quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Individualidade e Nirvana.



Extraído do livro: The Service of Humanity, Damodar Mavalankar, Concord Grove Press, 1982. Tradução Izar G. Tauceda. Recebi sua carta de 11 de julho de 1882. Você pergunta o que penso sobre reencarnação. Bem, essa é uma questão complicada, e vou lhe dizer simplesmente no que acredito. Para começar, sou um panteísta e não um teísta ou deísta. Creio que todo o Universo é Deus. Contudo, você deve entender que a palavra Deus não tem para mim qualquer sentido agregado a esta palavra pelos ocidentais. Quando digo Deus, penso que é a Natureza ou o Universo, e nada mais. Portanto, devo ser chamado mais apropriadamente de naturalista. Para mim, não é possível a existência de uma Divindade extra cósmica, porque, se houvesse essa possibilidade, não poderia ser preservada a harmonia ou equilíbrio da natureza em todo o Universo, que, em vez de ser um todo harmonioso, seria apenas uma torre de Babel. Essa harmonia pode ser mantida tão somente pela ação das Leis Imutáveis da Natureza. E, se as Leis da Natureza são imutáveis, elas devem ser cegas e não precisam ser guiadas. Por isso é impossível a existência de uma divindade extra cósmica. Tanto quanto posso entender, este é o principal ensinamento e o princípio da filosofia ariana. As filosofias semita e ariana são diferentes nesta ideia fundamental, isto é, que a última, ariana,  é panteísta, isto é, não reconhece a existência de um Deus extra cósmico, enquanto que a primeira, semita, é monoteísta, isto é, admite a existência de um criador inteligente que existe fora do cosmo. Não posso dizer qual delas é verdadeira, mas penso que a ariana tem uma posição lógica, enquanto que a semita é apenas uma fé cega, por isso concordo com a ariana. Agora, alguns panteístas reconhecem a existência de duas existências distintas, isto é, matéria e espírito. Entretanto, refletindo um pouco mais sobre o assunto, cheguei à conclusão de que essa colocação vai além do assunto e conclui que não é lógica. Tanto quanto posso entender, pode haver apenas uma Existência infinita e não duas. Quer a denominemos matéria, quer espírito, ou como quiser, ela é uma e a mesma. E quem pode dizer que isto é Espírito e isto é Matéria? Você pode em algum lugar traçar uma linha entre os dois? Por exemplo, o gelo é uma forma bruta de matéria. Suponha que tenha forma rarefeita, você ainda terá água, que ainda chama de matéria. Mas refinada ainda, você terá vapor, que ainda é matéria. Mais alto ainda torna-se atmosfera, mas ainda é matéria. Além disso, torna-se éter, e ainda é matéria, e assim você pode ir ad infinitum. Desse modo, tornando-se mais e mais sublimada atinge seu clímax no processo de espiritualização. Contudo ainda não se torna nada, porque tem um fim, deve ter um começo. Se teve um começo, deve ter sido criada e assim devemos assumir a existência de uma Divindade extra cósmica, que como disse acima, não é uma colocação lógica. Então de forma lógica, entendemos que essa forma mais elevada de matéria sublimada não pode ser nada. Nesse caso a matéria atingiu esse clímax de sublimação ou espiritualização, quando qualquer ação ulterior a tornaria mas grosseira e não mais refinada. O que se entende normalmente pela palavra “espírito” não é mais do que uma forma altamente etérea da matéria, que nós não podemos compreender com nossos sentidos finitos. Mas isso ainda é matéria tanto quanto ainda é algo e sujeita a se tornar densa. Alguns dizem que esses termos são usados para significar as duas condições extremas da matéria. Contudo, com meus sentidos finitos, não posso compreender onde se pode traçar uma linha entre matéria e espírito. E a gradação sendo infinita, desisto dessa tarefa que é sem saída para mim, um ser finito imperfeito. Ora, há apenas uma Existência Infinita Eterna, quer a chamemos de Espírito ou de Matéria. Contudo, vou designá-la por este último nome, porque este termo é mais adequado para a compreensão comum do que vou afirmar. A matéria, você sabe, chamamos de Maya. Agora alguns dizem que a Matéria, quando assume uma forma e um molde temporário é uma ilusão e, portanto, realmente não existe. Mas não concordo com isso. Em minha opinião, e esta é a de todo metafísico racional, é a única Existência, que é chamada de Maya simplesmente por causa das transformações. Nunca está quieta. O processo sempre está operando. A Aglomeração Infinita de matéria, em algumas de suas formas, fica mais e mais densa, enquanto que em outras torna-se mais e mais sublimada. O círculo sempre está fazendo sua volta. Nada sai fora deste círculo. Tudo