Texto
da monja Ayya Khema (1923-1997). Retirado do livro Todos Nós. Ser feliz também
significa estar em paz, mas quase sempre as pessoas não querem realmente
dirigir a sua atenção para isso. Existe uma conotação de não interessante em
relação a isso, ou nada acontecendo. É óbvio que não haveria proliferações
mentais, Papañca, ou excitação. A paz é considerada como a
perfeição neste mundo, sob a perspectiva política, social e pessoal. No
entanto, é muito difícil encontrar a paz em qualquer lugar que seja. Uma das
razões para isso deve ser, não só porque é difícil de ser alcançada, mas também
por que muito poucas pessoas se empenham em tal realização. É como se isso
fosse uma negação da vida, da supremacia de cada um. Só aqueles que se dedicam
a uma prática espiritual estariam preocupados em dirigir as suas mentes para a
paz. Uma tendência natural é cultivar a própria superioridade, o que com
frequência conduz ao outro extremo, a própria inferioridade. Quando se tem em
mente a própria superioridade é impossível encontrar a paz. A única coisa que
pode ser encontrada é um jogo de poder, O que quer que você faça, eu farei
melhor. Ou, em certas ocasiões, quando é evidente que esse não é o caso, então
"o que quer que você faça, eu não posso fazer tão bem. Na nossa vida,
existem momentos em que temos de aceitar a verdade, quando vemos com clareza
que não podemos fazer tudo tão bem quanto a pessoa que está ao lado, quer seja
varrer o chão ou escrever um livro. Esse tipo de atitude, que é bastante comum,
é o oposto da paz. Uma exibição das próprias habilidades, ou ausência delas,
irá produzir inquietação ao invés de paz. Existe sempre a busca, o desejo por
um resultado sob a forma de reconhecimento pelas outras pessoas da nossa
superioridade ou a negação desta. Quando ela é negada, surge o conflito. Ao
admiti-la, é a vitória. A vitória em relação a outras pessoas tem como causa
subjacente uma batalha. Na guerra nunca há um vencedor, apenas perdedores. Não
importa quem assine primeiro o armistício, ambos os lados perdem. O mesmo se
aplica a este tipo de atitude. Existem apenas perdedores, muito embora um deles
possa obter uma vitória momentânea, tendo sido aceito como aquele que sabe
mais, ou como o mais forte ou o mais esperto. As batalhas e a paz não combinam.
Por fim nos perguntamos, alguém na verdade deseja a paz? Ninguém parece tê-la.
Existe alguém realmente se esforçando para consegui-la? As pessoas conseguem na
vida aquilo que buscam com forte determinação. É importante investigar no
íntimo do nosso coração se a paz é realmente aquilo que queremos. A
investigação do próprio coração é algo difícil de ser feito. A maioria das
pessoas possui uma porta de aço grossa fechando a porta do seu coração. Elas
são incapazes de entrar para descobrir o que ocorre ali dentro. Mas, tanto
quanto possível, todos precisam tentar entrar e descobrir quais são as suas
próprias prioridades. Nos momentos de extrema agitação ou confusão, quando a
pessoa não está obtendo a supremacia desejada, ou ela se sente realmente
inferior, então tudo aquilo que ela deseja é a paz. Que tudo se aplaque outra
vez, e que nem a superioridade nem a inferioridade sejam muito distinguíveis,
mas então o que acontece? É realmente a paz que se quer? Ou o que se quer é ser
alguém especial, alguém importante ou cativante? Um alguém nunca terá paz.
Existe um símile interessante sobre uma mangueira: um rei estava cavalgando
pela floresta quando se deparou com uma mangueira carregada de frutos. Ele
disse aos seus serviçais: Venham ao anoitecer e colham as mangas, porque ele
queria as frutas para a ceia real. Os serviçais regressaram para a floresta e
voltaram ao palácio com as mãos vazias dizendo ao rei: Desculpe-nos senhor,
todas as mangas se foram, não havia nenhuma manga na mangueira. O rei pensou
que os serviçais tinham tido preguiça de ir até a floresta e assim ele mesmo
foi até lá. O que ele viu, ao invés da bela mangueira carregada de frutas, foi
uma árvore patética, dilapidada, que havia sido agredida e despojada das suas
frutas e folhas. Alguém, incapaz de alcançar todos os galhos, quebrou-os e
levou todas as frutas. Assim que o rei caminhou um pouco mais, ele encontrou
uma outra mangueira, bela no seu esplendor verdejante, mas sem nenhuma fruta.
