Espiritualidade.
Texto de Sri Prem Baba (1951- ).
Capítulo Três. A MORTE DO FALSO EU – BENDITA CRISE. Chega um momento em que os
amortecedores deixam de ser eficazes, assim como a droga que gera tolerância e
cujas doses precisam ser cada vez maiores para se obter o efeito desejado.
Nesse caso, os efeitos colaterais começam a ficar insuportáveis, e o risco de
uma overdose se torna iminente. Muitas vezes, é necessário chegarmos a esse
nível de sofrimento para que, através de um impulso de vida, encontremos as
forças necessárias para a transformação. Ao chegar nesse ponto, a pessoa vê que
existe apenas uma escolha: ou ela muda ou morre. Porque, mesmo que não esteja
viciada em uma droga química, está viciada em algo que se tornou tóxico e, aos
poucos, ela está morrendo. Pode ser uma situação de vida que não corresponde ao
anseio da alma, o que quer dizer que a pessoa está se movendo em direção oposta
ao seu propósito. Nesse momento, surge a chance de ver a realidade e de fazer
uma escolha. Quando me refiro à morte, nesse caso, é no sentido de vier sem
alegria e sem prazer – isso é o mesmo que morrer. Muitas vezes, a pessoa
precisa chegar nesse estágio para que ocorra uma mudança de eixo capaz de
transforma a vida. Infelizmente, é assim que funciona: em geral, é o sofrimento
que gera o impulso da transformação. A mudança, normalmente, chega através de
um grande vazio existencial, uma depressão, uma grande perda ou uma doença. Com
isso não estou dizendo que precisamos sofrer para evoluir, mas é fato que é
isso que tem acontecido no decorrer da história da humanidade. Tenho trabalhado
para que possamos ser impulsionados pelo amor, e não pelo sofrimento, mas isso
será possível somente através de uma mudança de cultura. DESMORONAMENTO DO
FALSO – Chega esse momento em que tudo começa a desmoronar. E a queda é
proporcional ao tamanho da construção. Quanto maior o império construído pelo
ego, maior o estrondo. Quanto maior a conquista material, maior a comparação
entre o que se conquistou fora e o que não se conseguiu alcançar internamente.
Se há um império fora, mas ainda não há nada dentro de si, Você entra em
desespero. É possível que você se dê conta de que tudo que fez e de que todas
as suas vitórias não servem para absolutamente nada, pois momento final, você
não leva consigo nem mesmo um grão de poeira. A única coisa que você leva é a
si próprio. A única coisa que realmente tem sentido e pode ser alcançada é você
mesmo – a sua verdadeira identidade. Quando você é um estranho para si mesmo,
nem o mundo inteiro é capaz de preenche-lo. Você se veste e sai para a vida,
mas sempre se questionando. Nada faz sentido, nada satisfaz. E qualquer coisa
que o mundo ofereça é insuficiente. Você se sente insatisfeito e frustrado.
Muitas vezes, deprimido. A vida torna-se um fardo. Aquilo que você considerava
normal de repente se torna absurdo, porque você começa a perceber a falta de
sentido no modo como vive e na sua relação com o mundo. Não estou dizendo que é
errado conquistar bens ou tornar-se rico. A prosperidade é também uma
manifestação divina. Estou-me referindo ao fato de muitos desperdiçarem suas
vidas na busca desenfreada pela riqueza material. Desperdiçam a vida procurando
a felicidade através do acúmulo de coisas. Isso é insano. O homem sensato é
aquele que busca a felicidade dentro de si mesmo. Mas, independentemente da
riqueza que a pessoa possa ter adquirido ou da pobreza na qual ela esteja
vivendo, essa crise existencial caracteriza uma emergência: algo precisa mudar!
Trata-se de uma crise profunda, mas absolutamente necessária, pois é ela que
faz você mover para a transformação. Tenho dito que, no mais profundo, as
coisas são positivas. Isso é perceptível não somente na esfera pessoal, mas
também na coletiva. Não importa se é crise política, econômica, financeira ou
ambiental. Não importa se é um câncer, uma dor de estômago ou uma acne (...).