é mantido dentro de seus limites pela ação das forças centrípetas e centrífugas. As formas, mas a substância interna permanece a mesma. Naturalmente você vai perguntar por que ser bom ou mau se a Natureza tem seu próprio rumo? Nossas almas tornar-se-ão etéreas na hora certa? Mas afinal o que é uma alma? É material ou imaterial? Bem, para mim é material porque como disse acima, não há nada imaterial. Mas, então, o queé? Tanto quanto posso pensar, é uma aglomeração que reúne todos os atributos com algo que nos dá a consciência do que somos. E assim como pensamento é matéria, assim é todo atributo da matéria. Por sua vez devemos perguntar, tornar-se-ão nossas almas etéreas? Ora, tomemos novamente o exemplo do gelo. É sua forma mais grosseira de matéria. Dizemos que se torna água. No entanto, seria assim se não entrasse em contato como o calor? Com certeza, não. A ação da força centrípeta é forte e mantém juntas as partículas de gelo. É necessária a ação da força centrífuga efetuada pelo suprimento do calor. Se esse pedaço de gelo for colocado num lugar frio, permanecerá assim até que, por acidente, os raios do Sol penetrem nele ou que de alguma maneira o calor seja suprido. É também assim com o homem. A ação da força centrípeta mantém-nos em nossas formas grosseiras. E, se quisermos tornarmo-nos etéreos, devemos suprir a força centrífuga que é nossa vontade. E esse é o primeiro princípio do ocultismo. Você deve perguntar: não podemos nos elevar mais e mais alto sem sermos ocultistas? Respondo: decididamente não ao ponto em que um ocultista atingirá. Você deseja simplesmente chegar mais acima? Bem, como disse antes, este é apenas o primeiro princípio do ocultismo. E assim como um passo leva a certo progresso, mais conhecimento levará a um progresso maior, uma vez que cada resultado deve ser proporcional à causa que o produziu. Anteriormente disse que a ação da matéria é sempre contínua. E a cada instante estamos emitindo e atraindo vários átomos de matéria. Ora, a pessoa que não é ocultista, terá vários desejos e, inconscientemente, produzirá a causa que atrairá para ela estes átomos de matéria que não são adequados a seu progresso superior. Da mesma maneira, quando ela setá emitindo outros átomos de matéria, ela poderá dar-lhes uma certa tendência que irá misturá-los a outros  inclinados a má índole e, assim outras individualidades que serão tomadas terão que sofrer por faltas que não são suas. Enquanto que um ocultista direciona ambas. Ele é o mestre da situação. Ele não é guiado pelas forças cegas da natureza, mas as guia. E conhecendo sua ação, produz as condições favoráveis para atingir o Nirvana. Mas o que é Nirvana? Por Nirvana não me refiro a um local, mas a um estado. É essa condição em que estamos tão etéreos que, em vez de sermos simplesmente uma forma de uma existência infinita como agora, mergulhamos na Totalidade e tornamo-nos O TODO. Também há outro motivo pelo qual um ocultista avançado está além de quem meramente está contente com o primeiro passo mencionado acima. Quanto mais ele estuda e compreende a ação das forças da natureza, mais condição tem para beneficiar a humanidade. Enquanto um está simplesmente contente com seu progresso, o outro, o ocultista avançado, coloca sua felicidade ao bem da humanidade, que ele praticamente assiste e beneficia. Talvez você pense, como o Universo está evoluindo, poderá chegar a hora em que este processo de evolução deve cessar e começar a involução, e quando este último processo tenha completado seu curso, tudo será Nirvana. E portanto, porque nos atribulamos com o estudo do ocultismo e assim por diante se pudermos estar nesse estado? Mas há dois motivos para fazê-lo. O primeiro é que não sabemos quando começará o processo de involução e talvez passem milhões e bilhões de anos antes que tudo seja Nirvana. E quem sabe por quantas transformações teremos que passar, porque, como disse antes, a matéria nunca está quieta, está sempre mudando de forma. Um ocultista prático atinge esse estado num período de tempo comparativamente curto. Outro motivo é que quando tudo for Nirvana, nã haverá Eu que atinja o Nirvana. E aqui quero afirmar que acredito que um homem pode atingir o Nirvana apenas nesta vida e em nenhuma outra. Você naturalmente vai perguntar: se algum tempo depois da morte Eu não for para o Nirvana, afinal, para onde Eu vou? Respondo que se você não mantiver sua individualidade, você a perde. O Ego permanece, mas a individualidade é perdida. Perco algo que no presente não dá a consciência de que sou Damodar, que eu existo como tal. Minha alma espiritual ou Ego, se for pura