Mahabharata.
Texto de krishna Dharma. Capítulo II. AS SEMENTES DO CONFLITO. QUANDO SE INSTALARAM, Kunti
contou aos filhos a história dos Kurus. Ela lhes explicou como Pandu, depois de
ter sido amaldiçoado, entregara o governo do reino ao irmão mais velho,
Dritarastra. Este, devido ao fato de ter nascido cego, não pudera assumir o
trono antes do irmão, mas quando Pandu partiu para a floresta, Dritarastra teve
que tomar seu lugar. Ele era assistido por Bishma e por Vidura, outro irmão de
Pandu, que também era o primeiro-ministro. Ele era filho de uma criada e, por
isso, não poderia se tornar rei. Os meninos queriam saber por que Bishma, como
o mais idoso dos Kurus, não governava o reino, então kunti lhes contou a
história dele: “Há muito tempo. Hastinapura era governada por um rei que se
chamava Shantanu, que se enamorou da deusa do Ganges, depois de vê-la um dia às
margens do rio. Eles se casaram e seu filho se chamou Bishma, o qual cresceu e
estudou entre os deuses”. Dunti descreveu como Shantanu se apaixonou, mas
tarde, por outra moça, desta vez a filha de um pescador, que só lhe deu a mão
da filha em casamento com uma condição: o pescador queria que o filho de sua
filha fosse o próximo rei, depois de Shantanu. O rei, porém, não podia
concordar com isso, uma vez que já tinha feito de seu filho altamente
qualificado, Bishma, príncipe regente. Ele tentou esquecer a moça, mas Bishma
soube da decepção do pai e foi falar com o pescador, prometendo-lhe que nunca
se tornaria rei. Mas o pescador ainda não concordava, temeroso que os filhos de
Bishma exigissem o trono em detrimento de seu neto. Só quando Bishma jurou que nunca se casaria foi que o pescador
finalmente concordou com o casamento. Kunti terminou sua história dizendo:
Assim, Shantanu se casou com a filha do pescador, Satiavati. O filho deles era
seu avô, que infelizmente morreu antes de ter um filho. Naquela época, os kurus
tinham medo de que sua dinastia terminasse. Então, pediram ajuda ao grande
rishi Viasadeva. E, de acordo com as escrituras, Viasadeva teve três filhos,
com as duas esposas de seu avô e com uma criada culta. Eles eram Dritarastra,
Vidrua e seu pai. À medida que os meses se passavam, depois de sua chegada a
Hastinapura, os filhos de Pandu, que eram conhecidos como os pandavas, se
tornaram muito estimados pelos anciãos kurus. Todos os cinco irmãos exibiam
excelentes qualidades. Humildes e obedientes aos mais velhos, eram generosos e
sempre sinceros. Conforme cresciam, os anciãos kurus viam que eles seriam os
melhores sucessores para o trono. Os garotos divinos agradavam aos kurus de todas
as maneiras. Entretanto, os pandavas não eram estimados por todas as pessoas da
cidade. Graças a uma benção de Viasadeva, Dristarastra tivera cem filhos. Esses
príncipes, que eram conhecidos como os kauravas, logo começaram a invejar os
filhos de Pandu. O mais velho deles, Duriódhana, sentia uma raiva especial
pelos primos, percebendo que ameaçavam sua reivindicação ao trono. Nem ele nem
seus irmãos tinham alguma das virtudes demonstradas pelos pandavas. Na verdade,
havia grande preocupação quanto à possibilidade de Duriodhana se tornar rei,
uma vez que seu nascimento se fizera acompanhar de muitos maus augúrios. Era
claro, para todos, que iudistira seria uma escolha muito melhor. Vendo que a
