quinta-feira, 9 de março de 2017

A BÍBLIA DECODIFICADA.



Cristianismo. Ciência e Religião Juntas. A BÍBLIA DECODIFICADA. Durante muito tempo, o livro mais antigo do mundo passou ileso, inquestionável, de geração para geração – até que as perguntas começaram a surgir. Quem escreveu a Bíblia Sagrada? Como saber se o texto se manteve original? O que é literal e o que é figurado? Pois bem, estudiosos passaram a contestar a origem dos escritos. Desde então, muito se tem falado a respeito e a polêmica mais recente envolve uma nova versão editada, que não condena a homossexualidade. Entre réplicas e tréplicas, dizer qual é a Bíblia “certa” e a “errada” tornou-se uma questão de crença. A Bíblia contém a Palavra de Deus em 66 livros, sendo 39 do Velho Testamento e 27 do Novo Testamento. O guia de vida de milhões de pessoas no mundo todo e seus escritos são levados ao pé da letra por uma boa parcela dos seguidores do cristianismo. A primeira vez que o conjunto de livros passou a ser chamado de Bíblia, em unificação do Antigo com o Novo Testamento, foi em cerca de 40 DC, graças a São Jerônimo de Stridon (347-420), o padroeiro dos bibliotecários e o tradutor dos textos para o latim – textos estes que estavam no grego antigo e no hebraico. A edição produzida pelo santo é chamada de Vulgata, que ainda é usada pela Igreja Católica. Essa tradução foi pedida pela Papa Damaso I (305-384), contemporâneo do famoso imperador Constantino, que fez do cristianismo a religião oficial do Império Roman. IGUAIS, MAS DIFERENTES. Popularmente aceitas, existem duas Bíblias diferentes, uma adotada pelos católicos e outra pelos protestantes. A diferença é de sete livros a mais nos escritos legitimados pela Igreja Católica, embora haja muitos outros capítulos, que não estão presentes nem em uma, nem em outra religião. Confirmados pela Conferência Nacional de Bispos no Brasil (CNBB), os sete livros apócrifos são TOBIAS, JUDITE, I e II MACABEUS, SABEDORIA, ECLESIÁSTICO (também chamado SIRÁCIDA) e BARUC. Na Bíblia católica há também alguns capítulos não encontrados nas outras: Daniel 3,24-90; 13 e 14, e Ester 10,4 a 16,24. Por que isso aconteceu? A explicação vem da Palestina, quando os judeus do primeiro século cristão não haviam classificados quais livros eram realmente sagrados. Quanto aos judeus do Egito, especificamente de Alexandria, surgia a necessidade de traduzir os livros inspirados – isso porque, originalmente, eram escritos em hebraico e a comunidade judaica em questão falava grego. As traduções aconteceram entre os anos 300 AC e 150 AC, e ficaram conhecidas, e ficaram conhecidas como versão Alexandrina. Anos depois de Cristo, ente os anos 80 e 100, os palestinos decidiram organizar as escrituras com base em alguns critérios o livro deveria datar de antes de séculos 5 AC, ter sido redigido exclusivamente em hebraico, ter sua origem na Palestina e estar em conformidade com a Lei de Moisés. Com base nessas quatro regras, nascia o Antigo Testamento. Lembra dos livros traduzidos para os judeus que falavam grego? Acabaram ficando de fora: Livros da Sabedoria, Judite, Baruc, Eclesiástico, I e II Macabeus, Tobias e fragmentos de Daniel que foram excluídos da repaginação, mas isso não significa que eles não sobreviveram até os dias atuais. Os católicos adotaram o catálogo com os sete livros excluídos, ao contrário dos evangélicos, depois de uma forte argumentação. Se o Novo Testamento recorre às citações dos chamados apócrifos, significa que os apóstolos confiaram na versão Alexandrina crendo que ela é verdadeira. A contestação dos evangélicos também é bastante convincente. O teólogo S. Michael Houdmann argumenta que a Igreja Católica Romana só aceitou os apócrifos em resposta à Reforma Protestante. Isso porque nos livros renegados estariam as justificativas para algumas práticas da tradicional Igreja que passaram a ser questionadas pelos protestantes. Entre elas, o ato de orar pela alma dos mortos, a adoração a santos e as doações de caridade como absolvição dos pecados. Apesar das críticas, os livros apócrifos não são condenados pelos protestantes, pelo contrário a versão polêmica tem reconhecido valor histórico, embora não tenha o valor canônico. AMEAÇAS NAS LETRAS. Mas o que levou os Evangelhos apócrifos a terem toda a fama que possuem hoje? Bem, se analisarmos friamente os canônicos, veremos que, apesar de serem muito parecidos uns com os outros, há discrepâncias neles, principalmente quando abordam o período entre a infância de Jesus e o início de seu ministério. Além disso, os quatro evangelhos oficiais não dão muitos detalhes sobre a vida dos demais integrantes da família de Jesus.  