segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Deus Prova a Abraão.



Gênesis 22:1-19 “E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi. Então se levantou Abraão pela manhã de madrugada, e albardou o seu jumento, e tomou consigo dois de seus moços e Isaque seu filho: e cortou lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Deus lhe dissera. Ao terceiro dia levantou Abraão os seus olhos, e viu o lugar de longe. E disse Abraão a seus moços: ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós. E tomou Abraão a lenha do holocausto, e pô-la sobre Isaque seu filho: e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e foram ambos juntos. Então falou Isaque a Abraão seu pai, e disse: meu pai! E ele disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto? E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos. E chegaram ao lugar que Deus lhe dissera, e edificou Abraão ali um altar e pôs em ordem a lenha, e amarrou a Isaque seu filho, e deitou-o sobre o altar em cima da lenha. E estendeu Abraão a sua mão, e tomou o cutelo para imolar o seu filho. Mas o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada. Porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho. Então levantou Abraão os seus olhos e olhou; e eis um carneiro detrás dele, travado pelos chifres, num mato; e foi Abrão, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar de seu filho”.  Esse texto sobre a prova de Abraão, onde é pedido que seu filho Isaque seja sacrificado, parece, uma alegoria copiada das tradições antigas de espiritualidades do oriente. Isso não questiona a sua autoridade, ao contrário, a referenda como autêntica e verdadeira tendo o testemunho de outros povos como fundamento arquetípico e antropológico. Os persas, babilônios e egípcios tinham exemplos de provações envolvendo esse tipo de modelo aos candidatos à submissão exclusiva de adeptos e iniciados nos mistérios de suas divindades supremas. Um teste extremo de fidelidade ao candidato de tão nobre missão. Como sabemos, os escritos da chamada Toráh, os cinco primeiros livros (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) da lei, foram escritos por Moisés. Segundo as tradições judaicas e esotéricas ele foi um exímio conhecedor e estudioso das religiões antigas de seu tempo, que segundo consta, viveu mais ou menos 1500 AC. Assim há fortes indícios de que este relato seja uma metáfora baseada em mitologias ouvidas ou lidas por Moisés dessas tradições citadas. Ele com sua habilidade, adequou os fatos na história e cultura de seu povo, os hebreus, judeus. É bom termos essa visão a princípio, pois não tendemos a considerar a narrativa fechada ou excludente, abrindo as portas assim à um dogmatismo, coisa que para uma interpretação mais apurada é prejudicial levando à extremos supersticiosos. O teor dessa narrativa é de difícil interpretação, sendo que a argumentação lógica usada como fundamento, em certo sentido, é insuficiente como explicação razoável dos fatos ocorridos antes e depois de Deus exigir à Abraão o sacrifício de seu filho Isaque. A humanidade é caracteriza pela evolução espiritual em situações de segurança ou perturbação moral, ética e espiritual. Esses aspectos são sinalizadores de normalidade ou irregularidades na espiritualidade dos povos. Quando as perturbações morais e as extravagâncias religiosas se acentuam, surge entre os humanos, um ser divino com espírito aprimorado à retornar as origens do aperfeiçoamento evolutivo dos seres. Esse foi o caso de Abraão nascido em 2000 AC, tendo um chamamento diferenciado e sendo destacado à uma missão específica para estabelecer uma nova espiritualidade e um novo povo. Assim saiu de sua terra a Mesopotâmia, atual Iran, uma região entre os famosos rios Tigre e Eufrates; berço, segundo a mitologia do relato bíblico do jardim do Éden. Desse modo seu nome foi originado como Abraão o hebreu, significando aquele que atravessa rios. Ele foi guiado por uma nova divindade que a princípio não tinha nome, mas posteriormente denominou-se D’us, Jeovah, Eu Sou; mas que os cabalistas consideram-no como YHWH, o inefável nome impronunciável. Abrão caminhava com sua família à uma terra que D’us iria mostrá-lo, não sabia exatamente onde ficava mas era orientado pelas estrelas e constelações, pois aprendera a arte científica da astrologia, tendo também conhecimentos da magia e alquimia. Sarai sua esposa deu-lhe o filho Isaque, considerado o legítimo herdeiro da promessa e primogênito, mas o primeiro filho de Abraão foi chamado Ismael, gerado com a concubina, serva da família chamada Hagar por sugestão de Sarai. Pois esta duvidava da palavra profética falada pelo anjo, que ela teria uma filho, mesmo sendo velha e estéril de nascimento. Esses dois filhos suscitaram a prometida descendência abraâmica, quando é dito que sua descendência seria como as estrelas dos céus e a areia da praia no mar. Tipificando, essas alegorias são hoje os judeus descendentes direto de Isaque, sendo pouco mais de 20 milhões de pessoas atualmente praticando o judaísmo em sua maioria; desse total 30% morando em Israel e os demais espalhados pelo mundo. Também os árabes, são descendentes diretos de Abraão com um contingente populacional de aproximadamente 350 milhões em 22 países, sendo