terça-feira, 6 de outubro de 2015

O Bom Samaritano.



Lucas 10:25-37 “E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. E disse-lhe: Respondeste bem; faz isso, e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho, e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu pagarei quando voltar. Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira”. Um dos pais da igreja chamado Orígenes de Alexandria (185-254) dizia que existem três níveis de interpretações das escrituras, comparando-as com as partes constituintes do ser humano. A primeira era o corpo, relacionada a interpretação superficial e literal do texto, que era passada ao povo em geral, os mais humilde e sem condições de assimilação inteligível. Esses dependiam em grande medida da crença e dogma para fixarem o conhecimento recebido. A segunda era a alma, que aprofundava os conceitos, descolando-os do sentido estrito das palavras, abrangendo a narrativa com formas alegóricas. Nessa perspectiva as histórias, eram carregadas de pedagogia voltadas à virtuosidade e fraternidade para aprimoramento do caráter, tendo no bom senso e sabedoria os substitutos dos dogmas e superstições. Aqui já não havia lugar para o senso comum, pois esse tipo de instrução era dado aqueles compromissados com a causa espiritual, portanto, um número mais reservado. A terceira e mais profunda das interpretações segundo Orígenes foi denominada de espírito. Nesse contexto uns poucos, considerados iniciados nos mistérios do reino de Deus acessavam essa sabedoria divina, adquirida não só pelo conhecimento universal mais principalmente por uma vida pura, santa e casta perante Deus. Na época de Orígenes, o cristianismo primitivo se movimentava de maneira compreensiva e tolerante em relação as demais tradições espirituais do oriente, lembrando que a comunidade do século II e III vivia na metrópole egípcia de Alexandria, onde havia a maior biblioteca do mundo de então. Também um grande museu, era o centro de estudos e pesquisas dos doutores do saber. Um fato marcante nesse período foi que, sendo Alexandria um entreposto comercial famoso, afluíam para lá povos de várias culturas e religiosidades que formaram muitas comunidades, destacando-se os cristãos, judeus e pagãos. Esses viviam ordeiramente em harmonia e respeito mútuo, cada qual considerando os deuses de cada um. Até que o Império Romano nomeando o bispo Sinésio de Cirene (370-414) para a província Egípcia, acabou com essa paz, pois se tentou pela força impor os dogmas do catolicismo. Como resultado houve guerra; os judeus foram expulsos e os pagãos tiveram seus deuses destruídos sendo confinados em guetos, tendo seu direito de expressão social e religiosa restringido. Nesse período a comunidade dos cristãos primitivos, já não era vista com bons olhos pelo catolicismo, pois suas práticas fugiam das regras e ensinamento superficiais da teologia tradicional. A intenção aqui, conforme os tópicos que abordarei, é se aproximar da segunda interpretação sugerida por Orígenes, que me parece mais propícia à espiritualização do humano e não a humanização do espiritual. Já que a terceira são estudos avançados de misticismo e ensinos esotéricos, necessitando de requisitos para isso, coisas que não temos até agora. Comecemos A Parábola do Bom Samaritano. Há meu ver existem três questões cruciais nessa narrativa. A primeira é referente a vida eterna e a segunda diz respeito a amar ao próximo ao extremo da piedade e compaixão. Repare que a ênfase é colocada na compaixão, que lendo atentamente o texto, parece absorver ou diluir o sentido de vida eterna. Nesse âmbito a vida eterna são atitudes e práticas virtuosas e benevolentes realizadas no agora e momento presente. O mestre Jesus enfatizou isso em sua alegoria, propondo que a vida eterna não é um estado futuro, como tendemos a imaginar,  mas ao contrário, é o nosso cotidiano. Nesse panorama entendo que todas os seres humanos, nesse