Ninguém teve interesse de se aproximar dela, já que não havia frutos, e assim
ela foi deixada em paz. O rei voltou ao palácio, deu a coroa real e o cetro
para os seus ministros e disse: O reino agora é de vocês, eu irei viver numa
cabana na floresta. Sendo ninguém e possuindo nada, não há perigo de conflitos
ou ataques, então existe paz. A mangueira carregada de frutas não teve um
momento de paz sequer: todos queriam os seus frutos. Se realmente desejamos a
paz, temos que ser ninguém. Nem importante, nem esperto, nem belo, nem famoso,
nem certo, nem no comando de nada. Precisamos ser discretos e com tão poucos
atributos quanto possível. A mangueira sem frutos estava em paz em todo o seu
esplendor e proporcionando sombra. Ser ninguém não significa nunca fazer mais
nada. Significa apenas agir sem autopromoção e sem ambicionar resultados. A
mangueira tinha sombra para dar, mas ela não exibia os seus atributos ou se
preocupava se alguém queria a sua sombra ou não. Esse tipo de habilidade
possibilita a paz interior. É uma habilidade rara, porque a maioria das pessoas
vacila de um extremo ao outro, quer seja sem fazer nada e pensando, vamos ver
como eles se ajeitam sem mim ou assumindo o controle e projetando as suas
ideias e opiniões. Ser alguém parece estar muito mais enraizado dentro de nós e
ser muito mais importante do que ter paz. Então precisamos investigar com muito
cuidado o que estamos buscando na verdade. O que é que queremos da vida? Se
queremos ser importantes, queridos, amados, então também temos que tomar em
conta os seus opostos. Cada positivo traz consigo um negativo, tal como o sol
que cria as sombras. Se quisermos um, temos que aceitar o outro sem nos
queixarmos disso. Mas se realmente quisermos um coração e mente pacíficos,
segurança e solidez internas, então temos que desistir de ser alguém, qualquer
um que seja. O corpo e a mente não desaparecerão devido a isso, o que
desaparece é a compulsão, a busca e a afirmação da importância e da supremacia
desta pessoa em particular, chamada Eu. Cada ser humano se considera
importante. Existem bilhões de pessoas neste planeta, quantas irão se enlutar
por nós? Conte-os por um momento. Seis ou oito, doze ou quinze, de todos esses
bilhões? Essa ponderação pode nos mostrar que temos uma idéia muito exagerada
da nossa própria importância. Quanto mais considerarmos isso de forma
apropriada, mais fácil será a vida. Querer ser alguém é perigoso. É como brincar
com o fogo em que se coloca as mãos a todo instante, machucando o tempo todo.
Ninguém irá jogar esse jogo de acordo com as nossas próprias regras. As pessoas
que realmente conseguem ser alguém, como por exemplo os chefes de estado,
invariavelmente precisam estar cercadas de fortes guarda-costas porque as suas
vidas estão sempre ameaçadas. Ninguém gosta de admitir que outra pessoa é mais
importante. Um dos maiores obstáculos à paz de espirito é o alguém que nós
mesmos criamos. No mundo em que vivemos, podemos encontrar pessoas, animais, a
natureza e objetos feitos pelo homem. Dentro de tudo isso, se quisermos ter
controle sobre alguma coisa, a única coisa sobre a qual poderemos exercer
alguma influência é o nosso próprio coração e mente. Se realmente quisermos ser
alguém, poderíamos tentar ser aquela pessoa rara, aquela que tem controle sobre
o seu próprio coração e mente. Ser alguém assim não somente é muito raro, mas
também traz consigo os mais benéficos resultados. Esse tipo de pessoa não cai
na armadilha das impurezas. Embora as impurezas não estejam ainda
desenraizadas, ela não irá cometer o erro de exibi-las e envolver-se com elas.
Há uma estória sobre Ajaan Chah (1918-
), um famoso mestre de meditação da região do Nordeste da Tailândia. Ele
foi acusado de ter muita raiva. Ao que Ajaan Chah respondia: Isso pode ser
verdade, mas eu não faço uso dela. Uma resposta como essa provém de um profundo
entendimento da própria natureza, é por isso que uma resposta dessas nos
impressiona tanto. É uma pessoa rara aquela que não permite ser contaminada por
um pensamento, palavra ou ação. Essa pessoa é realmente alguém, e não precisa
provar isso para ninguém mais, principalmente por isso ser bem óbvio. Em todo
caso, esse tipo de pessoa não tem o desejo de provar nada. Existe apenas uma
aspiração permanente, que é a própria paz de espirito. Quando temos como
prioridade a paz de espirito, tudo aquilo que vier à mente e que se manifestar
como linguagem ou ação será direcionado para isso. Qualquer coisa que não crie
a paz de espirito será descartada, no entanto não devemos confundir isso com
estar sempre certo ou ter a última palavra. Os outros não precisam estar de
acordo. A paz de espírito pertence a cada um e cada um tem que encontrá-la
através dos seus próprios esforços. http://nossacasa.net/shunya/.
Abraço. Davi.
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