quarta-feira, 29 de março de 2017

A MORTE DO FALSO EU.



Espiritualidade. Texto de Sri Prem Baba (1951-  ). Capítulo Três. A MORTE DO FALSO EU – BENDITA CRISE. Chega um momento em que os amortecedores deixam de ser eficazes, assim como a droga que gera tolerância e cujas doses precisam ser cada vez maiores para se obter o efeito desejado. Nesse caso, os efeitos colaterais começam a ficar insuportáveis, e o risco de uma overdose se torna iminente. Muitas vezes, é necessário chegarmos a esse nível de sofrimento para que, através de um impulso de vida, encontremos as forças necessárias para a transformação. Ao chegar nesse ponto, a pessoa vê que existe apenas uma escolha: ou ela muda ou morre. Porque, mesmo que não esteja viciada em uma droga química, está viciada em algo que se tornou tóxico e, aos poucos, ela está morrendo. Pode ser uma situação de vida que não corresponde ao anseio da alma, o que quer dizer que a pessoa está se movendo em direção oposta ao seu propósito. Nesse momento, surge a chance de ver a realidade e de fazer uma escolha. Quando me refiro à morte, nesse caso, é no sentido de vier sem alegria e sem prazer – isso é o mesmo que morrer. Muitas vezes, a pessoa precisa chegar nesse estágio para que ocorra uma mudança de eixo capaz de transforma a vida. Infelizmente, é assim que funciona: em geral, é o sofrimento que gera o impulso da transformação. A mudança, normalmente, chega através de um grande vazio existencial, uma depressão, uma grande perda ou uma doença. Com isso não estou dizendo que precisamos sofrer para evoluir, mas é fato que é isso que tem acontecido no decorrer da história da humanidade. Tenho trabalhado para que possamos ser impulsionados pelo amor, e não pelo sofrimento, mas isso será possível somente através de uma mudança de cultura. DESMORONAMENTO DO FALSO – Chega esse momento em que tudo começa a desmoronar. E a queda é proporcional ao tamanho da construção. Quanto maior o império construído pelo ego, maior o estrondo. Quanto maior a conquista material, maior a comparação entre o que se conquistou fora e o que não se conseguiu alcançar internamente. Se há um império fora, mas ainda não há nada dentro de si, Você entra em desespero. É possível que você se dê conta de que tudo que fez e de que todas as suas vitórias não servem para absolutamente nada, pois momento final, você não leva consigo nem mesmo um grão de poeira. A única coisa que você leva é a si próprio. A única coisa que realmente tem sentido e pode ser alcançada é você mesmo – a sua verdadeira identidade. Quando você é um estranho para si mesmo, nem o mundo inteiro é capaz de preenche-lo. Você se veste e sai para a vida, mas sempre se questionando. Nada faz sentido, nada satisfaz. E qualquer coisa que o mundo ofereça é insuficiente. Você se sente insatisfeito e frustrado. Muitas vezes, deprimido. A vida torna-se um fardo. Aquilo que você considerava normal de repente se torna absurdo, porque você começa a perceber a falta de sentido no modo como vive e na sua relação com o mundo. Não estou dizendo que é errado conquistar bens ou tornar-se rico. A prosperidade é também uma manifestação divina. Estou-me referindo ao fato de muitos desperdiçarem suas vidas na busca desenfreada pela riqueza material. Desperdiçam a vida procurando a felicidade através do acúmulo de coisas. Isso é insano. O homem sensato é aquele que busca a felicidade dentro de si mesmo. Mas, independentemente da riqueza que a pessoa possa ter adquirido ou da pobreza na qual ela esteja vivendo, essa crise existencial caracteriza uma emergência: algo precisa mudar! Trata-se de uma crise profunda, mas absolutamente necessária, pois é ela que faz você mover para a transformação. Tenho dito que, no mais profundo, as coisas são positivas. Isso é perceptível não somente na esfera pessoal, mas também na coletiva. Não importa se é crise política, econômica, financeira ou ambiental. Não importa se é um câncer, uma dor de estômago ou uma acne (...). Se existe uma crise agora, é porque alguma coisa já estava errada muito antes de ela se manifestar. Até o momento em que a crise vem à tona, tudo parece estar bem, tudo parece “normal”. Até que os