importância de sua posição diminuía com a presença dos pandavas. Duriodhana se
encolerizou, pressentindo que seu direito ao trono estava ameaçado. Além das
muitas qualidades pessoais, parecia que os pandavas também tinham objetivos
superiores para o reino. O pai deles é que fora o rei, e o próprio pai
Duriodhana, Dritarastra, só tinha recebido o trono por falta de opção. A dor e
a humilhação de Duriodhana ao perder seu prestígio na Casa kuru ainda eram
reforçada pela maneira como Bima tratava ele e seus irmãos. O segundo pandava
não dava trégua à arrogância dos kauravas. Achava o antipático Duriodhana
especialmente insuportável, e logo uma rivalidade se desenvolveu entre os dois
príncipes. Da parte de Bima, era apenas uma fonte de diversão de garoto, mas
para Duriodhana aquela rivalidade crescia cada vez mais seriamente, e ele
começou a achar as caretas de Bima intoleráveis. O filho de Vayu possuía uma
força física incomparável. Podia desafiar com uma gargalhada todos os cem
kauravas juntos para uma luta corpo a corpo e, quando avançavam contra Bina,
ele os jogava longe, como um monte de palha. Bima adorava passar trotes e quase
sempre ridicularizava seus primos mais fracos. Duriodhana sentiu que tinha de
tomar nas mãos as rédeas dos acontecimentos. Um dia, depois de um incidente
especialmente humilhante, no qual Bima sacudira uma árvore imensa onde ele
tinha subido e o jogara no chão, Duriodhana não aguentou mais. Levando o
segundo kauvara, seu irmão Dushasana, até um canto, disse-lhe: Esse Bima é um
espinho em nossas vidas. Nós não conseguimos levar a melhor com ele em nada!
Até para comer consome o mesmo que vinte de nós! Eu lhe digo, irmão, ele está
me enlouquecendo. Algo tem de ser feito e, na verdade, tenho um plano.
Duriodhana tinha se consultado com o tio Shakuni, que ele considerava um
confidente. Shakuni era irmão de sua mãe, Gandari. Ele se sentia ofendido
porque os kurus não tinham oferecido Pandu em casamento à sua irmã, e sim o
cego Dritarastra, e atribuía essa falta a Bishma. Este fora ao reino de Gandara
pedir a mão de Gandari em casamento para Dritarastra. E seu pai tinha
concordado, apesar de Dritarastra ser cego, considerando que uma aliança com a
poderosa Casa kuru seria desejável sob quaisquer circunstâncias. Mas Shakuni
sentira raiva. Por que sua irmã, linda e qualificada, que tinha recebido de
Shiva (um dos deuses supremos do hinduísmo conhecido como destruidor e
regenerador da energia vital, aquele que faz o bem. O também o criador da Yoga,
devido ao seu poder de gerar transformações físicas e emocionais em quem
pratica a atividade) a graça de ter cem filhos, não seria dada em casamento a
Pandu, o rei kuru? Assim, Shakuni foi com Gandari para Hastinapura e começou a
maquinar uma forma de revidar a afronta de Bishma. E logo encontrou uma
oportunidade, por meio de Duriodhana. O jovem Kaurava rapidamente aceitou seu
tio maquiavélico como mentor. Shakuni dera ao Kaurava uma ideia de como lidar
com os pandavas, os quais ele sabia que Bishma adorava. Os cantos de boca de
Duriodhana se ergueram num leve sorriso. Escute, irmão. Amanhã vamos ao rio com
os pandava. Lá, poderemos jogar e nos divertir com nossos queridos primos. Eu
mesmo vou arranjar uns pratos especiais para Bima, que está sempre com fome.