caso, têm a vida eterna, já nascendo como ela. As inúmeras mortes que enfrentaremos em nossa existência, são fases de nossas reencarnações até alcançarmos a completa iluminação búdhica. Já na presente existência, temos a responsabilidade de desenvolvê-la, a vida eterna, praticando atos de justiça e altruísmo. A pergunta do perito da lei, que farei para herdar a vida eterna? foi apenas para testar a sabedoria do Mestre. Também expôs seu pedantismo e egoísmo, pois sentia-se seguro de si, imaginando que seu conhecimento era mais importante que a prática da piedade. Quanto a parábola especificamente, percebemos que a intenção do Mestre não foi responder a pergunta feita pelo perito da lei, relativo a quem era o seu próximo. Mas fazê-lo perceber que sua situação de espectador da condição humana, seu coração endurecido e sua passividade em não reagir ao sofrimento do outro demonstravam a má formação de seu caráter. Sua conduta negligente comprometia sua fé e ofuscava seu pretenso conhecimento, que não era legitimado com as obras, como é dito em Tiago 2 “a fé sem obras é morta”. Em minha opinião o perito da lei encaixou-se perfeitamente nos personagem alegóricos do sacerdote e levita, que olhando apenas a situação daquele que foi espancado pelos salteadores, passaram de largo totalmente indiferentes. Essa também é nossa posição em muitas ocorrência, onde não reagimos a condição do necessitado e oprimido, para tristeza e vergonha de nossa divindade interior. O estado de vulgarização da violência nos contaminou ao ponto de nos entorpecer para o sofrimento do outro; nos noticiários impressos e televisivos essas ocorrências são banalizadas ao extremo por apresentadores e repórteres, como se o ser humano fosse uma mercadoria, objeto ou algo de somenos importância. Devemos urgentemente mudar essa terrível condição de apatia e insensibilidade, tomando uma postura pelo amor, misericórdia e compaixão para com o próximo. Um bom começo é valorizar cada ser sensciente que passa por nossos sentidos e percepção, não infringindo a nenhum deles, qualquer dano. Mas trazendo conforto e acolhimento a ele, assim, expandiremos essa atitude aos humanos e demais seres viventes. Evidentemente o bom samaritano é o mestre Jesus. Toda a assistência dada aquele homem que foi assaltado e espancado por ladrões, tratando suas feridas com vinho e óleo, colocando-o em seu animal e levando à hospedaria mostra um coração de compaixão e acolhimento só visto no Nazareno. Altruísmo e abnegação por um desconhecido, que talvez sofresse por seus próprios atos incorretos praticados ou mesmo uma vicissitude da vida. Até pagou dois dias adiantados de tratamento pra ele na hospedagem; quem de nós faria isso? Algo importante nesse contexto é a atitude terapeuta do Mestre; um conceito que havia na igreja, cristianismo primitivo, onde os cristãos conscientes da condição humana, envolviam com amor e carinho as pessoas quando eram acometidas de algum infortúnio, sem diferenciar o comportamento bom ou ruim praticado por elas. O mestre também quis ensinar-nos que o sofrimento, que é o terceiro aspecto mais importante desta metáfora, é inerente a todos os seres humanos e não humanos. Por isso não está claro o motivo pelo qual o homem fora espancado violentamente ficando semimorto. Ele disse em João 16:33 "no mundo tereis aflição, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo". Não devemos amaldiçoar nosso sofrimento nem colocar a culpa em outros. Precisamos sim admiti-lo, entendendo por que sofremos; pois esse padecimento evolui nossa espiritualidade atuando muitas vezes como uma disciplina pedagógica à corrigir-nos dos erros e pecados praticados. Esse slogan: "para de sofrer", praticado por muitas igrejas neopentecostais aqui no Brasil, como chamadas para lotar os templos, utilizando o altar sagrado como palco de espetáculo e encenação teatral com o propósito dos milagres, segundo a visão de Orígenes que estamos