sintomas surjam, você aparenta estar saudável, mas a verdade é que a doença (que também é uma forma de crise) já estava em processo de instalação no seu sistema havia muito tempo. Portanto, a crise é apenas uma eclosão, a exposição de algo que estava submerso, mas que vinha se fortalecendo por maus hábitos, condicionamentos e comportamentos contaminados pelo medo. Olhando por esse ângulo, a crise é uma benção, pois se examinarmos o que está por trás dos sintomas, teremos a chance de reconhecer e tratar a doença em sua origem. Portanto, ela é uma oportunidade de cura e crescimento. AMOR REPRESADO – Não poderia passar por este tema sem tocar na questão da depressão, pois vejo que estamos enfrentando uma verdadeira epidemia desse distúrbio. Como mencionei anteriormente, a depressão tornou-se a doença do século, e isso reflete o ponto em que estamos na jornada evolutiva. Por mais que tenhamos avançado nas descobertas científicas, ainda não encontramos solução para esse tipo de desequilíbrio. Muito pelo contrário: os índices de suicídio são assustadores. Desenvolvemos máquinas capazes de ir para além da atmosfera terrestre e de visitar outros planetas, mas ainda não temos tecnologias eficazes para a transcendência da carência e para a cura da obsessão pelo poder. Ainda não fomos capazes de encontrar soluções para os nossos problemas ambientais nem para os altos índices de pobreza e de violência no mundo. Costumo brincar dizendo que seria muito bom se pudéssemos desenvolver uma pílula par despertar o amor. Essa seria a pílula que cura todas as doenças, pois o amor é o solvente universal para todos os males. A depressão é um sintoma do amor represado: do amor guardado no cofre. Em outras palavras, é um sintoma do coração fechado. E esse fechamento, esse bloqueio da energia, realmente muda a química do cérebro. O amor é a própria seiva da vida. Ele faz tudo crescer e prosperar. Se o amor não está circulando no sistema, inevitavelmente os níveis de dopamina e serotonina, entre outros hormônios, ficam baixos, e portanto você fica fisicamente deprimido. Esse estado vai dificultando cada vez mais a abertura do coração e até mesmo a busca de saídas para o problema. Trata-se de mais um círculo vicioso. As vezes é necessário usar uma medicação para interromper esse círculo e para reorganizar a química do cérebro, mas a maioria das químicas utilizadas gera dependência, o que, na verdade, leva ao agravamento da situação. De fato, a intervenção química pode ajudar no primeiro momento, para amenizar os sintomas, mas é importante não perder o rumo da cura. É importante lembrar que a desorganização química do sistema é apenas uma sintoma, e não a causa. A causa é o amor bloqueado. E para desbloquear o amor, se faz necessário um tanto de coragem para romper com a mecanicidade, ou seja, romper com os condicionamentos que o impedem de ver a vida através de outro ângulo. Muitas vezes, tudo parece estar muito bem na sua vida material, mas você continua insatisfeito e deprimido. Por mais organizada que esteja a sua vida, você  sente que algo está fora do lugar, embora não consiga identificar o que é. Às vezes é difícil reconhecer, mas sempre há uma pista. Nesse caso, eu sugiro que você se pergunte: se eu não tivesse que ganhar dinheiro nem agradar alguém, o que eu faria da minha vida: O que eu faria com o meu tempo? Essa é uma boa pergunta que pode ser o início de um processo de cura. Se você se permitir ir fundo nesse estudo, será capaz de ver que não está dando passagem para aquilo que a sua alma quer manifestar. Não está dando passagem para o amor. Em outras palavras, você não está se permitindo ser espontâneo porque está preso em um papel social. Pergunte a si mesmo: quem está atuando nesse papel? Quem é o personagem dessa história? Sempre digo e repito que é preciso coragem para mudar, porque muitas vezes você se acomoda nesse personagem. O que ocorre é que a personalidade, desde cedo, foi treinada para fazer o que é certo de acordo com os padrões da sociedade, e até certo ponto isso é necessário, mas você deixa de ser criança e se torna um adulto preso nesse limites. Você cresce fisicamente, mas no aspecto emocional