que a maioria processando o islamismo. Judeus e muçulmanos são irmãos de sangue, tendo o mesmo pai na origem, mas com mães diferentes. Um dia, espero que seja breve, esses dois irmãos se abração e se beijarão, num profundo amor místico e reconciliador vindo de Aláh e Jeováh, na pessoa de seus dois eminentes e santos profetas Mohammad, Maomé e Moshe, Moisés. Os dois são encarnação do místico sábio e santo Pai Abraão. Uma observação que um atento leitor desse texto de Gênesis faria é que, onde está o elemento feminino nessa trama alegórica. Já que Abraão vivia em família, tendo sua esposa Sarai, qual o motivo da omissão de seu nome? Haveriam elementos na narrativa que pudesse supor implicitamente a presença dela? As duas perguntas tem certo sentido, sendo pertinentes quando abrimos o leque à especulações e abstrações contextuais. Como sabemos pela alegoria bíblica, existia uma ligação uterina de Sarai com Isaque por ser seu único e prometido filho. Então podemos inferir que Sarai, mesmo o texto sagrado não mencionando, possivelmente sabia do propósito de seu marido, de sacrifica-lo. Aqui podemos entender a grandeza, pureza e magnanimidade do gesto de Sarai, que abrindo mão daquilo que tinha de mais precioso, ofereceria junto com Abraão esse holocausto humano. Desse modo, eles admitiam que a providência divina seria capaz de reverter, por um milagre, essa situação. Esse ponto eu suponho como interpretação pessoal, argumentando ser presumivelmente factível, pois eles já tinham um filho diretamente gerado por Abraão que era Ismael. Outro fato corrobora essa minha conjectura, o elemento machista da sociedade judaica desde os primórdios de sua história. O escritor desse texto provavelmente Moisés, não via necessidade de incluir nesta cena tão significativa, que seria coroada com um gesto de fé provada e justificada ao extremo, o frágil e insignificante elemento feminino. Esse fato ofuscaria o masculino, dividindo com esse a honra da obediência e o altruísmo de uma atitude de um verdadeiro profeta de D'us. Há vários elementos filosóficos nesse relato bíblico que suscita discussões que vão além da religiosidade, entrando em questões humanas de valores da vida relacionados a moral, ética e estética. Nessa perspectiva, pensemos, como entender um D'us que para satisfazer seu desejo pede que se sacrifique uma pessoa? Essa situação a nossos olhos, é repugnantes, sarcástica e cruel. Não se justifica em nenhuma hipótese hoje, uma atitude como essa, pois a vida é o bem de maior importância e vulto que um indivíduo tem, não podendo ser alienada, usurpada ou coagida. A vida incorpora o princípio da liberdade baseado em vontade e escolha soberana daquele que a possui. Esse paradoxo é acrescentado a um componente transcendente visto na visão espiritual, onde Deus como o doador e originador da vida poderia solicitá-la a seu bel prazer? Eticamente falando duvidamos dessa prerrogativa num contexto humano, mas espiritualmente quando o elemento transcendente assume relevância no aspecto divino não há essa limitação moral. Esse evento do sacrifício de Isaque, tem um agravante no próprio povo hebreu, pois uma de suas seitas no tempo do Antigo Testamento, considerada apóstata, que abandonou a fé na religião, sacrificava crianças em rituais tendo como exemplo uma tribo pagã chamada de cananeus. Eles foram severamente disciplinados por Jeováh, que prontamente reprovou aquele atitude ignóbil e insana; também foram expulsos da comunidade judaica perdendo o direito da herança abraâmica. Assim é difícil conciliar o contraditório pedido feito a Abraão à que sacrificasse seu filho, pois humanamente não têm fundamentação lógica em nenhum argumento da moral e ética. Apenas a frágil alegação da fé e da obediência a uma determinação divina, se tornaram a justificação que permitiria tal atitude. Mas ao final, Abraão levou Isaque ao monte Moriá, e sendo fiel a ordenança amarrou seu filho sobre o altar do holocausto, e quando iria sacrificá-lo com um cutelo, faca, a voz de um anjo bradou: não faças tal. Você foi aprovado por Jeováh nesse tão difícil teste. Ao se levantar Abrão, após ajudar a desamarrar seu filho, vê um cordeiro preso em meio a arbustos. Assim o apanha e sacrifica no lugar de Isaque. A teologia cristã ao explicar esse texto fica na interpretação literal argumentando a simbologia de Abraão como representando Deus, e Isaque sendo um tipo de Cristo, como o cordeiro de Deus, que por sua obediência incondicional, foi abnegadamente à cruz do calvário para morrer pela humanidade, um fato que cremos e não questionamos. Esse lado espiritual apenas, acho pouco, para uma interpretação mais razoável do texto, pois os argumentos são superficiais, restringe-nos ao dogmatismo e a crença impalpável e intangível. Desse modo, o componente filosófico, histórico e antropológico é capaz duma abrangência maior, medindo de forma humana o conflito existencial que não é visto na literalidade do texto sagrado, e também o desespero encontrado na mente do amigo de Deus, Abraão. Desejando aprofundar esse assunto na perspectiva da ética e moral humana sugiro lê o livro Temor e Tremor do filósofo e teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855). Abraço. Davi.

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