Se existe uma crise agora, é porque alguma coisa já estava errada muito antes
de ela se manifestar. Até o momento em que a crise vem à tona, tudo parece
estar bem, tudo parece “normal”. Até que os sintomas surjam, você aparenta
estar saudável, mas a verdade é que a doença (que também é uma forma de crise)
já estava em processo de instalação no seu sistema havia muito tempo. Portanto,
a crise é apenas uma eclosão, a exposição de algo que estava submerso, mas que
vinha se fortalecendo por maus hábitos, condicionamentos e comportamentos
contaminados pelo medo. Olhando por esse ângulo, a crise é uma benção, pois se
examinarmos o que está por trás dos sintomas, teremos a chance de reconhecer e
tratar a doença em sua origem. Portanto, ela é uma oportunidade de cura e
crescimento. AMOR REPRESADO – Não poderia passar por este tema sem tocar na
questão da depressão, pois vejo que estamos enfrentando uma verdadeira epidemia
desse distúrbio. Como mencionei anteriormente, a depressão tornou-se a doença
do século, e isso reflete o ponto em que estamos na jornada evolutiva. Por mais
que tenhamos avançado nas descobertas científicas, ainda não encontramos
solução para esse tipo de desequilíbrio. Muito pelo contrário: os índices de
suicídio são assustadores. Desenvolvemos máquinas capazes de ir para além da
atmosfera terrestre e de visitar outros planetas, mas ainda não temos
tecnologias eficazes para a transcendência da carência e para a cura da
obsessão pelo poder. Ainda não fomos capazes de encontrar soluções para os
nossos problemas ambientais nem para os altos índices de pobreza e de violência
no mundo. Costumo brincar dizendo que seria muito bom se pudéssemos desenvolver
uma pílula par despertar o amor. Essa seria a pílula que cura todas as doenças,
pois o amor é o solvente universal para todos os males. A depressão é um
sintoma do amor represado: do amor guardado no cofre. Em outras palavras, é um
sintoma do coração fechado. E esse fechamento, esse bloqueio da energia,
realmente muda a química do cérebro. O amor é a própria seiva da vida. Ele faz
tudo crescer e prosperar. Se o amor não está circulando no sistema,
inevitavelmente os níveis de dopamina e serotonina, entre outros hormônios,
ficam baixos, e portanto você fica fisicamente deprimido. Esse estado vai
dificultando cada vez mais a abertura do coração e até mesmo a busca de saídas
para o problema. Trata-se de mais um círculo vicioso. As vezes é necessário
usar uma medicação para interromper esse círculo e para reorganizar a química
do cérebro, mas a maioria das químicas utilizadas gera dependência, o que, na
verdade, leva ao agravamento da situação. De fato, a intervenção química pode
ajudar no primeiro momento, para amenizar os sintomas, mas é importante não
perder o rumo da cura. É importante lembrar que a desorganização química do
sistema é apenas uma sintoma, e não a causa. A causa é o amor bloqueado. E para
desbloquear o amor, se faz necessário um tanto de coragem para romper com a
mecanicidade, ou seja, romper com os condicionamentos que o impedem de ver a
vida através de outro ângulo. Muitas vezes, tudo parece estar muito bem na sua
vida material, mas você continua insatisfeito e deprimido. Por mais organizada
que esteja a sua vida, você sente que
algo está fora do lugar, embora não consiga identificar o que é. Às vezes é difícil
reconhecer, mas sempre há uma pista. Nesse caso, eu sugiro que você se
pergunte: se eu não tivesse que ganhar dinheiro nem agradar alguém, o que eu
faria da minha vida: O que eu faria com o meu tempo? Essa é uma boa pergunta
que pode ser o início de um processo de cura. Se você se permitir ir fundo
nesse estudo, será capaz de ver que não está dando passagem para aquilo que a
sua alma quer manifestar. Não está dando passagem para o amor. Em outras
palavras, você não está se permitindo ser espontâneo porque está preso em um
papel social. Pergunte a si mesmo: quem está atuando nesse papel? Quem é o
personagem dessa história? Sempre digo e repito que é preciso coragem para
mudar, porque muitas vezes você se acomoda nesse personagem. O que ocorre é que
a personalidade, desde cedo, foi treinada para fazer o que é certo de acordo
com os padrões da sociedade, e até certo ponto isso é necessário, mas você
deixa de ser criança e se torna um adulto preso nesse limites. Você cresce
fisicamente, mas no aspecto emocional continua no mesmo ponto. Então você faz o
que é correto (seguindo os padrões sociais) para receber amor e atenção, mas
isso o impede de ser espontâneo e natural. E quando você condena a
espontaneidade, condena também a sua saúde mental. E um dos principais sintomas
dessa repressão da sua espontaneidade é justamente a depressão. Um aspecto
comum em todos os quadros depressivos é o sentimento de solidão, de estar
separado e, consequentemente, desprotegido. Em geral, a pessoa se isola e deixa
de se relacionar com o mundo. Pode até conseguir ter sucesso em certas áreas da
vida – o que traz um alívio e esconde, por um tempo, os sintomas da depressão.