continua no mesmo ponto. Então você faz o que é correto (seguindo os padrões sociais) para receber amor e atenção, mas isso o impede de ser espontâneo e natural. E quando você condena a espontaneidade, condena também a sua saúde mental. E um dos principais sintomas dessa repressão da sua espontaneidade é justamente a depressão. Um aspecto comum em todos os quadros depressivos é o sentimento de solidão, de estar separado e, consequentemente, desprotegido. Em geral, a pessoa se isola e deixa de se relacionar com o mundo. Pode até conseguir ter sucesso em certas áreas da vida – o que traz um alívio e esconde, por um tempo, os sintomas da depressão. Às vezes os sintomas aparecem quando a pessoa está sozinha e, ao acordar no meio da madrugada, é tocada pelo desespero, ou ainda quando não quer se levantar pela manhã. Há ocasiões em que surgem sentimentos difusos e crises de pânico, mas existe sempre um sentimento de desencaixe, uma falta de sentido na vida, uma tristeza sem causa aparente. A pessoa não sabe explicar por que está triste, mas segue fazendo suas coisas de modo automático. Ela não está ali – a alma não está presente, porque se sente aprisionada e não consegue expandir. Talvez a frase que melhor expressa o estado de depressão seja “a vida é sofrimento”. Vejo que, independente das nossas marcas pessoais, coletivamente também estamos atravessando uma zona depressiva. Quando falo coletivamente, me refiro à humanidade, à raça humana. O planeta está passando por uma zona cinzenta. Isso acontece porque a consciência está se expandindo e estamos começando a perceber essa grande desconexão que nos levou ao grau máximo de degradação ambiental e dos valores espirituais e humanos. De certa forma, estamos começando a tomar consciência da nossa insanidade. SUPORTAR A DOR – Tenho constatado que um dos maiores desafios da jornada humana é sentir, ou melhor: lidar com aquilo que se sente. Vejo que somente a disposição para enfrentar as dores existenciais que nos habitam pode curar a humanidade, pois são essas dores que geram a nossa insanidade. Não é insano matarmos uns aos outros? Não é insano, destruirmos nosso planeta? Não é insano poluir os rios? Não é insano poluir a Terra? Não é insano destruirmos a nossa fonte de vida? Na minha visão tudo isso é insano, mas trata-se de uma insanidade produzida pela dor inconsciente que carregamos. De tão desafiador que é sentir e lidar com os sentimentos, acabamos nos colocando dentro de uma armadura. Criamos um muro entre nós e o mundo e nos tornamos insensíveis, porque esse muro nos impede de sentir. E nós fazemos isso porque, em algum nível, existe a ideia de que sentir é muito perigoso. Essa ideia existe por causa de uma memória que carregamos. Como já vimos, em algum momento da nossa biografia passamos por experiência dolorosas e difíceis de suportar e com isso precisamos amortecer a dor. Então nós erguemos um muro que é construído com muitos sentimentos: orgulho, medo, vingança, ódio, racionalização e diversos outros mecanismos de defesa. Entretanto, para seguirmos em frente na jornada, esse muro terá que ser destruído. Em algum momento, precisaremos retirar a armadura e ficar vulneráveis. Somente assim será possível aprender a lidar com os sentimentos. Esse aprendizado é uma passagem necessária para o processo evolutivo, até porque você só pode sustentar o estase se conseguir suportar a tristeza, pois o canal do sentir é o mesmo. Tanto a tristeza quanto o êxtase passam pelo mesmo canal. Portanto, ao bloquear os sentimentos para não sentir a dor, você também impede a possibilidade de sentir prazer. Certa vez alguém disse que emoções são como cavalos selvagens. Elas são indomáveis, e os sentimentos são como corredeiras de água que você não controla e não sabe para onde irão leva-lo. Mas, em algum momento, você terá que lidar com isso. Precisará aprender a enfrentar a vulnerabilidade e a incerteza que os sentimentos trazem. Ao mesmo tempo em que os sentimentos podem leva-lo a visitar os calabouços do inconsciente e ativar pavores, desesperos e angústias que não se podem traduzir em palavras, eles também podem conduzi-lo a experiências maravilhosas e fazê-lo chorar