Olhando para os lados furtivamente. Duriodhana mostrou ao irmão um talo de
datura, uma planta extremamente venenosa. Soube que isso fica uma delícia
quando cozido com vários temperos. Estou certo de que Bima vai devorar uma
tigela inteira sem piscar. Falando suavemente, o Kaurava indicou ao irmão como
os dois deveriam esperar perto de Bima até que o veneno fizesse efeito. Então,
quando todos já tivessem se afastado, eles poderiam jogá-lo no rio para que se
afogasse. Com o poderoso Bima morto, o que podem fazer os outros pandavas? Meu
caminho para o trono estará salvo. Dushasana sorriu e aquiesceu. Ele também
sofria nas mãos de Bima, mas acima de tudo, queria fazer qualquer coisa que
agradasse a Duriodhana. Rindo alto, os dois príncipes se juntaram aos outros
irmãos e caminharam pela aleia arborizada, de volta ao palácio. Pensando no que
fariam a Bima, riam mais ainda. Na manhã seguinte, Duriodhana sugeriu que os
príncipes fossem ao rio para praticar alguns jogos aquáticos. O dia estava
quente, e todos concordaram. Subiram nos carros de ouro e partiram, aos gritos,
deixando para trás nuvens de poeira. Chegando ao rio, saltaram e entraram na
casa de prazeres que o rei tinha construído para os filhos, uma mansão elegante
de sete andares, toda de mármore branco. Fileiras de bandeiras coloridas
tremulavam do teto. Dentro da mansão, dezenas de quartos bem decorados ofereciam
todo tipo de luxo. Músicos e dançarinos reais completavam o ambiente, e uma
força de cem guarda costas armados, do lado de fora, mantinha-se pronta para
protege-los. Duriodhana entrou ansiosos na casa e depois saiu para os jardins
centrais, dizendo: Vamos, irmãos, vamos comer nossos lanches juntos e depois
correr para nos divertir no rio. O príncipe sabia que Bima não sucumbiria
facilmente ao veneno. Talvez levasse um bom tempo antes que ele fizesse efeito,
e por isso queria administrá-lo o mais depressa possível. Ele levou os
príncipes para uma grande varanda, onde a comida os esperava. Os assuntos
tinham sido marcados para cada um deles, e pratos e copos de ouro enfeitavam as
mesinhas baixas. Sem suspeitar de absolutamente nada, os pandava apreciavam o belo
jardim e o lindo lago cheio de lótus, cercado de grama macia. O perfume
delicado dos botões das flores se espalhava por todos os lugares, e o som
mágico de uma cascata cristalina podia ser ouvido ao longe. Os criados levaram
os rapazes a seus lugares e começaram a servir a comida. Os pratos preparados
eram deliciosos, e os garotos estavam famintos. Duriodhana foi até a cozinha,
onde um cozinheiro de confiança já tinha preparado a comida envenenada para
Bima, e a trouxe pessoalmente para servi-la, com as próprias mãos, sob o
pretexto de assim demonstrar seu afeto pelo primo. Duriodhana encheu o prato de
Bima de vegetais mistos e lhe deu muitos doces e bolos, tortas e bebidas – tudo
cheio de datura (planta com propriedades narcóticas). O príncipe Kaurava sorria,
feliz, enquanto o ingênuo Bima comia alegremente os alimentos mortais. Quando a
refeição terminou, os rapazes descansaram um pouco e depois apostaram corrida
pelo caminho da floresta até as margens gramadas do rio. Despindo as roupas de
seda, mergulharam nas águas claras, onde jogaram e lutaram, rindo e espadanando
água uns nos outros. Bima, ainda não afetado pelo veneno, participou dos jogos
alegremente, com sua energia costumeira. Ele pegava os kauravas e os atirava no
rio como se fossem fardos leves e, na água, movia os braços fortíssimos e
provocava ondas altas, fazendo com que os príncipes perdessem o pé. No meio da
tarde, eles começaram a se cansar. Vestindo-se, caminharam de volta para a
mansão para descansar para a noite. Só então Bima começou a sentir os efeitos
do veneno. Sua cabeça rodopiava e os olhos lhe pareciam incrivelmente pesados,
mas conseguiu sair da água e, deitando-se à beira do rio, entrou em coma
profundo. Perto dali, Duriodhana e Dushasana espiavam cuidadosamente.
Vestiram-se bem devagar, dizendo aos irmãos que fossem na frente. Quando todos
já tinham voltado, pegaram uma corda no carro, amarraram Bima e o empurraram
para o rio. Enquanto o príncipe, inconsciente, afundava nas águas, eles se
voltaram e correram atrás dos irmãos, elogiando-se mutuamente pela tarefa bem
feita. Mas por alguma graça divina, Bima não se afogou. Acontece que ele foi
imediatamente levado pelas correntes mais profundas do rio até um local muito
abaixo da Terra, onde viviam as serpentes celestiais conhecidas como nagas.