Muitos dos especialistas acreditam que a mola propulsora que levou os primeiros cristãos (que viviam sob o primado dos ensinamentos de Orígenes de Alexandria (185-254) a adotar os apócrifos foi justamente a vontade de deixar o relato mais completo com a adição de vários detalhes biográficos sobre os quais os canônicos (de acordo com os dogmas da Igreja) simplesmente se calam. Assim, esses textos recusados traziam detalhes como o fato de José ser viúvo e ter vários filhos, a Imaculada Conceição Virgem Maria quando criança, não tocar o chão ao caminhar, ou ainda o menino Jesus fazer milagres para esconder suas travessuras. Vejamos um dos episódios mais interessantes narrados pelos apócrifos. É uma versão bem diferente do nascimento de Jesus, basta reparar nos detalhes da narrativa. Quando o imperador Augusto ordenou a realização de um censo em todo o império romano, José foi de Nazaré a Belém para recensear-se. Levou consigo Maria, que contava com nove meses de gravidez e que ia montada num asno (jumento). Quando já estavam perto de Belém, um anjo apareceu a Maria e disse que a hora do parto havia chegado. José interrompeu a caminhada e, sem ter onde acomodar a esposa, instalou-a numa gruta e partiu em busca de uma parteira. Nesse interim, apareceu na gruta uma luz muito intensa que, quando se foi, deixou Maria com o menino Jesus em seus braços. Quando José voltou com a parteira, de nome Salomé, Maria contou como foi o parto e que ela permanecia virgem. Salomé, descrente, disse que jamais acreditaria se não introduzisse seu dedo e comprovasse. Maria permitiu e ela assim o fez. Mas quando retirou sua mão viu que a mesma estava carbonizada. A parteira chorou desoladamente e Maria a fez acariciar o menino. Foi quando viu que a mão ficara curada. Foi por causa de episódios assim que os textos apócrifos seriam considerados perigosos. Porém, sua utilidade para entender a então nascente religião cristã foi discutida exaustivamente por pesquisadores e religiosos em diversas oportunidades com o passar dos anos, da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, entre 1947 e 1956, ao recentemente divulgado Evangelho de Judas, em 2006. DE MÃO EM MÃO. Como se não bastassem as regras para saber o que deveria e o que não deveria ser valido como texto sagrado, a tradução passou a ser um problema. Trazer para os dias atuais o livro mais antigo do mundo tornou-se uma tarefa cada vez mais desafiadora – as primeiras traduções do hebraico para as línguas latinas já não são claras, e tentar adaptar linguagem a cada contexto pode ser perigoso. Além disso, como as passagens eram escritas em hebraico, grego arcaico e aramaico, muito se perdia durante o processo de tradução. “É muito comum fazer a tradução da tradução da tradução”, uma vez não se tem mais acesso aos arquivos originais. Isso, sem dúvida reflete na obra final. É o mesmo raciocínio de quando contamos qualquer história: é impossível reproduzir todos os detalhes, de primeiro ou segundo plano. A história contada nunca será um retrato fiel do fato, comenta a linguista Marcela Nunes. A seguir, a especialista elenca o que virou mentira depois de adaptações desastrosas e contradições. TRECHO 1 – não consultareis necromantes, nem adivinhos, não os procureis para serdes contaminados por eles: Eu sou o Senhor vosso Deus (Levítico 19,31), TRECHO 2 – não vos dirijais aos espíritas nem aos adivinhos: não os consulteis, para que não sejais contaminados por eles (Levítico 19,31). QUAL É O PROBLEMA. “Se recorrermos ao dicionário, encontramos a palavra necromancia associada à adivinhação por meio da comunicação com os mortos. Daí a relacionar com a doutrina espírita é tendencioso e demonstra desconhecimento. No Kardecismo, o próprio desenvolver da mediunidade é algo muito criterioso e cuidadoso”. TRECHO 3 – não farás escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo da Terra, nem nas águas, debaixo da Terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás, porque eu o Senhor teu Deus, sou zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira geração daqueles que me aborrecem (Êxodo 20,4-5). TRECHO 4 – farás também dois querubins de ouro batido, nas duas extremidades do propiciatório. Farás um querubim na extremidade de um aparte, e outro querubim na extremidade de outra parte, de uma só peça com o propiciatório fareis os querubins nas duas extremidades dele (Êxodo 25,18-19). QUAL É O PROBLEMA. “No mesmo livro há duas menções opostas com relação à confecção (imagem) de santos. Por não haver acesso aos originais, não se sabe se houve alteração em algum momento na tradução ou na organização do Êxodo”. TRECHO 