quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O Contexto do Treinamento em Meditação.



Escrito pelo Lama Padma Samten (1948-  ). Porque meditar? Tendo compreendido a impermanência e abandonado os objetivos correspondentes à "Roda da Vida", entendemos que sem serenidade a sabedoria não é possível, por isto buscamos agora repousar naquilo que é estável. Buscamos estabilidade em corpo, fala e mente. A primeira "âncora" é o próprio corpo. Apenas sentando imóveis já estamos removendo obstáculos que se interpõem à esta ação de imobilidade. Nesta etapa, a imobilidade por si mesma já é prática espiritual. A imobilidade nos tira parcialmente de Samsara (o ciclo de nascimento, morte, renascimento e sofrimento), se nos movemos é sinal que nossa mente tem um grau de agitação tal que a meditação pode não ter utilidade em um primeiro momento. É comum que, quando estamos em nossas atividades, respondemos automaticamente a tudo que aparece. De acordo com as diferentes circunstâncias fazemos diferentes gestos. Nesse momento vamos usar um processo indireto de pacificar a mente. Contendo o corpo, em um certo sentido contemos a mente, esta se torna mais pacifica. Com o corpo parado, os objetos sobre os quais a mente pode focar sua atenção se restringem, há menos opções. Esse é o primeiro foco prático na meditação sentada, a imobilidade do corpo. A fala inclui a respiração e também as energias internas do corpo. Nesta etapa "fala" significa respiração serena: inspirar e expirar serenamente, silenciosamente. O terceiro é a mente que foca a respiração e a experiência de serenidade. Esta experiência de serenidade não é iluminação e nem liberação, é um método de treinamento. É a prática do tranquilo repousar. Podemos escolher um objeto para nos fixarmos, sem isto, geralmente a mente vagueia, sem controle, operando karmicamente. Um objeto produz outro, que produz outro e saímos vagueado. Esse vaguear da mente produz o vaguear das energias, dos vários impulsos, do que decorrem as várias ações. Estamos no caminho de reencontrar um rumo seguro, um eixo. Como o Budha diz, nesse momento estamos sob o domínio do karma, é como se estivéssemos sob o domínio de seres sutis que direcionam nossas energias internas e definem nossas fixações sutis. Para chegarmos ao ponto no qual Budha percebeu "livrei-me daqueles que foram meus senhores durante vidas incontáveis, as disposições mentais e os agregados", há ainda um trabalho longo que começa quando olhamos face a face os impulsos kármicos e optamos pela liberdade. O processo mais direto de atingir isso através da meditação começa com a prática da imobilidade do corpo, mas o karma vai se opor, vai tentar desestabilizá-lo, desencorajá-lo, deprimi-lo. Na primeira etapa do treinamento da meditação, a mente busca a experiência de serenidade e mantém o foco na respiração. Tudo o que acontecer em volta, vozes, ruídos, acontecimentos, são descartados como movimentos externos, bem como os movimentos internos da mente, pensamentos, sensações, emoções. Não focamos isto, mantemos a mente ancorada na respiração e na imobilidade. A posição do corpo é coluna ereta, as mãos ficam com os dedos mal se tocando. Se os pensamentos brotam com intensidade, surge uma energia correspondente e a pessoa, involuntariamente, aperta os polegares. Teste você mesmo e veja que é assim. Se ficar sonolento, os dedos polegares se afastam. A posição mais adequada para as pernas é a de lótus, ou seja, pés sobre as coxas com as palmas para cima. A coluna é ereta. O queixo recolhido. O corpo não fica totalmente relaxado, é necessário a decisão de sustentá-lo na posição, isto faz parte do processo. Sustentamos os dedos, os braços. Os olhos fitam à frente, ou focam o chão em um ângulo de 45º, as pálpebras podem ficar completamente abertas ou semicerradas. Respiração é abdominal e se dá através do nariz e dos lábios que ficam entreabertos. Toda a distração mental ou movimento do corpo é visto como perturbação da meditação. Ainda que ocorra, evitamos ficar irritados. Como com uma criança, não criamos tensão, não forçamos; no momento em que percebemos a distração, retornamos ao foco. Assim seguimos até o ponto em que nossa mente naturalmente se estabiliza. Quando a concentração aumenta podem surgir outros obstáculos, perturbações visuais (luzes, cores, imagens, etc.). Retomamos o foco e motivação e seguimos sem impaciência. Posição de fala é o silêncio, respiração serena. Neste momento surgem os olhos que vêm além das imagens além da forma. Vemos ventos internos, energias, vemos se o amor ou a compaixão estão presentes, mas isso não se dá com olhos físicos. Não se vê isto como imagens. Através dos ventos, o amor, a compaixão e as energias podem ser vistos de modo objetivo, concreto. A meditação mudou, a segunda etapa já está surgindo. Na segunda etapa da meditação, buscamos um pouco mais de consciência sobre o processo dos ventos