Vendo que um humano tinha chegado misteriosamente até lá, muitas nagas
começaram a mordê-lo. Seu veneno virulento atuou, então como um antídoto ao
veneno dado por Duriodhana. Devagar, Bima voltou a si e olhou a seu redor.
Estava deitado às margens de um rio estranho, cercado por enormes serpentes que
o observavam com a cabeça levantada e as presas à mostra. Bima arrebentou as
cordas que o prendiam e flexionou os músculos, alongando-os. Levantou-se, pegou
as cobras com as duas mãos e as esmagou contra o solo. Outras ele atirou longe
e outras ele pisoteou. Quando Bima venceu a maioria delas, as restantes
fugiram, correndo à presença de seu rei, Vasuki, a quem contaram temerosas: Um
humano muito poderoso chegou até aqui. Nós não pudemos vencê-lo. Ele está lá
embaixo, perto do rio. Vasuki sabia que um homem comum não poderia chegar
àquele lugar, a não ser que fosse um rishi ou um deus disfarçado. O rei naga se
transformou num homem, levantou-se do trono de joias e foi até o rio em
companhia de outro chefe naga, Arka. Muitos anos antes, Arka tinha vivido na
sociedade humana. Ele era um dos ancestrais de Kunti e, por meio de sua visão
celestial, reconheceu Bima como seu bisneto. Apresentando-se ao pandava,
abraçou-o calorosamente. Vasuki gostou do príncipe e, entendendo que os deuses
deveriam tê-lo trazido ali com algum propósito, perguntou a Arka: Que podemos
fazer para ajudar este jovem? Arka mirou o jovem em farrapos e sorriu: Acho que
este príncipe se benficiaria muito se bebesse de nossa rasa. Vasuki concordou e
disse: Sim, sim, traga-o ao palácio e dê-lhe rasa. A bebida de ambrósia dos
nagas era destilada de muitas ervas celestiais, e dava poderes suprafísicos a
quem a bebesse. As nagas observaram admiradas enquanto Bima bebia rapidamente
oito potes de rasa, um após o outro. Depois da bebida, Bima sentiu que
desfalecia de novo. Vasuki o levou a uma cama no palácio e o deitou. Por oito
dias ficou ali, profundamente adormecido, enquanto seu corpo digeria o rasa. No
nono dia acordou, sentindo um poder ilimitado dentro de si. Arka lhe disse:
Você agora tem força de dez mil elefantes. Ninguém o vencerá em batalha. Venha
agora, coma alguma coisa. Vou lhe mostrar como voltar a Terra. Sua família está
preocupada com sua ausência. Os nagas ofereceram a Bima uma grande variedade de
pratos celestiais, vestiram-no com sedas finas e ornamentos de ouro e o levaram
de volta à beira do rio. ARka pediu-lhe que fechasse os olhos e entrou na água
com ele. Em poucos momentos Bima viu que estava à beira do rio Ganges, perto da
mansão. Arka já se fora, e Bima começou a correr para Hastinapura. Na cidade,
Kunti se preocupava com Bima. Onde ele estaria? Depois de o procurar
exaustivamente, mas sem sucesso, perto do rio, seus irmãos presumiram que ele
tinha voltado sozinho. Mas se surpreenderam desagradavelmente ao ver que Bima
não estava na cidade, quando regressaram. Kunti suspeitava de alguma maldade.
Ela conhecia os sentimentos de Duriodhana em relação a seus filhos. Desabafando
com o cunhado Vidura, ela disse: Temo que os príncipes Kauravas tenham dado fim
à vida de meu filho. Vidura balançou a cabeça e respondeu: Mas isso não poderá
acontecer, ó rainha! O rishi Viasadeva profetizou que seus filhos viveriam
muitos anos. E os deuses também predisseram um grande futuro para Bima. Essas
palavras não podem deixar de se materializar. Mas, lembrando-se dos péssimos
augúrios vistos e ouvidos durante o nascimento de Duriodhana, Vidura advertiu
Kunti para que se mantivesse alerta. O príncipe Kaurava poderá tentar qualquer
coisa, até mesmo contra você. Durante os oito dias da ausência de Bima, Kunti e
seus outros filhos esperaram ansiosamente por ele. Então, logo depois do nascer
do sol do nono dia, o avistaram correndo pela estrada na direção do palácio,
sedas brancas voando à sua volta. Bima foi direto ver a mãe e tocou-lhe os pés.