e boa, deve se tornar etérea e atingir o estado de Nirvana, mas não será mais a individualidade Damodar que vai atingir esse estado. Assim devo manter essa individualidade até atingir o estado de Nirvana. E como fazer isto é ensinado pelo ocultismo. Não surge do nada. As partículas que me formam sempre existiram, e não sei em qual forma elas existiram antes. Provavelmente passaram por milhões e bilhões de transformações. E por que não lembro agora? Porque não mantive minha individualidade. Não supri a ação da força que não teria permitido a desintegração de minha individualidade. O ocultismo dá a chave. E, se Eu agir de acordo, devo atingir o Nirvana. Mas então Eu não estaria eternamente neste estado. Porque não é justo que as ações de alguns anos fossem eternamente recompensadas ou punidas. E quanto pode durar uma vida? Mais ou menos oitenta anos. Seria então justo que minhas ações em tão curto período pudessem ser eternamente punidas ou recompensadas? E o que são bilhões de anos comparados à eternidade? Mas você vai perguntar: para que atingir o Nirvana, se vamos voltar outra vez? Por dois motivos, o primeiro é que, devo estar em Nirvana por algum tempo, tanto quanto as ações da força me mantenham ai, ou, em outras palavras, devo ficar ai até que se complete o resultado de meus esforços para atingí-lo, e o efeito sempre é proporcional à causa. Aqui novamente você deve perguntar: não temos que manter ad infinitum este processo? Claro que não porque a Lei da Exaustão deve se confirmar. Tudo que você fizer deve ser em detrimento de outra (coisa), ou em outras palavras, você exaure certa quantidade de energia para produzir certo resultado. O outro motivo é que enquanto você está passando pelo processo de tornar-se etéreo, fluído, relacionado com partículas ou o próprio éter; que tende a volaticidade, você também confere uma certa tendência às partículas das quais você é formado. Essa tendência sempre vai se manter e assim, em cada ciclo, isto é, em cada círculo de sua transformação ou reencarnação, você terá as mesmas vantagens que sempre poderá utilizar, para logo se libertar e ficar mais tempo no estado de Nirvana do que a maioria da humanidade, e você fica comparativamente livre. Assim, toda consciência que já foi completamente desenvolvida deve se desintegrar, se não for preservada pela pureza de seus Egos sucessivos até que o estado de Nirvana seja atingido. Ora, creio que o pleno desenvolvimento de minha consciência como Domodar é possível apenas nesta Terra. Assim, uma pessoa deve morrer antes que sua consciência esteja desenvolvida e renascer nesta terra. E isso é possível apenas em dois estados, isto é, se morremos na infância ou no caso de uma pessoa que sofre de incapacidade congênita. Ou há um terceiro estado possível que é este: suponha que estudo ocultismo e chego a certo estágio em que posso reter minha individualidade, suponha que meu corpo esteja incapacitado para meus propósitos práticos. Ai, com meu conhecimento, posso escolher qualquer corpo que Eu quiser, porque, como disse antes, só se pode  atingir o estado de Nirvana nesta vida terrena. Posso estar em qualquer outro corpo, mas minha individualidade será a mesma  de agora e vou me reconhecer como Domodar. É muito difícil, colocar essas ideias no papel, porque o processo é tedioso. Tais coisas devem ser entendidas intuitivamente e, portanto, nossos conceitos delas serão mais etéreos. A primeira coisa que tenho que fazer é materializar meu pensamento, dar-lhe uma forma e então descrevê-lo. Tenho também que pensar nas objeções que devem surgir naturalmente. E assim, nestes assuntos, acredito ser mais fácil debater oralmente do fque escrever ou falar. Devo ter esquecido muitos pontos, mas dei-lhe as ideias princpais para que você possa fazer suas perguntas e ficarei muito feliz em responder a elas. Devo, contudo, dizer-lhe que apenas Eu sou responsável por qualquer engano. Eu simplesmente li Isis Sem Véu, livro publicado primeiramente em 1877 de Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), e escutei muitas vezes HPB conversar com outras pessoas, como também em algumas ocasiões sobre Os Poderes Superiores. Eles me deram algumas sugestões. Mas o trabalho subsequente é inteiramente meu. Se você achar que ele é bom e correto, todo crédito é devido a eles, nossos irmãos, e a HPB por terem me dado estas indicações. Se houver alguns enganos, toda falta é inteiramente minha, por não ter entendido adequadamente seus ensinamentos. E isso deve mostrar que tenho muitas falhas em minha intuição. Abraço. Davi.

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