internos que comandam os pensamentos, liberam as energias, comandam os impulsos e a sustentação do karma. A nossa reação rápida às coisas se dá através dos ventos, todas as coisas se manifestam através de ventos específicos comandados ou surgidos automaticamente. É bom que, através da meditação, consigamos lavar as impressões residuais que manifestam os automatismos do corpo. Quando as energias estão perturbadas, transferem as perturbações às gotas que comandam e isto gera desequilíbrios e doenças. A meditação, por sua vez, atua sobre a energia e os ventos, estabilizando-os, harmonizando-os, o que produz a recuperação da saúde. Como fazer isto? Com a mente focamos a respiração, inspiramos quatro dedos abaixo do umbigo e expiramos irradiando por todos os poros do corpo. Podemos expirar direcionando os ventos para partes específicas do corpo onde hajam desequilíbrios. Primeiro uma perna, depois a outra, progressivamente todo o corpo. Se temos doença o local lateja. Seguimos o processo de reequilíbrio até dissolver essa sensibilidade. Essa prática traz a recuperação da saúde e da equanimidade. Tomando a equanimidade por referência, desenvolvemos a consciência do corpo sutil que comanda as ações e das energias que surgem inseparavelmente dele. Antes da prática da meditação é muito auspicioso fazer prostrações diante dos símbolos da própria natureza do absoluto. O que se prostra, nosso corpo, fala e mente duais, é impermanente, vai desaparecer. É importante reconhecer esse aspecto finito. O finito se prostra diante do ilimitado. Vamos ao chão e fazemos a prostração em corpo, fala e mente. Desta forma nossa mente coloca-se em uma condição receptiva, propícia à prática. Quando vamos ao chão, mentalmente, tomamos o refúgio nas três joias, os três aspectos da iluminação que se manifestam como compaixão: o Budha, a própria natureza ilimitada que é também a nossa própria natureza, e é inseparável da natureza ilimitada de todos os seres iluminados, o Dharma, a compreensão que brota da natureza ilimitada, e a Sangha, o conjunto dos que praticam a busca da liberdade. Quem faz a prostração é nosso "eu", nosso corpo, fala, mente e identidade finitos. Isto produz liberação pois estamos apegados a esses aspectos. Olhando o corpo e a mente como nossa essência nos movemos o tempo todo protegendo os impulsos que daí brotam. A obediência aos impulsos é a essência da experiência de uma identidade pessoal. No momento da prostração, através da própria prática, desenvolvemos a consciência deste processo e podemos liberar estas fixações. Se acolhemos qualquer tipo de fixação, o sofrimento é inevitável. Todo sofrimento se origina dessa forma e as dificuldades também. Assim, quando, com a intenção de tomar refúgio na nossa natureza ilimitada, vamos ao chão e o tocamos com os cinco pontos de nosso corpo, mãos, joelhos e testa, é a nossa natureza limitada que está indo ao chão curvando-se diante da natureza ilimitada. Isso produz liberação. Quando levantamos é com a natureza ilimitada que o fazemos. Os cinco pontos que tocamos no chão nos liberam dos cinco venenos e das seis emoções perturbadoras, geradoras das 10 ações não virtuosas e sustentadoras da roda da vida. No momento em que vamos ao chão deixamos estas seis emoções perturbadoras: orgulho, raiva, ignorância, aquisitividade, inveja e desejo apego. Quando levantamos, fazemos o voto de Bodhichitta: até que o Samsara seja esvaziado, buscarei incessantemente trazer benefício e felicidade para todos os seres, reconhecendo que foram todos minhas mães e pais. Com esse propósito as prostrações são feitas, estas palavras descrevem a experiência interna que acompanha as prostrações. Em tudo isto existe um aspecto sutil a ser considerado: a diferença entre compreender a prática e exercer a prática. Externamente parece tudo igual mas dentro há uma diferença. Exemplo, quando olhamos mentalmente para o que é fazer a prática nos vemos prostrando e levantando enquanto recitamos, mas isto não é tudo, isto não é ainda a própria experiência de prostrar-se, liberar-se das emoções perturbadoras, levantar-se e recitar. O mesmo com respeito aos votos. Ainda que possamos compreendê-los e entender como operam, há uma diferença entre isto e a real decisão de trazer benefício a todos os seres. Neste momento em que vocês estão aqui ouvindo, não estamos propriamente praticando ou experimentando o que está sendo falado. Há uma expressão importantíssima: transferência de consciência. Quando efetivamente fazemos a prática, nossa mente passa por uma transferência de consciência correspondente. Nem é mesmo necessário que haja uma compreensão de como se dá este processo, basta que ele ocorra. Essencialmente, praticar compaixão é fazer prática, já pensar sobre a compaixão é apenas pensar. Um traz transformações instantâneas para a mente que passa a imaginar e ter impulsos correspondentes à compaixão. O "pensar" sobre