Seus irmãos o abraçaram com lágrimas nos olhos, perguntando-lhe por onde tinha
andado. Bima contou o que tinha acontecido. Quando vira as cordas que o
amarravam, suspeitara, imediatamente, de Duriodhana, e seus temores foram
confirmados por Vasuki, que tudo podia ver com sua vidão divina. Também relatou
à família a visita que fizera ao mundo celestial das nagas e todos agradeceram
ao Senhor Krishna por sua volta. Pela graça do Senhor, Bima tivera sorte, apesar
dos esforços de Duriodhana para liquidá-lo. Iudistira ficou chocado ao saber da
truculência de Duriodhana. Ele considerou a situação cautelosamente e a
discutiu com a mãe e os irmãos. Concluiu, então, que seria melhor silenciar. Se
os anciãos kurus fossem informados sobre o ocorrido, uma hostilidade declarada
se colocaria entre os primos. E, com Pandu morto, a posição dos pandavas como
seus filhos era frágil, porque agora Dritarastra era o rei e seus filhos é que
seriam seus herdeiros. Provavelmente, ele não iria contra sua prole para
beneficiar os sobrinhos. Vidura era a única pessoa na qual eles confiavam, e
kunti se confidenciava com ele. Ele corroborou a decisão de Iudistira. Assim,
os irmãos não disseram nada a ninguém sobre o acidente, mas daquele dia em
diante ficaram vigilantes, sempre esperando alguma outra traição de Duriodhana.
O comportamento correto e quase divino dos pandavas conquistou Bishma e Vidura,
de quem eles eram os favoritos. Bishma gostava especialmente dos cinco,
protegendo-os como se fosse pai deles. Os irmãos também eram amados pelo
professor de artes marciais, Kripa, o filho virtuoso de um rishi chamado
Sharadvan, que tinha passado ao filho todas as habilidades de luta. Os kurus
estavam satisfeitos com os ensinamentos de kripa, pois seus filhos se iniciavam
em todos os tipos de arma. Mas Bishma compreendeu que, para que a educação
deles recebesse um toque final de refinamento, precisariam de outro professor.
Havia centenas de alunos na escola de kripa – os reis de muitos países enviavam
seus filhos para aproveitar as habilidades do talentosos brâmane. Assim, era
difícil para ele passar algum tempo ensinando individualmente aos príncipes os
pontos mais delicados da ciência das armas. Então, Bishma começou a pensar onde
poderia encontrar alguém como kripa e que se concentrasse apenas em ensinar aos
seus meninos e a aperfeiçoar suas habilidades marciais. Ele já estava
procurando por alguém havia um tempo, mas sem sucesso. Um dia, alguns dos
garotos correram até ele. Ajoelhando-se aos pés do avô, eles contaram,
entusiasmados: Ó, vovô, encontramos um brâmane estranho fora da cidade, e ele
nos mandou vir até o senhor, dizendo que o senhor o conheceria. Contaram que
estavam jogando bola no bosque e que esta caíra num poço fundo e vazio. Eles
estavam ao redor do poço, imaginando como tirar a bola de lá, quando um brâmane
de pele bem escura se aproximara sorrindo e lhes dissera: Vejam só estes
príncipes kurus confusos com a perda da bola! Onde está o poder nas armas de
vocês? Os garotos coraram com a pergunta e, então, o brâmane disse que poderia
recuperar a bola para eles em troca de uma refeição. Pegando um anel do próprio
dedo, ele o jogou no poço e disse: Vou lhes mostrar como tirar daí até o meu
anel. Iudistira lhe respondera: Estimado
senhor, se puder recuperar a bola e o anel, tenho certeza de que vai encontrar
um trabalho permanente em Hastinapura. Com um sorriso, o brâmane pegou um
punhado de folhas longas de grama. Cantou alguns mantras e atirou uma folha de
grama dentro do poço, furando a bola. As outras folhas foram atiradas em