5 – não se achará em ti quem faça passar seu filho ou sua filha pelo fogo, nem encantador, nem feiticeiros, nem agoureiro, nem cartomante, nem bruxo, nem mago e semelhante, nem quem consulte o necromante e o adivinho, nem quem exija a presença dos mortos (Deuteronômio 18,9-11). TRECHO 6 – e quanto ao homem ou à mulher em quem se mostra haver um espírito mediúnico ou um espírito de predição, sem falta devem ser mortos. Devem atirar neles pedras até morrerem (Levítico 20,27). TRECHO 7 – quando pois algum homem ou mulher em si tiver um espírito adivinho, ou for encantador certamente morrerão com pedras se apedrejarão (Levítico 20,27). QUAL É O PROBLEMA? “Este é um dos problemas de adaptação que demonstra como o trabalho do tradutor deve ser minucioso. O primeiro trecho sugere uma perseguição àqueles com poderes mediúnicos, enquanto o segundo sugere morte espontânea. A interpretação colabora para a intolerância. Outro ponto interessante é observar que no primeiro trecho foi usado o termo “espírito mediúnico” que só surgiria no século XIX, com Alan Kardec (1804-1869). Ou seja, tal termo, de maneira alguma, constava nos originais”. REPAGINAÇÃO. “Efeminado” não é a mesma coisa que “preguiçoso”. Nem “promíscuo” tem o mesmo significado de “homossexual”. Um erro de tradução foi o argumento para um grupo de ativista editar as Escrituras e criar o que ficou conhecido como Bíblia gay. O termo grego malakoi foi justamente traduzido como “preguiçoso”, enquanto na versão tradicional, da Bíblia o significado é “efeminado” Arsenokoitais (foi traduzido como “homossexual”, mas significa “homem com muitas camas”. A ideia de adaptar o conteúdo surgiu do conhecimento da antiga Bíblia do rei James (Bible King James), escrita no século XVII por ordem do próprio nobre, conhecido por ser mente aberta e bissexual – e por isso era chamado de rainha, título que parecia não incomodar. Voltando a versão do século XXI, os organizadores do livro comentam que a Bíblia, por ser a palavra de Deus traduzida pelo homem, desde sempre é cheia de imperfeições, podendo ser interpretada de diversas maneiras. Na nova edição, o que havia de ambíguo foi apagado ou modificado, como no trecho: “Nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os moralmente fracos, nem os promíscuos, nem os ladrões (...) hão de possuir o reino de Deus” – que antes era : “Nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões (...) hão de possuir o reino de Deus”. Claro que a nova versão não foi bem recebida pelas esferas tradicionais, mas nada que impedisse o acesso ao livro, que pode ser adquirido pela internet e não tem tradução para o português, ainda. OS PRIMEIROS ESCRITOS. Uma análise mais profunda dos historiadores revela que o alfabeto fenício, do qual se derivou o hebraico, já existia no século XIII AC, quando os hebreus chegaram à Canaã (há documentos históricos que sugerem que o alfabeto fenício já existia na região no século anterior). Além dos componentes da Bíblia, há textos hebraicos antigos conhecidos que datam de épocas remotas como o Calendário de Gezér, uma espécie de “almanaque” que mostrava as datas em que os agricultores deviam fazer seu plantio. Esse documento, datado de 1000 AC, é o mais antigo encontrado na Palestina. Há também inscrições datadas dos séculos XIV ou XV AC, no sarcófago do rei Airam na cidade fenícia de Biblos. Além desses, há textos semelhante aos conhecidos Salmos datados do mesmo período desse sarcófago em tabuletas encontradas em Ugarit, uma antiga cidade portuária na costa mediterrânea da moderna Síria. Já os pergaminhos mais antigos da Bíblia datam em sua maioria dos séculos III e IV. Isso se deve ao fato de muitos dos manuscritos serem trabalhos de monges copistas que faziam cópias de obras literárias. Esse é mais um aspecto que leva a discussões, visto que, por mais que um copista seja dedicado ao seu trabalho, está sujeito a erros e modificações, quer sejam voluntários ou involuntários. Imaginem só o que tamanha manipulação não produziria num texto complexo como o das Escrituras. A prova é que os historiadores conseguiram identificar versões dos textos que permitem múltiplas interpretações de um mesmo trecho, o que derruba a tese de que a Bíblia se manteve intocada com o passar dos séculos. Esses especialistas, dos quais o trabalho é conhecido como Crítica Textual, têm por objetivo comparar as várias versões dos textos e a selecioná-las. Sabe-se, por exemplo, que o texto massorético é a grande fonte hebraica para o Antigo Testamento. Esse texto foi estabelecido há séculos por copistas conhecidos como massoretas, que tinham por função realizar cópias do original