Às vezes os sintomas aparecem quando a pessoa está sozinha e, ao acordar no
meio da madrugada, é tocada pelo desespero, ou ainda quando não quer se
levantar pela manhã. Há ocasiões em que surgem sentimentos difusos e crises de
pânico, mas existe sempre um sentimento de desencaixe, uma falta de sentido na
vida, uma tristeza sem causa aparente. A pessoa não sabe explicar por que está
triste, mas segue fazendo suas coisas de modo automático. Ela não está ali – a
alma não está presente, porque se sente aprisionada e não consegue expandir.
Talvez a frase que melhor expressa o estado de depressão seja “a vida é sofrimento”.
Vejo que, independente das nossas marcas pessoais, coletivamente também estamos
atravessando uma zona depressiva. Quando falo coletivamente, me refiro à
humanidade, à raça humana. O planeta está passando por uma zona cinzenta. Isso
acontece porque a consciência está se expandindo e estamos começando a perceber
essa grande desconexão que nos levou ao grau máximo de degradação ambiental e
dos valores espirituais e humanos. De certa forma, estamos começando a tomar
consciência da nossa insanidade. SUPORTAR A DOR – Tenho constatado que um dos
maiores desafios da jornada humana é sentir, ou melhor: lidar com aquilo que se
sente. Vejo que somente a disposição para enfrentar as dores existenciais que
nos habitam pode curar a humanidade, pois são essas dores que geram a nossa
insanidade. Não é insano matarmos uns aos outros? Não é insano, destruirmos
nosso planeta? Não é insano poluir os rios? Não é insano poluir a Terra? Não é
insano destruirmos a nossa fonte de vida? Na minha visão tudo isso é insano,
mas trata-se de uma insanidade produzida pela dor inconsciente que carregamos.
De tão desafiador que é sentir e lidar com os sentimentos, acabamos nos
colocando dentro de uma armadura. Criamos um muro entre nós e o mundo e nos
tornamos insensíveis, porque esse muro nos impede de sentir. E nós fazemos isso
porque, em algum nível, existe a ideia de que sentir é muito perigoso. Essa
ideia existe por causa de uma memória que carregamos. Como já vimos, em algum
momento da nossa biografia passamos por experiência dolorosas e difíceis de
suportar e com isso precisamos amortecer a dor. Então nós erguemos um muro que
é construído com muitos sentimentos: orgulho, medo, vingança, ódio,
racionalização e diversos outros mecanismos de defesa. Entretanto, para
seguirmos em frente na jornada, esse muro terá que ser destruído. Em algum
momento, precisaremos retirar a armadura e ficar vulneráveis. Somente assim
será possível aprender a lidar com os sentimentos. Esse aprendizado é uma
passagem necessária para o processo evolutivo, até porque você só pode
sustentar o estase se conseguir suportar a tristeza, pois o canal do sentir é o
mesmo. Tanto a tristeza quanto o êxtase passam pelo mesmo canal. Portanto, ao
bloquear os sentimentos para não sentir a dor, você também impede a possibilidade
de sentir prazer. Certa vez alguém disse que emoções são como cavalos
selvagens. Elas são indomáveis, e os sentimentos são como corredeiras de água
que você não controla e não sabe para onde irão leva-lo. Mas, em algum momento,
você terá que lidar com isso. Precisará aprender a enfrentar a vulnerabilidade
e a incerteza que os sentimentos trazem. Ao mesmo tempo em que os sentimentos
podem leva-lo a visitar os calabouços do inconsciente e ativar pavores,
desesperos e angústias que não se podem traduzir em palavras, eles também podem
conduzi-lo a experiências maravilhosas e fazê-lo chorar de alegria e gratidão.