de alegria e gratidão. Lidar com os sentimentos negados é uma passagem inevitável. Se você construiu um muro bem alicerçado, isso significa que há dores existenciais tão profundas que fazem com que você tenha medo de sentir a dor do aniquilamento. E alguns sentimentos são realmente mortificantes, porém esse muro terá de ser derrubado, e isso só acontecerá quando você se dispuser a investigar; quando, de forma consciente, decidir enxergar o que está por trás dele. Para enfrentar a dor e lidar com os sentimentos negados, é preciso ter um tanto de humildade e de coragem. Humildade para admitir que realmente as coisas não forma fáceis, mas faça isso sem redimensionar a dor, ou seja, sem fantasiar e cair no vitimismo (sentimento de ser vítima). É preciso também ter humildade para reconhecer que a rosa tem espinhos. É necessário ter coragem para encarar tais dores, o que significa olhar para o espinho e retirá-lo. Mas retirar o espinho causa dor, especialmente se ele está acomodado na carne. E o fato de estar acomodado não significa que não dói. Pelo contrário: deve estar infeccionado, criando uma gangrena que você não sente, por estar amortecido. Então, no primeiro momento, mexer no espinho vai doer mais do que tê-lo encravado na carne. Olhar para os espinhos significa entrar em contato com memórias e traumas que você sempre quis esquecer. Querer esquecer ou querer que algo não exista não é o suficiente. Você quer se libertar do passado, mas ele continua lá. Só é possível libertar-se do passado chegando a um acordo com ele. Identificar nossos distúrbios, preocupações e loucuras é o primeiro passo. No entanto, entre a identificação da doença e a cura há um caminho por vezes longo. Por isso é preciso estar comprometido com a cura – isso é realmente valioso. Nesse mundo, é raro encontrar pessoas que tenham essa lucidez. Portanto, para ser você mesmo, além de humildade, é necessário ter comprometimento, coragem e firmeza para se libertar das defesas e desconstruir os muros, as armaduras e as máscaras. Para isso, você precisará tornar-se vulnerável. Só é possível manifestar o propósito da alma estando desarmado, por isso eu digo que o fato de você identificar que está se defendendo, que está brigando, que está armado é uma medida de sucesso. Só o processo de tomar consciência disso já tem o poder de despertá-lo. Quando você percebe algo que não estava percebendo, sua consciência já está expandida. Por isso tenho dito que a maior conquista da humanidade não diz respeito aos avanços científicos, mas sim à capacidade de identificar o que foi negado e de aprender a lidar com a natureza sombria. A capacidade de tratar a dor. Mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico e o acúmulo de dinheiro, ainda não aprendemos a lidar com a raiva, o ciúme, a inveja, a frustração (...). Portanto, considero algo realmente valoroso para o ser humano aprender a enfrentar esses conteúdos, ou seja, as dores existenciais que o habitam. Devido à inabilidade que temos para trabalhar com isso, simplesmente tiramos esses sentimentos do nosso campo de visão, amortecemos e desenvolvemos máscaras. Isso não quer dizer que sou contra o avanço tecnológico e científico. Muito pelo contrário. Sou um usuário e um pesquisador de novas soluções, desde que elas estejam alinhadas com o desenvolvimento sustentável do ser humano e sirvam ao propósito maior. É fato que desenvolvemo-nos muito tecnologicamente nas últimas três décadas. Nunca houve tanto dinheiro. No entanto, continuamos matando uns aos outros. Não há nada de errado com a tecnologia, com as maravilhas da arquitetura, da arte, da engenharia. Não há nada de errado com o dinheiro. A questão é o uso que estamos fazendo disso. Vejo que a humanidade ficou parada neste ponto do estudo: ao mesmo tempo em que existe a necessidade de aprender e crescer através do sofrimento, há também uma incapacidade de lidar com a dor. Esse paradoxo tem gerado um sofrimento desnecessário, por isso eu digo que se há algo de real valor nesse mundo é o autoconhecimento. Esse é o caminho. Livro Propósito – A Coragem de Ser Quem Somos. Abraço. Davi.

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