com extrema fidelidade. Seu trabalho incluía a vocalização das versões hebraicas e sua posterior cópia. Como o hebraico tornou-se uma língua morta por volta do século VIII, fez-se necessário marcar os locais das vogais com certos sinais. Até hoje, esse texto é considerado como a fonte mais confiável para o texto bíblico original. Porém, por mais perfeito que seja, o texto massorético, como é conhecido, possui certas deficiências que os pesquisadores procuraram suprir com o uso de outros textos de referência. Um dos mais conhecidos é o chamado Pentateuco Samaritano, originado entre os samaritanos, uma divisão dos hebreus que possuía comunidades étnicas e religiosas à parte com templos e cultos próprios. Eles só consideravam como sagrados os livros do Pentateuco. Outro texto de referência complementar é o chamado septuaginta grega (sigla LXX) ou versão dos setenta. É composta pela Bíblia hebraica e pelos deuterocanônicos (são os sete livros acrescidos pela Bíblia Católica). Foi elaborada ente os séculos IV e II AC e é a tradução grega do Antigo Testamento feita na célebre cidade de Alexandria, no Egito. Tem esse nome graças a uma lenda (história) que afirma que foi o resultado do trabalho de 70 eruditos judeus, cuja inspiração veio diretamente de Deus. Esta é a versão mais antiga do Velho Testamento conhecida e é importante por ter sido adotada pelos cristãos desde o início da religião e citada na maior parte do Novo Testamento. O Novo Testamento apresentou cerca de quatro mil manuscritos em grego. Esses documentos também apresentaram variantes, mas não há neste caso uma versão de referência como no Antigo Testamento. O pesquisador tem que se contentar com alguns manuscritos importantes que são a base da Crítica Textual. O importante é lembrar que, mesmo com todas as suspeitas e versões existentes, a Bíblia foi traduzida para 2403 línguas diferentes no total, o que a torna também o livro mais traduzido do mundo. É um panorama bem diferente que gerou a Reforma Protestante por exemplo, quando a Igreja se preocupava com as traduções dos textos para outras línguas que não fossem o então adotado latim. O CONCÍLIO DE NICEIA – ficou famoso por ter sido um ponto de virada na história do cristianismo e da própria Bíblia. Esse concílio, oficialmente conhecido como o primeiro ocorrido naquela cidade (o segundo aconteceria no ano 787), aconteceu durante o reinado da primeiro imperador romano cristão Constantino. É considerado como a primeira conferência de caráter ecumênico dos bispos da então emergente igreja cristã. Niceia (nome de origem grega) era um a cidade que fazia parte da Anatólia, região do sudoeste da Ásia que corresponde hoje à porção asiática da atual Turquia. Hoje possui o nome de Iznik. Corria então o ano de 325 quando os religiosos se reuniram para discutir algumas das questões que mais preocupavam a fé cristã, como a opinião dos arianos (nome dado a uma corrente de pensamento teológica liderada por Arius (256-336), um presbítero cristão oriundo da cidade de Alexandria, no Egito), que simplesmente negavam a existência da mesma natureza entre Jesus e Deus, que os igualasse. Para os arianos, Cristo era um homem, não uma “pessoa divina” por definição. Outras questões foram motivos de debate, como estabelecer os parâmetros para a celebração da Páscoa; o destino dos prisioneiros feitos durante a perseguição aos cristãos estabelecida pelo imperador Licínio (263-325), cunhado de Constantino e que foi retirado por este do poder; o batismo dos heréticos, que na época começavam a se mostrar em grande número; e, claro, a escolha dos evangelhos inspirados que figurariam como oficiais na Bíblia. Além de oferecer as bases para a crença cristã, o concílio também foi importante justamente porque as perseguições, que não forma poucas, haviam recentemente terminado. Tudo parecia caminhar para o estabelecimento de uma igreja forte e poderosa como ficou conhecida nos anos seguintes. Para muitos historiadores que pesquisam não só a Bíblia, mas também a história da Igreja, este é um momento que leva a muitas desconfianças sobre as verdadeiras intenções do recém convertido imperador. O surgimento do chamado Credo de Niceia, também chamado de credo Niceno constantinopolitano, é outro produto daquela reunião. Aceito pelas igrejas católicas, ortodoxas, anglicana e pelas principais igrejas protestantes, marca o pensamento que predominava na reunião e é o único deste tipo em que ortodoxos e católicos concordaram em todos os pontos que aparecem no credo. Livro Mistérios da Bíblia – O Lado Oculto do Livro Sagrado. Abraço. Davi.

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