Lidar com os sentimentos negados é uma passagem inevitável. Se você construiu
um muro bem alicerçado, isso significa que há dores existenciais tão profundas
que fazem com que você tenha medo de sentir a dor do aniquilamento. E alguns
sentimentos são realmente mortificantes, porém esse muro terá de ser derrubado,
e isso só acontecerá quando você se dispuser a investigar; quando, de forma
consciente, decidir enxergar o que está por trás dele. Para enfrentar a dor e
lidar com os sentimentos negados, é preciso ter um tanto de humildade e de
coragem. Humildade para admitir que realmente as coisas não forma fáceis, mas
faça isso sem redimensionar a dor, ou seja, sem fantasiar e cair no vitimismo
(sentimento de ser vítima). É preciso também ter humildade para reconhecer que
a rosa tem espinhos. É necessário ter coragem para encarar tais dores, o que
significa olhar para o espinho e retirá-lo. Mas retirar o espinho causa dor,
especialmente se ele está acomodado na carne. E o fato de estar acomodado não
significa que não dói. Pelo contrário: deve estar infeccionado, criando uma
gangrena que você não sente, por estar amortecido. Então, no primeiro momento,
mexer no espinho vai doer mais do que tê-lo encravado na carne. Olhar para os
espinhos significa entrar em contato com memórias e traumas que você sempre
quis esquecer. Querer esquecer ou querer que algo não exista não é o
suficiente. Você quer se libertar do passado, mas ele continua lá. Só é
possível libertar-se do passado chegando a um acordo com ele. Identificar
nossos distúrbios, preocupações e loucuras é o primeiro passo. No entanto,
entre a identificação da doença e a cura há um caminho por vezes longo. Por isso
é preciso estar comprometido com a cura – isso é realmente valioso. Nesse
mundo, é raro encontrar pessoas que tenham essa lucidez. Portanto, para ser
você mesmo, além de humildade, é necessário ter comprometimento, coragem e
firmeza para se libertar das defesas e desconstruir os muros, as armaduras e as
máscaras. Para isso, você precisará tornar-se vulnerável. Só é possível
manifestar o propósito da alma estando desarmado, por isso eu digo que o fato
de você identificar que está se defendendo, que está brigando, que está armado
é uma medida de sucesso. Só o processo de tomar consciência disso já tem o
poder de despertá-lo. Quando você percebe algo que não estava percebendo, sua
consciência já está expandida. Por isso tenho dito que a maior conquista da humanidade
não diz respeito aos avanços científicos, mas sim à capacidade de identificar o
que foi negado e de aprender a lidar com a natureza sombria. A capacidade de
tratar a dor. Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico e o acúmulo de
dinheiro, ainda não aprendemos a lidar com a raiva, o ciúme, a inveja, a
frustração (...). Portanto, considero algo realmente valoroso para o ser humano
aprender a enfrentar esses conteúdos, ou seja, as dores existenciais que o
habitam. Devido à inabilidade que temos para trabalhar com isso, simplesmente
tiramos esses sentimentos do nosso campo de visão, amortecemos e desenvolvemos
máscaras. Isso não quer dizer que sou contra o avanço tecnológico e científico.
Muito pelo contrário. Sou um usuário e um pesquisador de novas soluções, desde
que elas estejam alinhadas com o desenvolvimento sustentável do ser humano e
sirvam ao propósito maior. É fato que desenvolvemo-nos muito tecnologicamente
nas últimas três décadas. Nunca houve tanto dinheiro. No entanto, continuamos
matando uns aos outros. Não há nada de errado com a tecnologia, com as
maravilhas da arquitetura, da arte, da engenharia. Não há nada de errado com o
dinheiro. A questão é o uso que estamos fazendo disso. Vejo que a humanidade
ficou parada neste ponto do estudo: ao mesmo tempo em que existe a necessidade
de aprender e crescer através do sofrimento, há também uma incapacidade de
lidar com a dor. Esse paradoxo tem gerado um sofrimento desnecessário, por isso
eu digo que se há algo de real valor nesse mundo é o autoconhecimento. Esse é o
caminho. Livro Propósito – A Coragem de Ser Quem Somos. Abraço. Davi.
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