verdadeira, mas nós não a obteremos de
imediato. Precisamos vasculhar várias respostas até que cheguemos ao fundo do
poço, que é o Ego. Quando tivermos chegado nele, saberemos que chegamos ao fim
das perguntas e ao início do insight. Poderemos então tentar investigar como o
Ego produziu novamente Dukkha.
Como isso ocorreu, qual foi a reação? Ao vermos a causa, é possível que
abandonemos aquele entendimento incorreto em particular. Tendo visto causa e
efeito por nós mesmos, nunca mais esqueceremos isso. De gota em gota se enche
um balde, pouco a pouco nos purificamos. Cada momento vale a pena. Quanto mais
experimentarmos cada momento como digno do nosso esforço, tempo e interesse,
mais energia haverá. Não existirão momentos inúteis, cada momento será
importante, se for usado com habilidade. Uma energia incrível surgirá a partir
disso, porque tudo se soma numa vida que é vivida da melhor maneira possível. http://www.nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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