a compaixão não produz a energia de ação correspondente à própria compaixão, por isto é distinto da própria prática da compaixão. Pode-se fazer as prostrações diante de uma foto do Budha, tigelas, altar, pedra, flores, vela. Após, recitamos a homenagem ao Budha e os votos de refúgio. Quando fazemos essa homenagem é também uma homenagem a nossa própria natureza ilimitada. Se temos a experiência de fazer esta homenagem de fato, significa que estamos reconhecendo que a natureza liberta é de grande valor. Em respeito, novamente fazemos prostrações, uma a cada vez que recitamos cada voto de refúgio. Depois, se estamos nos introduzindo à prática de meditação, podemos sentar e ficar 10 minutos em silêncio, é a meditação da serenidade e tranquilidade. Se fizermos as prostrações antes será muito mais fácil atingir a experiência de felicidade, alegria e serenidade porque ocorre em uma paisagem previamente purificada do ponto de vista kármico. Isto limpa as conexões kármicas e quando sentamos em silêncio surge uma grande emoção de gratidão aos Budhas, aos seres iluminados todos. Depois você pode fazer mais 10 a 15 minutos com o foco no aspecto da respiração e energia. Ao final, a dedicação. Por que essas etapas são importantes? Porque vão abrir experiências reais. A serenidade rompe a nossa ligação ao Samsara. Quando atingimos a realização dessa prática surge uma experiência de felicidade tão intensa que não há nenhum paralelo no Samsara. Daí em diante o Samsara não tem mais o poder que tinha antes. É como que se a pessoa, nesse momento, tivesse descoberto um foco de mente que produz méritos maravilhosos, felicidade intensa, ofuscando o Samsara inteiro. No final desta que é a primeira etapa do treinamento de meditação já há este poder. Porque não é ainda a liberação? É devido a que esta experiência está na dependência da própria meditação, tem um início, meio e fim. É impermanente, é construída, não é ainda o estado natural de liberdade lúcida da mente. A segunda etapa do treinamento de meditação nos leva à experiência de equanimidade. Com isto há o rompimento dos karmas sutis que se manifestam no comando dos ventos e ações. Os karmas que não podemos localizar de forma cognitiva estão ligados a todos os processos obsessivos na forma de associação de pensamentos e dependências, por exemplo, ao fumo, ao açúcar, à raiva, à inveja, enfim, a todas as emoções perturbadoras. Todas estas experiências são não cognitivas, são medos, formas de defesa das escolhas karmicamente eleitas. A equanimidade purifica estas marcas, mas a iluminação ainda está longe. Em cada etapa olhamos os aspectos vantajosos, as qualidades que surgem. Igualmente importante é olhar os obstáculos que ainda estão presentes, por exemplo, nas etapas da meditação descritas até agora, seguimos com a experiência clara da consciência de um "eu". Uma identidade pessoal que está manobrando, produzindo todas essas transformações, ou seja, dirigindo a própria prática de meditação (...) logo, estamos só "afiando" os instrumentos (...). Após, aceleramos esse processo e conscientemente vamos chegar aos obstáculos e trabalhar sobre eles, aumentando a decisão de penetrar na região kármica. Mais adiante vamos aumentar a capacidade de foco da mente, vai surgir a experiência de concentração onde sentamos e apagamos toda a ligação à objetos internos ou a conexões externas e repousamos completamente serenos e unifocados. Neste ponto podemos até pensar "estou iluminado", o que ainda seria um engano (...). A liberação ainda está longe. Está longe porque nesse momento há ainda a experiência de uma identidade pessoal como agente de toda a ação. Esta é ainda a meditação impura. Mais adiante surgirá a "meditação pura sem sabedoria", um processo no qual a meditação não bloqueia a ação sensorial, a mente se mantém completamente concentrada e atenta, mas imperturbável, focando tudo o que ocorre nas dez direções, norte, sul, leste, oeste, as intermediárias, e mais zênite e nadir (ponto da esfera celeste oposto ao zênite, que se situa na vertical do observador, diretamente sob seus pés). Quando há esta experiência, surge um grande divisor. Agora há os méritos de estabilidade e concentração que permitem a prática da sabedoria. É o momento para receber ensinamentos sobre a natureza da realidade. É o acesso à experiência de que a realidade externa e o próprio observador surgem conjuntamente, de modo inseparável, no mesmo fenômeno. Agora é possível a meditação com sabedoria. Fora e dentro são o mesmo, o que não era compreendido até então. Começa, assim, uma outra etapa de meditação que culmina na experiência da perfeição de todas as manifestações. A beleza e perfeição surgem como atributos naturais de todos os aspectos do que antes se chamava Samsara. A ação no mundo não limita mais a liberdade. http://www.nossacasa.net/. Abraço. Davi.

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