apreciando, não tem fundamento na ortodoxia cristã. Na esfera da alegoria estudada, o bom samaritano, tipificando Jesus, levou o agredido, à um hospital, local onde receberia cuidados médicos apropriados à seu estado físico e emocional. Os muitos milagres acabam banalizando a fé, e pior, antecipam um ceticismo, incredulidade, onde apenas a crença assume posição de dogma (verdade) sem averiguação e certificação. Veja o que ocorreu no deserto com os filhos de Israel que saíram do Egito. Vivenciaram muitos milagres como jorrar água da rocha para saciar suas sedes, chuva de codornizes para alimentá-los, as águas do mar vermelho abriram-se passando a pés enxuto, o maná que caiu do céu, uma nuvem os protegia durante o dia fazendo sombra no calor escaldante, uma coluna de fogo os aquecia nas frias noites, a serpente de bronze que em uma haste, quando visualizada, curava os que foram picados por víboras, as sandálias usadas no deserto não se desgastavam e outros eventos desse nível. Ocorre que dos quase dois milhões de pessoas que andaram no deserto do Sinai a época do profeta Moisés, em círculo, por quarenta anos, com a esperança de entrar na boa terra de Canaã, apenas dois (Josué e Calebe) conseguiram esse feito, juntamente com a geração dos que nasceram nas terras áridas. Os milagres não foram suficiente para fortalece-los, ao contrário, tornaram-nos céticos, descrentes e desiludidos da vida. O crente nesse estado torna-se refém do motivo (milagre, cura, bens, riquezas) perdendo a transcendência do objeto divino, Deus. Já que ele não tem consciência do Deus interior que está acima das necessidades e farturas humanas. É como trocar o mar por uma gota de água. Ilusoriamente o divino é apenas um remédio, álibi ou um cabide para pendura as necessidades do fiel. Se Ele não realiza ou cumprir seus pedidos ele não é o Deus verdadeiro; uma ignorância sem precedentes. A monja budista Coen Sensei (1947-  ) diz: “Se você quer milagres, não procure o Budismo. O supremo milagre para o Budismo é você lavar seu prato depois de comer. Se você quer curar seu corpo físico, não procure o Budismo. Ele só cura os males de sua mente: ignorância, cólera e desejos desenfreados. Se você quiser arranjar emprego ou melhorar sua situação financeira, não procure o Budismo. Você se decepcionará, pois ele vai lhe falar sobre desapego em relação aos bens materiais. Não confunda, porém, desapego com renúncia. Se você quer poderes sobrenaturais, não procure o Budismo. Pois para ele, o maior poder sobrenatural é o triunfo sobre o egoísmo”. Eu creio em milagres, mas essa trivialização que temos presenciado atualmente, no Brasil, onde a fé é vista como moeda de troca, o milagre como promoção de líderes religiosos, e a cura, para encher os templos e colocar em evidencias instituições e organizações espirituosas, reprovo veementemente. Um aspecto a pensar em relação a fraternidade é a conveniência de separá-la do clientelismo, uma ação realizada para ampliar de maneira demogógica e favoritista empresas, entidades ou organizações. Uma pseudo irmandade que vêm crescendo muito na sociedade atual, fazendo campanhas em TV e nas mídias sociais, usando as celebridades e ancoras como atrativos para angariar fundos para seus projetos. Em muitas dessas situação, somos enganados por uma falsa solidariedade. Assim precisamos ficar atentos, checando esses programas minuciosamente, vendo a destinação dos recursos financeiros para termos certeza de que não estamos sendo ludibriados. Que usemos nossa intuição com um coração puro e uma mente tranquila, para com sabedoria  podermos discernir o joio do trigo que segundo a bíblica é tão difícil diferenciar que o Mestre falou, em Mateus 13:30 ao colhedor que deixasse os dois crescerem junto, e no tempo da ceifa, se poderia fazê-lo com precisão, jogando o joio nas chamas e armazenando o trigo no celeiro. Abraço. Davi.

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