seguida, sucessivamente, e se prendiam às anteriores até formarem uma longa
cadeia, que o brâmane puxou do poço com a bola na ponta. Depois, ele pegou uma
flecha dentro do poço. E a flecha voltou, trazendo o anel preso na ponta! Os
príncipes se acotovelavam ao redor do brâmane, suplicando que este lhes
ensinasse aquelas técnicas. Ele lhes disse que fossem até Bishma e relatassem o
que tinham visto. O chefe kuru saberia quem ele era e, se Bishma concordasse, ele
se estabeleceria em Hastinapura. Ao ouvir aquela história, os olhos de Bishma
brilharam, pois ele sabia que aquele brâmane era, certamente, Drona, um
discípulo de seu próprio guru de artes marciais, Parasurama. A fama de Drona
tinha se espalhado por todos os cantos da Terra. Ele era filho do rishi
Baradvaja, que praticara o ascetismo por milhares de anos. Que melhor instrutor
haveria para os príncipes? Bishma foi pessoalmente vê-lo e imediatamente lhe
ofereceu o posto de professor real. Drona aceitou. Bishma pediu a Drona que
contasse, a ele e aos príncipes, tudo sobre si. Embora fosse um brâmane, Drona
sempre gostara das artes militares. Ele explicou como tinha aprendido todos os
segredos das armas com Agnivesha, um brâmane poderoso que vivia no ashram de seu
pai. E que mais tarde recebera treinamento de Parasurama, que era considerado
uma encarnação (Krishna) do Senhor Supremo. Entretanto, apesar de todo o meu
aprendizado, ainda me sinto muito limitado pela pobreza e mal tenho meios de
sustentar minha família, disse Drona. Assim, vim a esta cidade em busca de
alunos que caridosamente paguem por minhas lições. Bishma sorriu. Pois sua
busca terminou, ó brâmane. Nós lhe daremos tudo de que precisa. Os kurus estão
às suas ordens. Toda a nossa riqueza também é sua. Ensine aos nossos filhos
suas habilidades incomparáveis. Foi sorte nossa que você para cá viesse. Drona,
então, fixou a residência em Hastinapura, trazendo a esposa e o filho para a
cidade. Abriu uma escola, aceitando tanto dos kauravas quanto os pandavas como
alunos. Os reis de muitos países vizinhos também mandaram seus filhos para
treinar com ele, enviando ricos presentes com os rapazes. Sob a tutela de
Drona, as habilidades marciais dos príncipes se desenvolveram bastante. Ele os
fazia praticar desde o nascer até o pôr do sol. Dentre todos os rapazes, o que
mais sobressaia era Arjuna. Ele rapidamente aprendeu a usar todas as armas,
tornando-se particularmente excelente em arco e flecha. Suas habilidades,
velocidade e perseverança eram incomparáveis. Percebendo a atitude humilde e
respeitosa do pandava, Drona sentia uma afeição crescente por Arjuna, e lhe
ensinou cuidadosamente tudo o que conhecia. Ninguém poderá se igualar a você em
batalha, dissera-lhe certa vez. Ainda mais determinado nos estudos das artes
marciais, Arjuna ficava treinando sozinho depois que os outros príncipes saíam
da escola. Até tarde da noite ele ainda vestia o arco e atirava flechas em
alvos invisíveis. De olhos fechados, podia levantar e armar seu arco, colocar
uma flecha e atirá-la num alvo, tudo em questão de poucos segundos! Bima e
Duriodhana, rivais mortais, se desenvolveram incomparavelmente na mesma arma: a
maça. Passavam longas horas praticando lutas com maça, um tentando superar o
outro. Dentre os príncipes, Indistira era o mais talentoso no uso da lança,
enquanto os gêmeos se especializaram na espada. Livro Mahabharata – Recontado
por Krishna Dharma. Versão condensada da maior epopeia do mundo. Abraço. Davi.
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